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SUMÁRIO:
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É ilegal a liquidação notificada ao sujeito passivo sem precedência de audição prévia, por violação dos imperativos legais do artigo 60º da LGT. O exercício do direito de audição inclui, não apenas o direito do contribuinte de se pronunciar sobre todas as questões objeto de procedimento, mas também o direito de requerer diligências complementares e de juntar documentos ao processo.
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No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no artigo 99.º e seguintes do CPPT, o tribunal tem de limitar a sua análise para formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado, apenas à fundamentação contextual integrante do próprio ato de liquidação, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação. Pelo que, toda a motivação ou fundamentos invocados à posteriori são irrelevantes.
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No caso dos presentes autos a liquidação adicional impugnada padece, também, de vício de forma por falta de fundamentação, pelo que viola o princípio consignado no artigo 77º da LGT.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 26-02-2021 A... (doravante designada por Requerente’), com o do NIF..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, vem ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação a seguir identificados, no valor de € 37.204,24.
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No pedido arbitral é requerida a anulação dos seguintes atos:
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Liquidação adicional de IRS n.º 2020..., respeitante ao período de 2016;
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Liquidação de juros compensatórios n.º 2020...; e
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Demonstração de acerto de contas com a compensação n.º 2020 ... de 22 de outubro de 2020 e a id. de documento n.º 2020... .
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As referidas liquidações decorrem da não consideração, por parte da AT, do reinvestimento declarado pela Requerente na declaração de IRS, referente ao ano em causa.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, a liquidação impugnada e padece de vício de falta de fundamentação e de violação de lei. Alega em defesa da sua posição o facto de terem sido desconsideradas as despesas com a reconstrução da habitação, sem qualquer fundamento.
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No dia 01-03-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. Na mesma data, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em 11/05/2021 a AT comunicou a revogação parcial do ato, nos termos do disposto no artigo 13º, nº1 do RJAT. Pelo que, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente para se pronunciar sobre a revogação e eventual interesse em manter o prosseguimento do procedimento arbitral.
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Em 21-05-2021 a Requerente pronunciou-se e declarou pretender continuar com o procedimento arbitral. Com o seu requerimento juntou 4 documentos em anexo.
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Em conformidade, prosseguiu o procedimento arbitral e de acordo com o previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 21-05-2021.
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No dia 24-05-2021, foi proferido despacho arbitral para notificação da Requerida, nos termos do disposto no artigo 17º do RJAT, o qual fixou prazo para apresentação de resposta. A Requerida apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, e, previamente, faz alusão à revogação parcial do ato impugnado e requer o desentranhamento dos documentos que a Requerente juntou em anexo ao requerimento de resposta que se seguiu à revogação parcial, em momento anterior à constituição do tribunal arbitral.
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No dia 14-09-2021, foi proferido despacho a marcar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, destinada à inquirição da testemunha indicada pela Requerente e à determinação da tramitação subsequente. A reunião realizou-se na data prevista. O Tribunal arbitral pronunciou-se, no início da reunião, quanto ao requerimento da AT para desentranhamento dos autos dos documentos juntos pela A após a apresentação do pedido arbitral, mas antes da constituição do Tribunal arbitral. Reitera-se a fundamentação constante da ATA da reunião, que se dá por integralmente reproduzida. Acrescenta-se, ainda, que a junção dos documentos (Faturas) sucedeu no seguimento da revogação parcial da liquidação impugnada, promovida pela AT. Neste sentido, respeitando o princípio do contraditório e da descoberta da verdade, não pode deixar de se considerar como oportuna a junção dos mencionados documentos. Por outro lado, ao tempo em que ocorreu essa junção o Tribunal arbitral não se encontrava sequer constituído, pelo que não se afigura defensável a tese da AT.
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Na reunião foi, ainda, inquirida a testemunha indicada pela Requerente, conforme ata junta aos autos que se dá por integralmente reproduzida.
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De seguida foi fixado prazo para apresentação de alegações escritas, as quais foram apresentadas pelas partes.
