SUMÁRIO:
1) O art.º 43.º, n.º 2 do CIRS ao reduzir a metade o ganho de mais-valias para sujeição a tributação deve ser aplicado também aos Não Residentes e residentes em Estado-Membro (“EM”) da UE, mesmo que estes não tenham optado pela aplicação do regime de tributação em IRS, mais-valias imobiliárias, aplicável aos Residentes. 2) As liquidações em que assim não se procedeu e se tributou o ganho de mais-valias pela totalidade são de anular nessa medida, da metade. 3) Em aplicação da Jurisprudência do TJUE que declarou os artigos 63.º e 65.º, n.º 1 do TFUE deverem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um EM relativa a IRS que “(...) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada (...) às mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem pelo regime aplicável aos residentes” – cfr. Despacho fundamentado do TJUE de 13.12.2021, Proc. C-224/21 – e da Jurisprudência Uniformizada e consolidada pelo STA proferida com base na anterior Jurisprudência do TJUE e ora por este também reiterada.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal portuguesa n.º..., residente em ..., ... –...–..., Espanha, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado aos anos de 2016 e 2017.
Às Liquidações em crise, com os n.ºs 2017... e 2018..., e datas de 20.06.2017 e 05.07.2018, respectivamente, corresponde um valor a pagar de € 12.900,58 relativamente ao ano de 2016, e de € 7.315,86 relativamente ao ano de 2017, perfazendo um total de imposto a pagar de € 20.216,44 (2016 e 2017). Que a Requerente, não obstante não se conformar com as Liquidações, pagou.
Nas Liquidações em crise, supra identificadas, são devidos a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” os montantes de € 12.714,80 e € 7.000,00, relativos, respectivamente, a 2016 e a 2017 (cfr. notas de liquidação - PA).
Na origem das liquidações em crise, doravante em conjunto também “as Liquidações”, estão as Declarações Modelo 3 referentes aos rendimentos obtidos nos anos de 2016 e 2017, apresentadas pela Requerente, respectivamente, em 18.05.2017 e 27.05.2018, nas quais declarou, para além de rendimentos prediais, os rendimentos de Mais-Valias que obteve em decorrência de alienação onerosa, nesses anos, de bens imóveis localizados em Portugal. A saber, dois bens imóveis no ano de 2016, e um bem imóvel no ano de 2017.
Após notificada das Liquidações, e com as mesmas não se conformando, a Requerente apresentou, a 16.01.2020, Pedido de Revisão Oficiosa reportado às mesmas, imputando-as de ilegais por violadoras do Artigo 63.º do TFUE e, assim, do Direito da União Europeia (doravante também “Direito da UE” ou “DUE”). O projecto de decisão de indeferimento da Revisão Oficiosa, após notificada a Requerente do mesmo e para o exercício do direito de audição, que exerceu, veio a ser convertido em decisão final de indeferimento, de que a Requerente foi notificada por Ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira de 18.03.2020.
A Requerente não se conforma com o indeferimento da Revisão Oficiosa, que confirmou as Liquidações na Ordem Jurídica. A decisão, expõe, tem por base um regime incompatível com o Direito da UE. O regime português na base das Liquidações, defende, é incompatível com o referido Direito, constituindo uma restrição à liberdade de circulação de capitais. Restrição que é proibida pelo Artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).
Por assim ser, requer ao Tribunal Arbitral seja declarada ilegal a decisão de indeferimento da Revisão Oficiosa e anuladas as Liquidações.
A Requerente expõe que é residente em Espanha, e que assim sucedia em 2016 e 2017.
Que comprou, em 2015, dois bens imóveis, que identifica, e que são fracções autónomas de prédios urbanos em regime de propriedade horizontal, sitos em Portugal, ambos no Concelho de ..., respectivamente designados pelas letras “B” e “C”, pelo preço, cada um, de € 9.750,00 (nove mil setecentos e cinquenta euros).
Que comprou, em 2016, um bem imóvel, que identifica, que constitui fracção autónoma de prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Portugal, no Concelho de Lisboa, designado pela letra “B”, pelo preço de € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros).
Mais que, em 2016, vendeu os dois bens imóveis adquiridos em 2015, supra, cada um pelo preço de € 33.000,00 (trinta e três mil euros).
E que, em 2017, vendeu o bem imóvel adquirido em 2016, supra, pelo preço de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros).
Mais que incorreu em encargos com a valorização dos imóveis que vendeu em 2016, e despesas na compra e venda, no valor total de € 1.090,00 (mil e noventa euros).
Apresentou as Declarações Modelo 3, juntamente com os Anexos G, declarando assim os rendimentos de Mais-Valias que obteve na venda dos imóveis e aí declarou as referidas despesas e encargos (ref. 2016) e a condição de não residente (ref. 2016 e 2017).
Não questionando a quantificação feita pela Administração Tributária do ganho de mais-valias, a Requerente porém não se conforma com a consideração que foi feita, para efeitos das Mais-Valias tributárias, do montante desse ganho por inteiro. Pois que assim não foi aplicado o regime do art.º 43.º, n.º 2 do Código do IRS (“CIRS”)[1]. A Administração Tributária aplicou - assim apurando o imposto - a taxa de 28% sobre a totalidade do ganho de mais-valias.
Ao desenvolver a defesa da sua posição, a Requerente expõe que é sujeito passivo Não Residente em Portugal, reside em Espanha, declarou a alienação onerosa dos imóveis (doravante os três em conjunto também designados “os Imóveis”), como aplicável nos termos dos art.ºs 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 2 e 18.º, n.º 1, al. h), todos do CIRS, e a Administração Tributária liquidou o imposto por aplicação do art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS. A taxa de 28% neste prevista foi aplicada ao total do rendimento de mais-valias imobiliárias obtido em cada um dos anos (a saber, € 45.410,00 em 2016, e € 25.000,00 em 2017). O que traduz erro de direito pois que o ganho devia ter sido considerado apenas em 50%, por aplicação do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS.
A não aplicação do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS aos Não Residentes que sejam residentes em Estado-Membro da UE determina a anulação das Liquidações, pois aquele artigo é incompatível com o Artigo 63.º do TFUE. Verifica-se, em seu entender, discriminação injustificada entre Residentes e Não Residentes. A legislação portuguesa é desconforme com o Direito da UE. A recusa de aplicação do art.º 43.º, n.º 2 no caso viola o Direito da UE, a saber, a liberdade de circulação de capitais, e a AT está adstrita ao art.º 8.º, n.º 4 da CRP que consagra o Princípio do Primado daquele Direito.
A assim verificada “desconsideração da norma de exclusão de tributação de 50%” tem por consequência que as Liquidações terão que ser anuladas “na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária.”
Com a fundamentação supra - que mais desenvolvidamente expõe, percorrendo Jurisprudência Comunitária e Nacional a que faz apelo e, ainda, referindo que a alteração introduzida pelo legislador no art.º 72.º do CIRS, n.ºs 9 e 10 (cfr. numeração ao tempo dos factos) não permite eliminar a discriminação apontada - requer a anulação das Liquidações.
