SUMÁRIO:
I – Nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 3º do RGIC apenas não é permitida concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, “sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários”.
II – Não se verificando nenhuma das situações deve-se concluir que o RFAI não é afastado pelo RGIC, e não pode a Portaria n.º 282/2014 restringir um benefício fiscal sob pena de violação do princípio da legalidade.
III – A lei de autorização legislativa (Lei n.º 44/2014 de 11 de Julho) que autorizou o governo a aprovar o Código Fiscal ao Investimento (CFI), nada estabelece que permitisse uma modificação do regime que pudesse resultar em prejuízo dos sujeitos passivos que tivessem iniciado reinvestimentos em 2014 ao abrigo do artigo 66º-L do EBF
IV - O regime da DLRR foi transferido para o novo CFI com o objetivo de agrupar os incentivos fiscais ao investimento num único diploma por razões de simplicidade, pelo que os investimentos efetuados em 2014, mantêm-se ao abrigo do regime do artigo 66-L do EBF.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr. Manuel Macaísta Malheiros (arbitro-presidente), o Dr. António Cipriano da Silva e a Dra. Cristina Coisinha (árbitros-vogais), designados pelo Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-08-2021, acordam o seguinte:
I – Relatório
A…, LDA., doravante designada por “A…” ou “Requerente”, pessoa coletiva número … matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, com sede na Rua …, …, veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Coletivo pedindo que seja declarada:
a. a ilegalidade das correções efetuadas em sede de RFAI nos exercícios de 2016 e 2017, por erro sobre os pressupostos de direito, por força da exclusão da atividade desenvolvida pela Requerente do âmbito deste Regime, com a consequente declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IRC relativos aos exercícios de 2016 e 2017 e todas as consequências legais daí decorrentes;
b. A ilegalidade da correção relativa à DLRR por erro sobre os pressupostos de direito, sendo ordenada a sua anulação integral com todos os efeitos daí decorrentes.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-06-2021.
A Requerente não procedeu à nomeação dos árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 21-07-2021, as partes foram notificadas dessa designação. Não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 10 de agosto de 2021.
Notificada para apresentar resposta ao abrigo do artigo 17.º do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a sua resposta em 30-09-2021, onde por impugnação pugnou pela improcedência do pedido arbitral e pela sua absolvição do mesmo, defendendo ainda a manifesta desnecessidade da produção da prova testemunhal requerida, por se tratar de um ato inútil, bem como a inutilidade da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
O Tribunal admitiu a produção de prova testemunhal, tendo a Requerente indicado quais os pontos de facto sobre os quais deveria recair a produção de prova por requerimento de 16-08-2021, e por despacho de 01-10-2021 o Tribunal designou o dia 10-11-2021 para a inquirição das três (3) testemunhas arroladas pela Requerente.
Em 10-11-2021 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida a prova testemunhal e as partes notificadas para apresentarem alegações escritas, com caráter sucessivo.
As Partes apresentaram alegações mantendo, no essencial, a posição anteriormente assumida.
I. 1 Descrição sumária dos factos
1. A Requerente é uma empresa que tem por objeto por objeto social a “Indústria e comércio de carnes, preparação e transformação de produtos de salsicharia, agricultura e pecuária. Comércio por grosso de carne e produtos à base de carne”, tem como CAE principal o 10130 – fabricação de produtos à base de carne” e como CAEs secundários o 10110 – Abate de Gado (produção de carne) e o 46320 – Comércio por grosso de carne produtos à base de carne.
2. Nos anos de 2016 e 2017 realizou múltiplos investimentos elegíveis para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), tendo igualmente beneficiado, nesses períodos, do benefício de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).
3. Em novembro de 2020 a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa aos exercícios de 2016 e 2017, que decorreu sob as ordens de serviço OI2019… e OI2019…, tendo o projeto de correções do Relatório de Inspeção – a respeito dos benefícios do regime de apoio fiscal ao investimento (“RFAI”) e dedução por lucros retidos e reinvestidos (“DLRR”) concluído que:
(i) No tocante ao RFAI, sendo a atividade económica prosseguida pela Requerente relativa à transformação e comercialização de produtos agrícolas que dão origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado nomeadamente aquisição de carnes em estado natural e a sua transformação em diversos produtos de charcutaria, a que corresponde o CAE 10130 – fabricação de produtos à base de carne - não é elegível para o incentivo fiscal previsto nos artigos 22.º a 26.º do CFI (RFAI), na base das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C209, de 23 de julho de 2013 (OAR), do Regulamento (EU) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014 (RGIC), do n.º 1 do artigo 22.º do CFI e do artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, os investimentos realizados destinados à melhoria e adaptação das instalações no âmbito da sua atividade os mesmos não são elegíveis para efeitos de RFAI .
(ii) Relativamente ao DLRR a AT não considerou os reinvestimentos efetuados pela Requerente em dezembro de 2014, após a entrada em vigor do Código Fiscal do Investimento (CFI), em 5 de novembro de 2014, Código que revogou os artigos 41.º, 66.º-C a 66.º-L do Estatuto dos Benefícios Fiscais, porque deixou de ser legalmente possível, para efeitos de benefício fiscal, reinvestir em 2014 os lucros retidos em 2014 que permitiam que os lucros retidos relativos a 2014 podiam ser reinvestidos em ativos elegíveis logo em 2014.
(iii) Tendo por base os argumentos acima sumariamente expendidos, do procedimento de inspeção externa resultaram as correções aritméticas evidenciadas no mapa seguinte:
(iv) E a AT efetuou a liquidação adicional de IRC, liquidação de juros compensatórios e, ainda, de demonstração de acerto de contas relativas aos exercícios de 2016 e 2017 nos montantes, respetivamente, de € 170.051,09 e € 93.235,47.
I.2 Posição das Partes
I.2.1 Argumentos da Requerente
1. A atividade da Requerente consiste na aquisição/obtenção de carnes em estado natural, portanto de matéria-prima animal que após um extenso processo de transformação industrial, tanto a nível físico como químico, transforma em charcutaria, ou seja, a Requerente dedica-se a uma atividade industrial que tem por base, como matéria-prima, produtos agrícolas.
2. Nos anos de 2016 e 2017 realizou múltiplos investimentos elegíveis para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), tendo igualmente beneficiado, nesses períodos, do benefício de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).
3. Argumenta a Requerente que, tendo em vista a expansão do seu negócio e a melhoria dos níveis de eficiência do mesmo efetua investimentos regulares em infraestruturas e maquinaria industrial, nomeadamente os seguintes:
i. Em 2016 efetuou investimentos elegíveis para RFAI em montante superior a € 400.000,00, os quais geraram um benefício de RFAI de aproximadamente € 123.000,00;
ii. Em 2017, a Requerente efetuou investimentos elegíveis para RFAI em montante superior a € 246.000,00, os quais geraram um benefício de RFAI de aproximadamente € 61.000,00.
4. Para efeitos de DLRR a Requerente efetuou investimentos relevantes em 2014, 2015 e 2016, no montante global de € 2.054.502,59, não contestados pela AT.