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Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, ou seja, até 21-11-2021, sem prejuízo de eventual prorrogação determinada nos termos do n.º 2 do mesmo artigo. Por despacho de 20-11-2021 foi prorrogado o prazo para decisão por mais dois meses, nos termos previstos no nº2 do artigo 21º, por não ter sido possível terminar a decisão, considerando as vicissitudes decorrentes da pandemia ainda em curso, a proximidade das datas de junção das Alegações das partes (27 e 28 de outubro, respetivamente) a necessidade análise detalhada do processo e as interrupções em férias judiciais, conforme dispõe o artigo 17º-A do RJAT. Assim, a data-limite para prolação da decisão arbitral, seria no entendimento deste Tribunal, o próximo dia 3 de fevereiro de 2022. Contudo, considerando que a divergência de entendimento quanto à interrupção do prazo durante as férias judiciais, o Tribunal arbitral proferiu novo despacho de prorrogação, inserido no sistema de gestão processual em 21-01-2022.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa:
Tudo visto, cumpre proferir.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 31 e maio de 2017 a Requerente entregou a declaração de rendimentos Mod. 3 referente ao ano fiscal de 2016, na qual declarou, no campo 4001 do quadro 4 do anexo G, um valor de realização de 365.000,00 €, o valor de aquisição de 165.000,00 € indicando como data de aquisição o mês de janeiro do ano de 2013, despesas e encargos no montante de 100.000,00 € e no campo 5006 (valor a reinvestir) foi inscrito o montante de 365.000,00 €;
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A Requerente alienou a sua habitação própria permanente e reinvestiu na aquisição do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ..., fração R, da freguesia de ..., também destinada a habitação própria permanente;
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A Requerente declarou pretender reinvestir o montante total do valor de realização, ou seja, 365.000,00 €, pelo que a tributação das mais-valias ficou suspensa até à declaração, a ocorrer num dos anos seguintes, do reinvestimento;
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A 10 de outubro de 2017 a Requerente submeteu no Portal das Finanças uma Declaração de substituição Modelo 3, por referência ao ano de 2016, que difere da anterior no que concerne ao montante de despesas e encargos constantes do campo 4001 do quadro 4 do anexo G, no qual inscreveu o valor de 40.433,78 €, ao invés do montante de 100.000,00 € inscrito na 1.ª declaração entregue;
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No seguimento desta declaração de substituição, a AT ordenou um procedimento de fiscalização para análise e gestão de divergências;
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A 10 de novembro de 2017, o sujeito passivo entregou nova declaração de substituição relativa aos rendimentos do ano fiscal de 2016, na qual declarou, no campo 4001 do quadro 4 do anexo G, o valor de realização de 182.500,00 €, o valor de aquisição de 82.500,00 € e despesas e encargos de 20.216,89 € e o valor de 365.000,00 € a reinvestir;
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A 22 de outubro de 2020, os serviços competentes da AT procederam à liquidação n.º 2020..., baseada no não reinvestimento do valor de realização, o que resultou num valor a pagar de 34.821,41 €, com data-limite para pagamento até 30 de novembro de 2020.
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O valor de imposto liquidado oficiosamente, resulta da inserção na declaração de um rendimento global com o montante de 99.939,01€, composto pelo valor de 20.155,90 € correspondente ao rendimento da Categoria A, e pelo valor de 79.783,11 € a título de tributação de mais-valia.
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A liquidação impugnada foi notificada à Requerente sem precedência de audiência prévia;
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A Requerente, antes da interposição da presente ação, requereu que fosse emitida certidão nos termos previstos no art.º 37.º do CPPT, com a fundamentação da liquidação;
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A AT respondeu pelo Ofício n.º 2020... de 20 de novembro de 2020, com o seguinte teor: «Nos termos dos artºs 91º nº 2 e 92º nº3 al. b) do CIRS não tendo o valor da realização sido reinvestido na totalidade, até ao final do prazo legalmente previsto para tal, há lugar à liquidação do imposto que deixou de ser cobrado, acrescido de juros compensatórios liquidados nos termos do artº 35º da Lei Geral Tributária»
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A Requerente pediu nova informação, em 25 de novembro de 2020, através do e-balcão, alertando para o lapso ou confusão da AT e para as declarações anteriores, das quais resulta que o reinvestimento ocorreu efetivamente no prazo dos 36 meses legalmente previsto.
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A resposta da AT a esta segunda interpelação foi a seguinte:
«A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) agradece o seu contacto.