Reportando-se ao “regime meramente opcional”, “de equiparação”, introduzido pelo legislador com os n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º, que entende que faz recair sobre os Não Residentes um “ónus suplementar”, refere que o mesmo confere uma opção “entre um regime que continua a ser discriminatório por violação do art.º 63.º do TFUE e um outro alegadamente não discriminatório”.
As Liquidações são, conclui, ilegais por terem considerado o valor total (e não metade) do ganho de mais valias e, assim, um valor excessivo de matéria colectável. Com o consequente excesso no imposto a pagar.
Por fim, requer a condenação da Autoridade Tributária na devolução dos montantes pagos e no pagamento de juros indemnizatórios, pois que pagou o imposto como liquidado e, em seu entender, o respectivo acto de liquidação é ilegal por erro imputável aos serviços.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 01.07.2020 e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.
A 24.08.2020 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 23.09.2020.
Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção das Liquidações em crise na Ordem Jurídica.
A Requerida entende, em síntese, que as Liquidações não padecem de qualquer vício.
Fazendo notar que a matéria em causa nos autos é exclusivamente de Direito, a Requerida refere que a mesma se reporta à questão da exclusão da incidência de imposto de Mais-Valias em 50% - como sucede em relação aos Residentes - quando obtidas por um Não Residente em Portugal, e que a Requerente defende que o normativo em causa se aplica igualmente aos Não Residentes (doravante também “NR”/“NRs”).
Apesar da Jurisprudência do TJUE no sentido de que a norma em causa - art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, e o regime jurídico aplicável aos NRs por essa via, contrariam o Direito da UE, e, bem assim, apesar da Jurisprudência dos nossos Tribunais emanada na sequência daquela, o certo é que o nosso legislador, em momento ulterior, e em consequência da dita Jurisprudência do TJUE, já procedeu à alteração do regime jurídico aplicável aos NRs nesta matéria. O que, no entender da Requerida, desde logo afasta um possível carácter vinculativo da mencionada Jurisprudência para o caso dos autos.
Acresce que também os Modelos das Declarações de rendimentos a preencher pelos contribuintes foram devidamente alterados, a reflectir tal alteração legislativa.
A Requerente preencheu a sua Declaração Modelo 3 assinalando, quanto à residência, nos campos próprios, (i) ser não residente e (ii) pretender a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes (campos 4 e 7).
Caso a Requerente pretendesse ser tributada pelas taxas do art.º 68.º do CIRS, ser pois tributada como Residente (doravante também “R”), deveria tê-lo ali assinalado/preenchido, nos campos próprios (a saber, nos campos 09 e 11), assim: (i) opção pelas taxas do art.º 68.º do CIRS e (ii) total dos rendimentos obtidos no estrangeiro.
Refere ainda que a norma em causa (art.º 43.º, n.º 2) se insere no Capítulo do CIRS respeitante à Determinação do rendimento colectável, diferentemente das normas que no mesmo Diploma se reportam à incidência em matéria de Mais-Valias (doravante também “MV”). Pelo que não será aquela aplicável ao caso.
Coloca à consideração deste Tribunal, solicitando-o subsidiariamente, proceder a Reenvio Prejudicial ao TJUE, dada a alteração do quadro normativo aplicável ocorrida em momento posterior à Jurisprudência do TJUE invocada pela Requerente. Com efeito, diferentemente do que à data da prolação daquela Jurisprudência sucedia, estão actualmente em vigor duas possibilidades alternativas de tributação para os NRs. A Requerente poderia ter optado pela tributação de acordo com a tabela do art.º 68.º como aplicável se os rendimentos fossem auferidos por Residentes, caso em que se aplicaria o regime previsto no art.º 43.º, n.º 2. O que não fez. A Requerente optou, nas suas Declarações, diferentemente, pela aplicação da taxa autónoma de 28%, cfr. art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.
Pelo exposto, segundo a Requerida, não estamos perante uma hipótese de “acto claro”. Deverá considerar-se que se levantam dúvidas suficientes, suspender-se a instância arbitral e consultar o TJUE em reenvio prejudicial.
Defende, por fim, dever ser proferida decisão no sentido da improcedência do Pedido.
Não tendo sido solicitada produção de prova adicional, por despacho de 27.10.2020 decidiu este Tribunal dispensar a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
A Requerente veio, nas suas alegações, reiterar o exposto no PPA e, ainda, indicar Decisões Arbitrais no mesmo sentido pelo qual pugna nestes autos.
Por seu lado, a Requerida, em sede de alegações, refere que as Liquidações não padecem de qualquer ilegalidade, que a Requerente erra na interpretação e aplicação das normas legais e os seus argumentos não podem, assim, proceder. Mais reitera e mantém na íntegra o teor da sua Resposta.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03. O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção. O Pedido é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. al.s s) e v) dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al.s a) e b) do CPPT, e v. suspensão de prazos cfr. Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e n.º 16/2020, de 29 de Maio).
Pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, com efeitos a 22.01.2021, ficaram suspensos os prazos processuais (cfr. respectivo art.º 4.º, e v. art.º 6.º- B então aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março). Suspensão que terminou a 6 de Abril de 2021 (cfr. Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril).
Por despacho arbitral de 19.03.2021 as Partes foram notificadas para o exercício do contraditório relativamente à intenção do Tribunal de suspender a instância, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 269.º, n.º al. c) e 272.º, n.º 1, ambos do CPC, e tendo em consideração a Decisão Arbitral de Reenvio Prejudicial ao TJUE proferida em processo que corria neste CAAD[2] e, assim, o Reenvio pendente junto daquele Alto Tribunal versando sobre a mesma questão discutida nos presentes autos.
Por requerimento de 24.03.2021 veio a Requerente manifestar oposição à intenção deste Tribunal de suspender a instância. Por entender, em suma, que o Reenvio é desnecessário (invoca haver “acto claro”), que há um regime discriminatório que não é sanado pela alteração legislativa entrada em vigor a Janeiro de 2008 e, ainda, que a haver suspensão a mesma será contrária a Jurisprudência seja do CAAD seja do STA. A Requerida não veio pronunciar-se.
Após, por Despacho de 19.04.2021, o Tribunal determinou a suspensão da instância. Por se entender que a pronúncia solicitada no referido Reenvio Prejudicial mantinha utilidade mesmo após prolacção, entretanto, do Acórdão MK (Proc. C-388/19), e que o que ali viesse a ser decidido podia ter relevância nos presentes autos. O Reenvio, no Proc. Arbitral 620/2019-T, havia sido determinado por - como da consulta do mesmo se conclui[3] - o aí Órgão Jurisdicional de Reenvio entender que - para a boa decisão da causa na apreciação pelo TJUE quanto à verificação ou não de violação da liberdade de circulação de capitais - as normas de Direito Interno em questão deviam ser apreendidas devidamente enquadradas no Ordenamento Jurídico-Tributário em que se integram, revelando-se essencial essa interpretação Sistemática. E que na pronúncia do Alto Tribunal sobre a matéria - cfr. Acórdão de 11.10.200, Ac. Hollmann, Proc. C-443/06 - tanto não havia sucedido.
Por Despacho fundamentado de 13.12.2021, Proc. C-224/21, o TJUE veio decidir naqueles autos de Reenvio Prejudicial, reiterando aquela sua anterior pronúncia e, ainda, o igualmente determinado, entretanto, no Acórdão MK (Ac. do TJUE de 18.03.2021, Proc. C-388/19) nos termos que adiante melhor se verá. Tomou como Quadro Jurídico o art.º 43.º e o art.º 72.º.
