SUMÁRIO:
I. Nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, do CIRC, conjugado com a alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, na redação à data dos factos, são dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
II. As exigências formais quanto à comprovação dos custos bastavam-se à data dos factos com a apresentação de documento idóneo que permita validar os gastos declarados e que comprove os elementos essenciais da operação, mormente os sujeitos, o preço, a data e o objeto da transação, admitindo-se mesmo que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito.
III. Em relação às despesas devidamente documentadas (em relação às quais e presume a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC) compete à Administração Tributária alegar a existência de elementos suscetíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.
IV. Ao invés, no caso de despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respetivo custo, como lhe impõe o artigo 23.º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efetivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correção que a Administração Tributária tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.
V. Os encargos gerais de administração imputáveis ao estabelecimento estável em território português, traduzidos em imputação de encargos gerais decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa, podem ser deduzidos ao seu lucro tributável. Para o efeito, a imputação destes gastos deve ser calculada com base em critérios objetivos e uniformes, recaindo sobre os sujeitos passivos o ónus de transmitir à administração fiscal as informações necessárias para o correto apuramento da sua objetividade e uniformidade, sob pena de os mesmos serem desconsiderados sempre que a administração fiscal não tenha ao seu dispor outros meios de informação para efetuar um controlo de adequação.
VI. Na imputação de custos gerais de administração ao estabelecimento estável, as provas que o contribuinte apresentou deveriam merecer, por parte da AT, não uma simples recusa total dos gastos em razão de certas divergências observadas, mas sim uma análise, derivada do dever de colaboração mútua e da obrigação de descoberta da verdade material, que a Requerida não realizou. O princípio do inquisitório não foi devidamente aplicado. Além disso, haveria outras formas, previstas na lei, para evitar uma solução desproporcionada quanto à denegação destes custos.
VII. Na aplicação do preço comparável de mercado, em preços de transferência, não se pode erigir em preço a relação entre o capital próprio e o ativo. Além disso, tal aplicação requer uma análise de comparabilidade que, não sendo efetuada, inquina as correções ao lucro tributável feitas por via dos preços de transferência. Para se aplicar o método do preço comparável de mercado, no âmbito do regime de preços de transferência, é necessário que se prove que o preço utilizado como comparável corresponda ao que normalmente seria contratado, aceite e praticado entre entidades independentes numa operação comparável.
DECISÃO ARBITRAL
I.RELATÓRIO
1.A..., pessoa coletiva e matrícula n.º ..., com representação permanente na Rua ..., n.º ..., ... Piso, ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do B..., sociedade constituída ao abrigo do direito irlandês, com sede em ..., Dublin ..., Irlanda, representante em virtude da cessação de C..., pessoa coletiva e matrícula n.º ..., com anterior representação permanente na Rua ..., n.º ..., ... Piso, ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do D..., instituição de crédito com sede e direção efetiva em ... ..., ..., Londres, ..., Reino Unido (o “Requerente”), vem, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a); artigo 6.º, n.º 2, alínea b), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com vista a impugnar a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto na sequência do ato de deferimento parcial da Reclamação Graciosa relativa à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2011 ..., de Acerto de Contas n.º 2011 ... e respetivas liquidações de juros n.os 2011 .../..., do período de tributação de 2008. O Requerente pretende submeter à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade das correções à matéria tributável mencionadas no quadro do artigo 26.º do PPA, indicando como valor da ação o montante de € 9.277.567,34.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.
O Requerente procedeu à nomeação de árbitro, na pessoa do Prof. Doutor António Martins e a Requerida nomeou o Prof. Doutor Diogo Feio, ambos árbitros vogais, que aceitaram a nomeação.
Nos termos do artigo 6.º n.º 2 do RJAT foi designada como Presidente do Tribunal, por acordo entre os árbitros vogais, a Conselheira Maria Fernanda Santos Maçãs que aceitou.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 3 de Maio de 2021.
1.1 A fundamentar o Pedido, alega o Requerente, entre o mais, que:
i) Dos custos não documentados ou não indispensáveis (pp. 9 a 20 e 31 a 42 do Despacho de Indeferimento)
a) Ponto de ordem e falta de fundamentação
Em relação aos gastos contabilizados nas contas: # 6889; #70883; #70885; # 711210; # 711212; #7113199; # 711991; # 72889.”, e também respeitante a custos pretensamente não documentados ou não indispensáveis relativamente aos quais a AT manteve correções à matéria coletável, no valor total de € 15.359.483,05, esta última tece considerações igualmente vagas e não fundamentada, o que configura um vício de falta de fundamentação, por violação do disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), e inquina o Despacho de Indeferimento, que deverá, só com esse fundamento, ser anulado.
b)Do erro conceptual quanto à “suficiência” dos documentos comprovativos dos gastos incorridos, em sede de IRC: a violação do princípio do inquisitório
Alega o Requerente que, estando os gastos suportados por documentos cuja veracidade não é posta em causa, é o próprio princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, previsto no artigo 58.º da LGT, que impõe sobre a AT a obrigação de agir de modo diferente, apontando a favor da sua tese o Acórdão do STA de 21 de outubro de 2009 (processo n.º 0582/09) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, no acórdão de 7 de maio de 2013 (processo n.º 06418/13).
Acresce que mesmo que os documentos apresentados não configurassem, segundo a AT, prova bastante dos gastos em que o Requerente incorreu (…), por exigência do princípio da capacidade contributiva ínsito no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) sempre deveriam ser atendidas outras formas de prova da existência de tais custos, para além da documental, sendo no caso os documentados internos apresentados suficientes porque contêm todos os requisitos constantes do invocado artigo 23.º do CIRC.
O Requerente invoca a favor da sua tese o Acórdão do TCA Sul proferido, em 27 de abril de 2006, no processo n.º 6461/02, bem como o Acórdão do TCA Norte, de 14 de julho de 2006, no processo n.º 02390/05.0BEPRT, e a jurisprudência do STA, mais concretamente no acórdão proferido em 9 de setembro de 2015, no processo n.º 028/15.,
O Requerente conclui que “os documentos internos são perfeitamente suscetíveis de provar, idónea e suficientemente, os gastos e perdas efetivamente incorridos por determinado sujeito passivo, tendo em vista a realização dos seus rendimentos ou ganhos ou a manutenção da respetiva fonte de produção.”
c) A ilegalidade face à desconsideração dos documentos internos
Conforme vem de ser demonstrado, é ilegal, por violação da Lei e do entendimento que dela avançam a jurisprudência e a doutrina unânimes, a simples desconsideração de um gasto para efeitos fiscais pela circunstância de o mesmo se encontrar titulado em documentos internos.
“(…) tratando-se de operações efetivas, cuja veracidade a AT não pode nem procura contestar, é ilegal a imposição de correções com o alegado fundamento de os gastos se encontrarem suportados em documentos “meramente” internos”.
d)A ilegalidade face à errónea interpretação do princípio da indispensabilidade dos custos
No do Despacho de Indeferimento, a AT contesta ainda a indispensabilidade de custos que foram efetivamente suportados pelo Requerente com refeições de colaboradores com clientes (Conta # 70883, no montante de € 8.663,61), deslocações, estadias e custos relacionados com marketing e eventos promocionais (Conta # 70885, no montante de 257.718,71) e um vasto leque de despesas com serviços prestados ao E... e, mais concretamente, ao seu departamento do F..., decorrentes de serviços gerais e administrativos (Conta # 711991, no valor de € 10.459.937,45).
Em primeiro lugar, alega o Requerente que não é possível aferir quais os motivos invocados pela AT nem quantificar o resultado da concretização dos mesmos para concluir que os custos em causa não devem ser aceites fiscalmente por “não provada a sua indispensabilidade”, desconhecendo-se o suposto fundamento pelo qual a AT pretende corrigir os aludidos montantes.
Suportado em diversa doutrina e jurisprudência, incluindo o acórdão do STA, de 28 de junho de 2017, prolatado no processo n.º 0627/16, argumenta o Requerente que devem ser aceites para efeitos fiscais todos os gastos assumidos pelo sujeito passivo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respetivo objeto social, donde a relevância fiscal de um custo não depender da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou sequer da produção do resultado, pois está em causa o espaço de liberdade empresarial do sujeito passivo.
Resultando claro que, uma vez mais, a AT lavra em erro manifesto, quanto aos pressupostos da sua correção, e viola o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, inquinando, assim a Liquidação Adicional, também nesta parte, devendo a mesma ser anulada, na justa medida da ilegalidade cometida.
e) A ilegalidade por violação do princípio da justiça
Segundo o Requerente, a AT veio admitir, no Despacho de Indeferimento, que o fundamento para a manutenção das correções decorre, afinal, da sua cega obediência ao princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do Código do IRC, no que se refere ao custo no valor de € 381.720,29, lançado na conta # 7113198, ao custo lançado na conta # 7113199, no valor de € 2.244.148,55, e ainda em relação ao custo lançado na conta # 72889, no valor de € 665.935,90.
Considera o Requerente que, ao agir deste modo, a AT viola não só o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, mas também o princípio do inquisitório, contido no artigo 58.º da LGT, impondo-lhe uma tributação manifestamente injusta, por infundada, em clara violação dos mais elementares princípios de justiça, proporcionalidade e imparcialidade, decorrentes de princípios constitucionais explicitamente consagrados no artigo 55.º da LGT.
De acordo com a sua tese, a jurisprudência, quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais arbitrais, exemplificando com os acórdãos do CAAD proferidos no processo 262/2015-T, 609/2015-T e 604/2017-T, o princípio da especialização dos exercícios é um princípio contabilístico acolhido pelo direito fiscal, mas que não pode ser aplicado de forma cega ou absoluta, entendendo que os custos em apreço foram comprovadamente incorridos, pelo que, uma vez feita tal constatação, nada mais restaria à AT, em cumprimento do princípio da justiça, do que a aceitação da dedutibilidade dos mesmos.
Sublinha ainda que é de elementar justiça reconhecer que o procedimento adotado não constituiu uma omissão voluntária e intencional, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, uma vez que, no caso concreto, o benefício correu por conta da AT e não do sujeito passivo, pois o gasto apenas foi deduzido mais tarde do que deveria ter sido, sem que daí tivesse advindo qualquer benefício para o Requerente.
A concreta fundamentação e consequente ilegalidade das correções contestadas
Conta # 6889: € 946.427,44
Nesta conta estão refletidos os montantes de comissões pagos à G... S.A. (“G...”) pelo Requerente, de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados através de cartões de crédito emitidos pelo Banco, mais concretamente pelo F....
O Requerente, enquanto sociedade anónima bancária, com atividade bancária e financeira, e ainda atuando no mercado de capitais e na prestação de outros serviços financeiros, emitia e geria cartões de crédito, sendo que por esta atividade paga comissões à G..., de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados com estes cartões de crédito, por si emitidos.
A G... cobra as comissões diretamente na conta bancária associada aos cartões de crédito emitidos, limitando-se a enviar ao Requerente um ficheiro informático com a descrição dos inúmeros registos lançados, não existindo qualquer outro documento justificativo deste custo.
Alega o Requerente que é impossível ou impraticável manter um registo atualizado dos milhões de movimentos mensais de todos os cartões de crédito geridos por si, de forma individualizada, por via de uma fatura, como pretende a Requerida.
Para mais prova, poderia a própria AT confirmar, quer a existência, quer o valor das comissões cobradas pela G..., atendendo ao princípio da colaboração que vincula a AT, ao abrigo do disposto no artigo 59.º da LGT, e às obrigações que sobre si impendem no sentido de descortinar a verdade material, nos termos do artigo 58.º da LGT.
Conta # 70883: € 8.663,61
Os custos aqui em discussão dizem respeito a despesas decorrentes de refeições de Colaboradores do Requerente, quer em refeições com Clientes, quer em refeições do próprio Colaborador, motivadas por deslocações a Clientes, as quais, por decorrerem do exercício de funções dos trabalhadores no interesse do Requerente, eram por este assumidas, concluindo assim que está demonstrado que todas foram desenvolvidas em benefício da atividade desenvolvida por si, caindo a sua dedutibilidade fiscal no artigo 23.º do Código do IRC e de acordo com o artigo 75.º da LGT, segundo o qual se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações do contribuinte.
Conta # 70885: € 154.715,96
O Requerente subdivide os gastos lançados nesta rubrica em três grupos: i) custos incorridos no exercício da atividade desenvolvida pelo departamento F..., nomeadamente, com deslocações, refeições, estadias; ii) custo suportado na compra de equipamento desportivo com vista a participar num evento promocional (cf. cópia da fatura junta na Reclamação Graciosa como documento n.º 54 e também junta ao PPA como Doc. n.º 14), e iii) custos suportados com a organização da Convenção Anual que o H... organiza, mais concretamente com o espaço onde o evento teve lugar (cf. faturas juntas com a Reclamação Graciosa como Doc. n.º 56 e também junta ao PPA sob a designação de Doc. n.º 15), destacando a crucial importância destes gastos para o exercício da sua atividade.
Conta # 711210: € 49.454,02
Neste ponto estão em causa gastos relativos, na sua maioria, a viagens de Colaboradores do Requerente e a uma fatura relativa a seguros de crédito.
O Requerente limita-se a alegar que, não obstante estarem em causa despesas reais e efetivas, incorridas no interesse exclusivo do Requerente, e apesar dos seus esforços para obter a documentação relevante, tendo já decorrido 12 anos desde o exercício em causa, não lhe foi possível obter a documentação mencionada no Recurso Hierárquico.
Conta # 711212: € 13.272,45
Também nesta correção, conforme alega o Requerente, estão em causa gastos que dizem maioritariamente respeito a viagens dos seus colaboradores.
De acordo com a tese do Requerente, não obstante estarem em causa despesas reais e efetivas, incorridas no interesse exclusivo do Requerente e apesar dos seus esforços para obter a documentação relevante, uma vez tendo já decorrido 12 anos desde o exercício em causa, não lhe foi possível obter a documentação mencionada no Recurso Hierárquico.
Conta # 7113198: € 381.720,29
Na conta em apreço são corrigidos custos correspondentes a dois lançamentos com datas de 13 de fevereiro de 2008, com o descritivo “REG. FTS LOANS ...” e num total de € 381.720,29, relativos a encargos com campanhas publicitárias realizadas, segundo alega o Requerente, no desempenho normal da sua atividade e que se decompõem num primeiro montante que diz respeito aos custos correspondentes às faturas n.os .../06, .../06, .../07, .../07, emitidas pela Empresa Espanhola I..., I..., CIF ...-..., respeitante ao fornecimento de produtos publicitários titulados pelas faturas juntas ao PPA como Doc. n.º 16 e Doc. n.º 17 e num segundo montante de € 19.581,35, relativo a custos com a aquisição de material diverso com publicidade às sociedades J... e K..., as quais emitiram, para os devidos efeitos legais, as faturas n.º ..., no montante de € 17.688,46, e n.º ..., no montante de € 2.029,78.
O Requerente entende que a Requerida fez uma errada análise da factualidade, tirando as conclusões sem sequer ter analisado a documentação carreada para o procedimento e que apesar de nunca ter negado que as faturas juntas sob a designação de Doc. n.º 16 e Doc. n.º 17 foram efetivamente, todas elas, emitidas em 2007, no entanto, a contabilização destes montantes em 2008 foi por si devidamente clarificada, pelo que, particularmente quanto à suposta imposição da correção com fundamento no princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do Código do IRC remete para as suas alegações no que respeita à violação do principio da justiça.
Conta # 7113199: € 2.244.148,55
O montante em causa nesta correção diz respeito aos lançamentos relativos a custos diversos, designadamente com campanhas e/ou material publicitário (cfr. faturas juntas ao PPA sob a designação de Doc. n.º 19 a Doc. n.º 25) que, de acordo com a tese do Requerente, foram incorridos no exercício da atividade desenvolvida pelo seu departamento F....
Entende o Requerente que apesar de parte das faturas terem sido emitidas em 2007, apenas foram efetivamente contabilizadas em 2008, pelo que, sendo este o fundamento único da correção em causa, recaía sobre a Requerida o dever de não promover correções em pretenso cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, quando o mesmo gera resultados gritantemente injustos, comprovada que se encontre a sua efetividade e indispensabilidade, como é o caso em análise.
Por outro lado, entende que os montantes faturados ao “L...”, devem ser dedutíveis ao seu lucro tributável, uma vez que estão em causa serviços efetivamente respeitantes ao Requerente, em Portugal.
Conta # 7119122: € 215.646,71
De acordo com o Requerente, nesta conta foram corrigidos custos num total de € 215.646,71, correspondentes a custos efetivamente suportados no exercício da sua atividade, mais concretamente de comissões pagas a promotores institucionais para a concretização de financiamentos a clientes. No entanto, apesar estarem em causa despesas reais e efetivas, incorridas no interesse exclusivo do Requerente e não obstante ter desenvolvido esforços para obter a documentação relevante, não lhe foi possível obter a documentação mencionada no Recurso Hierárquico dado que já tinha decorrido 12 anos desde o exercício em causa.
Conta # 711991: € 10.459.937,45
Nesta conta está em causa um total de € 10.459.937.45, correspondente a dois lançamentos, ambos datados de 31 de dezembro de 2018: um no montante de € 4.144.891,45 e outro no valor de € 6.315.046,00, referentes a encargos gerais (Head Office) decorrentes de um conjunto vasto de serviços nas áreas financeira, jurídica, de risco, recursos humanos e marketing, prestados de forma global ao E... e que eram imputados ao Requerente, mais concretamente ao seu departamento interno do F..., segundo termos previamente acordados – tendo apresentado os respetivos documentos de suporte como Doc. n.º 83 e 84 da Reclamação Graciosa e ora juntos ao PPA sob a designação de Doc. n.º 26 e Doc. n.º 27.
Considera o Requerente que sendo todos os cartões de crédito do H... emitidos pelo F..., este departamento repercute, em cada um dos exercícios, a todas as entidades do grupo, os custos da atividade de emissão e gestão de cartões de crédito, na medida em que estes aproveitam a cada uma das filiais ou sucursais, consoante o caso.
Conta # 72889: € 818.474,02
Os custos aqui em causa dizem respeito, por um lado, ao pagamento de diversas despesas relacionadas com a atividade do Requerente, como, por exemplo, serviços de consultoria, serviços jurídicos, publicidade, marketing, viagens, etc., suportados por faturas e elementos contabilísticos e, por outro lado, a movimentos de acréscimo do gasto de acordo com o respetivo princípio (accrual). Segundo o Requerente, o montante em discussão deve ser tripartido do seguinte modo: i) despesas referentes a período tributação diferente de 2008, ii) despesas referentes a período tributação diferente de 2008, e iii) faturas emitidas à L.... Mais alega que as correções respeitantes aos encargos suportados por faturas emitidas em 2007 foram, apenas e só efetivamente contabilizadas em 2008, devendo os mesmos ser dedutíveis ao lucro tributável do período de 2008, ao abrigo do princípio da justiça. Por fim, entende ainda que os encargos faturados em nome da L... devem ser igualmente qualificados como dedutíveis, na medida em que estão em causa fees respeitantes a Portugal.
2.A Requerida, na resposta, apresentou a seguinte argumentação:
Das Correções Respeitantes a Custos Não Documentados e Não Indispensáveis
a) Quanto à alegada falta de fundamentação
De acordo com a informação que sustenta a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, os gastos que ainda se mantém em discussão respeitam aos gastos contabilizados pela Requerente nas contas: # 6889; #70883; #70885; # 711210; # 711212; #7113199; # 711991; # 72889.
A questão a dirimir, com referência ao ano de 2008 e em relação à parte da correção que se manteve após o procedimento de reclamação graciosa (adiante RG), é a de saber se os SIT lograram alcançar prova necessária e suficiente capaz de suportar a desconsideração de «diversos encargos registados na contabilidade, dado que o sujeito passivo, apesar de notificado, não apresentou quaisquer documentos justificativos dos registos seleccionados, nem justificou a indispensabilidade dos mesmos» (cfr. pág. 6 do RIT).
O Requerente lançou mão de meios de defesa administrativos contra o ato tributário de liquidação de IRC, tendo os serviços da AT apreciado as correções que resultaram na emissão, fundamentação que foi totalmente acolhida e mantida nas decisões dos procedimentos de RG e de RH, constando da informação proferida neste último procedimento o seguinte:
« 22. A matéria aqui em questão reporta-se a gastos que em sede inspetiva, por não terem sido apresentados os respetivos suportes documentais ou dos mesmos não resultar o conhecimento da natureza económica da operação e/ou o seu efetivo beneficiário foram considerados como «não documentados» e consequentemente não aceites fiscalmente para os efeitos do disposto no artigo 23° do CIRC, com a subsequente aplicação de tributação autónoma nos termos do vertido no artigo 88° também do CIRC.
(…)
26. Ora, no art.º 23.º do CIRC, na redação aplicável à data dos factos, define-se que apenas se consideram custos/gastos do período os que comprovadamente forem indispensáveis à realização de proveitos/rendimentos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, não sendo aceites os encargos não devidamente documentados conforme o disposto pela al. g) do n.º 1 do art.º 45.º do CIRC;
27. Da conjugação das referidas normas ressaltam, assim, dois requisitos indispensáveis à aceitação fiscal dos custos/gastos, a saber:
encontrarem-se os mesmos devidamente documentados;
e
serem indispensáveis para a realização dos rendimentos (proveitos ou ganhos) sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Segundo a Requerida, os fundamentos para a emissão dos atos tributários de liquidação estão expressamente vertidos no RIT e nos seus anexos, e, por isso, a sua fundamentação é contemporânea dos atos de inspeção.
Assim, a fundamentação do ato de liquidação está expressamente vertida no RIT e nos seus anexos, dos quais o Requerente foi prévia e validamente notificado, sendo que os fundamentos aduzidos nos procedimentos de RG e de RH passam a integrar a fundamentação do ato tributário anteriormente praticado. Nesse sentido a Requerida menciona o Acórdão do STA, processo n.º 0291/13, de 06-05-2015.
Sendo ainda de referir que, foi precisamente o facto de o Requerente ter apresentado documentação comprovativa dos gastos declarados, no âmbito dos procedimentos de contencioso administrativo (note-se que nas mencionadas ações judiciais de intimação para um comportamento e de execução de julgado não esteve seguramente em causa nenhuma questão atinente à legalidade da liquidação e à comprovação de gastos declarados) que possibilitou a anulação parcial da liquidação, donde resulta que a questão da prova documental, ou falta dela, esteve sempre incluída no âmbito do discurso fundamentador subjacente às decisões proferidas pela AT.
b) Da alegada «suficiência» dos documentos comprovativos dos gastos, da violação do princípio do inquisitório e da alegada ilegalidade face à desconsideração dos documentos internos
O Requerente é uma entidade não residente com estabelecimento estável em território português, sendo considerado, para efeitos de IRC, sujeito passivo, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, incidindo o imposto sobre o lucro imputável ao estabelecimento estável, conforme o estipulado no artigo 3.º, n.º 1, al. c) do mesmo diploma legal, sendo a matéria coletável determinada, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, al. c), e 55.º, n.º1, do CIRC, pelo que está o Requerente obrigado ao cumprimento do disposto no n.º 3 do art.º 17.º do CIRC, bem como das obrigações consagradas no artigo 123.º do mesmo diploma legal.
«(…) o valor probatório de uma contabilidade assenta nos respetivos documentos justificativos, como resulta do disposto no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC, segundo a qual «todos os lançamentos devem ser apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário».
Como refere Freitas Pereira, in “Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 365, 1992, pp. 346 ss.): «o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.(…) Dito de outro modo: a substituição de um documento externo por um documento interno pode, no plano exclusivo da determinação do lucro tributável, não ser irremediável se, contendo este último todos os elementos indispensáveis que devia conter o primeiro, a veracidade da operação subjacente puder ser demonstrada.». No mesmo sentido, a Requerida invoca a favor da sua tese o Acórdão do TCA Sul, de 28-03-2019, proferido no Proc. n.º 69/17.9BCLSB, e, bem assim, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 236/2014-T CAAD.
Invoca, ainda, o Requerente a violação pela AT do princípio do inquisitório, plasmado no artigo 58.º da LGT, mas demonstra cabalmente a documentação constante do processo administrativo, que inclui o RIT, a RG e o RH, que foi feita a prova, pela AT, da verificação dos pressupostos legais que legitimam as correções, ainda vigentes, aos rendimentos declarados.
Pelo que, como supra exposto, cessa a presunção de veracidade das declarações e passa a incumbir ao Requerente a prova que ponha em causa os montantes corrigidos, de acordo com as regras sobre o ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, prova que não foi efetuada nem em sede de procedimentos administrativos nem na presente ação arbitral.
No caso em apreço, a Requerida alega que cumpriu o princípio do inquisitório, tendo diligenciado no sentido de carrear para os procedimentos os elementos necessários ao apuramento da situação tributária do Requerente, enquanto que este apesar de notificado não apresentou documentação necessária para justificar a indispensabilidade dos gastos declarados. A Requerida invoca a seu favor a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 881/2019-T.
Quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, a Requerida refere que estamos perante gastos declarados pelo Requerente desconsiderados pela AT por não se encontrarem documentados e por não ter sido demostrada a sua indispensabilidade, nos termos do artigo 23.º do CIRC, sendo que caso existissem «outras formas de prova da existência de tais custos» quem teria acesso às mesmas seria o Requerente que, certamente, as indicaria aquando das notificações que lhe foram enviadas para justificar os custos declarados, ou para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções, ou, ainda, em sede de RG e de RH, e, por último, no âmbito da presente ação arbitral, o que não aconteceu .