Analisada a sua questão cumpre-me informar que o e-balcão é um serviço informativo pelo que não efetua cálculos. No entanto analisada a declaração parece não ter considerado o reinvestimento pelo que recebida a nota de liquidação definitiva, pode reclamar graciosamente se não concordar com os valores calculados pela AT»
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Por fim, cabe ainda constatar que a 31 de dezembro de 2020 foi instaurado o Processo de Execução Fiscal com o n.º ...2020..., no montante de 37.588,59 €
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A AT não juntou aos autos Processo Administrativo;
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Em 26-02-2021 a Requerente apresentou o presente pedido de constituição de Tribunal arbitral para impugnação da liquidação;
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No seguimento da apresentação deste pedido arbitral a liquidação impugnada foi parcialmente revogada depois de reapreciada, usando da prerrogativa prevista no artigo 13º do RJAT;
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Reapreciado o ato, foi aceite pela AT a título de reinvestimento do valor de realização do imóvel alienado em 2016, o montante de 165.000,00€ correspondente ao valor da compra do imóvel em 2018 mas não os valores inscritos na declaração a título de despesas e encargos no valor de € 178.209,00, por inexistirem nos autos, maxime, no ppa apresentado pela Requerente, quaisquer elementos dos quais conste qualquer valor que se possa considerar como reinvestimento do valor de realização do imóvel alienado em 2016.
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A decisão de revogação parcial da liquidação objeto da presente contenda foi notificada à Requerente, a 12-05-2021, que, não conformada, se pronunciou pelo prosseguimento dos autos;
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Em 21-05-2021, a junção aos autos de três Faturas, datadas de 01-01-2019, 04-01-2019 e 24-12-2018, nas quais constam os descritivos de prestações de serviços realizados na moradia correspondente á habitação adquirida pela Requerente.
A.2. Factos dados como não provados
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Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
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Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental junta aos autos pela Requerente, concretamente, os nove documentos em anexo ao pedido arbitral e não impugnados pela AT, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados nas alíneas a) a s). Os factos descritos nas alíneas q), r) e s) resultam, também, provados pelo teor da revogação parcial do ato operada nos termos do disposto no artigo 13º do RJAT. A testemunha inquirida, cujo depoimento se revelou coerente e credível, corroborou os factos alegados pela Requerente, quanto ao reinvestimento e aos períodos em que foram realizados. Quanto às Faturas juntas aos autos pela Requerente após a revogação parcial do ato impugnado, não se ordenou o desentranhamento como requerido pela AT, por se entender que as mesmas ainda podiam ser juntas aos autos, em momento anterior à constituição do Tribunal arbitral e como resposta ao teor do ato de revogação parcial praticado pela AT. Ora, estas faturas já haviam sido inseridas no sistema da AT, tendo recebido o tratamento fiscal devido e produzido todos os efeitos legais daí decorrentes. Ao que acresce a presunção de veracidade de que beneficiam, por força do disposto no artigo 75º da LGT. Da prova documental junta aos autos e da inquirição da testemunha realizada, o Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto assente, de acordo com os princípios de direito probatório aplicáveis.
B. DO DIREITO
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Considerando a matéria provada e a revogação parcial da liquidação impugnada, a questão a decidir ficou limitada à dedutibilidade dos encargos e despesas com a reconstrução da habitação. Insurge-se a Requerente quanto às correções, operadas pela Autoridade Tributária, relativas ao reinvestimento declarado, não revogadas pela decisão de reapreciação do ato, ocorrida no seguimento da apresentação do pedido arbitral.
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Em causa está a liquidação impugnada, na parte não revogada, pelo que, os vícios invocados têm de ser aferidos à luz do procedimento que conduziu à liquidação adicional e à fundamentação contida na liquidação, sendo irrelevantes os fundamentos aduzidos na decisão de revogação parcial do ato ou na resposta apresentada pela AT.
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Alega a Requerente que a liquidação impugnada padece de vício de forma por «ausência de projeto de liquidação e por violação do direito fundamental procedimental à fundamentação».
Vejamos, pois, se assiste razão à Requerente quanto aos vícios de forma alegados.
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No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no artigo 99.º e seguintes do CPPT, o tribunal está limitado à formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação. Pelo que, toda a motivação ou fundamentos invocados à posteriori são irrelevantes.
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Assim, no caso dos presentes autos, o tribunal tem de se limitar a analisar o conteúdo da(s) liquidações impugnadas, à luz da fundamentação nelas contida. Não pode atender a fundamentos invocados à posteriori, mormente, no ato de revogação parcial da liquidação e na resposta ao pedido arbitral.
O mesmo se diga quanto ao procedimento que conduziu às liquidações impugnadas (liquidação de imposto adicional e juros).