Por despacho do Tribunal Arbitral de 22.12.2021 foi determinada a junção do referido Despacho fundamentado do TJUE, comunicado ao CAAD a 21.12.2021, aos presentes autos.
No mesmo despacho de 22.12.2021 foi determinada a prorrogação do prazo de seis meses para prolação da decisão, por dois meses, cfr. art.º 21.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, por motivos justificados.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os factos que seguem:
a) A Requerente é residente fiscal em Espanha e relativamente aos anos de 2016 e 2017, declarou, nas suas Declarações Modelo 3, a condição de não residente;
b) A Requerente tem o número de contribuinte fiscal português ...;
c) Por Escrituras Públicas de Maio de 2015, a Requerente adquiriu, no prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., n.º..., freguesia e concelho de ..., descrito na CRP de ... sob o número... da referida freguesia (i) a fracção autónoma designada pela letra “B”, pelo preço de € 9.750,00, e (ii) a fracção autónoma designada pela letra “C”, igualmente pelo preço de € 9.750,00;
d) Por Escrituras Públicas de Novembro de 2016, a Requerente vendeu as fracções autónomas referidas em c) supra, a saber, (i) a fracção autónoma designada pela letra “B”, pelo preço de € 33.000,00, e (ii) a fracção autónoma designada pela letra “C”, igualmente pelo preço de € 33.000,00;
e) Por Escritura Pública de Dezembro de 2016, a Requerente adquiriu, no prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., n.º ... e..., freguesia ..., concelho de Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o número... da referida freguesia, a fracção autónoma designada pela letra “B”, pelo preço de € 42.500,00;
f) Por Escritura Pública de Março de 2017, a Requerente vendeu a fracção autónoma referida em e) supra, pelo preço de € 67.500,00;
g) Com a venda dos dois imóveis referidos em c) e d) supra a Requerente suportou despesas e encargos no valor de € 545,00 relativamente a cada um, num total de € 1.090,00;
h) Em Maio de 2017 e em Maio de 2018, a Requerente apresentou em Portugal as suas Declarações de rendimentos Modelo 3 incluindo Anexos F e G, relativas aos anos, respectivamente, de 2016 e 2017, nas quais declarou, além de rendimentos prediais, os rendimentos de mais-valias que auferiu com a alienação, respectivamente, dos dois imóveis em 2016 e de um imóvel em 2017 (v. al.s d) e f) supra); (cfr. PA, doc.s 7 e 8)
i) Na Declaração Modelo 3, Anexo G, referente ao ano de 2016 a Requerente declarou ter incorrido em encargos e despesas no montante total de € 1.090,00 (mil e noventa euros) com a valorização e com a compra e venda dos dois imóveis então vendidos;
j) Nas Declarações Modelo 3 (cfr. h) supra) a Requerente declarou a condição de Não Residente, assinalando no Quadro 8 - Residência Fiscal, a opção B – Não Residentes e, aí, o Campo 4 – “Não Residente”, o Campo 6 – “Residência em país da UE”, e o Campo 7 – “Pretende a tributação pelo regime geral” (cfr. PA, doc.s 7 e 8);
k) As Liquidação de IRS, com os n.ºs 2017... e 2018... e datas de 20.06.2017 e 05.07.2018, respectivamente relativas a 2016 e a 2017, foram notificadas à Requerente e das mesmas resulta um montante de imposto a pagar de € 12.900,58 e de € 7.315,86, respectivamente relativos a 2016 e 2017, perfazendo um total de imposto a pagar (“Valor a pagar”) de € 20.216,44, onde se inclui o valor devido a título de “Imposto relativo a tributações autónomas”; (cfr. PA, doc.s 7 a 10);
l) Nas Liquidações, identificadas em k) supra, são devidos a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” os montantes de € 12.714,80 e € 7.000,00, relativos, respectivamente, a 2016 e a 2017 (cfr. Notas de Liquidação – PA, doc.s 9 e 10);
m) A Requerente, não obstante não se conformar com as Liquidações, procedeu ao seu pagamento;
n) Para efeitos da Liquidação referente a 2016, a Requerida apurou o ganho de mais-valias da Requerente, no valor de € 45.410,00 (quarenta e cinco mil quatrocentos e dez euros), por cálculo da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (v. al.s c) e d) supra) acrescido este das despesas incorridas pela Requerente como por si declaradas (v. al. i) supra);
o) Para efeitos da Liquidação referente a 2017, a Requerida apurou o ganho de mais-valias da Requerente, no valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), por cálculo da diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (v. al.s e) e f) supra);
p) Nas Liquidações - e no que respeita à tributação das mais-valias - a Requerida aplicou a taxa especial de 28%, cfr. art.º 72.º, n.º 1, al. a), sobre os respectivos ganhos auferidos pela Requerente (cfr. n) e o) supra), de onde resultou IRS a pagar, a título de “Imposto relativo a tributações autónomas”, nos montantes de € 12.714,80 e € 7.000,00, relativos a 2016 e a 2017 respectivamente (assim: € 45.410,00 x 28% = € 12.714,80 e € 25.000,00 x 28% = € 7.000,00);
q) Em 16.01.2020 deu entrada nos serviços da Requerida Pedido de Revisão Oficiosa interposto pela Requerente tendo por objecto as Liquidações, que tramitou sob o n.º ...2020... e foi admitida ao abrigo do art.º 78.º, n.º 4 da LGT; (cfr. PA)
r) Por despacho da Requerida datado de 21.02.2020, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da Revisão Oficiosa e para exercício do direito de audição;
s) Exercido o direito de audição pela Requerente, a Requerida veio a converter em definitivo o projecto de indeferimento, por despacho de indeferimento da Revisão Oficiosa comunicado à Requerente por Ofício de 18.03.2020;
t) No despacho de indeferimento da Revisão Oficiosa, a Requerida, aderindo à Informação e projecto de decisão no procedimento, refere, entre o mais e tudo se dando por reproduzido: “(...) após a requerente ter exercido o direito de audição verifica-se que os fundamentos apresentados não permitem diferente apreciação do pedido (...)” e, na Informação anexa: “(...) tendo introduzido o n.º 9 e n.º 10 do art.º 72.º do CIRS, podendo os sujeitos passivos não residentes optar pela tributação às taxas dos sujeitos passivos residentes, devendo nesse caso informar qual o valor dos rendimentos auferidos no estrangeiro apenas para efeitos de determinação da taxa a aplicar, o que não aconteceu no presente caso. / Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1, do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios. (...)”; (cfr. PA)
u) Na Informação da Requerida de 21.08.2020, junta aos autos, lê-se, entre o mais e in fine: “Relativamente ao pedido de juros indemnizatórios, igualmente não parece assistir razão ao peticionado (...) porquanto as liquidações (...) mostram-se conformes ao enquadramento jurídico-fiscal (...).”;
v) A 01.07.2020 a Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo. (cfr. SGP do CAAD)
2.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não existem factos que não tenham ficado provados.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, no Processo Administrativo (“PA”) e Informação da Requerida de 21.08.2020 - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não questionados.
Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[4]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[5]).
De referir que a convicção do Tribunal quanto ao pagamento das Liquidações se fundou nas posições assumidas pelas Partes seja nos articulados, seja no procedimento administrativo e na Informação da Requerida de 21.08.2020, em que a Requerida, como também no procedimento de Revisão Oficiosa, apreciando do pedido de juros indemnizatórios fundamenta a sua posição no sentido do indeferimento sempre apenas no facto de as Liquidações serem quanto a si legais, nunca levantando qualquer questão ou referindo o que quer que seja quanto ao pagamento das mesmas; como também o não faz na defesa apresentada nos autos.
3. Matéria de Direito
3.1. Questões a decidir
As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:
À tributação, em IRS, dos rendimentos de mais-valias na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis sitos em Portugal e obtidos por um Não Residente, é ou não aplicável o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS quando na Declaração Modelo 3 o sujeito passivo opta pela tributação segundo o regime geral aplicável aos Não Residentes?
Dito de outro modo, são ou não ilegais as Liquidações em crise ao não se ter aplicado, no caso, o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, não ter a incidência real do imposto sido limitada a 50% dos ganhos de mais-valias obtidos pela Requerente (ao invés do que sucederia fora esta Residente)?
Caso o Tribunal venha a decidir pela procedência do pedido de anulação (Liquidações e acto de segundo grau), haverá ainda que apreciar e decidir quanto aos pedidos de devolução das quantias pagas e de condenação em juros indemnizatórios.
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Ainda se dê nota de que a Requerente começa no seu PPA por fazer referência, sob o introito “Questão Prévia”, à tempestividade e em seu entender devida procedência do Pedido de Revisão Oficiosa que interpôs. Aí fazendo menção ao art.º 78.º, n.ºs 1, 4 e 5 da LGT para referir que os mesmos se encontravam preenchidos no caso, e que à Requerida se impõe proceder nessa sede à revisão dos actos, verificados que estejam os pressupostos da interposição do Pedido. Refere-se ao “requisito da gravidade”, que afirma preenchido por se verificar injustiça notória na cobrança e pagamento de um imposto que não era devido. Remata afirmando que os normativos estavam preenchidos, o Pedido (revisão oficiosa) foi tempestivo e a Requerida o indeferiu “alegando que o regime de tributação das mais valias imobiliárias dos não residentes em Portugal não viola o disposto no art. 63.º do TFUE.” Não extrai a Requerente qualquer consequência a respeito, ali ou em qualquer outra parte dos seus articulados, que não a, que se apreende, coincidente com a questão de direito já vinda de enunciar, pelo que é de entender que é nesse enquadramento que caberá apreciar e decidir quanto à legalidade do acto de segundo grau.
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Avançando e começando por recapitular e enquadrar brevemente.
Entende a Requerente que lhe deveria ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e, assim, a tributação em causa nos autos ter incidido, apenas, sobre 50% do ganho de mais-valias que obteve seja em 2016, seja em 2017. Ganhos de mais-valias esses cujo montante total, conforme apurado pela Requerida na Liquidação, aceita.
O ganho de mais-valias – montante total obtido em 2016 mais em 2017 - foi, pois, de € 70.410,00. Sendo o ganho total em 2016 no valor de € 45.410,00 e, em 2017, de € 25.000,00.
Sobre esses montantes (ganhos totais de mais-valias imobiliárias obtidos em 2016 e, depois, em 2017), a Requerida, nas Liquidações, aplicou uma taxa especial (“taxa autónoma”) de 28%, conforme disposto no art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS.
Apurou, pois, um montante de imposto a pagar, a este título, de € 12.714,80 referentes a 2016 e de € 7.000,00 referentes a 2017. Assim: € 45.410,00 x 28% = € 12.714,80; € 25.000,00 x 28% = € 7.000,00
A Requerente defende que o disposto na norma em causa - art.º 43.º, n.º 2 do CIRS -, que estipula um regime jurídico aplicável a Residentes, lhe deveria ser também aplicável. Pois que aquela norma, ao estipular um regime, mais vantajoso segundo a Requerente, e determinar que o mesmo é aplicável apenas a Residentes, viola o Direito da UE. Assim, a Requerida deveria, defende, ter feito aplicar o dito regime também a si Requerente. Consequentemente devendo as Liquidações ser anuladas. Pois que o imposto deveria incidir sobre metade do ganho de mais-valias. E não sobre a totalidade, como a Requerida fez.
Pede, assim, a anulação das Liquidações. Por violação do disposto no Artigo 63.º do TFUE, ao a Requerida ter interpretado e aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS no sentido de excluir a limitação da incidência do imposto a 50% das mais-valias no caso, por realizadas por sujeito passivo NR. O regime ao abrigo do qual a Liquidação foi efectuada é discriminatório e incompatível com o Direito da UE, defende.
Não obstante a Requerente se referir nos seus articulados à “anulação das Liquidações” e peticionar, a final, a devolução do total das quantias pagas, também refere que “(...) têm que ser anuladas as liquidações impugnadas na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária.”[6] E que “os actos de liquidação sub judice padecem de ilegalidade, consubstanciado num erro de quantificação, decorrente da consideração do valor total da mais-valia, (...).”[7]
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Como quer que seja, a causa invocada pela Requerente para imputar o vício de violação de lei às Liquidações, como invoca, é sempre a de a Requerida ter, segundo defende a Requerente, interpretado e aplicado o art.º 43.º, n.º 2 de forma não conforme ao Direito da UE, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada – “A não aplicação ao caso em apreço do art.º 43.º, n.º 2 do Código do IRS é incompatível com a liberdade de circulação de capitais (...)”; “a desconsideração da norma de exclusão da tributação de 50% (...) é contrária ao Direito da União, tal como entendido pelo TJUE, pelo que têm que ser anuladas a liquidações (...).”[8]
Que é sobre o que o Tribunal terá que apreciar e decidir.
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Vejamos, antes de mais, o quadro legal potencialmente aplicável[9].
I. Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”)[10]
No Preâmbulo, v.:
“(…) 3. A presente remodelação do regime da tributação do rendimento (…) decorre, em primeira linha, da necessidade de ajustar tal regime ao preceituado nesta matéria na Lei Fundamental, a qual refere o carácter único e progressivo do imposto sobre o rendimento pessoal e impõe a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar (…). / A inovação básica reside na substituição do actual sistema misto (…) pela fórmula da tributação unitária, atingindo globalmente os rendimentos individuais, enformadora do modelo ora adoptado para a tributação das pessoas singulares. (…)
12. Outra categoria – a Categoria G – é constituída pelas mais-valias. (…) / Tratando-se de rendimentos excepcionais, foi ponderado o regime tributário adequado em face da excessiva gravosidade que a tributação englobada poderia gerar, prevendo-se, para esta categoria, um específico regime de tributação, envolvendo uma substancial dedução à matéria colectável. (…)”
No articulado (CIRS):[11] [12]
Capítulo I – Incidência
Secção I – Incidência real
Artigo 1.º – Base do imposto
1. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes (…) depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:
Categoria A - (…)
Categoria B - (…)
Categoria E - (…)
Categoria F - (…)
Categoria G – Incrementos patrimoniais;
Categoria H - (...)