5. Em novembro de 2020 a AT encetou uma ação de inspeção tributária externa aos exercícios de 2016 e 2017, tendo notificado a Requerente do projeto de relatório da ação inspetiva em fevereiro de 2021, através do qual foram propostas duas correções aritméticas à matéria coletável apurada em sede de IRC (nos anos de 2016 e 2017).
6. A Requerente exerceu, tempestivamente, o seu direito de audição, tendo a AT optado por desconsiderar os argumentos invocados e manter a sua posição no âmbito do relatório final de inspeção e em conformidade procedeu à emissão dos atos tributários cuja ilegalidade a Requerente invoca na presente ação.
7. No que respeita à correção relativa ao RFAI, a AT considerou que a Requerente não podia aceder a este benefício em 2016 e 2017 porquanto as atividades por si desenvolvidas, compreendidas nos códigos CAE 10130 e 10110 integram o conceito de transformação de produtos agrícolas em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), encontrando-se excluídas do âmbito do RFAI.
8. Defende a Requerente que qualificação de produto agrícola, por se encontrar prevista no anexo I ao TFUE, não é suficiente para que daí se possa extrair não ser a atividade do seu respetivo produtor elegível para RFAI, além do mais é ilegal porque tal facto - transformação de produtos agrícolas que mantêm a qualificação de produtos agrícolas – não significa de modo algum a sua exclusão do âmbito de aplicação do RFAI.
9. Por força do princípio da legalidade, todos os elementos que determinam o âmbito de aplicação de um benefício fiscal derivam do artigo 22.º do CFI, por sua vez este artigo remete:
I. para os setores de atividade previstos no n.º 2 do artigo 2.º do CFAI,
II. bem como para o n.º 3 do mesmo diploma, que por sua vez, remete para a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro que determina os Códigos de Atividade Económica que devem ser considerados para efeitos de aplicação dos benefícios RFAI.
III. Para as limitações impostas pelo âmbito sectorial das OAR;
IV. Para as limitações impostas pelo âmbito sectorial das RGIC.
10. A alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do CFI determina que os projetos de investimento devem ter o seu objeto compreendido, designadamente, na indústria extrativa e na indústria transformadora.
11. O n.º 3 do artigo 2.º do CFI remete para a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro a definição dos CAE’s que respeitam a estes setores, e nos quais os sujeitos passivos têm de estar enquadrados, de modo a serem elegíveis e beneficiarem do RFAI.
12. Por sua vez, a alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, considera incluídas no âmbito de aplicação do RFAI as indústrias transformadoras previstas nas divisões 10 a 33 da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE -Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro.
13. Não restando dúvidas que a Requerente se dedica a uma atividade transformadora, constante da divisão 10 da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE -Rev.3), em observância do disposto nos artigos 22.º, n.º 1 e 2.º, n.ºs 2 e 3 do CFI, bem como do disposto no artigo 2.º, alínea b) da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, facto que a AT não contesta.
14. Conjugado este regime com as disposições de Direito Europeu decorrentes das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 “OAR” e do RGIC por remissão do n.º 1 do artigo 21.º do CFI, mormente ponto 10, nota de rodapé 11, das OAR , as atividades exercidas pela Requerente não estão excluídas do âmbito sectorial de aplicação do RFAI.
15. Por último, relativamente ao Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), para a Requerente resulta claro que o RGIC não exclui as atividades de agricultura nem de transformação e comercialização de produtos agrícolas na aplicação de benefícios com finalidade regional.
16. Pois, de acordo com a alínea c) do n.º 3 do artigo 1º do RGIC o regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:
c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:
i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou
ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.
17. Auxílios de que a Requerente não beneficiou.
18. No que respeita à Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (“DLRR”), a correção preconizada pela AT centra-se no prazo para o reinvestimento.
19. Motivada pelo regime legal da DLRR vigente no início do ano fiscal de 2014 , a Requerente procedeu desde o início deste exercício à identificação, planeamento e posterior realização de reinvestimentos elegíveis para a DLRR desse mesmo período.
20. Com efeito, nos termos dos artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, nos períodos de tributação que se iniciassem em ou após 1 de janeiro de 2014, os sujeitos passivos podiam deduzir à coleta de IRC, 10% dos lucros retidos que fossem reinvestidos em ativos elegíveis, no prazo de dois anos contados a partir do final do período de tributação a que correspondem lucros retidos.
21. Sucede que, ainda em 2014, o regime do DLRR transitou do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) para o Código de Investimento Fiscal (CFI), por ação do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, que entrou em vigor a 5 de novembro de 2014 e suprimiu da ordem jurídica o artigo 66.º -L do EBF.
22. Com base nesta supressão, e na redação das disposições transitórias constantes no n.º 2 do artigo 6.º do mencionado Decreto-Lei que estabelece:
“os restantes regimes fiscais previstos no novo Código Fiscal do Investimento aprovado em anexo ao presente decreto-lei, são aplicáveis aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014.
23. A AT defende que a partir da entrada em vigor do mencionado DL, só podiam ser tidos em conta para efeitos de DLRR de 2014 os reinvestimentos feitos nos dois períodos de tributação seguintes.
24. Razão pela qual, desconsiderou os investimentos efetuados no mês de dezembro de 2104, e procedeu às seguintes correções:
i. Com referência à DLRR de 2014 relativa aos lucros retidos no valor de € 1.843.807,90 considerando que, no exercício de 2016, o reinvestimento foi realizado foi apenas de € 1.654.002,59;
ii. Com referência à DLRR de 2015 – relativa aos lucros retidos no valor de € 1.483.037,20 – considerando que, no exercício de 2017, o reinvestimento foi apenas de € 246.731,20.
25. A Requerente entende que esta interpretação da AT é inequivocamente contra legem, porque:
i. o regime do benefício de DLRR que passou a constar do CFI não permite sustentar esta interpretação restritiva;
ii. tal limitação sempre atentaria contra as legítimas expectativas da REQUERENTE que atuou com base num regime que expressamente admitia os reinvestimentos realizados em 2014 como elegíveis para a DLRR deste exercício; e
iii. tal interpretação fere a transposição deste regime do EBF para o CFI de uma inconstitucionalidade orgânica.
26. A requerente invocou ainda o vício de falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente.
I.2.2. Argumentos da Requerida
27. A AT, no seguimento da ação inspetiva externa acima identificada, efetuou as correções ao IRC com base em dois argumentos:
(i) Os investimentos da Requerente nas suas instalações não são elegíveis para efeitos de RFAI, porquanto a atividade económica prosseguida pela Requerente relativa à transformação e comercialização de produtos agrícolas que dão origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado nomeadamente aquisição de carnes em estado natural e a sua transformação em diversos produtos de charcutaria, a que corresponde o CAE 10130 – fabricação de produtos à base de carne - não é elegível para o incentivo fiscal previsto nos artigos 22.º a 26.º do CFI (RFAI), na base das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C209, de 23 de julho de 2013 (OAR), do Regulamento (EU) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014 (RGIC), do n.º 1 do artigo 22.º do CFI e do artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro;
(ii) Desconsideração dos reinvestimentos efetuados em dezembro de 2014, após a entrada em vigor do CFI, porque a alínea b) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 162/2014 revogou expressamente os “Os artigos 41.º e 66.º-C a 66.º L do Estatuto dos Benefícios Fiscais (…) estabelecendo no n.º 2 do seu artigo 6.º que “Os restantes regimes fiscais previstos no novo Código Fiscal do Investimento aprovado e anexo ao presente decreto-lei,são aplicáveis aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014.”