Para a Requerida, as exigências de natureza formal e de documentação dos custos têm subjacente a proteção do interesse público no combate à fraude e à evasão fiscal e, se por um lado, releva o imperativo da tributação pelo rendimento real, por outro lado, há que valorar e ponderar os interesses que estão subjacentes às exigências formais de prova. A este propósito a Requerida invoca a jurisprudência (veja-se o excerto do Acórdão do STA, Proc. n.º 0658/11, constante do Acórdão proferido no Proc. n.º 436/2017-T).
c) Da alegada errónea interpretação do princípio da indispensabilidade dos custos
Alega a Requerida que exigia o artigo 23.º do CIRC a verificação de dois requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam fiscalmente dedutíveis: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos (cfr. Acórdão do STA, de 05-07-2012, proc. nº 0658/11).
São, pois, dois os requisitos que a norma impõe cumulativamente pelo que, a verificação de um não exclui a verificação do outro, mas, pelo contrário, bastará o não cumprimento de um deles para que os gastos já não possam ser considerados para efeitos de determinação dos resultados fiscais.
Sendo que é o incumprimento dos pressupostos legais cumulativos constantes dos artigos 23.° e do artigo 42.° n.º 1 alínea g) do CIRC que impede que a AT aceite a dedução dos gastos declarados. Assim, não basta, como alega o Requerente que os custos obedeçam ao crivo legal da indispensabilidade para serem considerados fiscalmente como custo do exercício, exigindo as disposições citadas, como condição geral para a dedutibilidade dos custos, a sua comprovação através de documentos justificativos. A favor da sua orientação alega a Requerida o Acórdão do TCA Sul, de 12-01-2017, proc. n.º 09894/16, bem como, o Acórdão STA - 2.ª Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; Acórdão do TCA Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; Acórdão TCA Sul – 2.ª Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; Acórdão do TCA Sul - 2.ª Secção, 10/7/2015, proc.8473/15 e, ainda, a Decisão arbitral proferida no processo n.º 436/2017-T.
d) Da alegada violação do princípio da justiça
Entende a Requerida que através de uma leitura minimamente atenta do RIT e das decisões proferidas na RG e no RH, é possível perceber que o fundamento das correções se prende com o incumprimento dos pressupostos legais cumulativos constantes dos artigos 23.º, conjugado com o artigo 42.º n.º 1 alínea g) do CIRC, o que impede a consideração dos custos para efeitos de determinação do lucro tributável, a saber: a comprovação e a indispensabilidade. Neste contexto, considera ainda a referência ao princípio da especialização dos exercícios constante da decisão de RG e de RH, resulta da análise dos documentos juntos pelo Requerente no âmbito da RG, mas obviamente não altera a fundamentação das correções.
No entanto, sublinha que a jurisprudência considera que a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores é possível, desde que não se verifiquem omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios e que, no caso sub judice, não foi minimamente provado pelo Requerente que ocorreu uma omissão ou erro praticado involuntariamente que resultou numa tributação manifestamente injusta. Ademais, o Requerente não logrou provar que ocorreu um benefício para a AT, não constando dos autos quaisquer elementos probatórios que confirmem essa argumentação.
Conclui assim que ao Requerente não lhe basta alegar uma pretensa injustiça para si e um eventual benefício para a AT, pois tal tese conduz, por um lado, a menorizar o princípio da legalidade afirmado no n.º 2 do art.º 103.º da CRP e esvaziar de conteúdo um dos princípios básicos da contabilidade e da determinação do lucro tributável enunciados na lei fiscal, e, por outro, redundaria na aplicação do princípio da periodização do lucro tributável “à la carte”, comprometendo o princípio da igualdade de tratamentos dos contribuintes, invocando os acórdãos proferidos pelo STA, no âmbito do processo n.º 0658/1, e pelo CAAD, no âmbito do processo 582/2017-T.
e) Da legalidade das correções contestadas
Conta # 6889: € 946.427,44
Tal como sustentou nos procedimentos administrativos, alega o Requerente que esta conta respeita as verbas contabilizadas a comissões pagas à G..., de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados através de cartões de crédito emitidos pelo banco, mais concretamente pelo F..., limitando-se a juntar uma listagem, um manual de procedimentos e um alegado exemplo de lançamento dessas comissões na contabilidade, não permitindo identificar os sujeitos envolvidos na alegada transação nem que foi efetivamente cobrado ao Requerente o montante de € 526 011,17, nem que tal montante respeita ao exercício económico de 2008.
Assim, a verba contabilizada constitui um encargo não devidamente documentado, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, com a consequente tributação autónoma em cumprimento do disposto no artigo 88. ° do CIRC.
Conta #70885 – Deslocações, Refeições, estadias, equipamento desportivo e espaço para a realização Convenção Anual: € 154.715,96
Conforme mencionado supra, estes gastos são subdivididos pelo Requerente em três grupos, a ser: i) custos incorridos no exercício da atividade desenvolvida pelo departamento F..., nomeadamente, com deslocações, refeições, estadias; ii) custo suportado na compra de equipamento desportivo com vista a participar num evento promocional, e iii) custos suportados com a organização da Convenção Anual que o H... organiza, mais concretamente com o espaço onde o evento teve lugar (tendo a Requerida mencionado gastos relacionados com cheques M... e Cheques N... talvez por lapso, pois não existe qualquer referência aos mesmos no PPA).
Também aqui, insiste o Requerente na invocação de argumentação genérica sem sustentação probatória, pelo que a documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.
Conta #711210 – Viagens de Avião e Seguros de Crédito: € 49.454,02
Afirma o Requerente que os gastos aqui em causa se referem, na sua maioria, a viagens de Colaboradores do Requerente e a uma fatura relativa a seguros de crédito.
Mais uma vez, alega a Requerida que a documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.
Conta #711212 – Viagens de Avião: € 13 272,45
O Requerente invoca que os gastos lançados nesta rubrica dizem maioritariamente respeito a viagens dos seus colaboradores e que, não obstante estarem em causa despesas reais e efetivas, incorridas no interesse exclusivo do Requerente e apesar dos seus esforços para obter a documentação relevante, uma vez tendo já decorrido 12 anos desde o exercício em causa, não lhe foi possível obter a documentação mencionada no Recurso Hierárquico.
Também quanto a estes gastos, entende a Requerida que documentação junta pelo Requerente no âmbito dos procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.
Conta # 7113198: € 381.720,29
O Requerente defende que os gastos registados nesta conta dizem respeito a encargos com campanhas publicitárias realizadas no desempenho da sua normal atividade, considerando que apesar de as faturas terem sido emitidas em 2007, a contabilização destes montantes em 2008 foi devidamente clarificada.
De acordo com a Requerida, estes encargos não dizem respeito ao período de tributação respeitante à correção pelo que não poderá, desde logo, ter-se tais gastos como custo do exercício de 2008, nem se comprova que os referidos documentos respeitam à contabilização em 2008 das verbas que vieram a ser corrigidas.
Conta # 7113199: € 2.244.148,55
Relativamente a esta correção, a Requerida sublinha que o próprio Requerente confessou (i) existir lapsos nos documentos juntos, nomeadamente a apresentação de documentos em duplicado, (ii) que as faturas constantes das alíneas a) e b) da tabela vertida no artigo 228.º do PPA foram emitidas em 2007, mas alegadamente contabilizadas em 2008, (iii) que na fatura apresentada com respeito à alínea c) da tabela consta o "O...”, quando deveria constar o Requerente.
Neste contexto, a Requerida acompanha o entendimento adotado no Despacho de Indeferimento, onde se considera que “no que respeita às faturas emitidas em 2007 não poderá ter-se tais gastos como custo do exercício de 2008, nem se comprova que os referidos documentos respeitam à contabilização em 2008 das verbas que vieram a ser corrigidas (…) Já quanto à fatura onde vem mencionado o "O...", não se comprova que a mesma respeite ao montante contabilizado que pretende documentar (…) Assim sendo, será de manter a qualificação destes montantes contabilizados a título de custos como despesas não documentadas”.
Conta # 7119122: € 215.646,71
Segundo o Requerente, estes encargos foram efetivamente suportados no exercício da sua atividade, mais concretamente resultam de comissões pagas a promotores institucionais para a concretização de financiamentos a clientes. No entanto, não lhe foi possível obter a documentação mencionada no Recurso Hierárquico dado que já tinha decorrido 12 anos desde o exercício em causa.
Neste contexto, entende a Requerida que, atendendo a que o próprio Requerente confessou que não dispõe da documentação justificativa do custo declarado, deve manter-se a qualificação de despesa não documentada e, consequentemente a correção efetuada, nos termos do artigo 23.º e da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC.
Conta # 711991: € 10.459.937,45
Relativamente aos custos respeitantes a encargos gerais (Head Office) decorrentes de um conjunto vasto de serviços prestados de forma global ao E... e que eram imputados ao Requerente, mais concretamente ao seu departamento interno do F..., a Requerida subscreve o Despacho de Indeferimento parcial da Reclamação Graciosa onde se refere que “dos elementos apresentados é certo que, conforme se disse, se vislumbra a operação; todavia, ao invés, não se descortina em que medida é que esse custeio observou a disciplina decorrente do princípio da indispensabilidade previsto no art.º 23.º do CIRC, ele próprio por sua vez corolário do princípio da tributação do rendimento real das empresas consagrado no n.º 2 do art.º 104.º da CRP”.
Concluindo que o Requerente se limita a invocar no PPA que tais custos, alegadamente comprovados, terão de se considerar como indispensáveis para os efeitos do artigo 23.º do CIRC, abstraindo-se, todavia, de qualquer alegação e prova sobre o critério de imputação dos custos, nos termos do artigo 50.º do CIRC.
Conta #72889: € 818.474,0214
Entende a Requerida que, à semelhança do que ocorre com referência às verbas constantes na conta #7113199, não se poderá, no que respeita às faturas emitidas em 2007, ter-se tais gastos como custo do exercício de 2008, nem se comprova que os referidos documentos respeitam à contabilização em 2008 das verbas que vieram a ser corrigida. Defende ainda que os restantes encargos foram faturados em nome do O..., não tendo ficado provado que o Requerente os suportou efetivamente.
Concluindo assim que “a documentação junta pelo Requerente no âmbito dos procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT”.
3 . Por despacho de 27/6/2021, que se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificadas as partes para produzirem alegações sucessivas. Mais foi designado o dia 3 de Novembro de 2021 para a prolação da Decisão arbitral, prazo posteriormente prorrogado, tendo-se fixado como nova data o dia 3 de Fevereiro de 2022.
As partes produziram alegações reiterando os argumentos constantes das peças processuais anteriores.
Entretanto, o Requerente, nas alegações, veio requerer a junção aos autos do documento n.º 32 alegando tratar-se de retificação de documento junto com o Pedido arbitral.
Em exercício de contraditório, a Requerida pronunciou-se pelo indeferimento do pedido.
Por despacho de 22/12/2021, que se dá por reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos, foi deferido o pedido de junção aos autos do documento n.º 32.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
II.1 Quanto à exceção de incompetência do Tribunal em razão do valor
Na resposta, veio a Requerida suscitar a exceção de incompetência do Tribunal, em razão do valor, porquanto o Requerente pretende submeter à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade das correções à matéria tributável mencionadas no quadro do artigo 24.º do PPA, cujo total ascende a € 26.935.080,51 + € 2.393.596,75 respeitante a Tributação Autónoma, indicando como valor da ação o montante de € 9.496.377,48, correspondente a um imposto potencial calculado pela seguinte fórmula: «CÁLCULO DO IMPOSTO (25% IRC + 1,37% DERRAMA)».
Para a Requerida “o valor da ação indicado pelo Requerente corresponde a um valor artificialmente apurado, que resulta da aplicação da taxa de 25% de IRC + 1,37% de derrama ao montante das correções controvertidas, no seguimento da decisão de deferimento parcial da RG.” “Sendo que tal valor não tem qualquer correspondência com a realidade, pois já foi emitida a liquidação que executa a decisão proferida no processo de Reclamação Graciosa n.º ...2011..., e que determina um montante a pagar de € 12.500.732,66,” sendo esse o valor concreto, certo e líquido que poderá ser considerado como o valor da parte da liquidação impugnada que o Requerente ainda contesta e que pretende ver anulado .
Mais alega que, conforme se tem pronunciado a jurisprudência, bem como a doutrina, as regras atendíveis para determinação do valor das ações arbitrais são as que constam do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º do RJAT. Nestes termos, conclui a AT, “o valor da presente ação arbitral, onde são contestadas correções à matéria tributável mencionadas no quadro do artigo 24.º do PPA, determina-se de acordo com a alínea a), do artigo 97.º-A, do CPPT, e é o que foi determinado na liquidação que concretiza a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa objeto dos presentes autos, da qual resulta um montante a pagar de € 12.500.732,66,” e cuja anulação, segundo a AT, o Requerente pretende.
A fundamentar a sua tese, aponta a AT o Acórdão do STA, de 14-10-2020, proferido no proc. n.º 062/18.4BCLSB, onde se pode ler:
“ Por esse diapasão, propendemos para considerar que o acórdão recorrido foi assertivo ao perfilhar o entendimento de que, conquanto na ação proposta no CAAD em 12/06/2017 tenha sido formulado o pedido de anulação do ato tributário, “com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios”, da demonstração da liquidação notificada ao sujeito passivo não resultava qualquer liquidação de IRC, por falta de lucro tributável, por terem sido reconhecidos prejuízos fiscais e, por isso, ainda que o objecto da impugnação seja o ato de liquidação em termos genéricos (cujo valor de € 13.333,84 euros exigido ao sujeito passivo se prende com tributações autónomas, que não foram objecto de impugnação), a impugnação incide propriamente sobre o ato de fixação da matéria tributável, cujo resultado terá repercussão no montante dos prejuízos fiscais apurados (com reflexos no eventual reporte nos exercícios seguintes).Todavia, não se segue que o cômputo dos eventuais benefícios do reporte de prejuízos nos exercícios seguintes deva ser considerado para efeitos de fixação do valor à causa na medida em que se trata de um facto futuro e incerto. In casu, porque da fixação da matéria tributável não resultou o apuramento de imposto a pagar, como resulta claramente da previsão da alínea b) do nº1 do artigo 97º-A, o critério relevante só pode ser o do “valor contestado”. É que, como é incontroverso, o critério contemplado na alínea a) do nº1 do artigo 97º-A do CPPT, pressupõe que da fixação da matéria tributável resulte imposto a pagar, de jeito a poder determinar-se a importância que se pretende ver anulada, o que não é cotejável com a situação dos autos. É que, o que se questionavam no processo arbitral eram as correcções feitas à matéria colectável que não se reflectiram em qualquer imposto a pagar, pois apenas relevaram no plano dos prejuízos fiscais, diminuindo o valor dos mesmos a reportar. Por assim ser, tal como se considera no aresto recorrido e sustenta também a recorrida e o EPGA, a utilidade económica do pedido a não é aferível pelo valor que a recorrente encontrou mediante a aplicação de uma taxa ao montante das correcções impugnadas o qual sempre seria meramente hipotético porquanto não corresponde efectivamente a uma qualquer liquidação que lhe venha a ser efectuada no futuro, uma vez que as correcções que lhe foram efectuadas apenas tiveram reflexo na diminuição dos prejuízos fiscais declarados e eventualmente a reportar que podem, ou não, ser utilizados nos próximos anos/exercícios…“
Extrapolando esta jurisprudência para o caso conclui-se que sendo o valor do litígio superior ao montante de € 10.000.000,00 referido no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 como o limite da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, tem, segundo a AT, de se concluir que o Tribunal Arbitral é incompetente, em razão do valor da causa, para conhecer do litígio que é objeto do pedido de pronúncia arbitral.
Em exercício do contraditório, veio o Requerente argumentar que a posição da AT, que fundamenta o pedido de absolvição da instância formulado a final, assenta em dois erros: o primeiro, relativo ao valor que a AT indica como sendo o valor da ação, tal como configurado pelo Requerente; o segundo, relativo ao facto de não serem contestadas todas as correções mantidas, mas apenas uma parte das correções impostas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
Para o Requerente, o valor atribuído corresponde ao por si indicado na presente ação arbitral e que se traduz, na verdade, no montante de € 9.277.567,34.
Em primeiro lugar, refere o Requerente, que cumpre clarificar que, contrariamente ao que a AT avançou na sua Resposta, nunca contestou - e continua a não contestar - a totalidade, mas apenas parte, das correções impostas pela AT no decurso do procedimento inspetivo a que foi sujeito. Correções que vieram acrescer ao lucro tributável e à tributação autónoma apurados inicialmente pelo Requerente através da Declaração Modelo 22 de IRC por si entregue, e que, naturalmente, não são objeto de contestação, não podendo o valor do IRC e da tributação autónoma apurados pelo próprio contribuinte e jamais contestados integrar o valor da causa. E é por isso, também, que o valor da presente ação não pode, como pretende a AT, ser o equivalente a € 12.500.732,66 (i. e., o valor total da liquidação emitida após as correções).
Em concreto, afirma o Requerente, releva para o caso vertente o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, nos termos do qual “Quando seja impugnada a liquidação” o valor da ação corresponde “à importância cuja anulação se pretende.”
E isto porque, em caso de hipotético vencimento na presente ação arbitral, afirma o Requerente que não haverá lugar à restituição da totalidade do montante adicionalmente liquidado pela AT e pago pelo Requerente, mas apenas parte desse valor. Em concreto, a parte do valor a anular cifra-se, quanto ao IRC e à derrama municipal, precisamente nos referidos € 9.277.567,34.
Mais sublinha que no acórdão proferido no processo arbitral n.º 579/2018-T, citado e seguido no posterior acórdão prolatado no processo n.º 901/2019-T, o Tribunal concluiu precisamente que:
“é possível discernir que a primeira hipótese, a da alínea a), se aplica às situações em que esteja em causa a ilegalidade de uma liquidação, caso em que o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, e que pressupõe, por conseguinte, que, na sequência da fixação da matéria coletável, haja imposto liquidado. A segunda hipótese, a da alínea b), reporta-se aos casos em que são impugnados atos de fixação da matéria tributável sem liquidação de imposto, caso em que o valor da causa é o valor contestado, ou seja, é o próprio valor da correção à matéria coletável que tenha sido fixada pela Administração Tributária”. Deste modo, no “caso da alínea a), a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de imposto impugnado e já liquidado, ou seja, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o sujeito passivo deixará de pagar ou lhe será devolvida. Ao passo que no caso da alínea b), o legislador pretendeu consagrar como valor da causa uma realidade com expressão monetária que possa ter-se como indiscutível: o valor contestado da matéria tributável”.
Para o Requerente, esta jurisprudência é consonante com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de outubro de 2020, proferido no processo n.º 062/18.4BCLSB, no qual se entendeu, numa situação de facto que se reportava apenas à correção de prejuízos fiscais, que “estava vedado ao Tribunal Arbitral fixar um valor da causa que é simplesmente imaginário por corresponder ao valor de uma hipotética liquidação encontrada pela aplicação da taxa de IRC ao valor das correções.”
E que “como é incontroverso, o critério contemplado na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, pressupõe que da fixação da matéria tributável resulte imposto a pagar, de jeito a poder determinar-se a importância que se vê anulada, o que não é cotejável com a situação dos autos”.
Vejamos.
Dispõe, assim, o artigo 97.º -A do CPPT que:
«1-Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorrem nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;
c) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o do valor contestado;
(….).»
Em primeiro lugar, cumpre realçar que não subsiste dissídio entre Requerente e Requerida que, no caso, é aplicável a regra prevista na alínea a) do preceito acima mencionado.
Como melhor será analisado, o Requerente impugna o ato de deferimento parcial da reclamação relativa à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2011... e respetivas liquidações de juros n.ºs 2011.../..., do período de tributação de 2008 (cfr. Artigo 1.º da Resposta da Requerida).
Assim sendo, quando se impugna a liquidação o valor a atender é o da importância cuja anulação se pretende. E é aqui, quanto ao valor objeto da impugnação, que reside a divergência entre o Requerente e a Requerida. Como vimos, para esta o valor situa-se em 12.500.732,66 e, por conseguinte, acima do valor de 10.000.000 euros, valor limite da competência dos tribunais arbitrais.
Acontece que, a conclusão a que chega a Requerida enferma de erro manifesto de facto e de direito, quanto à interpretação e aplicação da norma supra mencionada, como passamos a demonstrar.
Em primeiro lugar, a Requerida incorre em erro quando afirma que a Requerente pretende “submeter à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade das correções à matéria tributável mencionadas no quadro do artigo 24.º do PPA…”
Ora, importa distinguir entre pedido e causa de pedir. No caso em apreço, o objeto do pedido não são as correções à matéria coletável como parece apontar a Requerida. Estas integram a causa de pedir, sendo o pedido, como ficou sublinhado, a anulação parcial da liquidação notificada ao Requerente.
Com efeito, foi emitida liquidação, como se pode ver pelo quadro 1, abaixo, que reproduz, na parte que releva, a liquidação emitida pela AT após o procedimento de Reclamação Graciosa. A AT, nos autos, designa-o de: “Processo Administrativo - Doc. 1 - Notificação liquidação 2016... - execução decisão RG.
Quadro 1
Liquidação emitida pela AT após o procedimento de Reclamação Graciosa
Por outro lado, embora o valor total da liquidação corresponda a 12.500.732,66, o Requerente defende que não é esse o valor que impugna no presente processo.
Na verdade, o Requente junta aos autos o quadro que consta do “Requerimento do requerente – H..._IRC 2008_Requerimento de resposta a exceção- anexo 1”, e que se reproduz abaixo como sendo a junção dos quadros 2 A e 2 B. Esses quadros mostram o itinerário quantitativo e fiscal que permite chegar ao valor da causa em 9,277 milhões de euro (cf. última coluna do quadro 2 B).
Quadro 2 A
Itinerário, do Requerente, quantitativo e fiscal que permite calcular o valor da causa
Quadro 2 B
Do confronto dos valores do Quadro 1, onde se parte de uma matéria coletável de 37,4 milhões de euro (cfr. primeira linha da coluna da direita desse quadro 1) e do Quadro 2B, onde se observa que o contribuinte apresenta o itinerário fiscal e quantitativo que conduz a questionar a ilegalidade da matéria coletável de 26,589 milhões de euro.
Ora, afigura-se claro que se a liquidação notificada ao Requerente, no valor global de 12.500.732,66, tem subjacente uma matéria coletável no valor total de 37.418.668,08. Na presente impugnação, estando em causa uma matéria coletável no valor de 26, 589 milhões, à mesma não pode corresponder o mesmo valor de liquidação, como pretende a Requerente.
Assim sendo, conclui-se que não se pode afirmar, como faz a AT, que “Nestes termos, o valor da presente ação arbitral, onde são contestadas correções à matéria tributável mencionadas no quadro do artigo 24.º do PPA, determina-se de acordo com a alínea a), do artigo 97.º-A, do CPPT, e é o que foi determinado na liquidação que concretiza a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa objeto dos presentes autos, da qual resulta um montante a pagar de € 12.500.732,66, e cuja anulação o Requerente almeja.”
Repete-se, o Requerente não pede a anulação de 12,5 milhões de euros de imposto a pagar, resultante da liquidação total que consta do quadro 1, acima. O Requerente apenas requer a anulação de parte desse valor. E essa parte resulta de um imposto apurado pelas taxas que a AT aplicou (25%+1,37%) e de um valor de tributação autónoma que o sujeito passivo aponta (2,26 milhões de euro) que diverge do que contribuiu para o valor total da liquidação que se reproduz no quadro 1, e se eleva a 2,64 milhões de euros. Ou seja, afigura-se evidente que o raciocínio da Requerida parte do pressuposto errado de que o Requerente impugna o valor global da liquidação que lhe foi notificada.
Em suma, num plano quantitativo e de consistente aplicação de procedimentos de apuramento do valor da causa, conclui este Tribunal que se trata de uma impugnação parcial (num valor indicado pelo Requerente que o tribunal pôde sindicar e validar) que ascende a 9,277 milhões de euros, que integra uma liquidação cujo valor total ascende a 12,5 milhões de euros (cf. quadro 1).
É, pois, claramente incorreta a posição da AT quando afirma que é de 12,5 milhões de euros o valor contestado.
Por outro lado, a Requerida incorre de novo em erro quando argumenta que o valor do pedido indicado pela Requerente não tem correspondência com a realidade e é artificial. Ora, como decorre dos quadros supra mencionados, o valor da Requerente é apurado com base em dados da AT (base tributável e taxas), mas é inferior a 12,5 milhões de euros porque, como ficou demonstrado, só são contestadas determinados montantes (e não todos) que integram a base tributável que conduziu à liquidação de 12,5 milhões emitida depois da decisão de RG.
Finalmente, a Requerida incorre igualmente em erro ao tentar transpor para o caso em apreço a jurisprudência consignada no Acórdão do STA, de 14-10-2020, proferido no proc. n.º 062/18.4BCLSB.
Como passamos a demonstrar não vê este Tribunal qualquer possibilidade de aplicar ao caso em apreço a jurisprudência daquele douto acórdão para sustentar a exceção alegada.
Na verdade, nesse processo decidido no STA estava em apreciação o valor de uma causa na seguinte circunstância: perante uma inspeção que efetuou correções que influenciaram prejuízos fiscais reportáveis para o futuro, relativos de um dado ano, e que não gerou qualquer imposto a pagar, defendia o aí contribuinte que o valor da causa seria dado pela aplicação da taxa de IRC aos prejuízos, pois seria esse o imposto a mais que teria, previsivelmente, de pagar no futuro.
O STA entendeu que existiam elementos de indeterminabilidade, derivados dos vários fatores que influenciariam o imposto estimado a pagar no futuro, em função das condições do reporte de prejuízos. Em face dessa aleatoriedade, ou mera probabilidade, decidiu aquela instância que se aplicaria alínea b) do art. 79-A do CPPT. Ou seja, naquele caso, o valor a ter em conta seria o valor das correções (e não do imposto estimado para o futuro), por ser o valor (das correções) a quantia objetiva e certa impugnada.
