SUMÁRIO:
1. Tendo a AT anulado o ato sem instituir uma qualquer nova regulação da situação jurídica, limitando-se a conformar-se com o reconhecimento da ilegalidade do ato anteriormente praticado, resulta do n.º 2 do artigo 64.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, que a anulação do ato impugnado pela própria Administração, na pendência do processo, satisfazendo a pretensão impugnatória do autor, conduz à impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância (artigo 277.º, alínea e), do CPC).
2. As consequências resultantes da anulação de um ato administrativo são fundamentalmente idênticas, independentemente da anulação resultar de um ato da própria Administração ou de decisão jurisdicional proferida em processo impugnatório.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:
1 RELATÓRIO
1. A... com o número de identificação fiscal (NIF) ..., nacional do Reino Unido, com residência atual na Rua ..., ..., ..., n.º ..., ...-..., ..., Faro, Portugal, portador do passaporte n.º ...GBR..., emitido em 6 de novembro de 2018, e válido até 6 de novembro de 2028, e B... com o número de identificação fiscal ..., nacional do Reino Unido, com residência atual na Rua..., ..., n.º..., ...-..., ..., Faro, Portugal, portadora do passaporte n.º GBR..., emitido a 20 de julho de 2020 e válido até 20 de julho de 2030, residentes, para efeitos fiscais, em Portugal (doravante Requerentes) vieram, nos termos do n.º1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à anulação do ato de liquidação de IRS com o n.º 2020..., relativa a 2016, no montante de 42.421,98, efetuada a 20.10.2020 e recebida a 20.10.2020, e consequente reembolso das quantias indevidamente pagas e condenação da Administração Tributária e Aduaneira (doravante AT) a juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 20.09.2021.
3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) nomeou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, em 28.10.2021.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 17.11.2021.
6.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, requereu, em 17.11.2021, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento no despacho de 11/11/2021 da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, que procedeu à revogação do ato de liquidação impugnado.
7. Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, concedendo um prazo de 10 dias para o Requerente se pronunciar através de despacho proferido em 18.11.2021.
8. Não tendo havido qualquer pronuncia do Requerente no prazo acima referido, foi decidido por este Tribunal Arbitral por despacho de 17.01.2022, dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, fixar o termo do prazo legal como data limite para a prolação da decisão arbitral e advertir a Requerente que até à data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
1.3. Saneamento
9. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
10. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), de acordo com os fundamentos infra.
11. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão da causa.
2 FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Factos dados como provados
12. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
a) O ato de liquidação de IRS com o n.º 2020 ..., relativo a 2016, no montante de 42.421,98, foi efetuado a 20.10.2020 e recebido a 20.10.2020;
b) O despacho de 11/11/2021 da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, procedeu à revogação anulatória do ato de liquidação impugnado.
2.2 Factos não provados
13. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.
2.3 Motivação
14. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
15. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
16 Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
2.4 Questão decidenda
17. No caso em apreço, o ato de liquidação impugnado foi revogado pelo despacho de 11/11/2021 da Senhora Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR. Refira-se, no entanto, que melhor de falará em anulação, ou revogação anulatória na terminologia antiga, sendo que era nesse sentido a proposta de ato elaborada e fundamentada pela inspetora tributária, onde se dizia:
“Neste caso os requerentes adquiriram o imóvel objeto do reinvestimento por escritura celebrada em março de 2016, pelo preço de €600.000,00, com recurso ao crédito no montante de €400.000,00, pelo que foi corretamente preenchida a declaração Modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2016 com um reinvestimento de €200.000,00, efetivamente considerado no montante a excluir de tributação, dado que o imóvel foi afeto à habitação própria e permanente no prazo previsto na lei (doze meses). Porém, os requerentes alegam que mencionaram nas declarações de rendimentos dos dois anos seguintes o reinvestimento na ampliação ou melhoramento do imóvel, montantes esses que não foram considerados na liquidação contestada. Ora, não tendo existido qualquer ato prévio de comprovação ou procedimento de divergência para efeitos de análise do preenchimento dos requisitos que pudesse conduzir a uma eventual desconsideração daqueles valores, deveriam os montantes declarados pelos contribuintes nas declarações de 2017 e 2018 ter sido considerados na liquidação, ao abrigo do princípio da verdade declarativa. Assim, deverá a liquidação ser anulada e considerados os valores constantes nas declarações de IRS dos dois anos seguintes para efeitos de apuramento das mais-valias provenientes da alienação do imóvel, nos termos supra expostos.”