28. A AT evoca o caráter excecional dos benefícios fiscais que constituem uma forma de tutela de interesses públicos extra-fiscais e derrogam o regime normal de tributação, consubstanciando uma vantagem (desagravamento) em favor de certas entidades ou atividades que visam alcançar objetivos extra-fiscais de natureza económica, social ou de outra natureza com relevante interesse público.
29. Salienta que, nas palavras de Casalta Nabais, os benefícios fiscais são uma despesa fiscal passiva porque equivalem a uma receita fiscal não arrecadada.
30. E ressalva que em termos interpretativos, as normas que estabeleçam benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica dada a sua natureza excecional (art. 10.º do EBF e n.º 4 do art. 11.º da LGT).
31. O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) constitui um regime de auxílio aprovado nos termos do Regulamento (EU) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014 – Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC - declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, razão pela qual a legitimidade das deduções efetuadas pela Requerente têm de ser analisadas não só à luz do CFI e respetiva regulamentação, mas também, do Regulamento.
32. O artigo 2.º do RGIC dispõe, nos seus pontos 10) e 11) que se entende por transformação de produtos agrícolas, qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola e por produto agrícola um produto enumerado no anexo I do Tratado.
33. Por conseguinte, no tocante à inclusão da atividade da requerente no âmbito de aplicação do RFAI, para a AT não é suficiente o reconhecimento de que a Requerente se dedica a uma atividade transformadora constante da divisão 10 da CAE-Rev.3, integrada no artigo 2.º, alínea b) da Portaria n.º 282/2014, para concluir que os investimentos realizados são elegíveis para a concessão do benefício fiscal do RFAI.
34. Torna-se necessário, como resulta da parte inicial do corpo do artigo 2.º da Portaria “Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior”, verificar como é que as exclusões se projetam nas atividades correspondentes aos códigos CAE enumerados nas diferentes alíneas deste artigo, o que equivale a dizer, no que aqui releva, que das Indústrias Alimentares (Divisão 10 da Secção C- Indústrias Transformadoras) devem ser excluídas as atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado, em cuja lista (Capítulo 2 – Carnes e miudezas, comestíveis e Capítulo 16 - Preparados de carne, de peixe, de crustáceos e de moluscos) organizada de acordo com a Nomenclatura Combinada de Bruxelas, cabem os produtos fabricados pela Requerente.
35. Assim, no tocante ao RFAI, defende a AT que à luz das normas aplicáveis a atividade económica prosseguida pela Requerente relativa à transformação e comercialização de produtos agrícolas que dão origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado nomeadamente aquisição de carnes em estado natural e a sua transformação em diversos produtos de charcutaria, a que corresponde o CAE 10130 -fabricação de produtos à base de carne - não é elegível para o incentivo fiscal previsto nos artigos 22.º a 26.º do CFI (RFAI), porque constitui uma clara violação dos artigos 22.º n.º 1 e 2º n.º2 deste diploma, bem assim como do n.º 1 da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que formam emitidos em conformidade com o Direito da União Europeia com subordinação da concessão dos auxílios às OAR e ao RGIC.
36. Por seu turno, o âmbito de aplicação das OAR compreende os auxílios à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas (parágrafo 10), mas exclui os auxílios dirigidos quer para a produção agrícola primária quer para a comercialização e transformação dos produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado, que são remetidos para as regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020
37. E o âmbito de aplicação do RFAI, o artigo 1.º da Portaria n. 282/2014, em conformidade com as OAR e com o RGIC, determina como não elegíveis os investimentos que tenham por objeto as atividades económicas (…), da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE.
38. Ora, cada um dos produtos transformados, bem como o produto final resultante da transformação, integram os capítulos 2 e 16 da Nomenclatura de Bruxelas a que se refere o anexo I do TFUE, sendo, portanto, considerados produtos agrícolas, de acordo com a definição constante do Regulamento EU n.º 65/2014 da Comissão, de 17 de junho (RGIC), nos termos do qual o RFAI foi aprovado, encontrando-se assim excluídos do âmbito do RFAI.
39. Concluindo que, destinando-se os investimentos realizados pela Requerente à melhoria e adaptação das instalações usadas no âmbito da sua atividade conclui-se que os mesmos não são elegíveis para efeitos de RFAI.
40. Referiu ainda que a Requerente candidatou-se ao Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020 (PDR 2020), que teve por objetivo melhorar e adaptar as instalações usadas no âmbito das suas atividades, investimento inserido na medida designada por “valorização da produção Agrícola” submedida/ação “investimento na transformação e comercialização de produtos agrícolas, e que foi apresentada na sequência de Anúncio de Abertura relativo a “Investimento na transformação e comercialização de produtos agrícolas” de acordo com a Portaria n.º 230/2014, de 11 de novembro. Candidatura que foi aprovada tendo-lhe sido atribuído um financiamento concedido a título não reembolsável, e que no entender da AT constitui uma evidência de que os produtos por si produzidos e comercializados são produtos enquadrados no Anexo do TFUE e, por conseguinte, excluídos do âmbito de aplicação do RFAI.
41. No tocante à DLRR a AT considerou os reinvestimentos efetuados pela Requerente entre 1 de janeiro e 4 de novembro de 2014 (na vigência do artigo 66.º L do EBF), no entanto, desconsiderou os reinvestimentos feitos após dia 5/11/2014 até ao dia 31/12/2014, já na vigência do artigo 29.º do CFI que revogou os artigos do EBF aplicáveis.
42. A AT defende que a partir da entrada em vigor do novo CFI é impossível que o reinvestimento ocorra no próprio período a que os lucros dizem respeito e, relativamente ao ano de 2014, há que verificar se o reinvestimento ocorreu ainda na vigência do artigo 66.º -L do EBF ou já na vigência do artigo 29.º do CFI.
43. Razão que a levou a desconsiderar as faturas que titulam a aquisição de bens de equipamento emitidas em dezembro de 2014, no montante (total) de € 400.500,00.
44. Por isso, do reinvestimento realizado pela Requerente nos anos de 2015, 2016 e 2017 apenas aceitou os seguintes montantes:
45. E efetuou correções às declarações de rendimentos Modelo 22 do IRC dos anos de 2016 e 2017.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir Decisão.