2. Os rendimentos (…) ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, (…).
Artigo 9.º – Rendimentos da Categoria G
1. Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (…)
Artigo 10.º – Mais-valias
1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…);
(…)
3. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 (…).
4. O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
(…)
Secção II – Incidência pessoal
Artigo 13.º – Sujeito passivo
1. Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.
(…)
8. A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite. /(…)
Artigo 15.º – Âmbito de sujeição
1. Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2. Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. /(…)
Artigo 18.º – Rendimentos obtidos em território português
1. Consideram-se obtidos em território português:
(…)
h) Os rendimentos respeitantes a imóveis nele situados, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão; /(…)
Capítulo II – Determinação do rendimento colectável
Secção I – Regras gerais
Artigo 22.º – Englobamento
1. O rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.
(…)
3. Não são englobados para efeitos da sua tributação:
a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 72.º; / (…)
Secção VI – Incrementos patrimoniais
Artigo 43.º – Mais-valias
1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.(…)
Artigo 44.º – Valor de realização
1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
(…)
f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.
2. Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida. /(…)
Artigo 45.º – Valor de aquisição a título gratuito
1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:
a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;
(…)
2. No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta (…) considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.
Artigo 46.º – Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis
1. No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT). / (…)
Artigo 50.º – Correcção monetária
1. O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na al. a) do n.º 1 do artigo 10.º (…) é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria (…) sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação. / (…)
Artigo 51.º – Despesas e encargos
Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens (…);
b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas (…).
Artigo 55.º – Dedução de perdas
1 – Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em cada categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos: (…)
c) A percentagem do saldo negativo a que se refere o n.º 2 do art.º 43.º só pode ser reportada aos cinco anos seguintes àquele a que respeita; /(…)
Secção X – Processo de determinação do rendimento colectável
Artigo 57.º – Declaração de rendimentos
1. Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos (…), devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo. (…)
Artigo 58.º – Dispensa de apresentação de declaração
1. Ficam dispensados de apresentar a declaração a que se refere o artigo anterior os sujeitos passivos que, no ano a que o imposto respeita, apenas tenham auferido, isolada ou cumulativamente:
a) Rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º (…); /(…)
Artigo 65.º – Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos
-
O rendimento colectável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes (…), com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos impostos disponha. / (…)
Capítulo – III – Taxas
Artigo 68.º – Taxas gerais
1. As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte: / (…)
Artigo 68.º-A – Taxa adicional de solidariedade
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 68.º, ao quantitativo do rendimento coletável superior a (euro) 80 000 incidem as taxas adicionais de solidariedade constantes da tabela seguinte: / (…)
Artigo 70.º – Mínimo de existência
1. Da aplicação das taxas estabelecidas no artigo 68.º não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente ou em pensões, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior a € 8.500. / (…)
Artigo 72.º – Taxas especiais
1. São tributados à taxa autónoma de 28%:
a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;
(…)
9.[13] Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10.[14] Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. (…)
Artigo 113.º – Declaração anual de informação contabilística e fiscal
1. Os sujeitos passivos de IRS devem entregar anualmente uma declaração de informação contabilística e fiscal, de modelo oficial, relativa ao ano anterior, quando (…) ou quando estejam obrigados à apresentação de qualquer dos anexos que dela fazem parte integrante. / (…)
II. Lei Geral Tributária (“LGT”)
Art.º 4.º – Pressupostos dos tributos
1. Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património. /(…)
Art.º 5.º – Fins da tributação
1. A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.
2. A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.
Art.º 6.º – Características da tributação e situação familiar
1. A tributação directa tem em conta:
a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertença disporem de rendimentos e bens necessários a uma existência digna;
b) A situação patrimonial, incluindo os legítimos encargos, do agregado familiar;
(…)
3. A tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares, devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem.
III. Constituição da República Portuguesa (“CRP”)
Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais
Art.º 67.º – Família
1. A família, como elemento fundamental da sociedade, (…).
2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: / (…)
f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares; / (…)
Título IV – Sistema financeiro e fiscal
Art.º 103.º – Sistema fiscal
1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. /(…)
Art.º 104.º – Impostos
1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. /(…)
IV. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)
Parte II - Não discriminação e cidadania da União
ARTIGO 18.º
No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)
Parte III - As políticas e acções internas da União
Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais
Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos
Artigo 63.º
1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. / (…)
Artigo 65.º
1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
(…)
3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º. /(…)
*
Aqui chegados.
Como se disse já – supra, Relatório in fine – o Tribunal, por despacho de 19.04.2021, determinou a suspensão da instância, por motivos de Reenvio Prejudicial pendente noutros autos de Processo Arbitral em curso no CAAD (Proc. 620/2019-T). Por sua vez, por despacho de 22.12.2021, determinou (i) o levantamento da suspensão da instância, (ii) a junção aos autos do Despacho fundamentado do TJUE de 13.12.2021 prolatado naquele Processo de Reenvio
Prejudicial - Proc. C-224/21, e (iii) a notificação das Partes para se pronunciarem, querendo, sobre a aplicação da Doutrina ali firmada.
Decorrido o prazo, nenhuma das Partes se veio pronunciar.
No seu Despacho fundamentado (de 13.12.2021, Proc. C-224/21) o Alto Tribunal veio, assim o vemos e no que à “Doutrina Hollmann” respeita,[15] simplesmente reiterar a sua anterior pronúncia na matéria e a sua pronúncia, entretanto, no Acórdão MK. Porventura não terá entendido de relevar em toda a sua amplitude e profundidade a interpretação do Ordenamento Jurídico Nacional - facultada pelo Órgão Jurisdicional Nacional[16], o bloco de legalidade em que o art.º 43.º, n.º 2 se insere e este aí devidamente contextualizado - normativa e axiologicamente, e os fins com que o legislador consagrou esta norma. Tendo concluído que o regime jurídico-tributário Português “sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais valias realizadas por residentes”.
Concretamente em resposta às questões prejudiciais, veio o Alto Tribunal declarar assim:
“O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que, no que respeita às mais-valias resultantes da venda de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior àquela que seria aplicada para este mesmo tipo de operações às mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem pelo regime aplicável aos residentes.”
O Alto Tribunal conclui, pois, e no Quadro Jurídico que para o efeito recortou[17], no mesmo sentido em que já nas suas duas anteriores pronúncias o fizera – ref. “Doutrina Hollmann”.
Ainda assim acrescentando - ao agora responder às questões prejudiciais - o advérbio “sistematicamente”. E aqui estamos já, neste último ponto, diremos por facilidade de expressão, na “Doutrina MK”.[18]
Conclui o Alto Tribunal, pois, como antes, que a legislação interna, Portuguesa, sujeita os NR a uma carga fiscal superior àquela a que sujeita os Residentes (no que respeita a Mais-Valias imobiliárias em imposto sobre o rendimento pessoal). E (agora) que tal não é afastado por via da faculdade[19], concedida aos NR, de optarem pelo regime dos Residentes – se[20] a legislação ainda assim (i.e., “não obstante a faculdade concedida...”) sujeita sistematicamente os NR “a uma carga fiscal superior...”.