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Entende a Requerente que a liquidação em crise é ilegal por violação dos imperativos legais do artigo 77.º da LGT e do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição. Primeiramente porque, a Requerente foi alvo de uma liquidação adicional cujo procedimento decorreu sem audição prévia do sujeito passivo.
De facto, ficou provado que o procedimento de liquidação adicional está inquinado de vício de forma por violação do imperativo de audiência prévia.
A AT não juntou aos autos o processo administrativo, por inexistente, nem demonstrou a regular tramitação do procedimento, nomeadamente, a notificação ao sujeito passivo para se pronunciar em sede de audiência prévia.
Do teor da resposta junta aos autos pela AT resulta evidenciada a ausência da demonstração da notificação para audiência prévia, bem assim como, não demonstrou ter dado a oportunidade à Requerente de juntar os documentos comprovativos do reinvestimento realizado. Acresce ainda que, a decisão de revogação parcial do ato demonstra, mais uma vez, que o procedimento que conduziu à liquidação de imposto impugnada está inquinado de vício de forma também por violação dos princípios do inquisitório e da verdade material. Na verdade, os valores deduzidos pela Requerente a título de reinvestimento decorrente das obras de reconstrução da moradia foram faturados e registados no sistema. Ora, se a AT tinha dúvidas sobe a sua existência devia ter notificado a Requerente para os apresentar no serviço de inspeção responsável pelo processo. A AT falhou, pois, reiteradamente, as garantias do sujeito passivo ao longo do procedimento de liquidação que conduziu à liquidação impugnada.
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Estabelece o art.º 60º, n.º 1 al. a) da LGT que “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido contrário, por direito de audição antes da liquidação”.
Por sua vez, o n.º 2 da mesma disposição legal enumera os casos em que a audição prévia é dispensada, inferindo-se que, fora dos casos excecionados, a audição prévia antes da liquidação é obrigatória.
No caso vertente, não se verificam as situações de exceção enumeradas no n.º 2 do art.º 60º, pelo que se conclui que a audição prévia era obrigatória.
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Acresce salientar que a doutrina e a jurisprudência são pacíficas quanto à violação do direito de audição, reconhecendo que consubstancia preterição de formalidade essencial geradora de invalidade do ato. O artigo 60º da LGT, determina a obrigatoriedade de audiência dos interessados nos seguintes momentos:
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Direito de audição antes da liquidação;
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Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recurso ou petições;
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Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos;
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Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.»
(…)
Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores e arbitrais. A título de exemplo, veja-se o entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul, plasmado no acórdão de 18 de abril de 2018, proferido no processo n.º 06559/13: «O exercício do direito de audição inclui, não apenas o direito do contribuinte de se pronunciar sobre todas as questões objeto de procedimento, mas também o direito de requerer diligências complementares e a juntar documentos ao processo.
Perante a possibilidade de requerer diligências complementares, recai sobre a Administração tributária (AT) o dever de as realizar, sempre que as mesmas se afigurem adequadas e úteis a averiguar o circunstancialismo de facto relevante para a decisão a tomar no procedimento.
Caso a AT entenda não ser de efetuar as diligências requeridas, deverá pronunciar-se expressamente sobre o pedido da sua realização, se não antes, na decisão final sob pena de não o fazendo, dever considerar-se preterido o direito de audição prévia.»[1]
Esta jurisprudência, à qual se adere na íntegra, tem vindo a ser seguida, também, pelos tribunais arbitrais tributários. [2]
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Retornando ao caso dos autos, constata-se que da matéria provada nos autos não resulta ter sido dada ao contribuinte o direito de audição, antes de ser emitida a liquidação adicional de imposto. Ora, da letra do artigo 60º, nº 1, da LGT resulta que no procedimento de liquidação é obrigatório notificar o sujeito passivo para exercer o direito de audição antes da liquidação. E, quando ocorre um procedimento de precedido de inspeção que dê origem a uma liquidação adicional de imposto (como sucedeu no caso dos autos) é mesmo imperativo que em todas as fases, desde a inspeção e elaboração do subsequente relatório até à liquidação se conceda ao contribuinte o direito de audição.
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No caso dos autos resultou provado que a AT procedeu à liquidação adicional de imposto sem ter respeitado esse direito de audição. Se o tivesse assegurado, na fase de fiscalização, a Requerente teria tido a oportunidade de prestar os esclarecimentos necessários, juntar documentos e participar do procedimento. Porém, no caso em apreciação o procedimento não decorreu desse modo, constatando-se que a garantia do direito de audição não foi assegurada, nem antes de concluída a inspeção, nem antes de emitida a liquidação, pelo que se verifica um vício de forma invalidante.