IV. Matéria de facto
IV.2 Factos provados
Com base nos documentos trazidos aos autos e nos depoimentos das testemunhas são dados como provados os seguintes factos relevantes para decisão do caso sub judice:
A) A REQUERENTE é uma sociedade comercial que tem por objeto social a “Indústria e comércio de carnes, preparação e transformação de produtos de salsicharia, agricultura e pecuária. Comércio por grosso de carne e produtos à base de carne” (cf. certidão permanente).
B) A REQUERENTE tem como CAE principal o “10130 – fabricação de produtos à base de carne”, o qual inclui “a preparação, a fabricação e acondicionamento de produtos à base de carne (inclui aves), obtidos pelos processos de aquecimento, fumagem, secagem, salga ou outros processos físico-químicos, assim como preparados de carne refrigerados ou congelados (salsichas frescas, hambúrgueres, almôndegas, croquetes, empadas de galinha, etc.). Compreende também a preparação de pastas de carne ou fígado” (cf. Certidão permanente)
C) Tem ainda como CAEs secundários o “10110 – Abate de Gado (produção de carne)” e o “46320 – Comércio por grosso de carne produtos à base de carne” (cf. Certidão permanente).
D) O grosso da atividade levada a cabo pela REQUERENTE consiste na aquisição/obtenção de carnes em estado natural, procedendo, posteriormente, à sua transformação em produtos de charcutaria, através de múltiplos e variados processos de base industrial. (prova testemunhal e documental)
E) Os produtos transformados pela REQUERENTE numa base industrial para posterior alienação consistem essencialmente nos seguintes: i) fiambre da perna superior; ii) fiambre da perna extra; iii) fiambre da perna; iv) fiambre da pá; v) fiambre sanduiche; vi) fiambre de peru; vii) fiambre de frango; viii) mortadelas; ix) bacon; x) presunto; xi) chourição; xii) chourição extra; xiii) chourição barra; xiv) paio york; xv) paio do lombo; xvi) pá fumada; xvii) pá fumada bola; xviii) chouriça serrana; xix) chouriço de carne corrente; xx) chouriço de vinho; xxi) chouriço fino de vinho; xxii) linguiça; xxiii) morcela; xxiv) salpicão; xxv) chouriça serrana com pimentão; xxvi) chouriço de carne extra; xxvii) Sanguinha; xxviii) farinheira; xxix) cabeça fumada; xxx) pernil fumado; xxxi) ouvidos fumados; xxxii) misto de fumeiro; xxxiii) unhas fumadas; xxxiv) chouriço crioulo; xxxv) chouriço crioulo picante; xxxvi) salsicha hot dog – (cf. brochura de apresentação dos produtos da REQUERENTE e prova testemunhal).
F) Não obstante terem por base uma matéria-prima animal, todos os produtos são submetidos a um extenso processo de transformação industrial, tanto a nível físico como a nível químico. (prova testemunhal)
G) Transformação essa que implica um amplo e regular investimento em maquinaria, por forma a assegurar uma produção eficiente e em linha com as melhores práticas (cf. Prova testemunhal)
H) A REQUERENTE dedica-se a uma atividade industrial, a qual tem por base, como matéria-prima, produtos agrícolas os quais são sujeitos a um extenso processo de transformação em produtos alimentares destinados a consumo humano.
I) Sendo que, no âmbito da sua atividade principal de fabricação e transformação industrial de produtos industriais à base de carne, a REQUERENTE realizou múltiplos investimentos elegíveis para o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), nos anos de 2016 e 2017, tendo igualmente beneficiado nesses períodos do benefício de dedução por lucros retidos e reinvestidos (“DLRR).
J) A REQUERENTE, tendo em vista a expansão do seu negócio e a melhoria dos níveis de eficiência do mesmo, efetua investimentos regulares em infraestruturas e maquinaria industrial. (prova testemunhal)
K) Em 2016, a REQUERENTE efetuou investimentos elegíveis para RFAI em montante superior a € 400.000,00, os quais geraram um benefício de RFAI de aproximadamente € 123.000,00 (cf. mapa de aplicações de RFAI de 2016 junto como documento n.º 9 e prova testemunhal).
L) Em 2017, a REQUERENTE efetuou investimentos elegíveis para RFAI em montante superior a € 246.000,00, os quais geraram um benefício de RFAI de aproximadamente € 61.000,00 (cf. mapa de aplicações de RFAI de 2017 junto como documento n.º 10 e prova testemunhal).
M) A REQUERENTE a) não beneficia de nenhum auxílio fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; nem b) beneficia de nenhum auxílio subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários. (prova testemunhal)
N) No início do exercício de 2014 a REQUERENTE procedeu à identificação planeamento e posterior realização de reinvestimentos elegíveis para a DLRR desse mesmo período de tributação. (prova testemunhal)
O) No mês de dezembro de 2014 a REQUERENTE fez investimentos no valor global de € 400.500,00 nos seguintes bens de equipamento: i) fatiadora Weber 404 (€ 200.000,00); ii) picadora Seydelmann (€ 120.000,00); e iii) embaladora Flow-Pack (€ 80.500,00). (cf. Documentos juntos aos autos - RIT)
P) Nos anos de 2014, 2015 e 2016 a Requerente investiu os seguintes montantes em aplicações relevantes:
Cf. Documentos n.ºs 13, 15 - projeto de relatório e relatório final
Q) Em novembro de 2020, a AT encetou uma ação de inspeção tributária aos exercícios de 2016 e 2017 da REQUERENTE. (cf. Notificação de ação de inspeção externa)
R) Em fevereiro de 2021, a REQUERENTE foi notificada do projeto de relatório desta ação inspetiva, através do qual foram propostas duas correções aritméticas à matéria coletável apurada em sede de IRC (nos anos de 2016 e 2017). (cf. projeto de relatório de inspeção).
S) A AT desconsiderou os montantes do investimento identificado em O) e efetuou as seguintes correções às declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC dos anos 2016 e 2017:
T) A REQUERENTE exerceu tempestivamente o seu direito de audição procurando, através deste, evitar a concretização de correções manifestamente ilegais com todos os prejuízos daí decorrentes. (cf. Prova documental)
U) A AT manteve a sua posição no âmbito do relatório final de inspeção e procedeu à emissão dos atos tributários de liquidação adicional de IRC. (cf. Relatório final da inspeção)
V) A REQUERENTE efetuou o pagamento dos mesmos. (cf. comprovativos de pagamento de IRC e juros compensatórios de 2016 e 2017).
IV.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e que constam do processo administrativo e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal.
As testemunhas B…, C… e D… aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.
Relativamente aos documentos n.ºs 9 e 10 apresentados pela Requerente com o pedido e pronúncia arbitral, referentes aos investimentos elegíveis para RFAI, anos de 2016 e 2017, considera-se provada a quantificação neles efetuada, uma vez que não foi invocada pela AT qualquer concreta razão para deles duvidar.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos e o depoimento da testemunha, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.
V. DO MÉRITO
V.I. Objeto dos Autos
Os presentes autos prendem-se com duas questões essenciais:
1. Saber se em face do quadro normativo vigente os investimentos realizados pela Requerente, na sua atividade económica relativa à transformação e comercialização de produtos agrícolas (CAE 10130) que dão origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE, são elegíveis para efeitos dos incentivos fiscais ao abrigo do RFAI.