O que sempre significará que já se assim (sujeição a uma carga fiscal superior) não sucedesse sistematicamente - dir-se-à, - que já se esse regime (que não reduz o ganho de mais-valias a 50% no caso dos NR) desde logo não fosse (entre os dois) o regime aplicável/aplicado por defeito, regime regra – a apontada oposição não se verificaria.
*
Junto o Despacho do TJ aos presentes autos, cabe decidir.
Como no início ficou percorrido, a Requerente coloca em crise as Liquidações com o fundamento único de - ao não ter sido aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS à sua situação - se ter incorrido em violação do Direito da UE. O Despacho de indeferimento da Revisão Oficiosa e as Liquidações baseiam-se num regime incompatível com o DUE. O regime português em causa é, segundo a Requerente, discriminatório, incompatível com o DUE por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais em violação do Artigo 63.º do TFUE. O dito regime conduz a uma discriminação negativa e injustificada dos residentes nos demais Estados-Membros da UE face aos sujeitos passivos residentes em Portugal. O ganho de mais-valias deveria ter sido considerado em apenas 50% do seu valor, por aplicação do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. A não aplicação deste “é incompatível com a liberdade de circulação de capitais, previsto no artigo 63.º do TFUE, e deverá ser desaplicado.”[21]
A solução entretanto alcançada pelo legislador, com a existência de um “regime opcional de equiparação” à disposição dos NRs, não só cria um ónus adicional, como não afasta os efeitos discriminatórios do regime ainda em vigor, expõe.
Em suma, as Liquidações padecem de vício de violação de lei por incompatibilidade do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS com o Artigo 63.º do TFUE, defende.
A Requerida, por seu lado, entende ter procedido como devido, ao ter aplicado ao caso o art.º 72.º, n.º 1, al. a) do CIRS, daí não derivando uma restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no DUE. Nas suas Declarações Modelo 3 a Requerente assinalou no quadro respectivo ser NR e, mais, assinalou pretender a tributação pelo respectivo regime geral (i.e., a opção 07), e não a tributação pelo regime que seria aplicável aos Residentes (cfr. factos provados, supra). Podendo tê-lo feito, e assim beneficiar do pretendido. Não o fez pois a fazê-lo teria também que declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.[22]
A alteração operada pelo legislador após o Acórdão Hollmann veio possibilitar quer a Residentes quer a Não Residentes beneficiarem do regime previsto no art.º 43.º, n.º 2 do CIRS. E a haver dúvidas sobre a compatibilidade do regime actual com o DUE deverá ser consultado o TJUE em reenvio prejudicial.
Vejamos.
Subjaz à questão fundamental a apreciar nos autos[23], para então se decidir quanto à peticionada anulação, e como resultará de tudo o que antecede, a da conformidade ou não do regime jurídico Português de tributação em IRS de rendimentos de Mais-Valias na transmissão de bens imóveis (sitos em Portugal) com as normas que, no Direito Primário da UE, consagram as liberdades fundamentais. Em concreto com a liberdade de circulação de capitais, quando em causa estejam rendimentos (ganhos de mais-valias imobiliárias) obtidos por Não Residentes, residentes na UE. No confronto com o regime aplicável aos Residentes.
No caso dos NR vigoram actualmente, e já assim ao tempo dos factos (rendimentos obtidos em 2016 e em 2017)[24], dois regimes alternativos, a saber, o plasmado no n.º 1, al. a), do art.º 72.º e, por outro lado, o constante dos n.ºs 9 e 10 (cfr. numeração ao tempo dos factos, actualmente n.ºs 14 e 15) do mesmo art.º 72.º. O primeiro faz aplicar uma taxa especial, fixa, actualmente, e ao tempo dos factos, de 28%, ao total do ganho de mais-valias, enquanto que o segundo se traduz na aplicação do regime aplicável aos Residentes (em seguida sumariado), muito embora sem a consequência (que ocorre no caso dos Residentes) de a tributação dos demais rendimentos obtidos pelo sujeito passivo no ano, independentemente da sua natureza e de qual seja a respectiva Categoria em IRS, resultar afectada (por força do englobamento obrigatório do ganho de mais-valias imobiliárias).
Já no caso dos Residentes é aplicável, com carácter de obrigatoriedade (sem possibilidade de opting out), o regime resultante do art.º 43.º, n.º 2, nos termos do qual, em conjugação com os demais artigos do CIRS, no essencial percorridos[25], à base tributável (o ganho de mais-valias imobiliárias[26]) é aplicada uma redução de 50% e, então, essa base tributável (o valor do ganho pela metade) acresce (por englobamento) aos demais rendimentos obtidos, mundialmente, pelo sujeito passivo no ano em causa. Depois então se aplicando a tabela geral de taxas do art.º 68.º ao montante global dos rendimentos – e não apenas aos rendimentos da respectiva Categoria, a G. Taxas essas progressivas, por escalões, e que vão até um valor de taxa marginal de 48%, à qual ainda poderá acrescer, no escalão máximo dos rendimentos, uma taxa adicional de, no máximo, 5% (cfr. art.º 68.º-A). Assim no quadro de um imposto único, de base alargada e de formação sucessiva, com progressividade, por escalões.
Tendo em conta a existência de Jurisprudência[27] (maxime Acórdão de 11.10.2007, do TJUE, no Caso Hollman, proc.º C-443/06) em que se determina que a liberdade de circulação de capitais consagrada nos Tratados se opõe a uma legislação nacional/a uma norma como a do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS que sujeita as mais-valias em causa “a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente”, tendo também em conta a alteração legislativa entretanto operada pelo legislador nacional[28], e tendo em vista a aplicação efectiva e a interpretação uniforme do DUE, o Tribunal, entendendo poder adquirir relevância nos autos o que o TJUE viesse a decidir no Processo de Reenvio Prejudicial já referido (que tramitou no TJUE como Proc. C-224/21), determinou a suspensão da instância, como também supra. E imediatamente após conhecimento da pronúncia do Alto Tribunal ali, determinou o levantamento da suspensão.
O TJUE veio, referimos já, declarar que “O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro (…) que (…) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem (…).”
Pois bem.