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Por outro lado, não se verifica nenhum dos pressupostos para a dispensa, nos termos previstos no nº 2, do artigo 60º da LGT. Segundo este dispositivo legal, o direito de audição pode ser dispensado nos seguintes casos:
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No caso da liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
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No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
Ora, no presente caso não ocorre nenhuma das condições enunciadas, pelo que se conclui que o direito de audição devia ter sido observado e, por não ter sido respeitado, o ato de liquidação afigura-se ilegal e deve ser anulada.
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Acresce, ainda, que como resulta do teor da liquidação impugnada junta aos autos pela Requerente, esta não contém qualquer fundamentação. E mesmo depois de interpelada, nos termos do disposto no artigo 37º do CPPT, para emitir certidão contendo a fundamentação do ato, a verdade é que o Ofício notificado à Requerente é equívoco, não tem conexão lógica com os factos que caracterizam o caso concreto, alegando que o reinvestimento não se efetuou dentro do prazo dos 36 meses, o que é manifestamente incorreto. Questiona-se mesmo se o Ofício em causa terá ou não como referência o caso concreto ou se por lapso ou confusão diz respeito a qualquer outro processo, porquanto, já em sede de revogação parcial do ato, ficou absolutamente claro que o problema da desconsideração do reinvestimento nas obras de reconstrução da moradia teve origem na alegada «ausência de documentos comprovativos». Ora, se a AT tivesse respeitado as regras procedimentais a que estava e está obrigada, nomeadamente a notificação para audição prévia, acompanhada do projeto de decisão e respetiva fundamentação, a Requerente teria tido possibilidade de fazer a junção dos documentos comprovativos. Não faz sentido, por isso, a alegação da AT para desentranhar os documentos juntos pela Requerente após a notificação da revogação parcial. Na verdade, só nesse momento, a Requerente teve oportunidade de conhecer as razões que levaram à desconsideração do reinvestimento.
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Certo é que se verifica, sem margem de dúvida, falta absoluta de fundamentação porquanto, não são aceitáveis fundamentações à posteriori. O ato impugnado é o da liquidação adicional e, por consequência, é à luz da fundamentação contida neste ato que terá de ser aferida a sua ilegalidade. Ora, a liquidação impugnada é totalmente omissa quanto aos fundamentos que a determinaram, sabendo que um ato tributário apenas se considera devidamente fundamentado se for possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final, ou seja, à liquidação de imposto impugnada.
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Ora, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no artigo 99.º e seguintes do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori. No caso dos presentes autos a AT pretendeu, em sede de revogação do ato, constante da comunicação praticada ao abrigo do artigo 13.º do RJAT, como bem salienta a Requerente, fundamentar o ato de liquidação à posteriori. Veio nesta sede invocar o que não fez no momento da notificação do ato de liquidação nem na notificação da certidão do artigo 37.º do CPPT.
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Por tudo o que vem exposto, considera-se a liquidação impugnada ilegal, na parte que subsistiu após revogação, por vício de forma resultante de violação do dever de audição prévia e de falta de fundamentação. Dada a ilegalidade da liquidação em crise (como se tem vindo a demonstrar), são igualmente ilegais a demonstração de correção à liquidação de IRS, bem assim como a liquidação de juros, todas impugnadas nos presentes autos arbitrais.
Questões de conhecimento prejudicado
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Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento no vício principal imputado à liquidação impugnada, fica prejudicado o conhecimento do vício de violação de lei.
C. Decisão
De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral, decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar ilegal a liquidação adicional de IRS n.º 2020..., respeitante ao período de 2016, bem assim como a liquidação de juros compensatórios n.º 2020... e a demonstração de acerto de contas com a compensação n.º 2020 ... de 22 de outubro de 2020, com todas as consequências legais, incluindo a anulação do processo de execução fiscal com o n.º ...2020... .
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Condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 37.204,24 (trinta e sete mil, duzentos e quatro euros e vinte quatro cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.836,00 € (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 08- 02- 2022
O Árbitro,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Cfr, no mesmo sentido, Acórdão do STA, de 28-10-2020, proferido no processo 02887/13.8BEPRT, disponível in www.dgsi.pt.
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