2. Saber se para efeitos do benefício fiscal de DLRR, parte do reinvestimento de lucros retidos efetuados no exercício de 2014, relativamente a investimentos efetuados no mês de dezembro de 2014, é elegível para o DLRR relativo a esse mesmo período de tributação.
VI. Do Direito
A Requerente defende que a fundamentação dos atos tributários cuja declaração de ilegalidade pede é inexistente e, caso assim não se entenda, manifestamente insuficiente, uma vez que a AT se limitou a tecer conclusões gerais sem concretizar ou esclarecer as razões pelas quais entende não ser o RFAI aplicável.
Ora, é hoje doutrinal e jurisprudencialmente aceite que um ato está devidamente fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade .
Sobre a fundamentação dos actos tributários tem o Supremo Tribunal Administrativo entendido que : “É sabido que a falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial), se verifica quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório. Sendo que a falta ou insuficiência de fundamentação não se confunde com o vício decorrente de erro sobre os pressupostos (este ocorre quando, apesar de o autor do acto ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução).
(…)
E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Nas palavras de Vieira de Andrade “Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão. »
E, na verdade, a Requerente entendeu o sentido e alcance da liquidação sobre o qual recai o pedido de pronúncia arbitral, e demonstra ter compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, o que se deduz da leitura da audição prévia, bem como do teor do pedido arbitral, razão pela qual se conclui pela inexistência do vício apontado.
VI. 2 Dos benefícios Fiscais
A matéria sob escrutínio prende-se com a atribuição e elegibilidade dos benefícios contratuais ao investimento (RFAI) cujo normativo básico está no artigo 2.º e seguintes do CFI, assim como nos artigos 27.º e seguintes deste Código no tocante à regulamentação da DLRR, e têm a sua génese, no RGIC (Regulamento Geral de Isenção por Categoria) (Regulamento (UE) n. ° 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014), na Portaria n.º 297/2015 de 21 de setembro, que procede à regulamentação do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e do regime da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR), normativos que teremos sempre em consideração.
O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, que aprovou o Código Fiscal ao Investimento (CFI) procedeu à revisão dos benefícios fiscais ao investimento e à capitalização das empresas às novas regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas, e alterou o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) .
Em sede do RFAI, previsto no artigo 22.º e seguintes do CFI, o mesmo visa promover e desenvolver uma atividade num sector específico, mediante investimentos feitos por sujeitos passivos de IRC, em ativos fixos tangíveis e intangíveis, e que esses resultem e criem postos de trabalhos (alínea f) n.4 do artigo 22.º), e aumentem a capacidade produtiva.
Necessariamente, um dos objetivos deste Benefício é incentivar o aumento da capacidade de produção e a criação de postos de trabalho.
Em sede do DLRR, previsto no nos artigo 27.º e seguintes do CFI, o mesmo visa promover e criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento, no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
A AT efetuou as correções ao IRC invocando para o efeito o não cumprimento dos quadros normativos aplicáveis, pelo que, fica excluída da apreciação do Tribunal a verificação dos pressupostos legais para beneficiar dos benefícios fiscais em apreço, respetivamente em sede de RFAI e DLRR.
Com efeito, no tocante ao RFAI, a AT desconsiderou o investimento realizado por entender que a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas que dão origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE não é elegível para o incentivo fiscal previsto nos artigos 21.º a 26.º do CFI (RFAI)
Quanto aos investimentos efetuados pela Requerente para efeitos de DLRR, a AT apenas desconsiderou os investimentos faturados em dezembro de 2014, com o argumento de que o CFI revogou os artigos do EBF, nomeadamente o artigo 66.º-L do EBF, que previam a possibilidade de reinvestimento dos lucros retidos e reinvestidos em ativos elegíveis, relativos ao período de tributação iniciado em 1 de janeiro de 2014 nesse período de tributação ou no prazo de dois anos.
A Requerida não contesta a realização dos investimentos, nem tão pouco o cumprimento dos requisitos legais ou a prossecução pela Requerida das finalidades dos benefícios, pelo que, provada a realização dos investimentos a matéria sob escrutínio é exclusivamente de direito substantivo.
VI.2 a. Elegibilidade da atividade da Requerente para efeitos de benefícios fiscais no âmbito do RFAI
Uma das questões decidendas prende-se com saber se, face ao quadro normativo abaixo expendido, a Requerente pode beneficiar dos benefícios fiscais ao investimento no âmbito do RFAI, por referência aos exercícios de 2016 e 2017.
Ao nível da legislação nacional, o artigo 2.º do CFI , na redação vigente à data dos factos estatuía o seguinte:
(…)
1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.
2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
(…)
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
(…)
3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.
(…)
Por conseguinte, o artigo 2.º do CFI admitia a concessão de benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento de montante igual ou superior a 3 milhões de euros.
Para tanto, os projetos devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas atividades económicas elencadas nas alíneas do n.º 2, onde se incluem a atividade transformadora e a atividade agrícola, com respeito pelo âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, (OAR) e do RGIC.
E o n.º 3 dispõe que cabe aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia definir, por Portaria, os códigos de atividade económica referentes às atividades referidas no n.º 2.
Por seu turno o n.º 1 do artigo 22.º do CFI, determina que: O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
O Governo português, através da portaria n.º 282/2014 determinou que não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores “da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura (…)
O Artigo 2.º da Portaria em análise define o âmbito setorial de aplicação do RFAI e determina que, sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior , as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;
b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
(…)
Donde, a Portaria excluí do âmbito do RFAI as atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do TFUE, sem prejuízo de identificar os códigos CAE – Rev 3, divisões 10 a 33 para as indústrias transformadoras.
Não obstante, o regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respetivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.
Ainda a propósito desta matéria, refira-se que a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, estabelece que para efeitos da alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do RFAI, independentemente da forma que assuma o investimento inicial, apenas se consideram aplicações relevantes os ativos intangíveis que:
a) Sejam exclusivamente utilizados no estabelecimento objeto dos benefícios fiscais;
b) Sejam amortizáveis, nos termos das regras contabilísticas em vigor;
c) Sejam adquiridos em condições de mercado a terceiros não relacionados com o adquirente; e
d) Permaneçam associados ao investimento a favor do qual o auxílio é concedido durante pelo menos cinco anos, ou três anos no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003.
Assim, ao abrigo da regulamentação comunitária, mormente, o RGIC – Regulamento Geral de Isenção por Categorias – Regulamento n.º 652/2014, da Comissão de 16/6/2014, a atividade transformadora de produtos agrícolas em produtos agrícolas não está excluída do seu âmbito de aplicação, o que resulta dos considerandos (10) e (11), bem assim como dos artigos 1.º n.ºs 1 e 3, e 13.º, alínea b), cujo teor se transcreve de seguida:
Considerandos:
(…)
(10) O presente regulamento deve aplicar-se, em princípio, à maioria dos setores económicos. No entanto, em alguns setores, como a pesca e a aquicultura e a produção agrícola primária, o âmbito de aplicação deve ser limitado à luz das regras especiais aplicáveis.