A este propósito pode ler-se no douto Acórdão do STA: “In casu, porque da fixação da matéria tributável não resultou o apuramento de imposto a pagar, como resulta claramente da previsão da alínea b) do nº1 do artigo 97.º-A, o critério relevante só pode ser o do “valor contestado”.
“É que, como é incontroverso, o critério contemplado na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, pressupõe que da fixação da matéria tributável resulte imposto a pagar, de jeito a poder determinar-se a importância que se pretende ver anulada …”
E mais adiante, lê-se que “(…) na situação em que o contribuinte vem impugnar as correções que lhe foram efetivadas e que não deram origem a qualquer liquidação de imposto deve ser aplicada a al. B) do n.º 1 do art. 97.º-A, do CPPT, dado que é o valor das correções impugnadas que vem contestado”.
Nada disso se passa neste processo arbitral. Aqui, embora o valor da causa derive de correções feitas e quantificadas pela AT, no passado, estas geraram imposto a pagar apurado por taxas de IRC e derrama aplicadas pela AT, ou seja, há uma liquidação, como ficou demonstrado.
Trata-se de valores do exercício de 2008. Não há qualquer aleatoriedade futura, nem quantias “imaginárias” ou artificiais. Foram, ao invés, elementos precisos e quantificados que o Requerente usou no apuramento do valor da causa.
Este valor resulta da impugnação parcial de uma liquidação, que teve como resultado imposto a pagar. Assim, em conformidade com a jurisprudência vertida no Acórdão do STA, de 14/10/2020, proc 062/18. 4BCLSB, citado pela Requerida, é aplicável a alínea a) do referido preceito do CPPT.
Em suma, o caso em apreço é muito diferente, valendo aqui as doutas conclusões que se podem ler no douto acórdão do STA “(…) como é incontroverso, o critério contemplado na alínea a) do n.º 1 do CPPT, pressupõe que da fixação da matéria tributável resulte imposto a pagar, de jeito a poder determinar-se a importância que se pretende ver anulada, o que não é cotejável com a situação dos autos.”
Nestes termos, por tudo o quanto vai exposto, improcede a exceção invocada.
Cumpre apreciar e decidir.
III- DO MÉRITO
III-1- DA MATÉRIA DE FACTO
§ 1.º FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Com relevo para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:
a) O Requerente é um estabelecimento estável do D..., empresa com sede e direção efetiva no Reino Unido, e exerce a atividade de “Outra Intermediação Monetária”, a que corresponde o Código de Atividade Económica (CAE) 64190, sendo tributado, em sede de IRC, pelo regime geral de tributação (cfr. pag. 8 e 10 do RIT, junto ao Processo Administrativo, adiante PA).
b) O Requerente foi sujeito à ação inspetiva externa, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2010..., no âmbito da qual foram efetuadas correções à matéria coletável, no montante de € 28.235.465,73 e correções ao cálculo do imposto respeitantes a tributação autónoma, no montante de € 1.508.094,71 e a retenções na fonte, no montante € 3.354.886,34 (cfr. RIT, junto ao PA).
c) As correções efetuadas pelos SIT resultaram na emissão da liquidação adicional de IRC n.º 2011 ..., na demonstração de acerto de contas n.º 2011 ... e nas demonstrações de liquidação de juros n.ºs 2011 .../..., que determinaram um montante a pagar de € 20.899.799,22.
d) O Requerente, inconformado, apresentou reclamação graciosa, contestando as seguintes correções à matéria coletável:
• Custos não indispensáveis para a realização de proveitos - € 522.440,10;
• Custos não documentados - € 18.331.015,61;
• Imputação de custos - € 8.297.118,38;
• Preços de transferência - € 3.278.479,08;
• Benefícios fiscais - € 164.502,99;
e) Em 8 de setembro de 2016, foi proferido despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, notificado ao Requerente através do Ofício n.º ..., de 12 de setembro de 2016, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) (abreviadamente, o “Despacho de Deferimento Parcial”), cópia junta sob a designação de Doc. n.º 5 do PPA.
f) De acordo com o Despacho de Deferimento Parcial (cfr. p. 3 do Doc. n.º 4 junto no PPA), foram deferidos os pedidos de anulação das seguintes correções (vd. coluna Despacho de Deferimento Parcial):
g) Não se conformando com o Despacho de Deferimento Parcial, na parte que manteve as correções inicialmente determinadas na ação inspetiva, o Requerente apresentou o Recurso Hierárquico, que deu entrada na UGC em 14 de outubro de 2016, de que se junta cópia sob a designação de Doc. n.º 6.
h) Foi proferido pela Divisão de Gestão de Assistência Tributária da UGC despacho de revogação parcial do Despacho de Deferimento Parcial – que recaíra sobre a Reclamação Graciosa, como se viu – (o “Despacho de Revogação Parcial”, junto sob a designação de Doc. n.º 7 do PPA).
i) O Recurso Hierárquico passou a ter por objeto as seguintes correções:
j) O recurso hierárquico foi indeferido na sua totalidade, por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, proferido em 02-07-2020.
k) O presente pedido recai sobre as correções que ora se sintetizam :
l) Para cobrança coerciva da Liquidação Adicional foi instaurado pelo Serviço de Finanças de ... – ... o processo de execução fiscal n.º ... 2011... (o “Processo Executivo”).
m) Para efeitos de suspensão do Processo Executivo, foi prestada garantia.
n) Em 17 de dezembro de 2013, foi efetuado um pagamento parcial da dívida exequenda no Processo Executivo, pelo montante de € 2.750.000,00, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, que aprovou o Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social (“RERD”), conforme se comprova pelo documento comprovativo de pagamento que se junta sob a designação de Doc. n.º 8.
o) Em resultado da adesão ao RERD, o H... beneficiou da dispensa (parcial) de juros compensatórios, de juros moratórios e de custas do Processo Executivo.
p) Em 30 de setembro de 2015, o H... pagou o valor remanescente da dívida exequenda, pelo montante de € 16.923.060,24 de imposto, € 900.266,54 de juros compensatórios e € 2.995.977,50 de juros moratórios e acrescido no Processo Executivo, conforme se alcança da cópia do documento único de cobrança que se junta sob a designação de Doc. n.º 9.
q) E tudo, naturalmente, sem prejuízo dos direitos de defesa que assistiam ao H....
r) Em face do exposto, o H... efetuou o pagamento do montante total de € 23.569.304,28, correspondente a:
s) Foi efetuado o pagamento do montante total da Liquidação Adicional, considerando a anulação parcial de juros compensatórios em resultado da adesão ao RERD, porquanto:
1) A Liquidação Adicional foi inicialmente emitida pelo valor de € 20.899.799,22;
2) Foram anulados juros compensatórios no valor de € 326.470,03 [€1.226.736,57 – € 900.266,54];
3) Foram pagos juros moratórios no valor de € 2,41, relativo ao reembolso pretensamente indevido do IRC de 2008; e
4) Acresceu à Liquidação Adicional, na parte paga em 30 de setembro de 2015, o valor de € 2.995.977,50 a título de juros de mora e encargos.
t) Em suma, o montante pago pelo H... corresponde ao produto da seguinte operação: € 20.899.799,22 – € 326.470,03 + € 2,41 + € 2.995.977,50 = € 23.569.304,28
u) Valor que foi parcialmente restituído ao aqui Requerente, no contexto da ação executiva que teve por objeto o Despacho de Deferimento Parcial e que correu termos junto do Tribunal Tributário de Lisboa, com o número 2061/17.9BELRS.
v) No decurso dos 9 anos desde a inspeção tributária que culminou na emissão da Liquidação Adicional que constitui objeto mediato do presente pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, o Requerente já se viu forçado a apresentar, contra a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”):
• A Reclamação Graciosa, em 2011;
• O Recurso Hierárquico, em 2016;
• Uma ação de execução de julgado, em 2017, face à inércia da AT na execução do Despacho de Deferimento Parcial; e
• Uma ação de intimação para um comportamento, em 2020, face à inércia da AT na prolação da decisão do Recurso Hierárquico.
w) Da factualidade assente no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), e nas informações que sustentam as decisões proferidas essencialmente no procedimento de reclamação graciosa e recurso hierárquico, podemos ler, entre o mais, o seguinte:
x) As faturas n.ºs ... e ..., datadas de 19 de março de 2008 e 11 de dezembro de 2008, nos montantes de € 63.650,24 e de € 63.124,20, respetivamente, reúnem as condições legais para a respetiva aceitação como prova dos gastos que nelas constam, designadamente, os intervenientes, o objeto e finalidade dos gastos.
y) O requerente registou encargos, referentes a 2008, decorrentes de serviços informáticos prestados e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa.
z) Esses serviços são titulados pelo Inter-company processing services agreement, que se juntou sob a designação de Doc. n.º 28.
aa) Nos termos deste acordo, os serviços informáticos aqui em causa comportam, entre outros, a instalação, manutenção e suporte dos sistemas de software, a gestão e armazenamento de dados, o acesso à mainframe informática, o fornecimento e monitorização da rede e o fornecimento de voice communication system.
ab) Para esclarecer os referidos critérios, o D... definiu os princípios gerais de alocação dos custos em apreço, que constam do documento sob a designação de Doc. n.º 29
ac) O documento 28, e respetivos apêndices, não fornecem critérios ou chaves de repartição entre as diversas partes do Grupo. Não são nele visíveis, a determinação algébrica dessas chaves, nem as fórmulas que lhe presidem, nem os critérios de alocação quantitativos que se refiram aos diversos tipos de gastos imputados neste ponto.
ad) O documento 29, detalhando os gastos alocados à sucursal portuguesa em 2008, apresenta valores monetários totais por tipo de custo, não se encontrando os critérios técnico-económicos que a eles subjazem de forma quantificada. Não se encontram neste documento 29 critérios que se traduzam em fórmulas de alocação, com base quantitativa, que permitam avaliar da especificação concreta e algébrica de tais imputações.
ae) A fundamentação usada pela AT para desconsiderar os gastos foi a seguinte (que se transcreve do RIT):
af) Face aos elementos apresentados pelo Requerente no decurso da ação inspetiva, não é possível definir com a devida certeza o(s) critério(s) utilizado(s), as fórmulas usadas nos diversos gastos e sua tradução quantitativa concreta, no exercício de imputação dos gastos gerais suportados pela casa-mãe ao seu estabelecimento estável, para o ano de 2008.
ag)Em 2008 o T... imputou à sua sucursal Portuguesa o valor de € 5.135.638,91 a título de custos gerais de administração.
ah) Encontram-se abrangidos nesses serviços gerais um conjunto vasto de áreas, tais como a área financeira, de riscos, recursos humanos e marketing e ainda determinados projetos desenvolvidos.
ai) Os custos gerais de administração imputados, atenta a sua natureza e os elementos constantes dos documentos 30 e 31, anexos aos autos, estão relacionados com a atividade da sucursal portuguesa.
aj) O valor imputado está comprovado por fatura emitida pela casa mãe à sucursal, de 4,890 milhões de libras, de no contravalor valor em euros antes referido.
ak) Nos documentos nº 30 e nº 31, anexos aos autos, são explicitados os vários tipos (largas dezenas) de gastos gerais de que a sucursal beneficiou, as diversas chaves de repartição de tais gastos (percentagem de proveitos, percentagem de trabalhadores, e média destas duas variáveis). Tais chaves são sintetizadas na p. 101 dos documentos anexos nº 30 e 31 aos presentes autos.
al) Os três critérios ou chaves de repartição têm o mesmo valor de 1,4%, como se observa no documento anexo nº 32 e no anexo II ao RIT.
am) Em anexo ao RIT (anexo II) são apresentados os valores de base, fornecidos pela Requerente, e os valores que resultam dessa imputação. Nesse documento não se apreende o valor em libras de £ 4.890.823,00, a que corresponde ao valor de custos imputados de € 5.135.638,91.
an) O gasto total imputado a Portugal, documento anexo nº 32, e no anexo II ao RIT, é de £ 5,3 milhões.
ao) Tal imputação merece, no RIT, a seguinte análise:
ap)A decisão de Recurso Hierárquico acompanha a argumentação do RIT.
aq) Segundo o RIT, o valor global faturado ao requerente – € 5.135.638,91- que correspondeu à fatura de 4.890.823,00 libras inglesas, não é passível de comprovação, pelo documento 32, anexo aos autos com o pedido de pronúncia arbitral onde surge uma folha de cálculo que detalha o valor total e a sua distribuição por funções, projetos, regiões, etc.
ar) O Requente, veio, em 19-07-2021, juntar aos autos o “Documento 32-Retificado”, que se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. Este documento tem a mesma estrutura descritiva do documento anexo ao RIT, e do documento 32 (original) junto com o PPA. Apresenta as dezenas de funções e de projetos, cujos custos globais foram alocados pela casa mãe às diversas entidades/países, segundo critérios definidos e visíveis no mapa em excel. Neste documento retificado, observa-se que os valores totais que no RIT se referem (£ 321,5 M e £ 437,1 M) terem sido aventados pelo sujeito passivo e que efetivamente dele constam.
as) Este documento apresenta um recálculo dos valores globais, em relação aos que constam do mapa anexo ao RIT, e do doc. 32 junto com PPA, bem como do valor imputado à Sucursal em Portugal, que agora coincide com o valor faturado, mencionado na alínea aq).
at) Quando se refere no RIT: "segundo o sujeito passivo, da análise ao referido anexo, é possível verificar que o montante de encargos suportados pelo grupo ascendeu a £ 321,5 M , o qual foi ajustado para £ 437,1 milhões após acerto…", comprova-se que o “documento 32 -Retificado” evidencia estes valores globais de encargos.
au) O documento contém uma retificação dos valores globais, em relação aos que constam do mapa anexo ao RIT, e do doc. 32 junto com PPA, e do valor imputado a Portugal, que agora coincide com o valor faturado.
av) No exercício de 2008 a entidade Requerente era uma sucursal do D... (doravante também designado por "E...").
ax) A Requerente tinha por objeto o desenvolvimento da atividade bancária em Portugal, por via da prestação de serviços da banca comercial, da banca de investimento e de leasing.
az) Para o desenvolvimento dessa atividade, a Requerente necessitava, regularmente, de se financiar para fazer face às solicitações dos seus clientes.
ba) No exercício de 2008 a Requerente obteve fundos junto da casa-mãe, ou E..., no montante de total de € 5.567.875.000,00.
bb) Em relação a estes fundos, suportou juros, à taxa média de 3,86951%, perfazendo um total de juros suportados no montante de € 215.449.262,50.
bc) As demonstrações financeiras da Requerente, elaboradas a 31 de dezembro de 2008, evidenciam que o total do seu ativo era de € 9.770.796.449,27, possuindo fundos próprios no montante de € 81.823.896,94.
bd) A Requerente apresentava, em 2008, uma ratio entre fundos próprios e o total de ativo de 0,84%.
be) O D... tinha, em final de 2008, ativo total no montante de £ 1.987,54 mil Milhões. Possuía fundos próprios no montante de £ 33,87 mil Milhões.
bf) Apresentava, assim, uma ratio entre fundos próprios e o total de ativo de 1,70%.
bg) A Requerida (ou "AT") desconsiderou como juros fiscalmente dedutíveis para o apuramento do lucro tributável da sucursal o montante de € 3.278.479,08 que tinham sido pagos ao Grupo.
bh) A AT fundamenta a correção efetuada nos seguintes termos e com base nos seguintes fundamentos:
Afirma-se no Relatório da Inspeção Tributária (RIT) de 2008, (p. 39-40):
Prossegue o RIT, (p. 40):
E, a p. 47-48 sustenta-se que:
bi) A Requerida selecionou o método do preço comparável de mercado e aplicou-o como se segue (RIT, p 52 e segs):
bj) A Requerente apresentou à AT o Dossier de Preços de transferência para 2008.
bl) Os fundos a que antes se fez referência, cedidos pelo Grupo à sucursal, configuravam empréstimos que tinham prazos entre 1 a 6 dias; e que eram obtidos pelo Grupo em condições de mercado.
§2.º FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.
§3.º - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo Arbitral, incluindo o Processo Administrativo.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos presentes Autos Arbitrais, consideraram-se provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os factos acima elencados.
Em relação ao Doc 32, este documento tem a mesma estrutura descritiva do documento anexo ao RIT, e do documento 32 (original) junto com o PPA. Apresenta as dezenas de funções e de projetos, cujos custos globais foram alocados pela casa mãe às diversas entidades/países, segundo critérios definidos e visíveis no mapa em excel. Neste documento retificado, observa-se que os valores totais que no RIT se referem (£ 321,5 M e £ 437,1 M) terem sido aventados pelo sujeito passivo e efetivamente dele constam. Assim, o documento contém uma retificação dos valores globais, em relação aos que constam do mapa anexo ao RIT, e do doc. 32 junto com PPA, e do valor imputado a Portugal, que agora coincide com o valor faturado.
No fundo, o documento 32 retificado traduz a realocação de alguns custos, dentro da estrutura de funções e projetos que se manteve inalterada, face aos documentos originais. Essa reorganização da distribuição de custos implica que os valores de £ 321,5 milhões e de £ 437,1 milhões sejam agora constantes dos totais, e que o valor alocado a Portugal (4,890 milhões de libras) seja coincidente com a fatura emitida pela casa mãe.
No entanto, aplicando o critério (1, 4%) aos valores em causa continuamos a não obter o valor em libras da fatura emitida pela casa mãe.
III-2- DO DIREITO
Questão prévia: delimitação do objeto do pedido
No que respeita ao Objeto do presente processo arbitral, verifica-se que o Requerente, apesar de formular considerações, de todo o modo escassas, sobre as correções efetuadas às contas # 711210, #711212 e # 7119122, não peticionou a anulação parcial do Despacho de Indeferimento e, consequentemente, da Liquidação Adicional nesta parte, nem incluiu os respetivos montantes no cálculo do valor das correções contestadas no PPA, respeitantes a gastos não documentados/não indispensáveis.
Com efeito, o valor de € 15.014.087,32 indicado no artigo 26.º do Pedido de Pronúncia Arbitral, não compreende o valor de € 278.373,18 que resulta da soma das contas # 711210 (€ 49.454,02), #711212 (€ 13.272,45) e # 7119122 (€ 215.646,71).
Ademais, o Requerente limitou-se a alegar que, relativamente a estas contas, “não obstante estarem em causa despesas reais e efetivas, incorridas no interesse exclusivo do Requerente e apesar dos seus esforços para obter a documentação relevante, tendo já decorrido 12 anos desde o exercício em causa, não lhe foi possível obter a documentação mencionada no Recurso Hierárquico”, não juntando qualquer prova da sua realização nem requerendo a anulação parcial do Despacho de Indeferimento e, consequentemente, da Liquidação Adicional, relativamente a estas correções.
Deste modo, as correções efetuadas às contas # 711210, #711212 e # 7119122, não integram o Objeto do presente litígio.
III-2-1-O SP fundamenta a ilegalidade da liquidação adicional nos seguintes vícios:
Falta de fundamentação (em especial no que respeita aos gastos contabilizados nas contas: # 6889; #70883; #70885; #7113199; # 711991; # 72889).
Do erro conceptual quanto à suficiência dos documentos dos gastos incorridos, em sede de IRC e violação do princípio do inquisitório;
Ilegalidade face à desconsideração dos documentos internos;
Ilegalidade face à errónea interpretação do princípio da indispensabilidade dos custos;
Violação do princípio do inquisitório;
Violação do princípio da capacidade contributiva.
Violação do princípio da justiça
Ilegalidade da tributação autónoma.
Analisado o pedido e a causa de pedir, verifica-se que o principal problema suscitado se prende com a questão de saber se a informação prestada pelo SP é suficiente para sustentar a essencialidade dos custos em causa, em conformidade com os requisitos exigidos pelo artigo 23.º do CIRC, segundo a redação aplicável. Na ausência de indicação em contrário por parte do SP, começaremos pela análise da ilegalidade resultante da errónea interpretação do princípio da indispensabilidade dos custos, que abarca, como se verá a ilegalidade quanto à desconsideração dos documentos internos e o alegado erro quanto à suficiência dos documentos dos gastos incorridos.
A- SENTIDO E ALCANCE DO ART. 23.º, N.º 1, DO CIRC
No artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redação à data dos factos, define-se que apenas se consideram custos/gastos do período os que comprovadamente forem indispensáveis à realização de proveitos /rendimentos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, não sendo aceites os encargos não devidamente documentados conforme o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.
Da conjugação das referidas normas resulta que são dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
Importa, para tanto, averiguar se estão ou não verificados os requisitos formais exigidos para a comprovação dos custos, cuja violação implica a sanção da indedutibilidade sobre o rendimento.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 258/2015-T, reproduzindo o Acórdão do STA, de 5/7/2012, proc n.º 0658/2012, “As exigências formais compreendem a vertente interna e a externa. Os documentos internos são elaborados na empresa, normalmente para uso exclusivo interno (folhas de férias e as notas de lançamento). Os documentos externos são aqueles que provêm ou se destinam ao exterior, como as facturas, recibos e notas de débito) e são estes que normalmente cabem no conceito de “documentos justificativos”, que acompanham todo e qualquer gasto.
“Sobre esta questão existe abundante jurisprudência, tendo a este propósito ficado consignado, designadamente, no Acórdão do STA de 5/7/2012, proc n.º 0658/2012, que “É possível recortar dois tipos essenciais de falhas formais. As primeiras resultam da ocorrência de erro ou vício no lançamento das operações na contabilidade, traduzidas na falta ou vício no registo ou na sua subsunção numa errada rubrica. Neste caso, o documento externo existe e é idóneo, mas verifica-se a incorrecção do respectivo suporte interno. Em relação às segundas, mais complexas, e mais correntes, o problema situa-se ao nível do documento externo que acompanha as transacções e que inexiste ou é insuficiente. Nesta última situação, a resolução do problema pressupõe, desde logo, que se determine o que deva entender-se por «documento justificativo», uma vez que o CIRC não oferece qualquer noção operativa. Resulta linearmente da lei e do princípio da praticabilidade que informa o direito fiscal que os custos têm de estar devidamente documentados. O problema que a lei não resolve expressamente no âmbito do IRC é o de saber quais as exigências concretas que o conteúdo desse documento deve observar: bastará um simples documento interno ou será preciso uma factura completa ?”.
“No acórdão que vimos seguindo conclui-se que “(…) em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação”, (…) uma vez que constitui também “jurisprudência do STA de que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”
“Em suma, ao contrário do que se passa no IVA, no IRC as exigências formais quanto à comprovação dos custos serão menores, bastando que o documento justificativo explicite de forma clara, as principais características da operação, isto é, os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção, admitindo-se mesmo que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito.
“Como salienta FREITAS PEREIRA “(…) Um documento de origem interna só pode substituir-se um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.(…) Dito de outro modo : a substituição de um documento externo por um documento interno pode, no plano exclusivo da determinação do lucro tributável, não ser irremediável se, contendo este último todos os elementos indispensáveis que devia conter o primeiro, a veracidade da operação subjacente puder ser demonstrada.”
“Por outro lado, em relação às despesas devidamente documentadas (em relação às quais e presume a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC) compete à Administração Tributária alegar a existência de elementos susceptíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.
“Ao invés, no caso de despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o artigo 23.º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a Administração Tributária tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação (cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 16/03/2005, proferido no processo 00340/03, e, mais recentemente, o Acórdão de 09/09/2015, proferido no processo n.º 028/2015).”
Sobre o conceito de indispensabilidade, cite-se, a título exemplificativo, sobre o funcionamento deste requisito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul de 27.04.2017, proc. n.º 1198/11.8BELRA: “Os custos ou perdas da empresa constituem (...) os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico”.
No mesmo sentido, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 690/2017-T, reproduz-se, entre muitos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 15-06-2011, proc. n.º 049/11 e o acórdão do TCA Sul de 09-06-2016, proc. n.º 09551/16), onde se pode ler: “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa”. Desta forma, como se escreve nos acórdãos do STA de 28-06-2017, proc. n.º 627/16 e de 15-11-2017, proc. n.º 0372/16: “a aferição da indispensabilidade deverá (...) assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipo de despesas em causa”. É, como tal, indubitável que a formulação de um juízo sobre a indispensabilidade dos custos “envolve a apreciação da matéria de facto”, em que cabe “utilizar regras da vida e da experiência comum” (cfr. acórdão do STA de 18-06-2008, proc. n.º 0276/08).”
Em suma, para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. Só não sendo considerados como custos fiscalmente relevantes os que não são suportados em documentos válidos. Assim sendo, quanto à prova documental, esta é por norma o meio de prova exigido em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo, no entanto, de excluir outros meios de prova para comprovar os custos efetivamente realizados, e como complemento da mesma, como, por exemplo, a prova testemunhal ou a prova pericial.
Sobre a formação do juízo concreto de convicção sobre a indispensabilidade do gasto, cabe reforçar que o respetivo ónus da prova incumbe ao sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). A este respeito, constitui pertinente orientação jurisprudencial que: “Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade” (cfr. os acórdãos do TCA Norte de 11-02-2016, proc. n.º 00080/03 e do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09 e de 16-10-2012, proc. n.º 05014/11). Nestes termos, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, têm que ser objeto de comprovação objetiva quanto à sua indispensabilidade por parte do sujeito passivo que os contabilizou.
