SUMÁRIO:
1. O direito à dedução do IVA encontra-se dependente do preenchimento de dois requisitos: por um lado, que o imposto tenha incidido sobre qualquer uma das operações descritas no artigo 20.º do CIVA - operações relativas a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo e que sejam pertinentes para o fim da actividade prosseguida - e, por outro, que a dedução pretendida não se mostre excluída por o imposto se encontrar contido em qualquer uma das despesas identificadas no artigo 21.º do mesmo Código.
2. Não é o simples facto de os serviços descritos nas facturas postas em causa no RIT se terem destinado ou terem sido utilizadas para a realização de operações tributáveis que justificariam a dedutibilidade do IVA nelas contido. Aliás, a lei não faz depender o direito de dedução do IVA liquidado nas despesas faturadas ao seu objecto social
3. Conforme jurisprudência do TJUE, as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens aplicam-se igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.
4. Somente as situações previstas no n.º 2 do artigo 21.º do CIVA permitem afastar, ainda que parcialmente, a exclusão do direito à dedução do imposto contido nas despesas elencadas no n.º 1 do mesmo artigo. Assim, para que seja possível deduzir o imposto previsto nas exclusões do nº 1 do artigo 21.º do CIVA, não basta que os bens ou serviços sejam efetivamente utilizados para a realização de operações tributáveis, sendo ainda necessário que tivesse sido cobrado de forma expressa o preço das refeições contidas no serviço de catering aos seus clientes e tivesse sido liquidado o correspondente IVA, caso em que se estaria perante o exercício de uma actividade acessória tributável em IVA.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, apresentou, em 17-12-2020, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a anulação do acto tributário de liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado emitido sob o n.º 2019 ..., referente ao quarto trimestre de 2018 e aos primeiros e segundo trimestres de 2019, bem como do despacho de indeferimento, datado de 20 de outubro de 2020, da Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de ..., que recaiu sobre a Reclamação Graciosa deduzida contra tal liquidação, com a consequente restituição do imposto pago com juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-12-2021.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 03-05-2021 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 21-05-2021.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa formulado.
Sustenta, com tal fundamento, em suma:
No âmbito dos contratos de produção celebrados com os seus clientes, a Requerente assume a obrigação (conforme é, aliás, prática de todo o setor de produção audiovisual) de assegurar as refeições da equipa técnica de suporte e artística no local das filmagens.
O custo do fornecimento de refeições à equipa consta, como item específico, dos orçamentos da produção, conforme a título de exemplo se ilustra com o orçamento do projeto da ... que contém, entre outras rubricas, a estimativa dos gastos a incorrer com o “catering” nas filmagens.
Os serviços de catering adquiridos pela Requerente são utilizados unicamente no âmbito das produções audiovisuais – filmagens – que executa para os seus clientes, não existindo catering adquirido para consumo fora do contexto da realização das filmagens nos moldes supra descritos. Deste modo, tais serviços [de catering] não se destinam a fins de representação junto de terceiros, pois não são beneficiários das refeições, quer clientes, quer fornecedores ou quaisquer estranhos aos projetos, mas apenas os colaboradores que intervêm na execução dos trabalhos.
Apenas uma das referidas correções constitui objeto desta ação arbitral, que se circunscreve ao IVA deduzido pela Requerente nos serviços de catering adquiridos no âmbito das produções audiovisuais realizadas, em concreto, para consumo das equipas nos locais das filmagens. A este respeito importa precisar que o total das correções do IVA deduzido relativo a serviços de catering adquiridos pela Requerente se cifrou em € 14.205,85.
Os serviços prestados pela “B..., LDA”, em dezembro de 2018, reportam-se ao evento (jantar) de Natal da Requerente, pelo que, ao contrário dos demais, não foram prestados no contexto direto da produção dos filmes, pelo que a não dedutibilidade do IVA correspondente é aceite pela Requerente, no correspondente valor de € 2.143,13.
Assim, do total das correções de IVA relativas a catering, de € 14.205,85, a Requerente apenas impugna o valor de € 12.062,72.