(11) O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. Para efeitos do presente regulamento, nem as atividades de preparação dos produtos para a primeira venda efetuadas nas explorações agrícolas, nem a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou a transformadores, nem qualquer atividade que prepare um produto para uma primeira venda devem ser consideradas atividades de transformação ou de comercialização.
Artigo 1.º n.ºs 1 e 3 – Âmbito de aplicação
O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:
b) Auxílios concedidos no setor da produção agrícola primária, com exceção da compensação de custos adicionais que não custos de transporte nas regiões ultraperiféricas, tal como previsto no artigo 15.º, n.º 2, alínea b), dos auxílios em matéria de consultoria a favor das PME, dos auxílios ao financiamento de risco, dos auxílios à investigação e desenvolvimento, dos auxílios à inovação a favor das PME, dos auxílios à proteção do ambiente, dos auxílios a trabalhadores desfavorecidos e a trabalhadores com deficiência;
c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:
i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou
ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;
Artigo 13.º n.º 1 alínea b) do RGIC – Âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional:
b) Auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica; os regimes destinados a atividades turísticas, infraestruturas de banda larga ou comercialização e transformação de produtos agrícolas não são considerados orientados para setores específicos da atividade económica.
Para efeitos de CFI e RGCI, entende-se por “Produção agrícola primária”, a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no Anexo I do TFUE, sem qualquer outra operação que altere a natureza dos produtos, e por “Transformação de Produtos agrícolas”, qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda.
Analisando agora as OAR – Orientações para os auxílios Estatais o setor agrícola – a nota de rodapé (11) referente ao setor agrícola, esclarece que “Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola.
Por seu turno as OAR para 2014 -2010, referem no seu ponto 33:
Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.
Resulta do teor da segunda parte do ponto 33 que as OAR se aplicam à transformação de produtos agrícolas, dentro dos limites das Orientações.
E, na secção, 1.1.1.4, ponto (168) das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que:
(168) Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:
a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;
b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;
c) As condições estabelecidas na presente secção.
Da análise da legislação comunitária conclui-se que, a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas (à base de carne), não é uma das atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR’s a que se refere a parte final do artigo 22.º n.º 1 do CFI, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC, ou nas OAR na secção em que se insere o ponto 168, são permitidos os auxílios estatais.
Resulta de todas estas disposições de direito europeu, interpretadas articuladamente, que a «transformação de produtos agrícolas» inclui a transformação de animais e carnes e miudezas, que se enquadram no conceito de «produto agrícola» a que se refere a alínea 11) do artigo 2.º do RGIC.
Por outro lado, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do RGIC, acima transcrito, só se encontra vedada a concessão de auxílios à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações mencionadas nas suas subalíneas i) ou ii) desta disposição normativa.
Revertendo à situação do caso, e como decorre do relatório de inspeção tributária bem como da Resposta apresentada, a Autoridade Tributária sustentou a exclusão do benefício fiscal no disposto no n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, que determina não serem elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as “atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.
Concluindo que o legislador nacional optou por não usar da faculdade concedida no parágrafo 168 das Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020, para a concessão de auxílios sob a forma de benefícios fiscais aos investimentos na transformação e comercialização de produtos agrícolas, aceitando, portanto, uma efetiva derrogação total das OAR pelas Orientações para os auxílios estatais no sector agrícola dentro dos pressupostos legais exigidos nessas normas Europeias.
Outrossim, sendo embora certo que a referida Portaria exclui da concessão de benefícios fiscais as atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas segundo a nomenclatura que consta do RGIC, a verdade é que este diploma, ao definir o respetivo âmbito de aplicação, apenas exclui os auxílios concedidos a esse sector de atividade nos casos especificamente descritos nas sobreditas subalíneas i) ou ii) da alínea c) do artigo 1.º, ou seja, “sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa” ou “sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários”.
Por isso, resta apurar se a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, é suficiente para afastar a subsunção a da atividade da Requerente à aplicação dos benefícios previstos no RFAI, e de saber se a solução legislativa e regulamentar adotada no âmbito do RFAI é compatível com o princípio da legalidade tributária.
De acordo com o artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. De acordo com o disposto no artigo 165º, n.º 1, alínea i) da CRP a lei sobre a criação de impostos e o sistema fiscal integra a reserva relativa de competência da Assembleia da República, podendo ser uma Lei formal ou um Decreto-Lei autorizado por Lei. Por seu lado, o 112.º, n.º 5, da CRP afirma que nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos. O mesmo estabelece um princípio geral de paralelismo de formas e equivalência normativa.
Concretizando estas disposições constitucionais, o artigo 8, n.º 1, da LGT, afirma que estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contraordenações fiscais, alargando o leque de matérias para o artigo 2.º.
A lei n.º 44/2014 de 11 de julho concedeu ao Governo autorização legislativa para aprovar um novo Código Fiscal do Investimento, revogando o Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, e adaptando os regimes de benefícios fiscais ao investimento e à capitalização das empresas às novas regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas, bem como para alterar o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, o Decreto-lei autorizado n.º 162/2014, de 31 de outubro que aprovou o CFI.
O n.º 2 do artigo 1.º do RFAI define as atividades económicas abrangidas por este regime e n.º 3 do artigo em apreço vem definir que o regime é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores definidos por portaria.
Ora, a definição do âmbito objetivo dos benefícios fiscais é matéria integrada na reserva relativa da Assembleia da República só podendo ser regulada por lei formal ou decreto-lei autorizado, conforme decorre dos artigos 103.º n.º 2, 165.º n.º 1 da alínea i) e 198.º n.º 1 da alínea b) da CRP.
Seguindo-se aqui de perto a declaração de voto emitida pelo Árbitro Dr. João Taborda Gama no processo 218/2019 T “O facto de uma portaria não referir um setor que a lei expressamente prevê como elegível para o benefício é juridicamente irrelevante. Como é natural, não pode uma portaria – independentemente de qualquer qualificação jurídico-pedagógica que se lhe dê – excluir um setor de atividade que o legislador fiscal soberano expressamente decidiu dever ser beneficiado e não alterou a sua decisão através de um procedimento legislativo de igual valor (lei ou decreto-lei autorizado). Ao fazê-lo está a derrogar a lei numa matéria central da tipicidade tributária – o que nem mesmo as posições doutrinárias mais flexíveis sobre a teoria da legalidade tributária admitem.
Havendo a suspeita de que uma lei fiscal não respeita o Direito Europeu – o que na minha opinião está aqui longe de se ter demonstrado – não cabe nunca a uma portaria corrigir a lei, pois não há qualquer arrimo metodológico para essa operação que, de resto, arvoraria o poder regulamentar em poder de fiscalização corretiva geral e abstrata da lei. Louvo-me nesta matéria naquilo que se pode ler no parecer da Professora, hoje Conselheira do Supremo Tribunal Administrativo, Doutora Suzana Tavares da Silva, junto aos autos.”