Naturalmente, a aplicação destes critérios sobre a indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (a justificação finalística ou funcionalista do custo) pressupõe, em termos prévios, que os custos estejam comprovados quanto à sua efetiva verificação e realização pelo sujeito passivo, na materialidade da operação e na respetiva quantificação (a justificação documental do custo). A este propósito, a jurisprudência relevante em face do teor vigente à data dos factos do art. 23.º do CIRC, firmou-se, por oposição ao aplicável em sede de IVA, na admissibilidade genérica de prova, por qualquer meio legalmente admissível, dos custos incorridos. Cite-se, por exemplo, o já referido acórdão do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09: “No que concerne à comprovação de custos (ao invés do que sucede em sede de IVA para efeitos de dedução de imposto em que só se admite a dedução do imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes que respeitem os requisitos formais do art. 35º, nº 5, do CIVA - cfr. art. 19º, nº 2, do CIVA), para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, é viável, no caso de inexistência de documento de origem externa (nos casos em que este devesse existir), a prova dos custos através de documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova”. No mesmo sentido cfr. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 690/2017-T.
Aqui chegados, tendo presente este enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial, importa analisar as correções impugnadas e a prova junta dirigida à comprovação dos respetivos gastos, quer ao nível documental quer da respetiva indispensabilidade, apresentada pelo Requerente, seguindo a ordem estabelecida no Pedido Arbitral.
A1- Ilegalidade quanto à errónea interpretação do artigo 23.º do CIRC
Alega o SP que, no Despacho de Indeferimento, a AT contesta ainda a indispensabilidade de custos que foram efetivamente suportados pelo Requerente com comissões pagas à G... (Conta # 6889, no valor de € 946.427,44) refeições de colaboradores com clientes (Conta # 70883, no montante de € 8.663,61), deslocações, estadias e custos relacionados com marketing e eventos promocionais (Conta # 70885, no montante de 257.718,71), custos imputados ao F..., relativos, na sua maioria, a viagens de Colaboradores do Requerente e a uma fatura relativa a seguros de crédito (Conta # 711210, no valor de € 49.454,02), custos imputados ao F..., relativos, na sua maioria, também a viagens de Colaboradores do Requerente (# Conta 711212, no valor de € 13.272,45), encargos com campanhas publicitárias (Conta # 7113198, no valor de € 381.720,29), custos diversos, designadamente com campanhas e/ou material publicitário (Conta # 7113199, no valor de € 2.244.148,55), custos com comissões pagas a promotores institucionais para a concretização de financiamentos a clientes (# Conta 7119122, no valor de € 215.646,71), um vasto leque de despesas com serviços prestados ao E... e, mais concretamente, ao seu departamento do F..., decorrentes de serviços gerais e administrativos (Conta # 711991, no valor de € 10.459.937,45), e, por fim, despesas imputadas ao departamento do F..., como, por exemplo, serviços de consultadoria, serviços jurídicos, publicidade, marketing, viagens, etc., e, por outro, a movimentos de accrual (Conta # 72889, no valor de € 818.474,02).
Vejamos.
Conta # 6889: € 946.427,44 - Comissões pagas à G...
Tal como sustentou nos procedimentos administrativos, alega o Requerente que esta conta respeita as verbas contabilizadas a comissões pagas à G..., de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados através de cartões de crédito emitidos pelo banco, mais concretamente pelo F....
Alega o Requerente que, por esta atividade de emissão e gestão de cartões de crédito, pagava, tal como todas as instituições bancárias com idêntica atividade, comissões à G..., de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados com estes cartões de crédito, por si emitidos. A G... cobra as comissões diretamente na conta bancária associada aos cartões de crédito emitidos, limitando-se a enviar ao Requerente um ficheiro informático com a descrição dos inúmeros registos lançados, não existindo qualquer outro documento justificativo deste custo.
Argumenta, por sua vez, a Requerida que o SP nada mais junta para comprovar a alegada indispensabilidade de tais custos do que um extrato com uma listagem de operações e valores (doc 39, junto na reclamação graciosa, a que corresponde o doc 11 junto com o Pedido arbitral), argumentando que este refletia os montantes de comissões que pagou à G..., e um documento interno (doc 40 junto com a Reclamação a que corresponde o doc 12 junto com o Pedido arbitral) constituído pelo «manual de procedimento definido para o lançamento das movimentações ...» e por «um exemplo (dia 02/12) do lançamento dessas comissões na contabilidade» (doc 41 junto com a Reclamação a que corresponde o doc 10 junto com o Pedido arbitral), cf. Reclamação graciosa.
“Como bem refere a decisão do RH, os referidos documentos não permitem identificar os sujeitos envolvidos na alegada transação nem que foi efetivamente cobrado ao Requerente o montante de € 946 427,22, nem que tal montante respeita ao exercício económico de 2008”. Conclui a Requerida que “a verba contabilizada constitui um encargo não devidamente documentado, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, com a consequente tributação autónoma em cumprimento do disposto no artigo 88. ° do CIRC.”
Vejamos.
Constitui facto notório que o Requerente, enquanto instituição de crédito tem de usufruir dos serviços prestados pela G... (serviços relacionados com a aceitação de cartões bancários como meio de pagamento através da rede gerida por esta entidade), pelo que é normal o SP ter custos com comissões pagas por aquele serviço.
O problema está na circunstância de o SP não ter carreado para os autos prova adequada a identificar tais custos, por qualquer meio de prova admissível. Ao contrário, o Requerente limita-se a juntar uma listagem por si elaborada de alegadas comissões, que não refere sequer a G..., bem como um manual de procedimentos e um alegado exemplo de lançamento dessas comissões na contabilidade. As referidas listagens traduzem-se em meros prints sem qualquer identificação, nome, etc. O mesmo se diga quanto ao manual de procedimentos, pelo seu caráter abstrato. Os documentos em causa não permitem demonstrar que foi efetivamente cobrado ao Requerente o montante de € 946.427,44.
Alega o Requerente que é impraticável manter um registo de cada movimento individualmente por via de fatura. Ora, não se vê que fosse impossível ou impraticável obter uma fatura, nem que fosse em formato eletrónico, devida pela gestão dos cartões associados ao Requerente. Repare-se que, mesmo do documento interno ora junto, não constam elementos que permitam fazer essa associação, tais como, os sujeitos da operação, o preço e o objeto. Mais uma vez não está em causa que o SP tem de ter custos com esta gestão de cartões, porque ele não está autorizado a fazer esse serviço, está dependente de terceiros para o efeito. A questão respeita à comprovação desse custo. Também não se afigura verosímil que o SP não pudesse obter mais elementos junto da G..., atenta as relações continuadas com tal empresa. Afigura-se sobretudo não aceitável que, pelo menos, no final do ano, o SP não tivesse capacidade para apresentar uma fatura global.
Como melhor será analisado mais adiante não há qualquer violação do princípio do inquisitório.
Conta #70883 – Refeições em Serviço (extratos de cartão de crédito e talões de restaurantes): € 8.663,61
Alega o SP que os custos aqui em discussão dizem respeito a despesas decorrentes de refeições de Colaboradores do Requerente, quer em refeições com Clientes, quer em refeições do próprio Colaborador, motivadas por deslocações a Clientes, as quais, por decorrerem do exercício de funções dos trabalhadores no interesse do Requerente, eram por este assumidas.
Segundo o SP os seus colaboradores eram incentivados a “a realizar contactos com os principais Clientes, os quais, muitas vezes, ocorriam à hora de almoço” acrescentando que é “uma prática comercial recorrente, como é facto público e notório –, suportar os custos incorridos pelo Colaborador com a sua própria refeição e com a refeição do Cliente que o acompanhava”. A título de exemplo, o Requerente juntou um extrato de cartão de crédito e vários talões de restaurantes, alegando que as despesas foram incorridas pelo seu colaborador V... no exercício da sua atividade e em benefício da atividade desenvolvida pelo ora Requerente.
Para a Requerida, a documentação apresentada é insuficiente, porquanto, “não é possível retirar que as mesmas tenham sido incorridas em benefício da fonte produtora dos rendimentos, de onde será de manter a qualificação de custo não dedutível por não comprovada a sua indispensabilidade (refira-se ter sido afastada já em sede de reclamação graciosa a tributação autónoma inicialmente imputada), cf. Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico.
Ora, da consulta dos autos resulta que da documentação junta não é possível extrair ligação entre as refeições e os clientes ou reuniões ao serviço do Requerente, não bastando para cumprir o ónus de prova que sobre si impende as considerações de ordem genérica em que sustenta os gastos em causa. Também aqui os elementos identificadores e caracterizadores da despesa se revelam cruciais para permitir a triagem das despesas, entre aquelas que possam eventualmente ter natureza privada e aquelas que efetivamente se enquadram na atividade empresarial, não sendo suficiente a alegação de que o SP disponibiliza um cartão de crédito com um determinado plafond para angariar e reunir com clientes.
Neste contexto, temos de concluir que o Requerente não logra, assim, fazer prova que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.
Importa, por último salientar que era ao Requerente que cabia o ónus de prova dos elementos caracterizadores dos gastos de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua efetiva indispensabilidade segundo os requisitos exigidos no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC (na redação em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.
Conta # 70885 – Deslocações, Refeições, estadias, equipamento desportivo e espaço para a realização Convenção Anual: € 154.715,96
O Requerente alega que estes gastos podem ser divididos em três grupo: i) custos incorridos no exercício da atividade desenvolvida pelo departamento F..., nomeadamente, com deslocações, refeições, estadias; ii) custo suportado na compra de equipamento desportivo com vista a participar num evento promocional, e iii) custos suportados com a organização da Convenção Anual que o H... organiza, mais concretamente com o espaço onde o evento teve lugar.
No que respeita ao primeiro grupo, o Requerente limita-se a alegar que os mesmos são indispensáveis à semelhança dos gastos lançados na conta # 70883, por se tratar de despesas com deslocações, refeições e estadias incorridas pelos seus trabalhadores no exercício da sua atividade e no interesse do Requerente.
Quanto ao segundo grupo, entende o Requerente que estes gastos devem ser considerados indispensáveis, pois subjacentes aos mesmos está um evento promocional – no qual é feita publicidade à marca H... –, pelo que deve esta despesa ser considerada como não só documentada, como realizada de acordo com o escopo empresarial do Requerente.
No que concerne ao terceiro grupo, considera o Requerente que os gastos incorridos com o arrendamento do espaço (denominado ...) para realizar a sua Convenção Anual devem ser considerados como indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto na medida em que se trata de um evento de crucial importância para a atividade do Requerente, pois têm a finalidade de reunir os Colaboradores, no início de cada ano, por forma a dar-lhes a conhecer quer os resultados do exercício anterior quer os principais objetivos para o ano em curso.
Para a Requerida, a natureza das despesas em causa e os documentos apresentados não permitem comprovar a indispensabilidade dos gastos que titulam, na medida em que, também aqui, não está comprovado que os mesmos foram incorridos em benefício da entidade produtora dos rendimentos, concluindo que o Requerente incumpriu o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.
Vejamos.
Da prova junta aos autos, verifica-se que os documentos comprovativos do primeiro conjunto de despesas não foram apresentados, apesar de o Requerente identificar um conjunto de faturas no artigo 171.º do seu PPA que alegadamente foram juntas sob a designação de Doc. n.º 14. Todavia, deste documento resulta apenas uma fatura respeitante à aquisição de material desportivo. Deste modo, não é possível aferir quais as operações que deram azo aos encargos, a sua natureza e intervenientes.
Ao Requerente cabia o ónus de prova dos elementos caracterizadores destes gastos de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua efetiva indispensabilidade e a verificação dos requisitos exigidos no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC (na redação em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.
Relativamente ao segundo conjunto de gastos, dos elementos de prova aportados ao processo, a única prova efetuada diz respeito a fatura n.º FT... cujo valor deduzido pelo Requerente foi de € 3.486,80, comprovando exclusivamente o gasto em si mesmo, i.e., que o SP adquiriu material. Informação que, por si só, não permite dar cumprimento ao ónus de prova que, nesta sede, impende sobre o Requerente.
Com efeito, alega o Requerente que “quer pelas quantidades adquiridas, quer pela circunstância (evidenciada na fatura) de que parte da despesa diz respeito à aquisição de “Publicidade – H...”, demonstra-se que está em causa um evento promocional”, não demonstrando, no entanto, qual o evento promocional subjacente aos encargos e quais os beneficiários do equipamento desportivo. Não sendo assim possível aferir elementos caracterizadores destes gastos de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua efetiva indispensabilidade e a verificação dos requisitos exigidos no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC (na redação em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.
Relativamente ao terceiro grupo de encargos, que dizem respeito ao arrendamento do espaço denominado ... para a realização da Convenção Anual do Requerente, retira-se da prova junta aos autos que o Requerente apresentou não só os documentos de suporte à contabilização dos encargos (faturas n.ºs ... e ..., datadas de 19 de março de 2008 e 11 de dezembro de 2008, nos montantes de € 63.650,24 e de € 63.124,20, respetivamente) como a troca de correspondência com os responsáveis da entidade gestora do espaço para efeitos de obtenção de um orçamento. Apresentou ainda a troca de correspondência interna, para efeitos de aprovação do orçamento.
Deste modo, verifica-se que o sujeito apresentou os documentos exigíveis para aferir a natureza da operação, os seus beneficiários e respetiva data, sendo assim possível formular um juízo de indispensabilidade do gasto. Quanto a este aspeto, defende o Requerente que, atento o seu objeto social e número de colaboradores, se trata de um evento crucial para, no início de cada ano, “dar-lhes a conhecer quer os resultados do exercício anterior quer os principais objetivos para o ano em curso”.
Ora, tratando-se de um evento cuja dimensão exige o arrendamento de um espaço como denominado à época por ..., não se vislumbra que subjacente a este evento possa estar outra finalidade que não seja uma finalidade empresarial.
Nestes termos, tendo o Requerente devidamente apresentado os documentos de suporte ao reconhecimento contabilístico e fiscal do encargo e, bem assim, a troca de correspondência que permite contextualizá-lo, aferindo-se uma clara conexão como o exercício da sua atividade, deve o gasto no valor de € 125.911,74 ser qualificado como indispensável e ser parcialmente anulado o ato liquidação adicional relativamente a este valor.
Conta #7113198 - encargos com campanhas publicitárias: € 381 720,29
Tal como sustentou nos procedimentos administrativos, alega o Requerente que esta conta respeita a encargos com campanhas publicitárias realizadas, no desempenho normal da sua atividade e que estes encargos se decompõem num primeiro montante que diz respeito aos custos respeitantes ao fornecimento de produtos publicitários e num segundo montante de € 19.581,35, relativo a custos com a aquisição de material diverso com publicidade.
De acordo com a sua tese, a Requerida fez uma errada análise da factualidade, tirando as conclusões sem sequer ter analisado a documentação carreada para o procedimento e que apesar de nunca ter negado que as faturas juntas sob a designação de Doc. n.º 16 e Doc. n.º 17 foram efetivamente, todas elas, emitidas em 2007, no entanto, a contabilização destes montantes em 2008 foi por si devidamente clarificada, pelo que, particularmente quanto à suposta imposição da correção com fundamento no princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do Código do IRC remete para as suas alegações no que respeita à violação do principio da justiça.
Por sua vez, entende a Requerida que estes encargos não dizem respeito ao período de tributação respeitante à correção pelo que não poderá, desde logo, ter-se tais gastos como custo do exercício de 2008, nem se comprova que os referidos documentos respeitam à contabilização em 2008 das verbas que vieram a ser corrigidas.
Conclui assim que “bem andaram os serviços da AT quando decidiram manter a qualificação destes montantes contabilizados a título de custos como despesas não documentadas, nos termos do artigo 23.º e da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC”.
Analisada a prova documental junta aos presentes autos, verifica-se que o Requerente apresentou as faturas que suportam o registo contabilístico dos encargos em questão, sendo possível aferir que se trata efetivamente de gastos relacionados com o fornecimento de produtos publicitários e aquisição de material diverso com publicidade.
Tendo em consideração o objeto social do Requerente, não existem dúvidas de que estes encargos possam ter sido incorridos no exercício da sua atividade e com vista a obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, pelo que são certamente suscetíveis de ser qualificados como encargos indispensáveis apesar de o SP não ter tecido grandes considerações a este respeito.
Não obstante, verifica-se que o principal fundamento para a sua desconsideração, após terem sido apresentados os respetivos documentos no âmbito da Reclamação Graciosa, se prende com o princípio da especialização dos exercícios, pelo que apreciaremos infra este aspeto.
Conta #7113199 – Encargos com campanhas e/ou material publicitário: € 2.244.148,55
Alega o SP que o montante desta correção diz respeito aos lançamentos relativos a custos diversos, designadamente com campanhas e/ou material publicitário que foram incorridos no exercício da atividade desenvolvida pelo seu departamento F....
Entende o Requerente que apesar de parte das faturas terem sido emitidas em 2007, apenas foram efetivamente contabilizadas em 2008, pelo que, sendo este o fundamento único da correção em causa, recaía sobre a Requerida o dever não promover correções em pretenso cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, quando o mesmo gera resultados gritantemente injustos, comprovada que se encontre a sua efetividade e indispensabilidade, como é o caso em análise.
Por outro lado, entende ainda que os montantes faturados ao “L...”, devem ser dedutíveis ao seu lucro tributável, uma vez que estão em causa serviços efetivamente respeitantes ao Requerente, em Portugal.
A Requerida acompanha, no entanto, o entendimento adotado no Despacho de Indeferimento, onde se considera que i) relativamente às faturas emitidas em 2007 não poderá ter-se tais gastos como custo do exercício de 2008, nem se comprova que os referidos documentos respeitam à contabilização em 2008 das verbas que vieram a ser corrigidas, ii) relativamente às faturas onde vem mencionado o "O...", não se comprova que as mesmas respeitem ao montante contabilizado que o Requerente pretende documentar. Conclui assim que será de manter a qualificação destes montantes contabilizados a título de custos como despesas não documentadas, nos termos do artigo 23.º e da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, na medida em que documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, tendo o SP incumprido o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.
Dos documentos juntos aos autos, verifica-se que i) o Requerente apresentou as faturas emitidas em 2007 respeitantes aos custos que contabilizou em 2008, ii) juntou também faturas emitidas em janeiro de 2008, com respeito a serviços prestados em 2007, mas que foram contabilizadas em 2008, iii) faturas emitidas em nome do " L..." e, iv) faturas emitidas em 2008, respeitantes a serviços adquiridos no decorrer do período de tributação de 2008.
Relativamente às faturas emitidas em nome do "L...," (v.g., n.os ..., ..., ... e ...), não é possível aferir se o Requerente suportou efetivamente estes encargos, na medida em que o mesmo se limitou a juntar aos autos as faturas emitidas com o nome e o número de identificação fiscal do "L...".
Deste modo, não merece censura o entendimento da Requerida, uma vez que, de facto, a documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos incorridos pelo L..., tendo o SP incumprido o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT, qualificando-se assim estes gastos – no valor de € 160.405,00, cf. faturas constantes de fls. 669, 671, 672 e 673 do procedimento tributário – como não dedutíveis e igualmente não documentados na medida em que não ficou provada qualquer conexão entre estes encargos e os gastos registados na contabilidade do Requerente.
Por outro lado, no que concerne ao conjunto de faturas emitidas durante o período de tributação de 2008 e que dizem respeito a serviços adquiridos nesse ano (faturas n.os ..., .../..., 2008..., .../2008, ..., ..., .../2008, F..., 2008..., 2008..., 2000..., ..., ..., ..., 2008... (W..., Lda.), .../2008, ..., 2003... e 2008..., juntas como Docs. n.os 22, 23 e 24 do PPA), verifica-se que as mesmas correspondem a fls. 643, 644, 647, 655, 657, 665, 667, 668, 670, 674, 675, 680, 681, 682, 687, 688, 689, 691 e 697 do procedimento tributário e que, de acordo com a tabela apresentada pela Requerida nas pp. 24-25 do Projeto de Decisão de RG (fls. 2757 e 2758), os respetivos encargos foram admitidos como gastos documentados e dedutíveis no âmbito da Reclamação Graciosa.
Assim sendo, importa concluir pela improcedência do pedido apresentado pelo Requerente relativamente aos gastos documentados pelas faturas supra identificadas, uma vez que os mesmos já foram aceites pela Requerida no âmbito do procedimento tributário.
Quanto aos dois primeiros conjuntos de faturas, e à semelhança do que referimos quanto conta #7113198, a principal justificação da correção em causa, após terem sido apresentados os respetivos documentos no âmbito da Reclamação Graciosa, prende-se com o princípio da especialização de exercícios, pelo que também quanto a este aspeto iremos tecer as devidas considerações infra.
Conta # 711991 – Encargos gerais (“Head Office”): € 10.459.937,45
Estes encargos, num total de € 10.459.937.45, correspondem a dois lançamentos, ambos datados de 31 de dezembro de 2018: o primeiro no montante de € 4.144.891,45 e outro no valor de € 6.315.046,00, referentes, segundo o Requerente, a encargos gerais (Head Office) decorrentes de um conjunto vasto de serviços nas áreas financeira, jurídica, de risco, recursos humanos e marketing, prestados de forma global ao E... e que eram imputados ao Requerente, mais concretamente ao seu departamento interno do F..., segundo termos previamente acordados.
Salienta ainda o Requerente que todos os cartões de crédito do H... são emitidos pelo F..., repercutindo este departamento, em cada um dos exercícios, a todas as entidades do grupo, os custos da atividade de emissão e gestão de cartões de crédito, na medida em que estes aproveitam a cada uma das filiais ou sucursais.
Não obstante, a Requerida mantém o entendimento espelhado na Decisão de Indeferimento parcial da Reclamação Graciosa, realçando que apesar de se vislumbrar a operação dos documentos juntos pelo Requerente, “não se descortina em que medida é que esse custeio observou a disciplina decorrente do princípio da indispensabilidade previsto no art.º 23.º do CIRC, ele próprio por sua vez corolário do princípio da tributação do rendimento real das empresas consagrado no n.º 2 do art.º 104.º da CRP”, alegando ainda que o Requerente não logrou fazer prova sobre o critério de imputação dos custos, nos termos do artigo 50.º do CIRC.
Da prova junta aos autos, resulta que o Requerente apresentou diversas faturas emitidas quer pelo F... como pelo próprio D..., embora estas não contenham qualquer discriminativo dos serviços efetivamente prestados.
Ademais, não é possível retirar uma ligação direta entre o referido Economic Transfer Arrangement e os encargos registados nesta conta, na medida em que este documento versa predominantemente sobre a imputação dos custos incorridos pelo F... com o processamento de pagamentos através de débitos diretos, nada referindo quanto aos serviços alegados pelo Requerente, nomeadamente os custos com serviços da área jurídica, de risco, recursos humanos e marketing, prestados de forma global ao E....
Por outro lado, resulta das conclusões do Economic Transfer Arrangement que os custos associados aos serviços de processamento de pagamentos são estimados em 48.014,69€ anuais, valor esse que é bastante inferior aos montantes registados, em termos globais, nesta conta.
Por fim, importa assinalar que as mencionadas faturas não permitem aferir quais os serviços efetivamente prestados ao Requerente pelas sociedades do E... (v.g., “services provided by D... to C... in tax year 2008”, cf. Fatura No. ... de .../.../2009) não existindo assim elementos que permitem efetuar uma análise à indispensabilidade dos gastos dada a ausência de uma rigorosa descrição dos serviços efetivamente prestados.
Por fim, elementos aportados aos autos também não permitem aferir quais os critérios utilizados para a imputação destes encargos suportados por sociedades do E... e, por conseguinte, a sua fundamentação.
Atentos os fundamentos supra mencionados, assiste também aqui razão à Requerida, incumprindo o SP o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT, dada a ausência de elementos suficientes para aferir tanto indispensabilidade destes encargos na esfera do Requerente, como os critérios efetivamente utilizados para efetuar a imputação dos encargos gerais, ao abrigo do artigo 50.º do CIRC na redação vigente à data dos factos.
Conta # 72889 - serviços de consultadoria, serviços jurídicos, publicidade, marketing, viagens, entre outros: € 818.474,0214
Os custos aqui em causa dizem respeito, por um lado, ao pagamento de diversas despesas relacionadas com a atividade do Requerente, como, por exemplo, serviços de consultoria, serviços jurídicos, publicidade, marketing, viagens, etc., suportados por faturas e elementos contabilísticos e, por outro lado, a movimentos de acréscimo do gasto de acordo com o respetivo princípio (accrual).” Segundo o Requerente, o montante em discussão deve ser tripartido do seguinte modo: i) despesas referentes a período tributação diferente de 2008, ii) despesas referentes a período tributação diferente de 2008, e iii) faturas emitidas à L.... Nota ainda que reconheceu efetivamente a duplicação das faturas da R... constantes de fls. 834, 835 e 836, devendo as mesmas ser apenas consideradas na rubrica da Conta # 7113199.
Mais alega que as correções respeitantes aos encargos suportados por faturas emitidas em 2007 foram, apenas e só efetivamente contabilizadas em 2008, devendo os mesmos ser dedutíveis ao lucro tributável do período de 2008, ao abrigo do princípio da justiça. Por fim, entende ainda que os encargos faturados em nome da L... devem ser igualmente qualificados como dedutíveis, na medida em que estão em causa fees respeitantes a Portugal.
Alega a Requerida que, à semelhança do que ocorre com referência às verbas constantes na conta #7113199, não se poderá, no que respeita às faturas emitidas em 2007, ter-se tais gastos como custo do exercício de 2008, nem se comprova que os referidos documentos respeitam à contabilização em 2008 das verbas que vieram a ser corrigida. Defende ainda que os restantes encargos foram faturados em nome do O..., não tendo ficado provado que o Requerente os suportou efetivamente.
Conclui assim que “a documentação junta pelo Requerente no âmbito dos procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT”.
Vejamos.