Os “serviços de catering” respeitam ao fornecimento de refeições coletivas em espaço indicado pelos adquirentes ou destinatários, por oposição ao fornecimento dessas refeições e bebidas nos espaços próprios dos prestadores das refeições (por exemplo, em restaurantes), em linha com o recorte do conceito operado pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011 (que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do IVA). No caso da Requerente, por se tratar de refeições consumidas nos “sets” das filmagens, as refeições não são servidas em restaurantes, sendo sempre por “catering”.
Algumas das faturas contêm diversos serviços que não são categorizáveis como “serviços de alimentação e bebidas – catering”, pelo que, nessa medida, a liquidação em apreço está viciada de erro nos pressupostos de facto.
Os serviços em apreço, que não são de “alimentação e bebidas – catering”, perfazem no seu conjunto o valor de IVA de € 1.608,56, incorrido pela Requerente no âmbito da sua atividade, pelo que, de acordo com o artigo 20.º, n.º 1 do referido Código este imposto deve poder ser deduzido pela Requerente.
Estão em causa serviços de catering consumidos exclusivamente no exercício da atividade de produção audiovisual e essenciais ao desenvolvimento da mesma.
O artigo 21.º do Código do IVA é uma norma excecional, com intuito marcadamente anti-abuso, designadamente para assegurar a tributação de consumos privados. Esta norma encerra uma presunção, pois é indeclinável que constitui seu pressuposto enformador a provável utilização privada ou para fins alheios dos bens ou serviços cuja dedução é vedada.
Presunção esta que forçosamente terá de ser ilidível, pois o direito à dedução constitui matéria de incidência tributária (componente negativa de apuramento da matéria coletável do IVA) e nesse âmbito é passível de prova em contrário, como dispõe o artigo 73.º da Lei Geral Tributária.
Estando demonstrado no caso vertente o caráter essencial das despesas, a sua relação direta e o seu uso exclusivo na atividade principal exercida pela Requerente, no âmbito do objeto social estabelecido e prossecução do seu escopo empresarial, não pode deixar de ser aceite a dedução do IVA, considerando-se afastada a presunção do citado artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do respetivo Código, pois caso contrário, como antes referido, resultaria violada a neutralidade deste imposto e o princípio da capacidade contributiva na específica leitura que o mesmo solicita.
A exclusão automática da dedução do IVA, sem a concessão de faculdade de elisão da presunção implícita (ou da ficção) de os consumos de refeições estarem desafetos da atividade, viola o princípio da igualdade, salvo impraticabilidade, o que não é o caso, e, pela mesma razão, o princípio da capacidade contributiva e o princípio da proporcionalidade.
À mesma questão de saber até que ponto determinados bens e serviços são utilizados com fins alheios à empresa, a posição da AT implica que o legislador nacional respondeu de forma distinta, consoante o imposto em causa. No IRC (imposto nacional) adotou a posição de que não se pode excluir à partida (em abstrato) a conexão destas despesas na íntegra. Porém, quanto ao IVA, restringiu a dedução. Não se afigura que tal interpretação seja a melhor, seja do ponto de vista da teleologia do regime, seja da sua racionalidade e coerência sistemática. A restrição contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA deve ser compreendida como resultando de uma presunção implícita que pode ser ilidida. Porém, a não se entender assim, o princípio da equivalência, ou da paridade de tratamento pelos Estados-Membros do direito europeu (Diretiva IVA) face ao direito nacional (IRC), não parece legitimar esse tratamento discriminatório do direito à dedução do IVA (mais desfavorável) versus o direito à dedução (favorável), com respeito às mesmíssimas despesas e encargos, em IRC.
Na apresentação dos orçamentos para realização das produções aos seus clientes contempla, como encargos faturáveis, os gastos incorridos com o catering ao serviço dessas produções. Deste modo, apesar de não estarem discriminados de forma autónoma nas faturas emitidas pela Requerente aos clientes, os serviços de catering por esta adquiridos são materialmente incorridos por conta destes e repercutidos “com vista a obter o respetivo reembolso”, pelo que se afiguram enquadráveis na norma que afasta a exclusão do direito à dedução contida no artigo 21.º, n.º 2, alínea c) do Código do IVA.