Posto isto, não excluindo o Regulamento Comunitário , abreviadamente designado de RGIC, do seu âmbito de aplicação as atividades de agricultura, nem tão pouco de transformação de produtos agrícolas, não pode a Portaria de execução excluir a atividade de transformação de produtos agrícolas, uma vez que aquele se sobrepõe a esta.
Em bom rigor, a Portaria de execução, o CFI e demais legislação regulamentar, têm de ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação das normas e dos princípios comunitários, não podendo derrogar nem prevalecer sobre estas.
Conforme já decidido nos processos 434/2020-T e 463/2019-T, no há motivo para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1º da Portaria sobre a alínea e) do n.º 3 do artigo 3.º do RGIC.
Tendo sido este o único argumento da AT, para desconsiderar o benefício fiscal e proceder à correção, argumento que face a tudo quanto acima se disse este Tribunal repudia, a liquidação adicional de IRC relativa aos exercícios de 2016 e 2017 é ilegal.
VI.2.b DLRR – Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos
A DLRR é um benefício fiscal ao investimento produtivo ao abrigo do qual o sujeito passivo, reunindo as respetivas condições subjetivas, adquire o direito a beneficiar de uma dedução à coleta de IRC nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, numa percentagem correspondente a 10% dos lucros que retenha e reinvista, em aplicações relevantes, dentro de determinado prazo e dentro de certos limites.
Em termos muito genéricos, este benefício é utilizado no ano em que se obtém o lucro, desde que este lucro seja retido mediante a constituição de uma reserva, e o valor da reserva venha a ser utilizado na aquisição de itens elegíveis nos anos seguintes.
Vejamos o quadro legal da DLRR, para o que se transcrevem os artigos tidos por relevantes para a apreciação do thema decidendum.
O benefício DLRR foi criado pelo artigo 208.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para 2014 (LOE 2014), com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2014, aditou um capítulo XIII ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), sob a epígrafe “Benefício ao Reinvestimento de Lucros e Reservas”, contendo os artigos 66.º C a 66.º L.
Artigo 66.º-D - Âmbito de aplicação subjetiva
Podem beneficiar da DLRR os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, bem como os sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável neste território, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Sejam pequenas e médias empresas, consideradas como tal nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro;
b) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;
c) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
d) Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.
Artigo 66.º-E - Dedução por lucros retidos e reinvestidos
1 - Os sujeitos passivos referidos no artigo anterior podem deduzir à coleta do IRC, nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, até 10 % dos lucros retidos que sejam reinvestidos em ativos elegíveis nos termos do artigo 66.º-F, no prazo de dois anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos
2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo dos lucros retidos e reinvestidos, em cada período de tributação, é de (euro) 5 000 000, por sujeito passivo.
3 - A dedução prevista no número anterior é feita, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, até à concorrência de 25 % da coleta do IRC.
4 – (…)
Artigo 66.º-H - Reserva especial por lucros retidos e reinvestidos
1 - Os sujeitos passivos que beneficiem da DLRR devem proceder à constituição, no balanço, de reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos.
2 - A reserva especial a que se refere o número anterior não pode ser utilizada para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis.
Artigo 66.º-L - Lucros reinvestidos no exercício de 2014
Os lucros retidos relativos ao primeiro período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014 podem ser reinvestidos em ativos elegíveis nos termos do artigo 66.º-F nesse período de tributação ou no prazo de dois anos contado do final desse período.” (sublinhado nosso)
De acordo com o então vigente artigo 66.º-E, n.º 1 do EBF, “Os sujeitos passivos referidos no artigo anterior podem deduzir à coleta do IRC, nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, até 10 % dos lucros retidos que sejam reinvestidos em ativos elegíveis nos termos do artigo 66.º-F, no prazo de dois anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos”.
Por sua vez, o artigo 66.º-L do EBF, naquilo que foi uma medida do legislador para incentivar o uso imediato deste benefício por parte dos sujeitos passivos elegíveis, determinava expressamente que “Os lucros retidos relativos ao primeiro período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014 podem ser reinvestidos em ativos elegíveis nos termos do ex-artigo 66.º-F, nesse período de tributação ou no prazo de dois anos contado do final desse período”.
Pelo que, durante o período em que o benefício fiscal aqui em causa esteve regulado no EBF encontrava-se expressamente prevista a possibilidade dos reinvestimentos para efeitos de DLRR de 2014 serem realizados nesse mesmo período de tributação.
E no que diz respeito à DLRR a Requerente tomou conhecimento do benefício no início do período de tributação de 2014, com a entrada em vigor da LOE para 2014, e como este regime incentivava expressamente à realização de reinvestimentos logo em 2014 estabelecendo a elegibilidade para o ano fiscal de 2014, a Requerente procedeu à identificação, planeamento e realização de investimentos relevantes logo no período de tributação de 2014.
Sucede que, o Governo aprovou o CFI com entrada em vigor a 5 de novembro de 2014, para o qual foi transferido o regime legal do Benefício Fiscal em apreço, mais concretamente para os seus artigos 27.º a 34.º
O regime em causa foi assim transferido para o CFI, com o propósito de unificar num único diploma a generalidade dos incentivos fiscais ao investimento empresarial e, no âmbito desta transferência, o legislador acabou por suprimir o artigo 66.º-L do EBF, deixando de estar, desde essa data, literalmente previsto que os reinvestimentos efetuados durante o exercício de 2014 eram elegíveis para a DLRR deste período de tributação.
Neste âmbito, refira-se que a aprovação do CFI, por intermédio do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, foi titulada por autorização legislativa conferida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de julho.
De acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea d) desta autorização legislativa, a mesma autoriza o Governo a “Alterar o benefício ao reinvestimento de lucros e reservas previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, transferindo-o para o novo Código Fiscal do Investimento”.
Por sua vez, a alínea e) do n.º 4 do preceito aqui em menção determina expressamente que o sentido e extensão desta autorização passa por “Estabelecer que o benefício ao reinvestimento de lucros e reservas, previsto nos artigos 66.º-C a 66.º-L do EBF, passa a estar integralmente estabelecido e regulado no novo Código Fiscal do Investimento”
i) Para além deste objetivo geral, a autorização legislativa indicava também conferir poderes ao Governo para: adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020;
ii) possibilitar a cumulação deste regime com o RFAI ;
iii) reforçar os mecanismos de controlo e acompanhamento deste regime de benefícios; e
iv) excluir este benefício do âmbito de aplicação da limitação prevista no artigo 92.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro (cf. artigo 2.º, n.º 4 da autorização legislativa).
Logo, da análise da autorização legislativa conferida ao Governo para a aprovação do CFI resulta claro que a principal intenção em torno do regime da DLRR foi, tão só, a de a transferir para o âmbito do CFI, não sendo autorizada pela mesma qualquer tipo de alteração ao regime aqui em causa de teor idêntico àquela que a AT procura extrair do CFI, em virtude da supressão do artigo 66.º-L do EBF.