Em relação aos encargos faturados em nome e com o número de identificação fiscal da L..., não é possível aferir se o Requerente suportou efetivamente estes encargos, uma vez que não foi junto qualquer documento de suporte ao seu registo contabilístico e fiscal, emitido em nome do SP. Aliás, o Requerente limita-se a remeter para os documentos juntos à Reclamação Graciosa, não tendo junto qualquer documento ao PPA nem contextualizado minimamente a realização da despesa em questão.
Deste modo, não merece censura o entendimento da Requerida, uma vez que, de facto, a documentação junta pelo Requerente no âmbito dos procedimentos administrativos é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos incorridos pelo L..., tendo o SP incumprido o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT, qualificando-se assim estes gastos – no valor total de € 253.039,50 cf. faturas contantes de fls. 809, 810, 818, 819, 820, 825, 827, 828, 829, 830, 831, 832, 853, 854, 855, 856, 856 e 861 do procedimento tributário – como não dedutíveis e igualmente não documentados na medida em que não ficou provada qualquer conexão entre estes encargos e os gastos registados na contabilidade do Requerente.
No que respeita aos encargos incorridos em período de tributação distinto, em causa está a violação do princípio da especialização de exercícios que será devidamente apreciado infra.
B- Ilegalidade por falta de fundamentação
Como vimos, o SP alega falta de fundamentação (em especial no que respeita aos gastos contabilizados nas contas: contas: # 6889; #70883; #70885; # 71100; # 711210; # 711212;
#7113199; # 711991; # 72889), porque a Requerida se limita a tecer considerações igualmente vagas e não fundamentadas, o que configura um vício de falta de fundamentação.
Em sentido oposto, alega a Requerida que o Requerente lançou mão de meios de defesa administrativos contra o ato tributário de liquidação de IRC, tendo os serviços da AT apreciado as correções que resultaram na emissão da liquidação, em sede de RG e de RH, e decidido pelo deferimento parcial do pedido quanto a algumas dessas correções, reiterando, quanto às que se mantiveram, os fundamentos legais invocados pelos SIT para desconsiderar os gastos declarados, a saber: a interpretação conjugada do artigo 23.º, n.º 1 e da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º, ambos do CIRC, norma que, na redação à data dos fatos, estabelece «não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável (...) os encargos não devidamente documentados». Nada contendo de inovador, mormente ao nível da sua fundamentação, a decisão de improcedência do RH.
Afigura-se que assiste razão à Requerida. Na verdade, se o Requerente não invoca conteúdo inovador, a fundamentação afigura-se abundante e é a constante do RIT e seus anexos, bem como das decisões que recaíram sobre a reclamação e o recurso hierárquico. Neste sentido vai, aliás, a jurisprudência citada pela Requerida na contestação (artigos 36.º e 37). Finalmente, se dúvidas existissem as mesmas seriam desvanecidas atenta a extensão do Pedido Arbitral, na medida em que o Requerente não demonstrou ter qualquer dificuldade em entender e apreender o itinerário cognoscitivo percorrido pelos Serviços da AT, apresentando argumentos críticos contra a ilegalidade da liquidação controvertida, em especial quanto à violação do princípio da indispensabilidade dos gastos por falta de comprovação. Em suma, uma coisa é o SP não acompanhar a tese da Requerida sobre o sentido e o alcance da indispensabilidade dos gastos outra bem diferente é a decisão não estar adequadamente fundamentada.
C- Ilegalidade por violação do princípio do inquisitório
A este propósito alega o SP que não tendo a AT questionado a veracidade das operações propriamente ditas: “antes pelo contrário, aceitou que os documentos em causa titulavam operações efetivas, simplesmente considerando tais documentos insuficientes para as “comprovar”, pelo que se verifica a “violação do princípio da verdade material, na dimensão do princípio do inquisitório aqui em causa, constitui um vício procedimental suscetível de determinar a anulação do ato tributário”.
Por sua vez, a Requerida alega que cumpriu o princípio do inquisitório, tendo diligenciado no sentido de carrear para os procedimentos os elementos necessários ao apuramento da situação tributária do Requerente, enquanto este apesar de notificado não apresentou documentação necessária para justificar a indispensabilidade dos gastos declarados.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, na redação aplicável, «o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º, n.º 3 é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
(…) 3- De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para os respectivo sector de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.».
Por sua vez, previa o n.º 2 do artigo 115.º do CIRC, sob a epígrafe, “Obrigações contabilísticas das empresas” que: «1- As sociedades comerciais ou civis sob aforma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada, nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º permita o controlo do lucro tributável.(…).
3- Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:
a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário
b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos».
Relativamente à dedutibilidade dos gastos (custos na altura), para efeitos de determinação do lucro tributável, como já ficou dito, da conjugação dos artigos 23.º, n.º 1, com as alíneas c) e g) do 42.º do CIRC, não basta apenas a realização da despesas ou a sua contabilização, sendo necessário que a despesa realizada e contabilizada se encontre comprovada através de documento, ou outro meio de prova idóneo, que contemple uma conexão da despesa em causa, com o registo contabilístico subsequente. Como vimos supra, constitui doutrina e jurisprudência pacíficas que se do documento apresentado não for possível estabelecer essa conexão, o gasto (custo) encontra-se “não devidamente documentado”.
A contabilidade do SPP constitui assim o ponto de partida da averiguação dos serviços da Inspeção Tributária, lembrando que «Os registos contabilísticos, para que possam ser compreendidos e aceites, têm que estar devidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação ou operações que os justificam na plenitude dos seus elementos constitutivos. Surge aqui o denominado princípio da documentação, que visa assegurar a verificabilidade externa dos registos contabilísticos e dos respectivos suportes» (cfr. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 236/2014-T). E mais adiante, pode ler-se, ainda que «um ajustamento contabilístico deve ser amparado por um documento que, como suporte material do registo, permita compreender os elementos essenciais da operação e as condições da sua realização, de modo à sua efectiva validação».
No caso dos autos, como decorre do Relatório de inspeção, e das decisões de RG e de RH, os Serviços da AT analisaram a documentação junta pelo Requerente e aceitaram os documentos comprovativos dos gastos, sempre que os mesmos possibilitaram o conhecimento das operações, a sua natureza e intervenientes, a validação dos montantes contabilizados e permitiram estabelecer a conexão com a atividade desenvolvida. Tanto assim que o próprio SP reconhece que a Requerida corrigiu a matéria coletável, sendo aceites os documentos apresentados que se mostravam idóneos a comprovar os gastos declarados.
Em relação a outros situações verificando aos serviços que certos custos não forneciam os elementos legalmente exigidos como essenciais para a sua efetiva validação, notificaram o SP para suprir a omissão. Na verdade, a existirem outras formas de prova sobre a existência dos custos seria o SP a estar em melhor posição para as fornecer. Acontece que, notificado pelos serviços para justificar os custos declarados, ou para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções, ou, ainda, em sede de RG e de RH, e, por último, no âmbito da presente ação arbitral, o Requerente não apresentou outras provas adequadas a comprovar os custos em causa. Sendo certo que, como ficou demonstrado supra, o SP tinha ao seu alcance poder socorrer-se de qualquer meio de prova admitido legalmente.
Em vez de carrear prova adequada para os autos o SP limita-se a invocar “a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes” e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, consagrada no artigo 75.º da LGT e a violação do princípio do inquisitório.
Ora, o funcionamento da presunção mencionada pressupõe que a contabilidade esteja organizada com todos os elementos legalmente considerados essenciais à caracterização dos custos em causa, cessando a referida presunção nas situações em que as declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, como decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT. Como ficou demonstrado, passaria a incumbir ao Requerente, nos termos do art. 74º da LGT, o ónus de demonstrar que a declaração havia sido efetuada “nos termos da lei” e, portanto, era na realidade verdadeira.
A conclusão a que se chegou não vai contra o princípio do inquisitório. Com efeito, como resulta dos autos, a Requerida, repete-se, diligenciou no sentido de carrear para os procedimentos de reclamação e recurso hierárquico os elementos necessários ao apuramento dos custos em causa. Neste sentido alega a Requerida, entre o mais, que “(…) foi ao abrigo do princípio do inquisitório e no exercício da competência de verificação do cumprimento das obrigações tributárias que, durante a ação de inspeção, foram solicitados esclarecimentos ao Requerente sobre os documentos justificativos dos registos contabilísticos”, que “o Requerente, apesar de notificado, não apresentou a documentação necessária para justificar a indispensabilidade dos gastos declarados”, que “foi também em cumprimento do princípio do inquisitório que o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório, muito embora tenha optado por não se pronunciar” e, por último, que “foi ao abrigo do princípio do inquisitório que o pedido de prorrogação de prazo para o exercício do direito de audição prévia formulado pelo Requerente foi deferido” (cfr. pontos 91.º a 95.º da Contestação).
Na ótica do SP, a Requerida deveria ir mais longe. Por exemplo, no caso dos custos como relativos à G..., caberia à Requerida averiguar junto desta entidade a documentação que estava omissa na sua contabilidade. Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 103 /2016-T, «entende-se que a vinculação à descoberta da verdade material terá de concretizar-se num limite de razoabilidade, de medida do esforço legitimamente exigível à administração, num contexto de incumprimento por parte do sujeito passivo. O que equivale a reconduzir-nos de novo à repartição do ónus da prova e não ao princípio da verdade material. E como se viu já, o Requerente incumpriu o ónus da prova que sobre si impendia.»
Na verdade, a obrigação que impende sobre a Requerida de averiguar a verdade material não retira aos contribuintes o seu dever de colaboração na produção de provas, como resulta do artigo 59.º da LGT. Conclui-se, neste sentido, no Acórdão do TCA Norte, de 12-01-2012, proferido no Proc. n.º 00624/05.0BEPRT, «que o princípio do inquisitório não obriga a Requerida a substituir-se ao Requerente e cumpra por ele o ónus da prova que sobre si impende».
A resposta poderia ser diferente se a Requerida tivesse rejeitado determinada prova apresentada pelo SP, como sucede na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 59/2019-T, o que não é o caso dos autos.
Assiste, assim, razão à Requerida quando sustenta improceder qualquer alegada violação do princípio da verdade material ou do inquisitório, por competir ao Requerido, nos autos, fornecer à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.
D- Ilegalidade por violação do princípio da capacidade contributiva
Quanto à violação do princípio da capacidade contributiva, alega o Requerente que, «mesmo que os documentos apresentados não configurassem, segundo a AT, prova bastante dos gastos em que o Requerente incorreu (…), por exigência do princípio da capacidade contributiva ínsito no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) sempre deveriam ser atendidas outras formas de prova da existência de tais custos.».
Em primeiro lugar, não se percebe a alegação do SP quando sustenta a violação do princípio da capacidade porque deveriam ser atendidas outras formas de prova de existência dos custos em análise. Afigura-se mera alegação abstrata sem adesão à realidade dos autos, uma vez que, na análise de cada custo em concreto, como vimos, o SP não demonstra que tipo de prova viu recusada pela Requerida. Resulta do supra exposto que, o que separa essencialmente o SP da tese da Requerida gira em torna do sentido e alcance do conceito da indispensabilidade, em especial quanto às exigências formais em sede de comprovação de custos incorridos.
A propósito da conformidade constitucional entre os valores e princípios constitucionais subjacentes às exigências formais e a sua compatibilização com o princípio da capacidade contributiva se pronunciou o Acórdão do STA de 5 de julho de 2012, proferido no processo n.º 0658/11, onde se pode ler:
«III – As exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos. (…) considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à a protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal. (…). VII – No contexto do caso concreto, o interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal, subjacente à prevenção da manipulação do princípio da especialização dos exercícios, deve prevalecer sobre os princípios da justiça e da tributação pelo rendimento real.”
Ora, esta jurisprudência, deve valer, com as devidas aplicações, para o caso concreto.
E - Ilegalidade por violação do princípio da justiça
Conforme explanado supra, entende o Requerente que a Requerida veio admitir, no Despacho de Indeferimento, que o fundamento para a manutenção das correções decorre da sua cega obediência ao princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do Código do IRC, no que se refere ao custo no valor de € 381.720,29, lançado na conta # 7113198, ao custo lançado na conta # 7113199, no valor de € 2.244.148,55, e ainda em relação ao custo lançado na conta # 72889, no valor de € 665.935,90. Considera ainda que, ao agir deste modo, a AT viola não só o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, mas também o princípio do inquisitório, contido no artigo 58.º da LGT, impondo-lhe uma tributação manifestamente injusta, por infundada, em clara violação dos mais elementares princípios de justiça, proporcionalidade e imparcialidade, decorrentes de princípios constitucionais explicitamente consagrados no artigo 55.º da LGT.
Adotando outra perspetiva, a Requerida defende que, para invocar uma putativa violação do princípio da justiça, ao Requerente não lhe basta alegar uma pretensa injustiça para si e um eventual benefício para a AT, pois tal tese conduz, por um lado, a menorizar o princípio da legalidade afirmado no n.º 2 do art.º 103.º da CRP e esvaziar de conteúdo um dos princípios básicos da contabilidade e da determinação do lucro tributável enunciados na lei fiscal, e, por outro, redundaria na aplicação do princípio da periodização do lucro tributável “à la carte”, comprometendo o princípio da igualdade de tratamentos dos contribuintes. Acrescentando que o Requerente não logrou provar que ocorreu um benefício para a AT, não constando dos autos quaisquer elementos probatórios que confirmem essa argumentação.
Dos elementos carreados para o processo, constata-se que o Requerente juntou diversos documentos, nomeadamente os Docs. n.os 16 a 25, como suporte à dedução dos gastos contabilizados nas contas # 7113198, # 7113199, contendo diversas faturas emitidas na segunda metade do período de tributação de 2007, assim como faturas que, apesar de emitidas em 2008, dizem respeito a serviços prestados em 2007. Relativamente aos gastos contabilizados na conta # 72889, o Requerente não juntou qualquer documento ao PPA, embora faça remissões para os documentos juntos ao procedimento tributário e que espelham a mesma situação.
Ora, decorre do n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, onde se consagra o princípio da especialização de exercícios, que “os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”. Quer isto dizer que os rendimentos e, bem assim, os respetivos gastos devem ser contabilizados no período em que os bens são vendidos ou os serviços são efetivamente prestados.
No caso dos autos, verifica-se que o Requerente pretendeu deduzir no período de tributação de 2008 gastos referentes a bens e serviços prestados efetivamente prestados em 2007.
Neste contexto, importa assinalar que o n.º 2 do artigo 18.º do CIRC acaba por flexibilizar o princípio da especialização de exercício, estabelecendo que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.
Ora, no seu PPA, o Requerente limita-se a alegar que os gastos em análise foram, apenas e só, contabilizados em 2008 e que, por um lado, não seria já possível proceder à sua dedução no período de tributação de 2007, e por outro, da sua dedução não resultou qualquer vantagem. Argumenta ainda que o procedimento por si adotado não constituiu uma omissão voluntária e intencional, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.
Todavia, não alegou o Requerente qualquer facto suscetível de justificar que, na data de encerramento das contas de 2007, os gastos eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos e, como tal, não foi possível imputá-los a esse exercício. Ademais, salienta a Requerida que o RIT foi notificado por ofício datado de 29-12-2010, após notificação para o exercício do direito de audição sobre o projeto de correções e ainda dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação respeitante ao exercício de 2007, pelo que, se o Requerente tivesse exercido o seu direito de audição e tivesse colaborado com a AT, prestando os esclarecimentos que lhe foram solicitados, ao abrigo do princípio da colaboração, teria tido todas as possibilidades de demonstrar aos SIT a sua correta situação tributária no exercício de 2008, bem como de regularizar as alegadas incorreções respeitantes ao exercício de 2007.
Por fim, não se verifica qualquer violação ao princípio da justiça incito no artigo 55.º, pois conforme se salienta no acórdão do STA de 14-03-2018, proferido no processo n.º 0716/13, constitui “jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a rigidez deste princípio tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado – vide, neste sentido, acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 19.11.2008, recurso 325/08, de 02.04.2008, recurso 807/07, de 19.05.2010, recurso 214/07, de 25.06.2008, recurso 291/08, de 09.052012, recurso 269/12 e de 02.03.2016, recurso 1204/13 (…) Numa situação destas, em que não seja possível a “correcção simétrica”, por razões de tempestividade, a doutrina (Neste sentido Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag. 454 e Rui Duarte Morais, ob. citada, pag. 70.) e a jurisprudência supracitadas vêem afirmando que o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, nomeadamente quando a respectiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercício.
Ora, no presente caso, o Requerente não só não alega qualquer facto suscetível de demonstrar que os gastos em apreço eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos no final do exercício a que respeitam (2007), como não conseguiu demonstrar que os gastos incorridos nesse ano só foram imputados ao exercício de 2008 em resultado de omissões não voluntárias ou não intencionais. Recorde-se ainda que, tal como sublinha a Requerida, o SP foi notificado do RIT por ofício datado de 29-12-2010, após notificação para o exercício do direito de audição sobre o projeto de correções e ainda dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação respeitante ao exercício de 2007, verificando-se assim que teve oportunidade para corrigir a incorreta imputação temporal dos gastos em análise.
Nestes termos, resta concluir que assiste razão à Requerida no que respeita à impossibilidade de os gastos efetivamente incorridos em 2007 serem considerados no período de tributação de 2008, não merecendo o ato de liquidação contestado, assim como o entendimento da Requerida, qualquer censura quanto a esta matéria.
F - Custos não devidamente documentados e tributação autónoma
Alega o Requerente que, em resultado das correções levadas a cabo pela AT, mantém-se a liquidação de tributação autónoma sobre as correções às contas # 6889, # 7113198, # 7113199, # 72889 e # 711812.
Antes de nos debruçarmos sobre a alegada ilegalidade, importa ter presente a orientação jurisprudencial dominante sobre esta matéria.
F- 1- Enquadramento
Como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 735/2019-T “As despesas não documentadas previstas no art. 88.º, nº 1, CIRC são, antes de mais, “despesas.” A existência de uma despesa implica uma saída efetiva de meios de pagamento a favor de terceiros ou, pelo menos, a assunção de uma dívida para com terceiros”, (…) sendo com “esse sentido, de saída efetiva de meios de pagamento (ou de assunção de responsabilidades financeiras) que o Código do IRC emprega o termo “despesa”, por oposição a “gasto”, em múltiplos locais, como, a título de exemplo, nos arts. 23º-A, nº 1 d), 31º, nº 2 a), 32º, nº 2 ou 43º, nº 2. (…) “O entendimento de “despesa” como saída efetiva de meios de pagamento ou assunção de uma responsabilidade financeira decorre também da ratio da própria tributação autónoma estabelecida no art. 88º. Com efeito, a despesa, por consistir num efluxo de meios financeiros (ou a assunção de uma dívida) a favor de um terceiro, gera para este um rendimento que deveria ser sujeito a tributação na esfera deste, não sendo possível tal tributação na esfera do terceiro beneficiário exatamente por não se conhecer a sua identidade.”
Quanto ao conceito de “despesas não documentadas”, atendendo à mesma ratio acima descrita, a falta de documentação relevante é a que impede o conhecimento da natureza, origem e finalidade das despesas, conforme tem sido afirmado pelos tribunais superiores (STA, 5/7/2000, proc. nº 24.632; TCA-Sul, 27-04-2017, proc. nº 1514/13.8BELRA; TCA-Norte, 20-01-2005, proc. nº 305/04), ao que devemos acrescentar a identidade dos beneficiários. Ou seja, para que a despesa não possa ser considerada indocumentada para efeitos do art. 88º, nº 1, o que importa é que a documentação existente dê a conhecer a razão (natureza, origem, finalidade) da despesa, para que se possa avaliar a sua justificação, e os respetivos beneficiários, para que estes possam ser tributados. Desta forma, não é a existência de um qualquer documento relativo à despesa, como por exemplo um extrato bancário, que mostre o fluxo financeiro associado à despesa, que impede que a mesma se considere não documentada, pois esse documento nada diz sobre a razão da despesa e pode nada dizer sobre os respetivos beneficiários. “(…)”. Contudo para efeitos da aplicação das tributações autónoma previstas no art. 88º, não há que apurar qualquer relação entre a despesa e o fim lucrativo. Por outras palavras não é relevante saber se a despesa se traduz num verdadeiro gasto.”
Sobre o conceito de despesa não documentada, pode ler-se na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 281/2019-T: “Como despesas não documentadas devem entender-se aquelas que não têm por base qualquer documento justificativo ou de suporte documental a nível contabilístico, e, como tal, não especificam a sua natureza, origem ou finalidade (acórdão do TCA Sul de 7 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 04690/11). Havendo de distinguir-se entre as despesas não documentadas e as despesas não devidamente documentadas, isto é, aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação" e que apenas acarretam a não dedutibilidade para efeitos fiscais.
Ainda segundo o acórdão do STA de 7 de Julho de 2010 (Processo n.º 0204/10), "[a] apreciacão da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC. Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se substancia a despesa" (a despesa confidencial encontra-se integrada agora no conceito amplo de despesas não documentadas). Neste sentido, pode ler-se na Decisão arbitral proferida no processo n.º 105/2020-T, “as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC são em concreto saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário. Este entendimento é o que melhor garante o sentido útil e a finalidade regulatória do preceito em causa, portanto o entendimento que adequadamente valora o elemento finalístico da lei.
“Revelando assim, de interesse para a presente causa, a questão da distinção “despesas não documentadas e indevidamente documentadas”, veja-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 08/05/2019 processo nº1119/16.1BELRA, e o processo nº 9941/16.2BCLSB de 13/12/2019. Como escreve este último, “V. despesas não documentadas são aquelas em relação às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. VI. Despesas indevidamente documentadas são aquelas em relação às quais existe alguma documentação de suporte, ainda que insuficiente. VII. Apenas as despesas não documentadas (e não as indevidamente documentadas) são passíveis de tributação autónoma.” “
Apliquemos estes conceitos e esta doutrina aos factos que a Autoridade Tributária, no caso dos autos, considerou como despesas não documentadas.
F-2- Aplicação ao caso
Como vimos, o tribunal considerou totalmente improcedente o pedido relativamente aos custos contabilizados nas contas # 6889 #7113198, #7113199, #72889, embora com distintos fundamentos. Por essa razão, proceder-se-á à análise individualizada de certos gastos sujeitos a tributação autónoma.
§1.º Conta #6889 (€ 473.213,72);
Atendendo à fundamentação atrás produzida, na conta Conta #6889 estamos a falar da falta de prova documental (de qualquer natureza) que demonstre que o custo foi efetivamente suportado pelo Sujeito Passivo, tal como a natureza, origem ou finalidade.
Ora, relativamente a esta conta verifica-se que o Requerente se limitou a apresentar listagens por si elaboradas de alegadas despesas com comissões pagas à G..., que omitem características essenciais, tais como, o nome e a finalidade, não podendo, desta forma, constituir base documental adequada.
Termos em que não assiste razão ao Requerente, devem manter-se a posição da Requerida incluindo quanto à tributação autónoma.
§2.º Contas #7113198 (€ 190.860,15), #7113199 (€ 1.112.074,28) e # 72889 (€ 409.237,01)
Em relação à tributação autónoma que incidiu sobre as despesas registadas nas contas #7113198, #7113199 e # 72889, considerou o tribunal que os encargos respeitantes a bens e serviços efetivamente adquiridos ou prestados ao Requerente durante período de tributação de 2007 não podem ser dedutíveis ao lucro tributável de 2008 por força do princípio da especialização de exercício incito no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC.
Todavia, verifica-se que o sujeito passivo juntou aos presentes autos as faturas que suportam o reconhecimento contabilístico dos gastos incorridos ao longo do período de tributação de 2007 – apresentando faturas emitidas em 2007, assim como faturas emitidas já em 2008 mas respeitantes ao período de tributação de 2007 –, embora os mesmos não sejam suscetíveis de concorrer para a formação do lucro tributável de 2008 pelos fundamentos supra expostos.
Daqui decorre que tais despesas não podem ser qualificadas como não documentadas, uma vez que o sujeito passivo apresentou os respetivos documentos de suporte (faturas), sendo possível aferir a natureza das operações, o número e tipo de documento, a sua data, bem como a identificação fiscal do Requerente.
Assiste assim razão ao Requerente no que respeita à ilegalidade da liquidação de tributação autónoma sobre as despesas incorridas em 2007 e registadas nas contas #7113198, #7113199 e #72889, devendo a liquidação adicional ser anulada quanto a estes montantes.
Relativamente às despesas suportadas por faturas em nome e com o número de identificação fiscal do L..., apesar de as mesmas revelarem a natureza das operações e demais elementos que identificam as despesas e os seus beneficiários, não foi junto qualquer documento pelo ora Requerente que permita corroborar que este suportou efetivamente tais encargos, nem logrou demonstrar qual o real enquadramento de tais operações, i.e., a que título suportaria o L... tais encargos e porque motivo não os imputava devidamente através da emissão de faturas com a identificação do Requerente.
Deste modo, os documentos apresentados não são suscetíveis de demonstrar que os gastos foram efetivamente suportados pelo Requerente nem confirmar quais os beneficiários desses gastos, na medida em que estes valores não foram faturados em nome do SP.
Resta assim concluir que se trata de encargos não documentados, recaindo sobre a respetiva despesa as taxas de tributação autónoma corretamente aplicadas pela Requerida. Mantém-se assim o ato de liquidação adicional no que respeita à tributação autónoma sobre as despesas registadas:
• na conta #7113199, no valor de € 160.405,00 cf. faturas constantes de fls. fls. 669, 671, 672 e 673 do procedimento tributário, correspondente à tributação autónoma no valor de € 80.202,50
• na conta # 72889, no valor de € 253.039,50 cf. faturas constantes de fls. 809, 810, 818, 819, 820, 825, 827, 828, 829, 830, 831, 832, 853, 854, 855, 856, 856 e 861 do procedimento tributário, correspondente à tributação autónoma no valor de € 126.519,75.