Caso se suscitem dúvidas ao Tribunal Arbitral, solicita-se a suspensão da instância e a colocação de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, no sentido de aferir da compatibilidade da não dedução do IVA nas circunstâncias concretas da Requerente, de afetação recorrente e inequívoca das despesas de catering à atividade, tendo em conta.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:
Impugna-se, deste modo, por não provado, que a Requerente tenha debitado os serviços em causa nos autos com vista a obter o reembolso das referidas despesas.
Em regra, poderá ser deduzido o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo com vista à realização das operações referidas no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA (operações que conferem direito à dedução).
No entanto, como forma de evitar a fraude e evasão fiscais resultantes da dedução de IVA incluído em despesas relacionadas com bens e serviços que, pela sua natureza e características, se constituam como não essenciais à atividade produtiva ou por, simplesmente, serem mais suscetíveis de utilização em fins alheios a uma atividade tributada (fins particulares), foram estabelecidas, no artigo 21.º do CIVA, exclusões ao regime geral do direito à dedução, aplicáveis independentemente dos mesmos poderem ser considerados indispensáveis à realização da atividade económica.
Entre as exclusões do direito à dedução previstas no n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, e que têm relevância para o caso em análise, encontra-se o imposto contido em despesas respeitantes a alimentação e bebidas.
Somente as situações previstas no n.º 2 do artigo 21.º do CIVA permitem afastar, ainda que parcialmente, a exclusão do direito à dedução do imposto contido nas despesas elencadas no n.º 1 do mesmo artigo. Assim, para que seja possível deduzir o imposto previsto nas exclusões do nº 1 do artigo 21.º do CIVA, não basta que os bens ou serviços sejam efetivamente utilizados para a realização de operações tributáveis, tal como a reclamante pretende fazer crer.
No caso em concreto, das faturas fornecidas no âmbito do procedimento inspetivo, para justificar as operações ativas da reclamante, conforme salientaram os SIT, nenhuma continha de forma autónoma e com aplicação do IVA [uma vez que se trata de operação especialmente localizada no território nacional, ex vi do disposto na alínea c) do nº 8 do artigo 6º do CIVA], a faturação do serviço de alimentação e bebidas.
Não tendo debitado os serviços com vista a obter o reembolso das referidas despesas, não poderá a reclamante (também por esta via), deduzir o imposto que suportou, relativo à aquisição dos serviços de alimentação e bebidas, por não se encontrarem reunidos os pressupostos para que as operações em causa possam inserir-se na derrogação da exclusão do direito à dedução, nos termos da alínea c) do nº 2 do art.º 21 do CIVA, conforme era sua pretensão.
Quanto ao pedido de reenvio ao TJUE, e em face da factualidade provada nos autos, não se afigura que o normativo legal em apreço suscite dúvidas de aplicação susceptíveis de justificar o pretendido reenvio.
Conclui, pois, a Requerida pela legalidade dos actos contestados pela Requerente que deverá, assim, ser mantido.
6. Por despacho de 20-07-2021, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.
II – SANEAMENTO
7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
7.3. O processo não enferma de nulidades.
7.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
III.1. Matéria de facto
Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a “prestação de serviços de produção audiovisual e publicitária em geral, como filmes, vídeos, programas de televisão e anúncios publicitários, a clientes comerciais, e as atividades para as quais são exigidos níveis mais elevados de qualificação profissional e técnica; atividades técnicas de pós-produção para filmes, vídeos e programas de televisão; recrutamento, gestão e exploração de patrocínios e serviços de publicidade; serviços empresariais relacionados com a preparação de imagem e estética, modelos, publicidade, congressos e desfiles de moda; representação artística, organização, promoção, difusão e coordenação de todo o tipo de eventos desportivos, culturais, empresariais, recreativos e artísticos, bem como de exposições de todo o tipo; produção, participação, realização e direção de espetáculos ou atividades desportivas, culturais, musicais, teatrais e televisivas para apresentações públicas, tanto em teatros, pavilhões ou plateaus de televisão e/ou estúdios de gravação, assim como a pós-produção dos mesmos”.