18. Assim, a AT revogou o ato impugnado com fundamento em considerações de legalidade administrativa e não de mera discricionariedade, pelo que, embora adote o termo revogação, praticou, em rigor, um ato de anulação administrativa, dirigido ao ato tributário que foi impugnado.
19. Tendo a AT anulado o ato sem instituir uma qualquer nova regulação da situação jurídica, limitando-se a conformar-se com o reconhecimento da ilegalidade do ato anteriormente praticado, resulta do n.º 2 do artigo 64.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, que a anulação do ato impugnado pela própria Administração, na pendência do processo, satisfazendo a pretensão impugnatória do autor, conduz à impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância (artigo 277.º, alínea e), do CPC).
20. Assim é, não obstante a anulação administrativa de um ato administrativo na pendência do processo judicial de impugnação não conduzir, necessariamente, à extinção da instância quando tenham sido deduzidas, em cumulação com a pretensão impugnatória, outras pretensões, dirigidas a obter prestações repristinatórias, indemnizatórias ou outras, que a anulação do ato, só por si, não satisfaz, e não impedir que o processo prossiga para apreciação das pretensões que vinham cumuladas, como pedidos dependentes, como sucede, no caso, com os pedidos de restituição do indevidamente pargo acrescido de juros indemnizatórios.
21. É que essa possibilidade não se coloca no âmbito do processo arbitral onde, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pagamento de juros indemnizatórios é devido como efeito da decisão arbitral de procedência sobre o mérito da pretensão deduzida pelo sujeito passivo e tem em vista restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto de decisão arbitral não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT).
22. No caso, estando-se perante a anulação do ato tributário por iniciativa da AT, o pagamento de juros indemnizatórios é devido no âmbito do próprio procedimento tributário, em aplicação do disposto no artigo 43.º da LGT. Acresce que o artigo 172.º do CPA, sob a epígrafe “Consequências da anulação administrativa”, reproduz o disposto no artigo 173.º do CPTA, aplicável à execução de sentenças de anulação de atos administrativos, estipulando um conjunto de deveres de executar relativamente ao ato administrativamente anulado que correspondem aos que igualmente se impõem à Administração se houver lugar a anulação contenciosa no âmbito de um processo impugnatório, o que significa que as consequências resultantes da anulação de um ato administrativo são fundamentalmente idênticas, independentemente da anulação resultar de um ato da própria Administração ou de decisão jurisdicional proferida em processo impugnatório.
23. Sendo um dos deveres em que a Administração fica constituída, por efeito da anulação administrativa do ato, a reconstituição da situação que existiria se o mesmo não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, nada impede que nesse âmbito sejam devidos juros indemnizatórios por pagamento indevido de prestação tributária, em consonância com o também estabelecido no artigo 43.º da LGT, não estando excluída, em abstrato, que a Requerente possa deduzir um pedido indemnizatório em ação de responsabilidade civil autónoma.
24. Como quer que seja, o presente processo arbitral por efeito da anulação administrativa do ato impugnado não pode prosseguir por impossibilidade superveniente da lide.
3. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Determinar a extinção da instância com fundamento na revogação do ato impugnado.
4 VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 42.421,98, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.
5 CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 142.00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de janeiro de 2022
O Árbitro
Jónatas E. M. Machado