§3.º Conta #711812 (€ 140.964,62)
A tributação autónoma que incide sobre as despesas registadas na conta #711812 decorrem, segundo o sujeito passivo, do facto de ter suportado as despesas relativas à transferência de créditos à habitação dos seus Colaboradores a partir do momento em que estes foram contratados, transferindo, por isso, os créditos de outros bancos concorrentes para o Requerente.
De acordo com a Requerida, dos documentos apresentados não descortina se os mesmos se reportam a funcionários da sucursal e se respeitam à verba contabilizada na conta em referência.
Vejamos.
Da prova carreada para os autos, resulta que o Requerente juntou diversas faturas respeitantes a encargos com notários, advogados e solicitadores com referência a atos de transferência de crédito à habitação. Dos vários documentos apresentados, resulta de forma clara a identificação de “Staff” nos documentos internos do Requerente bem como a troca de correspondência interna no que respeita às autorizações para reembolso de despesas referentes à transferência do crédito habitação de colaborares.
Resulta assim claro que, apesar de os beneficiários das despesas serem terceiros, tendo por essa razão o Requerente voluntariamente acrescido estes valores ao seu lucro tributável, estes encargos encontram-se documentados dado que é possível aferir a natureza das operações bem como os seus beneficiários. Assiste assim razão ao Requerente, devendo anular-se o ato de liquidação adicional no que respeita à tributação autónoma respeitante à conta #711812, no valor de € 140.964,62.
G- A imputação de custos relativos a serviços informáticos - € 3.161.479,47
Alega a Requerente que, no que respeita à matéria de facto, importa referir que os custos referidos correspondem a encargos decorrentes de serviços informáticos prestados e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa.
Esses serviços são titulados pelo "Inter-company processing services agreement", junto à Reclamação Graciosa como documento n.º 88, e que ora se junta ao PPA a designação de Doc. n.º 28.
Nos termos do mencionado acordo, os serviços informáticos em causa comportam, entre outros, a instalação, manutenção e suporte dos sistemas de software, a gestão e armazenamento de dados, o acesso à mainframe informática, o fornecimento e monitorização da rede e o fornecimento de voice communication system. Estes serviços enquadram-se, portanto, segundo a Requerente, na sua atividade, sendo facto notório que é inconcebível pensar num negócio bancário sem o recurso a técnicas e capacidades informáticas.
Desta forma, centralizando a negociação e estabelecendo uma única relação contratual com estas entidades, o E... consegue obter preços mais baixos do que aqueles que seriam contratualizados por cada uma das entidades que integram o Grupo. Posteriormente, para formalizar a prestação dos serviços assegurados pelo Grupo, foi celebrado entre este e o X..., que na data a que se reportam os factos integrava o Requerente, o já identificado Inter-Company Processing Service Agreement.
Os custos relativos a estes serviços eram, por isso, repartidos entre as diversas entidades beneficiárias segundo critérios diretos e objetivos, designadamente o número de horas de utilização efetiva. Para esclarecer os referidos critérios, o Grupo definiu os princípios de alocação dos custos em apreço, conforme justificação já junta à Reclamação Graciosa como documento n.º 89, que juntou ao PPA sob a designação de Doc. n.º 29.
Assim, resumidamente, os critérios de alocação são os seguintes:
- Nos custos individualizáveis, o custo é repartido com base na efetiva utilização desse recurso por parte do Requerente, privilegiando-se uma imputação direta; e
- Nos custos comuns ou transversais a todo o banco, o custo é repartido de acordo com critérios uniformes de quantificação da proporção geral da atividade de cada estabelecimento, privilegiando-se uma imputação indireta.
Tal como resulta da Secção B do referido Doc. n.º 29, os critérios de imputação destes custos com serviços informáticos são definidos pelo E.... No exercício de 2008, foram faturados ao Requerente, ao abrigo do acordo em apreço, os montantes de € 2.111.741,16 e € 1.049.738,31. E estes montantes, titulados por faturas que foram apresentadas ainda no decurso do procedimento inspetivo, foram aceites pela AT, pelo que o Requerente não compreende que, uma e outra vez, lhe seja vedada a dedutibilidade dos custos em apreço, ainda que parcial.
Ora, se a AT não põe em causa que o Requerente beneficiou dos serviços informáticos disponibilizados pelo D.... E, por outro lado, foram juntas ao procedimento inspetivo as faturas que titulam os custos relativos à imputação de custos com serviços informáticos. Tais documentos foram juntos ao procedimento administrativo, continua o Requerente, logo aquando da apresentação da Reclamação Graciosa, documentos e esclarecimentos adicionais não só sobre o tipo de serviços prestados, mas também sobre a forma de imputar os respetivos custos ao Requerente. E se todos esses documentos e esclarecimentos são, também, conformes com o relatório de preços de transferência do exercício de 2008, apresentado no decurso do procedimento de inspeção, não vislumbra o Requerente qualquer razão para que tenha sequer sido promovida a correção em apreço, senão por uma deliberação arbitrária e ilegal a coberto de um pretenso controlo da razoabilidade da imputação efetuada.
O Requerente reitera que a única interpretação correta, conforme com o princípio da tributação pelo lucro real ínsito no artigo 104.º da CRP, e com a Convenção sobre a Dupla Tributação Económica celebrada entre Portugal e o Reino Unido (“CDT PT/UK”), é a que leva à conclusão de que a imputação dos custos relativos a serviços informáticos foi corretamente efetuada, devendo por isso ser aceite fiscalmente.
A Requerida, na sua Resposta, nota que o Requerente é um estabelecimento estável de uma entidade não residente, sendo o lucro tributável determinado nos termos do disposto (na redação à data) no artigo 50.º do CIRC.
Pelo que, prossegue, os custos a aceitar fiscalmente no âmbito do apuramento do lucro tributável do Requerente obedecem à disciplina legal consagrada nos artigo 50.° e no artigo 23.°, ambos do CIRC. Assim, no caso de existirem encargos gerais de administração a imputar ao estabelecimento estável no território nacional, deve estar definido o critério de repartição dos mesmos, que permitirá justificar o montante imputado ao estabelecimento estável e permitirá comprovar que tais encargos foram efetivamente incorridos para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto.
Refere a Requerida que, como bem sublinha o RIT, e cita: «Todavia, para isso, é conditio sine qua non que, face à sua actividade e à bondade dos custos em causa para o desenvolvimento desta, o sujeito passivo apresente os elementos que, em primeira instância, permitam aferir da razoabilidade, e conformidade, dos critérios de repartição de custos comuns adoptados, e que, num segundo momento, permitam descortinar a observância do princípio da indispensabilidade dos custos, o que, como adiante demonstraremos, não sucede in casu.
Nestes termos, apenas será de observar a aceitação de tais encargos caso o tratamento fiscal tenha sido efectuado em obediência ao estabelecido pelo art. 50.º do CIRC, conjugado com o art. 23.º do mesmo código. O que equivale a dizer que todos os custos comuns imputados que não estejam suportados em critério aceite pela Administração Tributária, e para os quais não tenha sido demonstrada a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, não são fiscalmente dedutíveis. Aliás, ab initio, a própria indispensabilidade decorre da conformidade do critério de imputação adoptado.».
Vejamos.
Seguindo de perto o que se decidiu no Processo 534-T-2020, sobre idêntico tema e com iguais partes, relativo ao exercício de 2007, dir-se-á que no que respeita à imputação de encargos decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa, a AT fundamentou a sua correção ao lucro tributável do Requerente com a inobservância do disposto no n.º 2 do artigo 50.º e, bem assim, do artigo 23.º, ambos do CIRC, na sua redação à data dos factos.
Neste contexto, importa ter presente que o n.º 2 do artigo 50.º do CIRC estabelecia que:
“2 - Podem ser deduzidos como custos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que, de acordo com critérios de repartição aceites e dentro dos limites tidos como razoáveis pela Direção-Geral dos Impostos, sejam imputáveis ao estabelecimento estável, devendo esses critérios ser justificados na declaração de rendimentos e uniformemente seguidos nos vários exercícios.”
De acordo com a interpretação adotada pela Requerida no RIT, para a consideração destes encargos “é conditio sine qua non que face à sua actividade e à bondade dos custos em causa para o desenvolvimento desta, o sujeito passivo apresente os elementos que, em primeira instância, permitam aferir da razoabilidade, e conformidade, dos critérios de repartição de custos comuns adaptados, e que, num segundo momento, permitam descortinar a observância do princípio da indispensabilidade dos custos, o que, como adiante demonstraremos, não sucede in casu”.
Avançando ainda que “todos os custos comuns imputados que não estejam suportados em critério aceite pela Administração Tributária, e para os quais não tenha sido demonstrada a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, não são fiscalmente dedutíveis. Aliás, ab initio, a própria indispensabilidade decorre da conformidade do critério de imputação adoptado”.
Por sua vez, o Requerente chama ainda à colação o n.º 3 do artigo 7.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido, nos termos do qual:
“3 – Na determinação do lucro de um estabelecimento estável, é permitido deduzir as despesas devidamente comprovadas que tiverem sido feitas para realização dos fins prosseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo as despesas de direção e as despesas gerais de administração igualmente comprovadas e efectuadas com o fim referido, quer no Estado em que esse estabelecimento estável estiver situado, quer fora dele, excluídas as despesas que não seriam dedutíveis se o estabelecimento estável fosse uma empresa separada”.
Cumpre, pois, apreciar.
Em primeiro lugar, importa ter presente que os encargos em questão se encontram documentados, tendo o Requerente apresentado as faturas aos serviços de inspeção tributária e, além disso, o Requerente apresentou aos serviços de inspeção o Inter-Company Processing Service Agreement, contrato celebrado com a casa-mãe para formalizar a prestação de serviços a favor do estabelecimento estável em território português e que serve de suporte aos montantes faturados.
Contudo, entende a AT que “não basta a mera apresentação de contratos (ou acordos) que, atento o seu teor, não permitem de modo algum aferir do critério de repartição de custos comuns adaptado entre a casa-mãe e as suas sucursais, nem sequer a mera indicação de uma fórmula de repartição ou chave de alocação desses custos que, sem mais informação, não permite qualquer aferição da correcção dos montantes imputados, pois não foram demonstrados os cálculos e documentos de apoio aos lançamentos em causa de maneira a comprovar os custos”.
Com efeito, a apresentação de faturas e, bem assim, dos contratos que titulam os respetivos serviços prestados pela casa-mãe aos seus estabelecimentos estáveis não são, de facto, no caso, elementos suficientes para que a administração possa apurar a adequação, e especificação numérica, dos critérios utilizados para a imputação dos custos.
Resulta do RIT que a Requerida instou o Requerente “a demonstrar detalhadamente o apuramento do montante global dos encargos suportados pelo Grupo, bem como o apuramento do montante que coube imputar à sucursal e a cada uma das restantes entidades envolvidas”, não tendo sido prestados os esclarecimentos considerados necessários até à conclusão dos atos inspetivos.
Resulta do RIT que os serviços de inspeção tributária concluíram que os montantes relacionados com estes custos, que se encontram registados na contabilidade, são bastante diferentes (superiores) ao critério geral de imputação percentual já que, considerando apenas a conta NCA 71190 'Service Provision', o total dos encargos registados ascende a € 2.111.741,16, o que corresponde ao valor de 9 faturas emitidas em libras que totalizam £ 1.677.870,95. A que haverá que adicionar € 1.049.738,31, referentes ao uso de linhas informáticas.
Segundo o Requerente, foram apresentados, durante o procedimento de inspeção tributária, um Estudo elaborado pelo próprio D..., onde se definem os princípios de alocação dos custos em apreço, bem como o Relatório de Preços de Transferência para o exercício fiscal de 2007, onde se encontram justificadas não só as chaves de repartição que foram utilizadas pelo Requerente, mas também o valor efetivamente considerado para efeitos fiscais.
Porém, da leitura conjunta de ambos os documentos, não resulta claro se a imputação de custos com serviços informáticos teve exclusivamente por base um critério de imputação direta, assente no número de horas de utilização do sistema central do Banco. Os documentos que o Requerente apresenta não permitem avaliar os critérios concretos que, em cada caso, presidiram à imputação dos gastos, pois têm uma natureza geral, e não se adequam à apreciação detalhada da dita imputação, segundo fórmulas resultantes de critérios algébricos pré determinados, explicitados numericamente, e que sejam evidenciados na documentação de prova.
Com efeito, no Relatório de Preços de Transferência para o exercício fiscal de 2008, refere-se que “o U... (SP) é remunerado pelos custos incorridos, os quais são repartidos entre as diversas entidades beneficiárias de acordo com o número de horas de utilização (níveis de serviço) do sistema central, sem adição de mark-up”, ao passo que no documento interno, onde o D... definiu os princípios e critérios de alocação dos custos em apreço, é possível extrair uma multiplicidade de critérios de imputação de gastos, cujo impacto quantitativo específico não é claro.
Face aos elementos apresentados pelo Requerente no decurso da ação inspetiva, não é possível definir com a devida certeza o(s) critério(s) utilizado(s) no exercício de imputação dos gastos gerais suportados pela casa-mãe aos seus estabelecimentos estáveis, e, por consequência, não é igualmente possível efetuar um juízo de adequação em relação aos mesmos.
É certo que sobre a Requerida impendia um dever de “realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”, conforme decorre do Princípio do Inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT. Todavia, importa conjugar este princípio com o disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, segundo o qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Conforme se esclarece no acórdão deste tribunal arbitral, proferido no âmbito do processo n.º 146/2019-T:
“Porém, pode suceder que, após a produção de prova, a administração tributária fique com dúvidas sobre a situação factual que interessa conhecer para tomar a sua decisão. Para possibilitar à administração tributária decidir nos casos em que, após a produção de prova possível, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto, estabeleceram-se as regras do ónus da prova.
(…)
as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.
O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus”.
Resulta dos autos que, perante a ausência de elementos suficientes para apreciar a concreta aplicação numérica dos critérios utilizados para a imputação dos gastos com serviços informáticos, foram solicitados esclarecimentos e informações adicionais ao Requerente, no decurso do procedimento inspetivo. Integrando o Requerente um Grupo que exerce a sua atividade em diversas jurisdições, só ele estaria em condições de providenciar a explicitação e detalhe dos montantes totais de gastos suportados pela casa-mãe em benefício das restantes entidades por si controladas. Na ausência de colaboração do Requerente, verifica-se que, face aos elementos disponíveis à Requerida, não seria possível determinar quais os critérios utilizados para a imputação dos serviços informáticos.
Assim, não tendo a Requerida meios à sua disposição para apurar a adequação dos critérios de imputação utilizados pelo Requerente, ou sequer para apresentar critérios alternativos e proceder à respetiva apreciação e quantificação dos gastos em análise, não seria exigível à AT corrigir parcialmente a rubrica destes gastos.
Verificando-se assim a dúvida insanável quanto aos critérios efetivamente utilizados, não existindo uma concreta concretização quantitativa desse(s) critério(s), e não tendo o Requerente apresentado elementos suficientes para que a administração fiscal pudesse apreciar e apurar o quantum destes gastos, conclui-se que o Requerente não logrou provar os factos constitutivos do direito que invoca, i.e., a dedução de gastos decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa.
Por fim, cumpre ainda assinalar que esta exigência de prova resulta ainda do disposto no n.º 3 do artigo 7.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido, oportunamente alegado pelo Requerente.
H- A imputação de custos gerais de administração - € 5.135.638,91
Sublinha a Requerente que, no que concerne ao custo refletido na conta #711901, no montante de € 5.135.638,91, o mesmo respeita ao encargo que lhe foi imputado em virtude de serviços administrativos gerais prestados, também neste caso, de forma transversal a todas as entidades do E.... Encontram-se abrangidos nesses serviços um conjunto vasto de áreas, tais como a área financeira, de riscos, recursos humanos e marketing.
À semelhança do que sucedia relativamente aos serviços informáticos, também relativamente aos serviços em análise o Requerente tinha, apenas, duas alternativas: ou contratava esses serviços de forma direta e exclusiva ou aproveitava os departamentos especializados do E..., procurando dessa forma reduzir os correspondentes custos. Quer por razões de ordem financeira, quer por razões de orem prática, a opção do Requerente foi a primeira.
Para formalizar a prestação destes serviços, foi celebrado o protocolo designado Global Retail and Commercial Banking Head Office – Provision of Services to GRCB Branches and Subsidiaries, e que junta como Doc. n.º 30. Documento esse em que, segundo a Requerente, são discriminados, de forma bastante exaustiva, os serviços que o D... asseguraria às demais entidades do E..., abrangidas pelo GRCB. No que respeita ao critério de imputação dos custos em apreço, o D... elaborou um estudo, que junta como Doc. n.º 31.
O estudo em apreço foi efetuado por imposição das autoridades fiscais do Reino Unido, precisamente para demonstrar o cumprimento do regime de preços de transferência nessa jurisdição,
No caso em apreço, a imputação foi repartida ao valor do custo dos serviços pelas diferentes entidades do E..., sem adição de mark-up, com base na conjugação de dois indicadores: os proveitos de cada sucursal/filial (líquidos do valor dos seguros) e o número de colaboradores de cada sucursal/filial, face ao total dos proveitos e colaboradores do E..., devidamente ponderados.
O valor dos encargos gerais administrativos foi, em parte, apurado de forma real e, noutra parte (a partir de meados do ano de 2008), de forma estimada. E isto porque, alega a Requerente, atenta a magnitude dos custos em questão, bem como a multiplicidade das entidades que integravam o E..., não era possível efetuar atempadamente todo o trabalho de revisão, minuciosa, da imputação do valor real. Desta forma, a parte estimada era posteriormente acertada, no ano seguinte, para mais ou para menos, quando fosse possível reunir a informação necessária à concreta imputação dos custos.
O Recorrente apresentou, aliás, os mapas justificativos do valor real dos custos suportados com estes serviços administrativos gerais. E, pode verificar-se, alega, pelo mapa de alocação, junto sob a designação de Doc. n.º 32, que o montante de encargos suportados pelo Grupo foi de £ 321,5M, e foi posteriormente ajustado para £ 437,1M, após o acerto dos valores estimados relativos a 2007.
Como consta do mapa anexo ao estudo elaborado pelo D..., a proporção dos custos gerais administrativos imputada ao Requerente foi de 1,4%. E o apuramento de tal percentagem resultou da aplicação das fórmulas contidas na p. 101 do estudo já junto como Doc. n.º 31.
Foi pois com base nestes valores, que a Requente refere, que calculou a percentagem de custos a imputar a cada uma das sucursais/filiais do E..., através de uma grelha de imputação, que pondera os proveitos e os colaboradores de todas as sucursais/filiais do banco que beneficiam desses serviços gerais administrativos, e que se apurou o montante de € 5.135.638,31.
A respeito deste valor, menciona o Requerente que a AT veio invocar no Relatório de Inspeção (cf. p. 25) que: “Para justificar o registo de € 5 135 638,91 na referida conta o Banco apresentou uma fatura emitida pelo D..., com o contravalor de £ 4 890 823,00, que inclui, para além da importância de £ 3 485 168,00 com o descritivo de “Head Office Recharges 2008”, o valor de £ 1 405 655,00 com o descritivo “2007 Recharge oustanding” que corresponde, segundo referiu o sujeito passivo na resposta ao nosso pedido de elementos, à diferença apurada no exercício de 2007 entre o valor debitado e o valor dos serviços prestados. (…) Acontece, porém, que os montantes constantes dos referidos mapas não correspondem aos mencionados pelo sujeito passivos e nenhum deles (quer os mencionados na resposta ao pedido de elementos, quer os contantes do mapa anexo) poderia, por sua vez, ser multiplicado pelo ponderador de 1,4% resultar no valor debitado pela casa-mãe à Sucursal (…), pelo que não fica comprovada a conexão entre o referido critério de alocação dos custos incorridos pela Sede e o valor que se encontra efetivamente registado na contabilidade da Sucursal, afetando o apuramento do resultado do Estabelecimento Estável para efeitos fiscais.”
Entendimento que mantém no Despacho de Indeferimento.
O Requerente afirma que o apuramento efetuado se encontra titulado pela documentação junta ao procedimento. E a sua razoabilidade, ou a bondade do critério utilizado, foi devidamente analisada e confirmada no relatório de preços de transferência do Requerente, apresentado aos serviços de inspeção tributária.
Aí se diz, para além do mais (cf. p. 18), que: “Tais serviços [gerais administrativos] são prestados pela divisão do U... denominada por Global Retail and Commercial Bank, sendo os respetivos custos dos serviços em questão debitados às diversas subsidiárias/sucursais do Grupo que deles beneficiam.”
E aí se encontra, segundo alega, também, a fórmula de cálculo inerente à imputação destes custos, idêntica à que havia também sido transmitida aos serviços de inspeção tributária (cf. p. 20 do Relatório de Inspeção Tributária).
E é por isso que, para a Requerente, se mostra inatingível como pode a AT manter o sentido da sua posição, quando já lhe apresentou: a. O acordo que levou à imputação dos custos em apreço; b. O estudo através do qual foram fixados os métodos de imputação; c. A fórmula de cálculo que foi utilizada; d. A fatura que titula o custo incorrido; e, como se tudo isto fosse insuficiente, e. O relatório de preços de transferência, efetuado por uma entidade terceira, que declara que foi cumprido o princípio da plena concorrência e que o custo em apreço se afigura razoável, até do ponto de vista do regime de preços de transferência.
A AT avança, refere o Requerente, a p. 25 do Despacho de Indeferimento, que não conseguiu reconciliar os valores avançados pelo Requerente, pelo que, atentas “as incoerências e contradições”, não aceitou a dedutibilidade da totalidade do gasto.
Segundo o Requerente, é aqui que reside a o âmago da ilegalidade da correção em apreço, nesta parte. O Requerente indicou, em resposta a um pedido de esclarecimentos formulado no âmbito do procedimento de inspeção tributária, que os encargos suportados pelo D... ascenderam a £ 321,5M, posteriormente ajustado para £ 437,1M, após acerto dos valores do ano de 2007 (tendo embora esclarecido o motivo pelo qual tais acertos existiam, dada a natureza provisória de mera estimativa do primeiro montante).
E resulta demonstrado que o valor efetivamente considerado para efeitos fiscais foi de € 5.135.638,91 [equivalente a £ 4.890.823,00], titulado por uma fatura, que a AT desconsiderou. Fê-lo, como se disse, porque entendeu que lhe não era possível reconciliar o exato valor apresentado pelo Requerente.
Com efeito, alega o Requerente, aplicada a proporção de 1,4% suportada no estudo efetuado pelo D..., seriam obtidos os seguintes valores (aproximados): a) £ 4.501.000 [321,5M * 1,4%]; e b) £ 6.119.400 [437,1M * 1,4%]. Ora, refere a Requerente, sendo o valor considerado de £ 4.890.823,00, o que se verifica é que o mesmo se encontra no intervalo entre o montante máximo e mínimo apresentado à AT.
O que a AT identifica é uma diferença que se cifra em apenas £ 389.823 [£ 4.890.823 - £ 4.501.000]. Não se dirá, alega o Requerente, que está em causa uma diferença irrelevante, como é evidente, e que decorre de sucessivos acertos e reajustes entre a casa-mãe e as várias destinatárias do complexo exercício de imputação a realizar (cabendo recordar que apenas 1,4% do mesmo cabia ao Requerente).
Mas não é uma diferença de 5 Milhões de Euros. Havendo dúvidas – fundadas, ou não – sobre a efetiva quantificação do custo, a AT deveria ter envidado maiores esforços para apurar o montante a considerar. Mas não poderia, simplesmente, desconsiderar a totalidade do custo.
Não poderia receber uma fatura, cuja veracidade não contesta, receber mapas de cálculo, consultar o estudo efetuado pelo D... por imposição das autoridades fiscais do Reino Unido que está na base da imputação efetuada, e declarar que o Requerente beneficiou dos serviços prestados pela casa-mãe, e acabar por fazer completa tábua-rasa da realidade subjacente, cuja existência nunca contesta nem coloca em causa, para concluir que o Requerente não pode deduzir um único cêntimo a título de gastos administrativos gerais.
Ao agir como efetivamente agiu, refere o Requerente, a AT violou não só o princípio do inquisitório, como impôs ao Requerente uma tributação manifestamente injusta, em violação do disposto nos artigos 55.º e 57.º da LGT.
Há, ainda, segundo o Requerente, algo digno de nota, na p. 26 do Despacho de Indeferimento, na parte em que a AT afirma que “a questão não reside na aplicabilidade da CDT, a questão reside, antes, mais uma vez, na demonstração, em ordem precisamente ao apuramento do lucro tributável obtido no território nacional, de que os custos aqui em crise, que em teve concorreriam negativamente para a formação de tal lucro, foram incorridos para benefício efetivo da Sucursal, conformando-se ao disposto no artigo 23.º do CIRC.”
De onde resulta, para o Requerente, se bem se entende a fundamentação da AT, que afinal o que está em causa não é a quantificação do custo, ou a documentação junta ao procedimento administrativo, mas, novamente, o pretenso argumento de falta de comprovação da verificação do requisito da indispensabilidade.
O aproveitamento que, em concreto, houve para o Requerente e para as demais filiais/sucursais que integravam o E... é, aliás, reconhecido no estudo elaborado pela casa-mãe. Estudo de onde resulta, precisamente, que “It was determined that there are a number of Head Office activities that provide significant benefits to the branch or subsidiary operations and therefore contributed materially to the generation of the taxable income of the respective H… branch or subsidiary.” (cf. p. 7 do Doc. n.º 31 já junto).