Tendo em conta a nova pronúncia do TJ no Despacho fundamentado,[29] em que manteve as anteriores suas pronúncias na matéria (na medida supra sumariada);
Tendo em conta que esta Jurisprudência não pode deixar de ser tida em consideração, impondo-se ao Julgador - também ao Julgador em questões futuras materialmente idênticas - decidir em sentido compatível[30];
Tendo em conta o nosso STA ter já proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – v. Acórdão do STA de 09.12.2020, Proc.º 075/20.6BALSB - na matéria, precisamente se baseando na anterior pronúncia do TJUE (Acórdão Hollmann) que veio, agora e mais uma vez, a ser por este Alto Tribunal reiterada;
Tendo em conta que a Jurisprudência Uniformizada se reveste de valor reforçado, emanando do Pleno das Secções e cabendo sempre recurso das Decisões judiciais que a não acatem;
Tendo presentes os valores fundamentais da Certeza e Segurança Jurídicas;
Mais que, seja no mesmo Acórdão (supra) em sede de interpretação Uniformizadora, seja na Jurisprudência mais recente do STA na matéria, entretanto também consolidada, se confirma, em situações como a dos presentes autos (i.e., em situações em que o acto em crise era igualmente uma liquidação a sujeitos passivos Não Residentes - IRS, mais-valias imobiliárias - tributando o ganho de mais-valias na totalidade) ser de decidir pela anulação parcial dos actos de liquidação em crise;
V., a respeito, para além do Acórdão de Uniformização já referido - onde se lê, transcrevendo-se aqui com a devida Vénia: “Assim, bem andou a decisão recorrida quando julgou incompatível com o Direito da União Europeia a norma do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art.º 63.º do TFUE e, em consequência, quando anulou os actos de liquidação em causa (de IRS e de juros compensatórios) na parte em que desconsideraram aquela limitação.” (negritos nossos) -, e entre outros, o Acórdão do STA, também do Pleno da Secção, da mesma data de 09.12.2021, em que se decide pela improcedência do recurso de Decisão Arbitral em que se decidira pela anulação parcial do acto de liquidação;
Tendo ainda em conta que a mesma Jurisprudência é já Jurisprudência consolidada – cfr. Acórdão do STA de 24.02.2021, Proc.º 058/20.6BALSB, onde assim também se confirma (e bem assim, v. a Jurisprudência neste último Aresto referida), e que adere, aliás, a anterior Aresto do STA, de 20.01.2021, Proc.º 056/20.0BALSB,
Haverá que decidir em conformidade com a pronúncia do Alto TJUE, agora reiterada, e como aplicada pelo STA na já referida Jurisprudência Uniformizada e consolidada.[31]
Assim,
Considerando que cfr. o mesmo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA de 09.12.2020 “o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS (…) ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TFUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional (...)”,
Em face do mais que vem de se expôr,
E retornando mais concretamente ao caso, em que a Requerente é NR, residente em Espanha, Estado-Membro da UE, e escolheu, nas suas Modelo 3, ser tributada pelo regime geral dos NR[32]. Ficando sujeita a tributação do ganho de mais-valias em questão (o que não contesta), desde logo nos termos conjugados dos art.ºs 9.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º 1, al. a), 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 2, 18.º, n.º 1, al. h) (todos supra). E na Liquidação em crise foi aplicado o art.º 72.º, n.º 1, al. a), a saber, a taxa especial de 28% sobre montante total do ganho de mais-valias obtido pela Requerente em cada um daqueles anos em resultado da venda dos respectivos bens imóveis em causa[33].
Verifica-se, assim, que ao caso não foi aplicado o art.º 43.º, n.º 2 do CIRS e - em aplicação, como devido, da Jurisprudência que vem de se percorrer - deveria, diferentemente, e como supra, tê-lo sido, por, de contrário, se violar a liberdade de circulação de capitais.
A pretendida redução, a metade, para efeitos de tributação, do ganho de mais-valias, deve, nestes termos, proceder. E à questão a decidir (v. supra, p. 13) haverá, assim, que responder que sim, são ilegais as Liquidações ao não ter a incidência real do imposto sido nas mesmas limitada a 50% do ganho de mais-valias. E nessa medida. Tudo como antecede.
E sem prejuízo, também, do que ainda se verá.
4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente peticiona a devolução das quantias pagas. Entende que há violação de lei “consubstanciado num erro de quantificação, decorrente da consideração do valor total da mais-valia, o que determina um valor excessivo da matéria colectável e, consequentemente, do imposto a pagar.”[34] Pugnando assim pela anulação das Liquidações. Requerendo a devolução do montante pago. Indicando para o efeito o valor de € 20.216,44, que corresponde ao “Valor a pagar” das Liquidações (a soma do “Valor a pagar” de uma com o da outra).[35]
Antes de mais se diga que o valor total correspondente ao imposto devido, no conjunto das duas Liquidações, a título de mais-valias imobiliárias - que é aquele que a Requerente nos autos vem colocar em crise -, foi de € 19.714,80 (resultante da soma de € 12.714,80 + € 7.000,00, cfr. supra, al. l) factos provados.
Avançando.
O STA, em aplicação da Jurisprudência do TJUE nesta matéria e chamado também a confirmar ou não Decisões Judiciais em que a questão se coloca também quanto à anulação das Liquidações em crise dever ser ou não meramente parcial – vem decidindo, de forma uniforme mais recentemente, no sentido da conformidade da anulação parcial. Em sua Jurisprudência também já Uniformizada e consolidada. Como supra. Jurisprudência que é devido seguir-se, como também supra.
A Requerente pagou – cfr. supra factos provados al. m) - as Liquidações. Em cujo valor total, de € 20.216,44, se incluem os montantes de imposto relativos a tributações autónomas, a saber, € 12.714,80 na Liquidação referente a 2016, e € 7.000,00, na referente a 2017. Perfazendo o total de € 19.714,80.
Que aos Tribunais tributários é reconhecida competência para apreciar e decidir quanto a devolução de quantias pagas em excesso, e quanto a juros indemnizatórios, não obstante em contencioso de mera anulação, é entendimento pacífico e há muito assente. Assim também os Tribunais Arbitrais (entre o mais v. o disposto no art.º 24.º, n.º 5 do RJAT, de onde também se depreende a competência para a devolução das quantias pagas).
A Liquidação, como se concluiu já e pelas razões percorridas, padece de vício de violação de lei - por incompatibilidade com o DUE - por força da não redução a metade do ganho de mais-valias para efeitos de tributação, como decorreria da aplicação do n.º 2 do art.º 43.º. Que a Requerida não aplicou.
Assim, há que decidir pela anulação das Liquidações, na parte em que nas mesmas se desconsiderou a redução a metade do ganho de mais-valias, tudo como na Jurisprudência do STA, supra, devida aplicar.
Não deixa a Requerida de referir, e bem[36], que a ser de aplicar o regime dos Residentes,[37] seriam os rendimentos da Requerente de tributar à taxa aplicável nos termos da tabela prevista no art.º 68.º, n.º 1.[38] Já a Requerente, por seu lado, a tal não se refere expressamente.
Vejamos ainda.
O que vem de se decidir sempre será sem prejuízo dos poderes-deveres que para a Requerida AT decorrem, entre o mais, do art.º 24.º, n.º 1 do RJAT (que estabelece, além do mais, que a decisão arbitral - a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação - vincula a Requerida AT, que deverá “nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea (...), alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral; b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito; (...)”).
Sem prejuízo, pois, de possível emissão de novo acto de liquidação no respeito pelo aqui Decidido e no prazo de execução espontânea de julgado. Com efeito, o exercício do direito de liquidação não tem por consequência necessária a preclusão do direito de praticar novo acto de liquidação. Cfr. art.º 13.º, n.º 3 e art.º 24.º, n.ºs 1 e 4 do RJAT.[39]
Sendo que por seu lado, ao Tribunal, num contencioso de mera anulação, apenas cabe[40] anular ou não o acto com fundamento nos vícios que concretamente lhe vêm imputados. No caso, no vício de violação de lei por não aplicação do art.º 43.º, n.º 2.
*
Por fim, peticiona a Requerente juros indemnizatórios. Vejamos se lhe assiste razão.