Ademais, as disposições transitórias vertidas no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, determinam o seguinte:
1 - O disposto no capítulo II do novo Código Fiscal do Investimento, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, aplica-se aos projetos de investimento cujas candidaturas sejam apresentadas a partir de 1 de julho de 2014, inclusive, mantendo-se relativamente aos contratos anteriores os regimes legais ao abrigo dos quais os mesmos foram celebrados.
2 - Os restantes regimes fiscais previstos no novo Código Fiscal do Investimento aprovado em anexo ao presente decreto-lei, são aplicáveis aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014.
(…)
Posto isto, chegamos à raiz do litígio que nos cabe conhecer, porquanto, no que respeita à DLRR a correção preconizada pela AT centra-se na questão do período relevante para o reinvestimento.
A questão que se coloca é pois a de saber se, tendo entrado em vigor a 5 de novembro de 2014 as normas reguladoras da DLRR sem que constasse expressamente que o SP podia fazer o reinvestimento no próprio exercício de 2014, poderia ou não a Requerente fazê-lo, sendo que, in casu a AT desconsiderou apenas os investimentos realizados (faturados) em dezembro de 2014, por entender que estes ativos foram adquiridos já na vigência do CFI, por aplicação do disposto no seu artigo 29.º.
Por seu turno, a Requerente entende que adquiriu direitos ao abrigo da LOE, incluindo o direito de reinvestir no próprio exercício de 2014 e que supressão daquele preceito legal mais não representou do que uma simplificação do regime da DLRR, através da eliminação de uma norma redundante que apenas visou incentivar os sujeitos passivos a aderir ao benefício imediatamente após a sua entrada em vigor, não visando em momento algum precludir o direito de efetuar os reinvestimentos relevantes durante o exercício de 2014.
Estamos, pois, perante uma situação de sucessão de leis no tempo.
Da análise da Lei de Autorização Legislativa (Lei n.º 44/2014) que autorizou o Governo a aprovar um novo Código Fiscal do Investimento, resulta inequívoco que nunca foi intenção do legislador vedar legalmente a possibilidade de os investimentos elegíveis para DLRR serem realizados no mesmo período de tributação a que se reporta a DLRR.
Neste sentido, a decisão arbitral proferida no processo n.º 118/2018-T, onde se concluiu que “Em momento algum, ao definir o sentido e extensão com que o Governo ficava autorizado a legislar, a AR autorizou uma modificação do regime que pudesse resultar em prejuízo dos sujeitos passivos que potencialmente tivessem iniciado reinvestimentos em 2014, e na medida em que o tivessem feito, ao abrigo do disposto no regime que então se encontrava em vigor por força do art.º 66.º-L do EBF” .
Ademais, o artigo 11.º do EBF, relativo à aplicação no tempo das normas sobre benefícios fiscais determina que “1- As normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respetivo, em tudo o que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário.”
E quanto à constituição do direito aos benefícios fiscais estabelece o artigo 12.º do mesmo diploma que “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo, (…) salvo quando a lei dispuser de outro modo.”
Assim sendo, da aplicação conjugada das disposições normativas citadas, a Requerente adquiriu o direito ao benefício fiscal a 1 de janeiro de 2014, e não pode uma norma posterior, que não dispõe em contrário nem revoga expressamente a norma anterior, revogar o artigo 66.º L do EBF.
Nesta matéria, devemos presumir que o legislador adotou a solução mais razoável e acertada, e que ao não revogar expressamente o artigo 66.º L do EBF exprimiu claramente a sua vontade.
O que aliás resulta das disposições finais e transitórias do Decreto-Lei n.º 162/2014, mais concretamente do n.º 2 do seu artigo 6.º.
Nem tão pouco faz sentido aceitar os investimentos realizados de 1 de janeiro de 2014 a 4 de novembro de 2014 e desconsiderar os que tenham sido realizados entre 5 de novembro de 2014 e 31 de dezembro de 2014, com isso, defraudando as legítimas expetativas dos Sujeitos Passivos que, no início de 2014, ao abrigo da LOE para 2014, programaram e fizeram reinvestimentos nas suas empresas.
O Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se numa situação pretérita semelhante, quando um benefício constante no Código da Contribuição Industrial foi sujeito a alterações pelo Decreto-Lei que aprovou o CIRC, decidindo no sentido do respeito pelos direitos adquiridos dos particulares . No douto aresto pode ler-se: Não podia ser de outro modo, sob pena de se violar o princípio constitucional da confiança, incito no princípio do Estado de Direito. Os contribuintes tinham direito a não serem surpreendidos por uma legislação completamente ao arrepio do que estava estabelecido e com base na qual tinham feito os seus planos de vida esbuçado as suas estratégias económicas.”
Face ao acima exposto, a correção relativa ao investimento nos ativos fixos tangíveis com faturas datadas de 31/12/2014, no montante total de € 400.500,00, e respetiva liquidação adicional são ilegais, por erro na aplicação do direito, pelo que procede o pedido da Requerente.
VII - Vícios de conhecimento prejudicado
Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento de outros vícios que tenham sido invocados.
VIII- Juros
VIII.a Dos Juros Compensatórios
A Requerente impugna a liquidação de juros compensatórios em relação aos atos tributários de liquidação de IRC.
Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente . Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa atuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.
A procedência do pedido arbitral torna necessariamente exigível o pagamento de juros compensatórios, pelo que também nesse ponto o pedido é procedente.
VIII.b. Dos juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
De acordo com o prevenido no artigo 24 do RJAT que “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso, cabendo-lhe “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.”
Por seu turno o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT estabelece a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respetiva natureza, nos termos previstos na LGT e CPPT.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Neste sentido, o acórdão do STA, de 10-07-2012, prolatado no processo 026688, em que foi relator o Sr, Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e onde se lê: “ (…) v – Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios (…), havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.”
In casu, a AT procedeu às correções e liquidações adicionais de IRC com base numa interpretação da lei que entende ser a correta, não obstante entendeu este tribunal que a AT incorreu em erro de direito, sendo tal erro imputável aos serviços da AT, tem a Requerente direito aos juros indemnizatórios.
XIX. Decisão
Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide este Tribunal Arbitral:
a. Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de tributação adicional de IRC relativos aos exercícios de 2016 e 2017 e das respetivas liquidações de juros compensatórios, com a consequente anulação das mesmas;
b. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acerto de contas, com a consequente anulação;
c. Condenar a Requerida no reembolso do imposto do imposto e juros compensatórios;
d. Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.
X. Valor do processo:
Fixa-se em € 263.286,56 (duzentos e sessenta e três mil duzentos e oitenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
XI. Custas:
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.896,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de janeiro de 2022
O Tribunal Arbitral Coletivo
O Presidente do Tribunal Arbitral
Manuel Macaísta Malheiros
O Árbitro vogal
António Cipriano da Silva
O Árbitro vogal
(Relatora)
Cristina Coisinha
Nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º l0-A/2020, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio) atesto o voto de conformidade do Árbitro Presidente, Senhor Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, bem como o voto do árbitro vogal Dra. António Cipriano da Silva.