Sustenta a Requerida que o aqui Requerente é um estabelecimento estável de uma entidade não residente, sendo o lucro tributável determinado nos termos do disposto (na redação à data) no artigo 50.º do CIRC. Pelo que os custos a aceitar fiscalmente no âmbito do apuramento do lucro tributável do Requerente obedecem à disciplina legal consagrada nos artigo 50.° e no artigo 23.°, ambos do CIRC, devendo, no caso existam encargos gerais de administração a imputar ao estabelecimento estável no território nacional, estar definido o critério de repartição dos mesmos, que permitirá justificar o montante imputado ao estabelecimento estável e permitirá comprovar que tais encargos foram efetivamente incorridos para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto.
Segundo a AT, e como refere o RIT: «Todavia, para isso, é conditio sine qua non que, face à sua actividade e à bondade dos custos em causa para o desenvolvimento desta, o sujeito passivo apresente os elementos que, em primeira instância, permitam aferir da razoabilidade, e conformidade, dos critérios de repartição de custos comuns adoptados, e que, num segundo momento, permitam descortinar a observância do princípio da indispensabilidade dos custos, o que, como adiante demonstraremos, não sucede in casu. Nestes termos, apenas será de observar a aceitação de tais encargos caso o tratamento fiscal tenha sido efectuado em obediência ao estabelecido pelo art. 50.º do CIRC, conjugado com o art. 23.º do mesmo código. O que equivale a dizer que todos os custos comuns imputados que não estejam suportados em critério aceite pela Administração Tributária, e para os quais não tenha sido demonstrada a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, não são fiscalmente dedutíveis. Aliás, ab initio, a própria indispensabilidade decorre da conformidade do critério de imputação adoptado.»
A decisão de RH, refere a AT, após dar conta da fundamentação do RIT, refere as incongruências detetadas no âmbito da análise da RG: «115. Conforme apurado, «os critérios referidos na petição inicial e nos documentos dela constantes para a imputação de custos não coincidem totalmente com os que foram anteriormente avançados pela Contribuinte(...) no seu e-mail de 18 de novembro de 2010 [apresentado em sede de ação inspetiva, em resposta ao pedido de elementos/esclarecimentos]. Com efeito, na sequência da demonstração efetuada no "Relatório Final" de que a aplicação dos critérios de imputação, indicados no referido não permitiam apurar os custas registados contabilisticamente, veio o Contribuinte (...), em sede de reclamação graciosa, referir que para além dos critérios anteriormente indicados, havia utilizado outros critérios na imputação dos custos relativos aos serviços informáticos e serviços gerais administrativos. Por outro lado, apurou-se que, relativamente a determinada realidade, alguns dos documentos apresentados na reclamação divergiam dos que constavam como anexo do referido e-mail. Veja-se, a este propósito, a diferença entre as percentagens apresentadas na tabela constante do Anexo 4 do aludido e-mail para os critérios % Incomne, % Headcount e Equal weighing and Headcount, e as percentagens apuradas para os mesmos critérios, constantes da tabela junta na reclamação como documento [91]».
Verificou-se assim que a Contribuinte «apresenta em vários momentos distintos duas versões, com diferenças significativas entre si, para justificar uma determinada realidade [i.e. os critérios de imputação utilizados e os valores em crise], juntando, para comprovar cada uma delas, documentos que manifestamente se contradizem mutuamente (...)»
Não alegou, sustenta a AT, ainda «quaisquer factos, nem apresentou razões para, de alguma forma, tentar justificar as incoerências e contradições existentes entre o que anteriormente referiu no e-mail de 18 de novembro de 2010 e o que agora (...) alegar na sua petição [de Reclamação Graciosa]».
Concluindo a DSIRC: «Ora, sendo o expendido anteriormente, retira-se não ter sido posto em causa a eventual necessidade da Sucursal do U... em Portugal incorrer, na prossecução da atividade aqui desenvolvida, em custos da natureza dos contabilizados nas contas em análise, Está em causa sim, comprovar que critério de repartição desses custos (Gastos gerais de Administração) foi efetivamente utilizado, em ordem a aferir da bondade do mesmo, por referência ao estatuído no n.º 2 do artigo 50º do CIRC e posteriormente concluir da conformação dos gastos apurados com base no mesmo e contabilizados na esfera da Sucursal, ao disposto no artigo 23º do CIRC
E, segundo a AT, assim é porquanto os elementos apresentados pelo banco - nomeadamente acordos estabelecidos no selo do grupo, mapas elaborados pelo Banco - resultam as incongruências apontadas supra, quer entre os montantes que resultariam da aplicação dos critérios de repartição indicados pela Recorrente e os valores que constam contabilizados nas contas em análise, quer quanto ao que seriam os próprios critérios de repartição apresentados pelo Sujeito Passivo em momentos distintos.
De onde terá de concluir-se não estar comprovado que os montantes contabilizados como custos na esfera da Sucursal respeitam o definido no artigo 50° do CIRC, mormente no seu n.º 2, e consequentemente o definido no artigo 23º do CIRC, de modo a poderem ser aceites como custo fiscal na esfera da Sucursal U... Portugal.».
O Requerente admite, alega a AT, que existem incongruências nos valores, não obstante entende que deveria a AT «ter envidado maiores esforços para apurar o montante a considerar», invocando uma vez mais a violação do princípio do inquisitório.
Não vislumbra a Requerida que diligências poderia esta ter efetuado, numa situação em que lhe são apresentadas pelo Requerente diferentes justificações de uma mesma realidade, bem como documentos comprovativos contraditórios. Sendo que se trata de factualidade invocada pelo Requerente como fundamento do direito que se arroga de deduzir encargos contabilizados no apuramento do lucro tributável, pelo que é sobre si que recai o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT.
Reitera que o princípio do inquisitório não obriga a AT a substituir-se ao Requerente e a cumprir por ele o ónus da prova que sobre si impende. Pelo que as dúvidas sobre «se o preço justo seria £ £ 4.501.000 ou £ 4.890.823» tem de ser valoradas contra que tem o ónus da prova – o Requerente, a quem incumbe demostrar a verdade material da sua situação tributária.
É manifesta a improcedência da alegação de que a AT deveria pelo menos aceitar como custo fiscal o valor que resultaria da recomposição do preço dos serviços, pois, como refere a decisão do RH, «ficou por comprovar que critério foi efetivamente utilizado na imputação dos gastos à Sucursal pela casa-mãe.».
Quanto à questão do ónus da prova é de referir a Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0338/07, em 31-10-2007, onde se consigna: «tem sido entendimento pacífico da jurisprudência de que “à Administração Tributária cumpre apenas, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa e em termos correspondentes ao disposto no artº 342º do CC, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação. Ao contribuinte cabe provar a existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, isto é, a efectiva existência das alegadas transacções” (acórdão desta Secção do STA de 23/5/07, in rec. nº 128/07). Como se escreveu no Acórdão desta Secção do STA de 17/4/02, in rec. nº 26.635, “cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja,… da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido”, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua a sua actividade. O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, 2ª edição, p. 269: “há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos”.».
Vejamos.
Nos presentes autos, alega a Requerida que durante o período temporal em que decorreu a ação inspetiva e os procedimentos de reclamação e de recurso hierárquico subsequentes, o Requerente não proporcionou à AT os meios de averiguação e documentação que traduzissem, de forma inequívoca, que o valor faturado foi de 4.890.823,00 libras inglesas. Não obstante a diversa documentação apresentada, é esta falta de demonstração inequívoca de que os montantes contabilizados como custos na esfera do Requerente respeitam o critério de aplicação do artigo 50.º do CIRC, que a AT invoca para denegar a aceitação da totalidade dos gastos. Realce-se que a recusa da AT funda-se apenas na não coincidência numérica entre os documentos fornecidos e o valor faturado, em face da aplicação dos citérios aplicados, sustentando tal recusa nos artigos 50º e 23º do CIRC.
Quanto ao incumprimento do disposto no artigo 23.º do CIRC, cumpre salientar que a recusa da dedução da totalidade dos gastos incorre em errónea e incorreta aplicação daquele preceito. Com efeito, existem nos autos provas documentais suficientes para comprovar que tais gastos se relacionam com atividade do Requerente, pelo que se conclui que esses gastos passam o teste da indispensabilidade ao tempo consagrado no artigo 23.º do CIRC.
No que diz respeito à verificação dos requisitos do artigo 50.º, do CIRC importa ter em consideração que embora a AT não tenha tido à sua disposição meios de comprovação quantitativa exata do montante faturado, a verdade é que teve à sua disposição, na fase inspetiva e de recursos administrativos, os seguintes elementos:
- uma fatura de 4,890 milhões de libras, cuja veracidade a Requerida não contesta;
- os contratos onde constam os tipos de gastos alocados, a sua relação com atividade da sucursal portuguesa e as chaves de repartição requeridas pelo artigo 50.º do CIRC;
- mapas de cálculo de imputação dos gastos totais pelas funções e projetos da sucursal;
- o dossier de preços de transferência, onde se mostra que a alocação de gastos à sucursal, pela casa mãe, respeitou o princípio de plena concorrência;
- folhas de cálculo através da quais poderia, em colaboração com o sujeito passivo, ter apreendido a analisado as divergências entre os valores totais, percentagens de imputação e valor faturado, conforme o Requerente veio a demonstrar com a junção aos autos da retificação ao doc 32.
Ou seja, o problema não reside tanto na omissão ou insuficiência de documentação de prova dos gastos, mas sim, como ficou dito, na ausência de documentos que demonstrassem de forma inequívoca os montantes totais contabilizados como custos na esfera do Requerente.
Ora, se cabia ao contribuinte, em primeira linha, trazer ao processo factualidade quantitativamente exata, coincidente com a fatura, não é menos certo que a atuação da Requerida seria mais conforme aos seus deveres se, em vez de uma simples recusa total dos gastos, por incongruências numéricas, procurasse desenvolver esforços adicionas para dilucidar tais incongruências.
Neste contexto, a atuação da AT afastou-se do cabal cumprimento do princípio do inquisitório, ao não desenvolver esforços de indagação, em colaboração com o Requerente, sobre a possível reconciliação dos mapas Excel com o valor faturado. E tais mapas continham as fórmulas resultantes dos critérios e os valores de cada tipo de custo/projeto, podendo os valores serem aprofundados.
Nem se argumente que tais indagações suplementares significariam estar a Requerida a substituir-se ao Requerente no cumprimento do ónus da prova. A este propósito, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 59/2019-T, pode ler-se, a propósito do ónus da prova, o seguinte:
(…).
Assim, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é imposto que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, realizar «todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.
Mas mesmo que assim se não entenda, a verdade é que a atuação da Requerida, ao proceder à desconsideração total dos gastos, não encontra, por outras razões, respaldo legal.
Se não vejamos.
Recorde-se que a AT não põe em causa a fatura, o critério de repartição de custos, nem que o Requerente incorreu em custos. O problema, como se referiu, está na falta de prova quanto ao montante total de custos contabilizados na esfera do Requerente e por si alegados.
Ora, em primeiro lugar, se a Requerida não dispunha de elementos para quantificar os custos incorridos, poderia recorrer aos critérios indicados no artigo 50.ºdo CIRC, preceito que tem o seguinte conteúdo, à data dos factos.
Entidades não residentes
Artigo50.º
Lucro tributável de estabelecimento estável
1 - O lucro tributável imputável a estabelecimento estável de sociedades e outras entidades não residentes é determinado aplicando, com as necessárias adaptações, o disposto na secção II.
2 - Podem ser deduzidos como custos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que, de acordo com critérios de repartição aceites e dentro de limites tidos como razoáveis pela Direcção-Geral dos Impostos, sejam imputáveis ao estabelecimento estável, devendo esses critérios ser justificados na declaração de rendimentos e uniformemente seguidos nos vários exercícios.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos em que não seja possível efectuar uma imputação com base na utilização pelo estabelecimento estável dos bens e serviços a que respeitam os encargos gerais, são admissíveis como critérios de repartição nomeadamente os seguintes:
a) Volume de negócios;
b) Custos directos;
c) Imobilizado corpóreo.
Por conseguinte, o preceito fornece, entre outros, possíveis critérios de quantificação direta aos quais a Requerida podia ter recorrido.
Em segundo lugar, se no entender da Requerida (tendo-se aceite que existiram gastos e que foram faturados), não dispunha de elementos para quantificar os custos totais incorridos, aquela devia, em última instância, socorrer-se, nos termos do art. 87º, nº 1, b) da LGT, ao apuramento dos gastos por via de métodos indiretos.
O que lhe estava vedado era proceder como procedeu - desconsiderar todo e qualquer custo pura e simplesmente. Ao fazê-lo incorre em erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, por errónea apreciação da factualidade subjacente e do disposto no artigo 87.º, n.º1, alínea b), e 90.º da LGT.
Finalmente, se os custos foram realmente incorridos pela sucursal, estão regularmente e globalmente faturados, e relacionam-se com a respetiva atividade, a indedutibilidade total, em razão de incongruências numéricas, que seriam resolúveis pelas duas maneiras acima mencionadas, configura, além do mais, uma solução excessiva, considerando a matéria de facto dada como provada .
Neste contexto, para além do erro de facto e de direito apontando, a recusa da totalidade dos gastos, constitui para o tribunal uma solução que contende com a boa aplicação do princípio do inquisitório, da proporcionalidade e da capacidade contributiva.
Termos em que, por tudo o quanto vai exposto, se conclui pela anulação da liquidação impugnada, com as legais consequências.
I-Preços de transferência- Correção efetuada no montante de € 3.278.349,08
1.Posição da Requerente
Afirma a Requerente que a sucursal portuguesa não necessitava, em 2008, de qualquer capital social. O seu capital é o capital social da casa-mãe ou Grupo, que constitui a garantia dos seus credores e depositantes. E, por isso, não aceita a requalificação pretendida pela AT da natureza dos fundos concedidos pela casa-mãe para a atividade da sucursal,
Não poderia, alega a Requerente, existir uma correção com o fundamento de violação do regime de preços de transferência, consubstanciada na “imputação fiscal” de um capital mínimo, quando o Requerente, sem estar obrigado, mas por sua livre vontade, possuía, à época, um capital afeto (superior a 80 milhões de euros), mais do que conforme com a estrutura da sucursal e em conformidade com as exigências de capital então impostas pela lei bancária às sucursais de bancos não sedeados na União Europeia.
No dizer da Requerente, a própria fundamentação do RIT tenta contornar esta realidade, trazendo à liça excertos (truncados e mal interpretados, segundo alega) do relatório da OCDE de 1984 “OCDE – Preços de Transferência e Empresas Multinacionais – três estudos fiscais”, para assim procurar justificar a sua conclusão no sentido de que a matéria em causa (capital mínimo das sucursais financeiras) estaria já regulada pela “legislação” internacional e nacional. A utilização da ratio de fundos próprios do grupo não teria fundamento válido.
A AT não citou outra parte do mesmo parágrafo 83 - no qual a Requerida baseia o uso dessa ratio de capital como padrão comparativo de plena concorrência - na qual se afirma que, segundo a Requerente: “Alguns países consideram porventura cómoda a utilização de uma percentagem fixa do capital do banco a nível mundial; no entanto, este procedimento, em certa medida arbitrário, é suscetível de falsear os resultados, podendo exigir disposições complementares que permitam à sucursal efetuar a substituição desse montante por outro quando possa justificar tal medida."
A AT efetuou o seguinte raciocínio quantitativo que não se pode aceitar: assume que a Requerente deveria ter a mesma proporção de capital (fundos próprios) sobre o total do seu ativo que a casa-mãe (1,7%). E uma vez que tal proporção era inferior (0,84%) efetuou a correção correspondente, requalificando a diferença entre os dois rácios como capital e desconsiderou fiscalmente os juros atinentes a tais verbas.
Ao invés de comparar o comparável, decidiu a AT fazer precisamente o oposto e tratar como igual o que é diferente, sem cuidar de saber se faria sentido impor à sucursal, com uma dimensão limitada, atuando no mercado português e num conjunto restrito de setores (e, em particular, com forte preponderância de crédito-habitação e por isso garantias mais robustas) a mesma estrutura de capital de um dos ..., atuando no mercado do Reino Unido e numa gama ... de áreas de negócio financeiro.
Pretendendo a AT levar a cabo um ajustamento com base nas regras de preços de transferência, torna-se, segundo a Requerente, necessária a demonstração inequívoca de que os elementos de comparabilidade foram todos tidos em conta e de que forma afetaram aos ajustamentos calculados.
O “mais elevado grau de comparabilidade” pressuporia como mínimo indispensável que: quer a operação vinculada, quer o seu referencial comercial de mercado, tenham características físicas e funcionais bastante próximas; sejam resultantes de atividades desempenhadas por unidades económicas (a que celebra os negócios vinculados e a que é tomada como referencial de mercado) que desempenhem funções aproximadamente idênticas. E, por isso, a repartição de valor nos negócios vinculados deverá seguir o padrão tomado como referencial.
É aqui, no dizer da Requerente, que cai pela base a aplicabilidade do método do preço comparável de mercado ao exercício que a AT pretende envidar. E isto porque, para que seja possível recorrer ao método do preço comparável de mercado, é necessário que se comparem preços. E esta premissa cairia pela base quando se analisa aquilo que, efetivamente, foi comparado pela AT.
O juro, enquanto preço pago pela disponibilização de capital alheio, e o capital propriamente dito, no sentido de capital mínimo afeto a uma sucursal, são realidades distintas que não apresentam qualquer ponto de contacto. De onde resultaria que é inaplicável no caso concreto o preço do método comparável de mercado. Porque não está em causa a comparação de preços, por um lado, e porque não estão sequer em causa “transações da mesma natureza”, para efeitos do disposto no artigo 6.º da Portaria. Se a intenção da AT era a de aplicar o regime dos preços de transferência às “operações de financiamento em análise” deveria ter comparado juros, com outros juros.
Ou seja, continua a Requerente, sob o pretexto de aplicação do regime de preços de transferência, a AT começou por comparar indicadores entre duas “entidades relacionadas” – a sucursal e a sua casa-mãe. E, em seguida, aplicou ao valor que concluiu corresponder a uma “insuficiência de capital” da sucursal a taxa de juro média praticada precisamente entre as mesmas entidades relacionadas, ou seja, a sucursal e a sua casa-mãe. Daqui resultaria uma outra contradição insanável na fundamentação da Liquidação Adicional, que assenta na identificação de uma ratio de mercado através de uma operação vinculada.
A Requerente faz referência a jurisprudência arbitral, designadamente ao processo n.º 254/2013-T, onde se terá concluído que se aplicar o método do preço comparável de mercado, no âmbito do regime de preços de transferência, é necessário que se prove “que o preço utilizado como comparável corresponda ao que normalmente seria contratado, aceite e praticado entre entidades independentes numa operação comparável”.
Pelo que, sustenta a Requerente, utilizar como bitola de referência para a aferição dos “termos ou condições” que seriam aplicados num cenário de plena concorrência, não operações entre entidades independentes, mas operações entre as próprias entidades vinculadas, constitui uma violação do regime de preços de transferência, previsto no artigo 58.º do Código do IRC, na redação em vigor na data a que se reportam os factos.
É exatamente por situações como a vertente que a identificação da verdadeira natureza económica das operações, por apelo à respetiva substância, seria determinante para definir a parametrização da comparabilidade, que funciona, sucessivamente, como (i) pressuposto de aplicação do regime e (ii) referência para o cômputo do eventual desvio aos termos e condições adotados entre partes independentes em circunstâncias equiparáveis.
Ora, as operações de tomada de fundos que foram descritas, e que concorreram para o apuramento da taxa média de 3,869%, são operações de muito curto prazo, de duração variável entre 1 a 6 dias. Sublinha a Requerente que não se poderão considerar “comparáveis”, para efeitos de aplicação do regime de preços de transferência invocado como fundamento da correção contestada, as tomadas de fundos de muito curto prazo, cujo juro se encontra naturalmente condicionado por tal duração e características intrínsecas, e aquilo que pretende requalificar como “free capital”, e que resultaria, forçosamente, numa imputação de longo prazo. Um prazo de 1 a 6 dias é apenas aplicável em financiamentos de operações comerciais, e nunca a imobilizações ou financiamentos de longo prazo.
Nem terá a Requerida provado que fatores obrigariam a que estruturas de capital em Portugal e no Reino Unido fossem idênticas, porque importariam riscos idênticos – pois só nesse caso, se exigiriam idênticas estruturas de capital. Haveria também que considerar um conjunto de outros indicadores objetivos para o cálculo de um mínimo de capital adequado às funções exercidas pela Requerente, ou por qualquer outro sujeito passivo em idênticas circunstâncias, a saber: i) as funções exercidas pelo D... e pela sucursal; ii) as características dos fundos obtidos junto pelo Requerente; iii) os ativos utilizados pela sucursal em termos quantitativos e as suas principais características; iv) as funções do capital para a casa-mãe e as funções do capital para a sucursal; v) o estudo dos riscos assumidos pela sucursal e em que medida já estariam cobertos pela casa-mãe; e vi) ponderação dos vários ratios possíveis de aferição do “free capital”, entre tantos outros que se poderiam elencar.
Em suma, sustenta a Requerente que a correção padece de vários vícios, pugnando pela respetiva anulação.
2.Posição da Requerida
Além da fundamentação que consta no RIT e que já acima se reproduziu em boa parte, sustenta ainda a Requerida, na sua Resposta e no Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, que as regras sobre preços de transferência são uma temática fiscal com consagração legal inserida no quadro normativo do IRC, aplicável por força do n.º 3 do artigo 15.º do respetivo Código, na determinação da matéria coletável das pessoas coletivas e outras entidades tributadas com base no lucro ou no rendimento global, tais como o estabelecimento estável de uma entidade não residente.
A sua justificação decorre da necessidade de assegurar a igualdade de tratamento dos sujeitos passivos de IRC, quer estejam integrados em estruturas de grupo (entidades relacionadas), quer sejam entidades independentes, no respeitante à avaliação da respetiva capacidade contributiva traduzida no apuramento matéria coletável.
Dado que os termos e condições praticados nas operações entre entidades relacionadas, quando influenciados por uma lógica que vise os interesses globais de um grupo, são suscetíveis de afetar “(…) a distribuição dos lucros – ou prejuízos – entre as várias sociedades ou estabelecimentos estáveis que compõem o grupo” , e com isso distorcer a situação tributária de cada uma das entidades que o integram, impõe-se verificar se as condições definidas nessas operações vinculadas respeitam o Princípio de Plena Concorrência.
Nesse sentido, para a Requerida, as regras fiscais sobre preços de transferência sobrepõem-se à própria contabilidade, na medida em que procuram corrigir os eventuais desvios verificados na definição dos termos e condições das operações realizadas entre entidades relacionadas, em resultado de não ter sido observado o Princípio de Plena Concorrência consagrado no, à data dos factos, artigo 58.º, n.º 1 do CIRC. Sendo que, in casu, o Princípio de Plena Concorrência é justificação bastante para a «atribuição de um montante de "free capital" aos estabelecimentos estáveis».
A adoção deste princípio, tanto no plano do direito interno como do direito internacional, dada a sua consagração no n.º 1 do art.º 9.º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, possibilita, no entender da Requerida, às administrações fiscais a realização de ajustamentos ao lucro tributável, quando nas operações comerciais ou financeiras entre duas empresas relacionadas entre si, forem aceites ou impostas condições diferentes das que seriam estabelecidas entre empresas independentes. Assim, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não o foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e tributados em conformidade.
A correção controvertida reporta-se à aplicação da disciplina dos preços de transferência ao montante dos juros pagos pelo Requerente à casa mãe, decorrente do entendimento dos SIT de que a inexistência de "um free capital" na Sucursal não corresponde a uma estrutura de capitais conforme o Princípio de Plena Concorrência.
O núcleo de aplicação das regras sobre preços de transferência é constituído por um exercício de análise de comparabilidade entre a operação vinculada e as operações não vinculadas que reúnam as condições para serem consideradas comparáveis e a seleção do método tido como mais apropriado (cfr. n.º 2 do art.º 58.º do Código do IRC, na redação à data vigente e n.ºs 1 a 3 do art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001).
A escolha do método de determinação do preço de transferência conforme com o Princípio de Plena Concorrência, à luz do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 58.º do Código do IRC e dos n.ºs 1 e 2 do art.º 4.º e do n.º 2 do art. 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, recaiu no chamado Método do Preço Comparável de Mercado, tendo em conta a natureza e características da operação vinculada em análise.
A Requerida considerou que, neste caso concreto, a questão da comparabilidade assume contornos que evidenciam algumas especificidades, dado que a aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado concretizou-se na comparação da estrutura de capitais do D... (Sede) com a apresentada pela Sucursal. Com base nesta comparação, determinou- se a insuficiência de fundos próprios da Sucursal e, consequentemente, o montante de fundos que foi indevidamente considerado pelo sujeito passivo como endividamento e que, em substância, configura fundos próprios da Sucursal.
Com vista ao apuramento do montante dos juros excessivos resultante da insuficiência de fundos próprios, procederam os SIT ao apuramento da taxa (média) de juro associada às operações de tomadas de fundos junto da Sede. O procedimento adaptado encontra-se, segundo a AT, em linha com os métodos descritos no parágrafo 200 da Parte I do já mencionado Report On The Attribution Of Profits To Permanent Establishments, de 2007, e consiste na utilização da média ponderada das taxas de juro efectivamente suportadas nos financiamentos atribuídos ao estabelecimento estável no decorrer de 2008, a qual correspondeu a 3,869 %.
Para efeitos de determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes, foram consideradas pelos SIT as condições praticadas nos financiamentos efetuados pela sede à sucursal, tendo apurado juros a desconsiderar.