Estabelece o art.º 24.º, n.º 5[41] do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respectiva natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Conforme disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT[42], a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos Serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Era devido aplicar o art.º 43.º, n.º 2. Por, em assim não sendo, se estar a aplicar um regime incompatível com o Direito da UE, como supra. É de entender, vimo-lo, ter havido erro, de direito, do qual resultou pagamento em quantia superior à devida. Erro que é de considerar imputável aos Serviços, como também na linha da Jurisprudência do nosso STA em matéria de condenação em juros indemnizatórios quando de erro de direito em conexão com DUE se trate (v., entre outros, Acórdão do STA de 08.02.2017, proc. 0678/16), relativamente ao que não vemos aqui razão para não acompanhar.
Tendo a Requerente ficado desapossada da quantia que desembolsou para pagamento das Liquidações que ora vão anuladas em metade (no que a mais-valias imobiliárias respeita), é de deferir o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre a quantia assim paga em excesso – a saber, a correspondente a metade do valor das quantias devidas a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” nas Liquidações. Como se fará.
Tudo sempre sem prejuízo do mais que já ficou referido.[43] [44] Não estando, como visto e se a tal nada obstar, vedado à Requerida emitir novas liquidações que não enfermem da ilegalidade declarada na presente Decisão. Ademais, com o potencial de neutralização da oposição ao DUE conforme declarada pelo TJ no Despacho fundamentado de 13.12.2021.[45]
5. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA como segue:
- Anular parcialmente as liquidações de IRS melhor identificadas nos autos, no valor correspondente, em cada uma, ao acréscimo resultante da não consideração do ganho de mais-valias apenas pela metade e, consequencialmente, anular o despacho de indeferimento da Revisão Oficiosa;
- Condenar a Requerida na devolução à Requerente do valor correspondente a metade das quantias pagas a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” (no total de € 9.857,40), e no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre essa quantia (€ 9.857,40), desde a data do pagamento e até processamento da respectiva nota de crédito;
6. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 20.216,44, valor indicado para o efeito pela Requerente e não contestado pela Requerida, e que corresponde ao valor total das liquidações a que se pretendia obstar.
7. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, a cargo da Requerida.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2022
O Árbitro,
(Sofia Ricardo Borges)
[1]Sempre que na presente Decisão se indicar(em) artigo(s) sem menção do respectivo Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRS.
[2] Decisão Arbitral de Reenvio de 12.02.2021, no Processo n.º 620/2019-T, disponível em www.caad.org.pt
[3] E v. nota de rodapé anterior.
[4]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).
[5] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para qualquer deles - ou para outros Diplomas quando nos referirmos à aplicabilidade no caso dos respectivos artigos - se remeter na presente Decisão).
[9]Quaisquer sublinhados e/ou negritos na presente Decisão, sempre que não indicado em contrário, serão nossos;
[10]Aprovado pelo DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1989;
[11]Cfr. redacção em vigor à data dos factos (2016 e 2017), e que se mantém no que ao tema dos autos releva (sem prejuízo, note-se, de a numeração no art.º 72.º, na parte relevante para estes autos, ter sofrido alteração, como mais adiante se notará; mas sem que o respectivo conteúdo tenha sido alterado).
[12]No caso em especial das transcrições em itálico as normas do CIRS são apenas referidas por potencialmente úteis à compreensão do todo do regime jurídico.
[13] Cfr. numeração à data dos factos; os n.ºs 9 e 10 (como supra) então em vigor (2016), que correspondem aos actuais n.ºs 14 e 15 (2021), foram inicialmente introduzidos pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, então como n.ºs 7 e 8, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2008, na sequência do Acórdão Hollmann (que data de 11 de Dezembro de 2007).
[15] Assim nos pretendemos referir ao entendimento e pronúncia do Alto TJ no sentido de o (à data) Artigo 56.º CE dever ser interpretado como se opondo a uma legislação nacional como a Portuguesa – que sujeita, conclui, as mais-valias em apreço, quando realizadas por um NR, a uma carga fiscal superior àquela a que sujeita as realizadas por um R. Ao que se chega tendo por base um outro entendimento, a saber, o de que se estará perante situações objectivamente comparáveis.
[16] Órgão Jurisdicional de Reenvio
[17] O art.º 43.º isoladamente e no confronto com o art.º 72.º.
[18] No Acórdão MK havia o Alto Tribunal respondido às questões prejudiciais, como colocadas, assim: “O artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.”
[19] Note-se também que se antes (Acórdão MK) o Alto Tribunal se referia (assim se expressava) a fazer-se depender o regime aplicável – e assim a não sujeição a uma carga fiscal superior - da escolha do sujeito passivo NR, agora (Despacho de 13.12.2021) passa a referir-se a uma faculdade concedida aos NR de optarem pelo regime dos R.; da referência a uma legislação que faz depender a não sujeição [a uma carga fiscal superior] da escolha do NR, passa a referir-se uma legislação que sujeita os NR sistematicamente [a uma carga fiscal superior] não obstante a faculdade que lhes é concedida de escolherem o regime dos R.
[20] O “se” é nosso, em interpretação do declarado pelo TJ. Refere o Alto Tribunal (como integralmente transcrito a negrito, supra) que os Artigos 63.º e 65.º do TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação que sujeita sistematicamente (...) não obstante a faculdade.
[22] Cfr, entre o mais, 18.º da Resposta
[24] Cfr. Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro
[25]V. supra, legislação potencialmente aplicável-CIRS.
[26]Em rigor, o saldo anual entre mais e menos-valias.
[28] Cfr. Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro
[30] Ressalvadas, entendemos, eventuais situações onde o disposto no art.º 8.º, n.º 4, in fine, da CRP de forma clara se revele de convocar.
[31] Jurisprudência que, deixámos já dito, tem por base a pronúncia do TJUE no Acórdão Hollmann; ainda que tomando posição quanto a o regime “opcional” também não ser de molde a afastar aquela Doutrina (Hollmann). De todo o modo e para o que aos autos releva o que de inovador o TJ agora (Despacho fundamentado, Proc. C-224/21) aporta não interfere na referida Jurisprudência do STA, desde logo porque o que de essencial no Acórdão Hollmann se decidira se mantém. E considerando também que o regime regra dos NR, à data, se mantém.
[32] Cfr. supra, factos provados
[33] Cfr. supra, factos provados
[34] Cfr. Artigo 66 do PPA
[35] V. supra factos provados – al. k)
[36] E pode ver-se o resumo supra dos regimes;
[37] (no que não concede por não ter sido esse, e sim o outro, o regime assinalado pela Requerente nas Modelo 3)
[38] V., entre o mais, Artigos 16, 21 e 38 da Resposta.
[39] A respeito da (não) preclusão e no mesmo sentido, v., entre outros, Jorge Lopes de Sousa, “Preclusão do direito de praticar actos de liquidação (...)”, in CJT, Cejur, 16, 2017, pp. 3-14.
[40] Sem prejuízo desde logo das matérias de devolução de quantias pagas e juros;
[41] E v. o n.º 1 al. b) deste mesmo artigo, supra, e o art.º 100.º da LGT;
[42] V. também o art.º 61.º do CPPT
[43] E v., entre o mais, o art.º 24.º, n.ºs 1 e 4 do RJAT