Acrescenta ainda a Requerida que as decisões dos procedimentos administrativos apreciam de forma exaustiva a argumentação invocada pelo Requente e demonstram de forma clara a sua improcedência, pelo que sintetiza as conclusões a que chegaram os serviços:
• O Requerente não foi obrigado a constituir qualquer capital mínimo para o exercício da sua atividade em Portugal;
• A correção promovida, na forma da afetação de parte dos juros pagos e associados a financiamentos da "Casa-mãe" a um capital "livre", decorreu da aplicação do Princípio de Plena Concorrência e as suas implicações são meramente fiscais;
• A natureza das Guidelines da OCDE, como "soft law" ou direito flexível, e não como norma tributária stricto sensu afasta-as das regras da aplicação de lei fiscal no tempo, previstas nos números 1 e 2 do artigo 12.º da LGT, pelo que não se coloca in casu nenhum problema de irretroatividade de norma fiscal;
• O procedimento seguido pelos SIT encontra-se legitimado plenamente pela lei interna, pela Convenção Modelo da OCDE e dos seus comentários, e pelas Guidelines da OCDE, cumprindo-se plenamente regras da hermenêutica jurídica constantes do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil, preceito que designa como elementos de interpretação da lei não só o elemento literal, mas também os elementos sistemático, histórico e o teleológico;
• Não existe qualquer violação do princípio da liberdade de estabelecimento e discriminação negativa das organizações europeias face às de países terceiros, não se verificando nenhuma vantagem (fiscal) destas últimas sobre as primeiras, pois, por um lado não foi, de todo, exigida a constituição de capital mínimo ao Requerente;
• Por outro lado, o Princípio da Plena Concorrência visa assegurar a igualdade de tratamento dos sujeitos passivos de IRC, quer estejam integradas em estruturas de grupo (entidades relacionadas) e independentemente da sede se situar em território terceiro ou europeu, quer sejam entidades independentes, no respeitante à avaliação da respetiva capacidade contributiva traduzida no apuramento matéria coletável.
A Requerida pugna, pois, em conclusão, no sentido de a correção controvertida dever manter-se na ordem jurídica.
3.Fundamentação e decisão
3.1. O quadro legal aplicável
Seguindo-se de perto o que se decidiu no Processo 534-T-2020, onde Requerente e Requerida são as partes que litigam sobre o mesmo tema, com os mesmos contornos jurídico-económicos, relativo ao ano de 2007, deve mencionar-se que, à data dos factos e para o que aqui releva, os elementos essenciais do quadro legal aplicável eram o (então) artigo 58º do CIRC e os artigos 5º e 6º da Portaria 1446-C/2001, que de seguida se transcrevem (subl. do tribunal).
Artigo 58.º
Preços de transferência
1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
2 — O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.
3 — Os métodos utilizados devem ser:
a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;
b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.
O artigo 58º do CIRC estabelecia (como atualmente consta do art. 63º), na linha da Convenção Modelo da OCDE sobre Dupla Tributação e das respetivas Guidelines sobre Preços de Transferência, o designado princípio de plena concorrência, obrigando a que, para efeitos fiscais, as operações entre partes relacionadas sejam efetuadas nos termos e condições que seriam estabelecidos entre entidades independentes em operações comparáveis.
A aferição da comparabilidade deve ter em conta os fatores elencados, a título exemplificativo, no nº 2 do (então) art. 58º, a saber: “as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.”
Adicionalmente, a Portaria 1446-C/2001 densifica alguns dos conceitos que o artigo 58º do CIRC estabelecia. Para o caso concreto, importa reter os artigos 5º e 6º da dita Portaria, que dispõem:
“Artigo 5.º
Factores de comparabilidade
Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:
a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;
b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;
c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;
d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;
e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;
f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.
Artigo 6.º
Método do preço comparável de mercado
1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.
2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:
a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;
b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.
3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.”
3.2 Análise e decisão
3.2.1 Sobre ao relevo da análise de comparabilidade em preços de transferência
O princípio de plena concorrência estabelecido no (então) art. 58º do CIRC determina que na valorização das transações ou operações entre entidades relacionadas se pressupõe que os termos ou as condições estabelecidos deverão ser os mesmos, ou semelhantes, aos que seriam praticados em operações comparáveis entre entidades independentes. Nestes termos, a análise de operações comparáveis entre entidades independentes assume papel central, pois visa assegurar que os operadores económicos são tratados de igual modo no que concerne à determinação da base tributável, independentemente do facto de fazerem parte de um grupo ou de constituírem entidades independentes.
Entre nós, o princípio da independência e o seu corolário relativo à análise de comparabilidade encontra assento artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE (CMOCDE), nas Guidelines da OCDE , no CIRC e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.
A análise de comparabilidade visa avaliar possíveis diferenças nos preços e condições das transações entre entidades relacionadas perante transações semelhantes quando realizadas entre entidades independentes e proceder, caso se verifiquem tais diferenças, a alterações ao lucro tributável das entidades vinculadas.
Tal implica ajuizar, primeiramente, sobre os elementos caraterizadores das transações realmente praticadas e, seguidamente, sobre as transações que se julga deverem ser usadas como referência. Por conseguinte, um ponto nevrálgico da aplicação prática do princípio de plena concorrência reside na análise de comparabilidade, a qual torna exequível a determinação dos termos e condições de plena concorrência. Isto é, aqueles que se praticariam caso as transações vinculadas ocorressem entre entidades independentes, desprovidas de qualquer relação privilegiada que pudesse influenciar as ditas condições acordadas.
O ponto de partida de uma análise de comparabilidade inicia-se com a identificação das relações comerciais e financeiras entre as empresas vinculadas e das condições e circunstâncias economicamente relevantes subjacentes a essas relações, a fim de delimitar com precisão a natureza da transação entre as partes. Nesta fase são analisados os traços essenciais da operação cujos termos e condições que importa valorar, nomeadamente, no que respeita ao seu fundamento económico, às contrapartidas para as entidades envolvidas e ao impacto da operação no contexto do negócio. Esta etapa tem como objetivo reunir toda a informação relevante referente, em ordem a perceber quais os elementos de comparabilidade que devem ser tidos em conta na pesquisa das potenciais transações comparáveis, e detetar, a partir das informações recolhidas, o método (ou métodos) suscetível de aplicar no cômputo do preço de transferência.
Num segundo momento, e tomando como referência as circunstâncias economicamente relevantes apuradas na fase anterior, são identificadas transações independentes, potencialmente comparáveis, e sujeitas a uma análise semelhante.
Um dos principais objetivos da análise de comparabilidade é o de encontrar os comparáveis mais fiáveis. Assim, sempre que existir evidência de que algumas transações não vinculadas apresentam um menor grau de comparabilidade do que outras, estas devem ser excluídas da análise. A identificação de operações comparáveis é efetuada mediante o recurso a informação interna ou, por eventual ausência desta, a informação externa.
Tudo o que se acabou de dizer está vertido quer no art. 58º do CIRC, em vigor à data dos factos, quer na Portaria 1446-C/2021, em especial no seu artigo 5º, que elenca com pormenor o leque de fatores de comparabilidade a ter em conta nos casos que envolvem preços de transferência.
3.2.2 A aplicação da análise de comparabilidade, da escolha do preço comparável de mercado, e da ratio de capital, no caso concreto da correção efetuada ao lucro tributável da Requerente
Em face do enquadramento antes apresentado, e dos factos concretos que se verificam no caso em apreço, entende o tribunal que a correção efetuada pela Requerida, no que aos preços de transferência diz respeito, enferma de vários vícios. Destes, podem apontar-se os seguintes no plano das lacunas que se observam no RIT quanto à análise de comparabilidade.
A) A relação entre o capital do grupo e da sucursal em função dos ativos funções e riscos que ambas as entidades evidenciam
Como já se referiu, dispõe o art. 5º da Portaria antes mencionada que “(..) o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:
(…)
b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos”
A equiparação de ratios de capital efetuada no RIT deveria ser precedida da análise comparativa dos ativos, das funções e dos riscos quer da Sucursal portuguesa, quer do E....
Refira-se que o ativo total do E... ascendia, em 2008, a 1.987 mil milhões de libras inglesas. Ora, em face da evidente disparidade do montante do ativo da sucursal (9,7 mil milhões de euros) julga-se que a proporção de capital próprio afeto a tais composições do ativo muito dificilmente, entre entidades independentes, seria idêntica.
As atividades a que se dedica a Sucursal (banca comercial, da banca de investimento e de leasing) são menos amplas do que as que fazem parte do portfolio de atividades do grupo (que inclui, por exemplo, wealth management, a gestão de uma gama de produtos financeiros mais vasta e opera num mercado geograficamente mais alargado). Esta é uma primeira razão para que suportem diversos riscos distintos (risco de crédito, de mercado, de taxa de juro, de câmbio, risco-país, etc.). Daí que a estrutura de capital que financia o Grupo e a Sucursal não só não tem de convergir, como é aceitável que possa divergir. Nada disto é objeto de análise pela Requerida e deveria sê-lo.
Além disso, e a título complementar, refira-se que, no setor bancário, comparar as grandezas simples de capital e ativo total faz pouco sentido. As medidas técnicas de estrutura de financiamento deste setor incorporam, há muito, não uma simples ratio capital /ativo, mas sim outras mais adequadas como, por exemplo, Core Tier, que avalia a relação entre o capital e os designados Risk Weighted Assets (RWA). Ou seja, ativos ponderados pelo risco.
E é assim porque um título de dívida pública com notação de rating A, para referir este ativo, não tem o mesmo risco que um instrumento derivado com traços especulativos. Ou seja, a comparabilidade de ratios bancárias implica, como atrás já se referiu, uma especial avaliação da estrutura de risco incorporada nos ativos das distintas entidades.
Adicionalmente, e como resulta da Portaria 1446-C/2001, no caso vertente seria desejável que se analisassem "As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão...". O RIT é também omisso relativamente a este ponto.
O que a Requerida designa por “estrutura de financiamento de plena concorrência" foi apurada a partir de uma relação entre capital próprio e ativo, impondo a sua igualdade no Grupo e na sucursal. Ora, além de se fundar numa base para a qual que se não vislumbra suporte legal, nem apoio técnico nas regras aplicáveis ao setor bancário, nem - como adiante se mostrará - um inequívoco um suporte doutrinal da OCDE, olvida ainda que a diversidade da estrutura dos ativos, funções e risco não imporia, bem ao invés, uma inevitável igualdade entre estas duas ratio de financiamento - a do grupo e a da sucursal.
Na verdade, a investigação em finanças empresariais tem mostrado que uma da variáveis determinantes da estrutura de financiamento de uma entidade empresarial (designadamente a relação entre capital próprio e dívida), é explicada pela estrutura do ativo. Estruturas de ativos com maior risco são, em geral, mais cobertas por capital próprio, enquanto que ativos com menor risco, com maior nível de garantia e de colaterais, implicam menos capital próprio.
Com estruturas de ativos de balanço díspares, quer qualitativa, quer quantitativamente, não é congruente exigir que, num plano de plena concorrência, e na aplicação ao caso da análise de comparabilidade, se chegue ao resultado que a Requerida apurou como necessidades de capital próprio.
B) Da aplicação do preço comparável de mercado
A análise efetuada no RIT enferma, no entender do tribunal, de um outro vício. Vejamos. Uma coisa é entender-se, e bem, que a análise dos preços de transferência - no que a lei apelida de “termos e condições” – pode abranger preços, outros fenómenos económicos e financeiros, e ainda a comparação de custos, de margens, a repartição de lucros, a utilização de métodos assentes em fluxos de caixa descontados, e todos os outros elementos ou métodos que, em cada caso concreto, se revelem apropriados para determinar esses termos e condições.
Porém, a partir do momento em que se elege um método – neste caso o “preço comparável de mercado” – fixa-se um certo procedimento analítico. Ou seja, adota-se um certo modo de atuação técnico-fiscal. E, a partir daí, haverá que analisar preços comparáveis de mercado.
Como aliás se determina no art. 58º do CIRC (à data) e no art. 6º da Portaria 1446-C/2001, o preço comparável de mercado há de caraterizar-se por determinados elementos essenciais, e que são:
- A sua adopção requer o grau mais elevado de comparabilidade, com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.
- Este método pode ser utilizado, designadamente:
a) numa vertente de preço comparável interno, quando a entidade sob avaliação realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;
a) numa ótica de preço comparável externo, quando duas entidade externas (independentes) realizam uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.
Seja qual a modalidade escolhida, a) ou b) ela exigirá a comparação de preços. Ou aqueles que a entidade em análise utiliza em transações similares com entidades terceiras, dela independentes; ou buscando em transações comparáveis efetuadas por entidades independentes entre si.
Não é entendimento deste tribunal que o advérbio "designadamente", que consta do artigo 6º da Portaria, ao caracterizar a aplicação do Preço comparável de mercado, tenha efeitos legais tão amplos e flexíveis que permita que se designe assim um método que compare quantidades, e não preços. Porque foi isso que a Requerida fez.
E também não será porque a Requerida considerou que, "neste caso concreto, a questão da comparabilidade assume contornos que evidenciam algumas especificidades", que o procedimento usado no RIT configura um preço comparável de mercado. Até por que não se justifica de que forma esses "contornos" e essas "especificidades" implicam o uso de um método que a AT designou por "preço comparável de mercado" mas que não apresenta os traços distintivos de tal método.
Ao afirmar-se, como bem se afirma no RIT, que a aplicação do preço comparável de mercado implica a comparação de preços, e depois se concretiza tal princípio sustentando que a aplicação do método consistiu, in casu, na comparação da estrutura de capital da sucursal com a do Grupo, a Requerida efetua uma análise que enferma de severa inconsistência.
É que na comparação de duas estruturas de capital - medidas pela ratio entre capital próprio e o ativo - não se observa qualquer referência a um preço comparável de mercado. Nenhuma das componentes da percentagem dada por (Capital próprio/Ativo) representa uma remuneração ou contrapartida. Tal ratio não é um preço.
Nenhuma doutrina ou norma financeira classifica o quociente que se designa por “autonomia financeira” – relação entre capital próprio e ativo, usada no RIT – com um “preço”, e sim com um indicador de equilíbrio financeiro de longo prazo.
Não se usou, para mais, no método que a AT elegeu, uma vertente de preço comparável interno, pois não se refere qual a operação com entidades independentes, nem quanto a um hipotético preço comparável externo. Nem o procedimento usado para, supostamente, aplicar o método assenta numa qualquer lógica assimilável a um preço, que pudesse, ainda assim, ser reconduzida à materialização do método em relação ao caso concreto. Há, pois, uma lacuna essencial na escolha e fundamentação do método usado, o que inquina a análise e a correção efetuada pela Requerida quanto a este ponto.
Além do mais, a lei á clara ao dizer que tal método exige o maior grau de comparabilidade entre as entidades intervenientes. Mas terão de ser entidades intervenientes que permitam que uma delas sirva como referencial externo, independente, que opera at arm´s lenght. Ora nada disto se observa quando a comparação se faz entre uma sucursal e um grupo em que se integra. E este é o segundo vício que a utilização do preço comparável de mercado aqui introduz.
Dito de outro modo, o preço comparável de mercado que a Requerida afirma ter utilizado, nem é preço, nem é comparável, nem é de mercado.
Não é preço porque é apurado a partir de uma simples ratio entre duas quantidades de capital. Nenhuma delas respeita a remuneração de fundos; nem a percentagem traduz uma relação de troca. Ora, o preço de certa quantidade monetária pode ser, por exemplo, uma taxa de juro contratada relativamente a um empréstimo. Ou o prémio pago por uma opção de compra (call option). Mas não uma ratio de autonomia financeira.
Não é comparável, porque não é o que lei define como comparável interno nem externo, nem algo de supostamente equiparável.
Por sobre tudo isto, não é de mercado, pois usa-se uma comparação baseada numa relação vinculada (entre sucursal e casa mãe) para se apurar um comparável dito independente ou de mercado livre.
Em suma, o tribunal não convalida tal abordagem.
C) Sobre a razão de ser da ratio de estrutura de capital do Grupo como termo de comparação
A AT estriba a sua utilização da ratio entre capital próprio e ativo do Grupo como referencial para a estrutura de financiamento da sucursal no § 83 do Relatório da OCDE de 1984.
Como se viu antes, fá-lo do seguinte modo:
Sucede que o dito parágrafo inclui ainda a seguinte afirmação, como aliás também se refere no estudo de João Espanha ("A ofensiva do free capital"; in J. Taborda da Gama (coord.) "Cadernos de preços de transferência", Coimbra, Almedina, 2013, p.141 e seg.) :
"Alguns países consideram porventura cómoda a utilização de um percentagem fixa do capital do banco a nível mundial; no entanto, este procedimento, em certa medida arbitrário, é suscetível de falsear os resultados, podendo exigir disposições complementares que permitam à sucursal efetuar a substituição desse montante por um ouro quando possa justificar tal medida".
Ora, no entender do tribunal, nem seria preciso que a OCDE rodeasse destas cautelas a aplicação dessa hipotética recomendação. Bastaria a leitura das Diretrizes da mesma organização, e da lei nacional sobre os elementos a tomar em conta na análise de comparabilidade, para que tal posição seja evidente.
Num exemplo simples, suponha-se que a casa-mãe de um grupo bancário internacional se dedica a todo o tipo de operações (v.g., crédito comercial de curto prazo, derivados, repos, crédito pessoal, leasing financeiro e operacional, dívida pública, fusões). Admita-se que possui duas sucursais. E que uma da suas sucursais se especializa em crédito automóvel e uma outra em crédito à habitação. É por demais evidente que a estrutura de financiamento das três entidades não tem de ser igual, face á diversidade de ativos, funções e riscos.
Com efeito, a pura e simples equiparação da ratio de financiamento de longo prazo entre um grupo bancário e uma sucursal, sempre exigiria, previamente, que se analisassem elementos como: composição dos ativos de uma e outra entidade, funções desempenhadas e riscos assumidos por uma e outra; risco-país onde ambas atuam; rating do grupo e da sucursal enquanto entidade autónoma, e outros elementos comparáveis de instituições bancárias.
No caso vertente, já se viu que a estrutura do ativo, as funções e riscos assumidos, tudo isto constante do Dossier de preços de transferência junto aos autos, não são de molde a induzir como razoável a pura e simples equiparação das estruturas de financiamento em capital próprio de entidades tão díspares, no plano da comparabilidade que a lei determina.
Assim, não só a OCDE não apresenta, no seu estudo de 1984, o grau de taxatividade ou determinismo sobre o tema em causa, como a simples aplicação da matriz técnico-fiscal que se deve usar na análise de comparabilidade inviabilizaria a atuação da AT, quanto a uma aplicação automática da ratio do Grupo à sucursal.
O que se disse antes no ponto A) "A relação entre o capital do grupo e da sucursal em função dos ativos funções e riscos que ambas as entidades evidenciam" tem aqui pelo cabimento jurídico-analítico.
3.3 O tipo de fundos usados pela sucursal na sua relação com o Grupo: uma lacuna adicional de comparabilidade
A noção de equilíbrio financeiro, ou de estrutura de financiamento empresarial, assenta na comparação das fontes de financiamento de uma entidade (capitais próprios e dívida) com os ativos que tais fontes suportam ou financiam. Como refere João C. Neves , “o conceito de equilíbrio financeiro é usado para estudar a adequação do financiamento à estratégia de investimento e de gestão do ciclo de exploração da empresa. Assim, o equilíbrio financeiro consegue-se com uma correta harmonização entre os tempos de transformação dos ativos em dinheiro e o ritmo de transformação das dívidas em passivo circulante exigível”.
O equilíbrio financeiro pode estudar-se a partir de duas abordagens. Uma, de curto prazo, tem como indicadores fundamentais o chamado Fundo de Maneio e as ratios de liquidez. A outra - ótica de longo prazo - assenta na autonomia financeira (proporção de capital próprio que financia os ativos) e solvabilidade (capital próprio/passivo).
No caso em apreciação, ao comparar-se capital próprio com o ativo, estamos a quantificar uma relação de autonomia financeira, de equilíbrio de longo prazo. Dito de outro modo, sendo o capital próprio um meio de financiamento tipicamente estável, que permanece adstrito ao suporte financeiro dos ativos por prazo superior a um ano, estamos no domínio da análise do equilíbrio financeiro de longo prazo.
Tendo-se provado que os fundos tomados de empréstimo pela sucursal junto do Grupo envolviam prazos típicos entre 1 a 6 dias, resulta daqui uma contradição entre o objetivo da análise e o tipo de fundos cedidos pelo Grupo à sucursal. Tais fundos serviriam para o seu giro corrente de negócios, e não para um suposto capital imobilizado. Quer isto dizer que não é adequado "transformar" ou equiparar a um capital próprio fundos com este grau de volatilidade, tomados por dias, sem um carácter de permanência estrutural na sucursal.
Também aqui a comparabilidade das operações, nos termos e condições da cedência dos empréstimos, não foi devidamente avaliado.
Além de que é o próprio RIT que sustenta, na esteira de posições assumidas pela AT e pela OCDE, que se os fundos se destinarem a financiar a exploração normal e corrente, e não se destinarem a substituir entradas de capital estável, então haverá dedutibilidade dos juros. Ora, in casu, empréstimos por prazos de 1 a 6 dias não serão certamente equiparados à realização de capital de base ou fundos de capital próprio.
E não é por a taxa de cedência desses fundos ser uma taxa que o Grupo obteve no mercado que o problema da comparabilidade é ultrapassado quanto a este preciso ponto. É que a entidade financiada é a Sucursal. O preço comparável de mercado, para esta entidade sob inspeção, seria o que ela obteria (tendo em conta a sua estrutura de ativos, os seus riscos e funções, a situação prevalecente no país, e outros elementos de comparabilidade) junto de entidades financiadoras independentes, ou, então, a taxa a que um financiador independente negociaria com uma outra entidade independente de características económico- financeiras semelhantes ou comparáveis às da sucursal.
As condições praticadas numa operação efetuada no contexto da relação direta entre a sucursal e a casa mãe não poderá servir de comparável numa análise de preços de transferência. Como antes se mostrou, entende o tribunal que o arrimo do Relatório da OCDE, de 1984, é demasiado frágil, porque não é utilizável sem uma adequada análise de comparabilidade imposta pela lei, enferma de uma formulação muito pouco afirmativa ou determinante, e rodeia tal formulação de limitações e escolhos de aplicação, que se não pode fundar nele uma correção como aquela que a Requerida levou a cabo. As razões para tais cautelas e dúvidas aplicacionais (compreensíveis) das disposições do relatório da OCDE foram antes dilucidadas e são perfeitamente consistentes com os cuidados a ter na análise de comparabilidade.
Também nada disto surge no RIT, retirando sustentáculo à posição da Requerida.
Em conclusão, por tudo o que antes se explanou, julga-se procedente o pedido da Requerente, quanto a este ponto.
III-3- Dos juros indemnizatórios
Como ficou dito e resulta do probatório, o Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional, solicitando a restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). Como ficou dito na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º296/2019-T, “É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).”
No caso dos autos, tendo-se concluído, como decorre do que foi atrás dito, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação dos atos tributários em causa e à consequente devolução do montante pago pela Requerente, nos termos do disposto no artº 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, na proporção do respetivo vencimento e nos termos legais .
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal:
a) Julgar improcedente a exceção de incompetência do Tribunal em razão do valor, suscitada pela Requerida;
b) Julgar improcedente o pedido relativo ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativamente às correções que incidiram sobre os custos identificados nas Contas: # 6889, no valor de € 946.427,44, # 70883, no montante de € 8.663,61, # 70885, no montante de 131.806.97, # 7113198, no valor de € 381.720,29, # 7113199, no valor de € 2.244.148,55, # 711991, no valor de € 10.459.937,45, # 72889, no valor de € 818.474,02, com a consequente manutenção da liquidação adicional nesta parte, incluindo no que se refere às tributações autónomas aplicadas;
c) Julgar procedente o pedido no que se refere às correções relativas aos custos identificados na Conta #70885 respeitantes ao arrendamento do espaço ... para efeitos da realização da Convenção anual, no valor de € 125.911,74, com a consequente anulação da liquidação adicional nesta parte;
d) Julgar improcedente o pedido na parte respeitante à tributação autónoma que incidiu sobre a conta #6889 (€ 473.213,72), com a consequente manutenção da liquidação adicional nesta parte;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido na parte respeitante à tributação autónoma que incidiu sobre a contas #7113199 (€ 1.112.074,28) e #72889 (€ 409.237,01), mantendo-se na ordem jurídica, no entanto, a tributação autónoma no valor de € 80.202,50 (conta #7113199) e € 126.519,75 (conta #72882);
f) Julgar procedente o pedido na parte respeitante à tributação autónoma que incidiu sobre a contas #711812, no valor de 70.482,31 €, com a consequente anulação da liquidação adicional nesta parte;
g) Julgar improcedente o pedido na parte respeitante aos custos relativos a serviços informáticos no valor de € 3.161.479,47, com a consequente manutenção da liquidação adicional nesta parte;
h) Julgar procedente o pedido na parte respeitante à imputação de custos gerais de administração no valor de € 5.135.638,91, com a consequente anulação da liquidação adicional nesta parte;
i) Julgar procedente o pedido na parte respeitante a preços de transferência, no montante de € 3.278.349,08, com a consequente anulação da liquidação adicional nesta parte;
j) Condenar a Requerida na devolução o imposto indevidamente pago, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios, na proporção do respetivo vencimento da Requerente, contados desde a data do pagamento até à data da sua efetiva e total restituição.
V. VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 9.277.567,34.
Notifique-se.
Lisboa, 18 de janeiro de 2022
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs (árbitro presidente)
António Martins (árbitro vogal)
Diogo Feio (árbitro vogal)