b) De acordo com o CAE tem como actividades.:
- Atividade principal – CAE 59110 – Produção de filmes, de vídeos e de programas de televisão;
- Atividade secundária – CAE 73110 – Agências de publicidade;
- Atividade secundária – CAE 82300 – Organização de feiras, congressos e outros eventos similares.
c) Está enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e realiza unicamente operações que conferem o direito à dedução.
d) Os serviços que a Requerente presta têm, em geral, como destinatários empresas estabelecidas fora de Portugal, quer na União Europeia, quer em países terceiros (como os Estados Unidos e o Canadá).
e) Credenciada pelas Ordens de Serviço OI2019... e OI2019... a Administração Tributária iniciou, em 17-04-2018, um procedimento de inspecção tributária à Requerente, para “controlo de pedidos de reembolso de IVA - regime geral”, com referência aos anos de 2018 e 2019.
f) Do referido procedimento inspectivo resultaram várias correcções no âmbito do IVA e, designadamente, não foi considerada a dedução de IVA contido em facturas contendo como descrição do serviço prestado “catering”.
g) Consta, designadamente, do Relatório de Inspecção:
“c) Serviços de alimentação e bebidas - catering:
Para justificar o imposto deduzido por inscrição neste campo das DP apresentadas, foi também recebida cópia de faturas relativas a aquisição de serviços cuja dedução do imposto é excluída pelo artigo 21º do CIVA, são as seguintes:
Atento o concreto input – serviços de alimentação, há a referir que o direito à dedução do imposto suportado com a sua aquisição se encontra excluído por força do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CIVA, onde se lê: «1 – Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas: (…) d) despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;».
Com efeito, existe um conjunto de despesas, tipificado no artigo 21º do CIVA, para as quais, o direito à dedução do imposto nelas contido, não obstante concorrem para a formação das operações sujeitas e não isentas do imposto (artigo 20º do CIVA), se encontra, por lei, excluído.
É o caso das despesas relativas a alimentação.
Na hipótese prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 21º CIVA, onde, em derrogação à exclusão prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 21º, determina-se o seguinte «2 – não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos: (…) c) despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de terceiro, desde que sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso.;
De referir que a das faturas recebidas para justificar as suas operações ativas, nenhuma contém, de forma autónoma e com aplicação do IVA (uma vez que se trata de operação especialmente localizado no território nacional, ex vi do disposto na alínea c) do nº 8 do artigo 6º do CIVA), a faturação do serviço de alimentação e bebidas.
É que, quando um operador económico adquire o serviço de fornecimento de refeições para o local das filmagens, embora para o exercício da sua atividade – produção de um trabalho – filme ou afim e sem prejuízo do reflexo deste custo no preço final do serviço, em regra, não o faz a solicitação nem por conta do seu cliente antes, adquire aquele input, tal como adquire os demais inputs que o trabalho que está a desenvolver exige, nomeadamente, atores, produtor, técnicos de som, etc, sendo por isso natural que aquele custo, que suporta, integre, como os demais, o acervo que constituiu o orçamento do trabalho (orçamento objecto de aprovação pelo seu cliente).
Assim, não tendo debitado com vista a obter o reembolso da despesa, não poderá a sociedade A..., deduzir o imposto que suportou, relativo à aquisição dos serviços de alimentação e bebidas.
Face exposto impõe-se a correção do imposto indevidamente deduzido, nos termos melhor detalhados no capítulo III, abaixo.
(...)
F) Serviços de alimentação e bebidas – catering.
Para justificar o imposto deduzido por inscrição neste campo das DP apresentadas, foi também recebida cópia de faturas relativas a aquisição de serviços cuja dedução do imposto é excluída pelo artigo 21º do CIVA, são as que ficaram descritas acima.
Atento o concreto input – serviços de alimentação, há a referir que o direito à dedução do imposto suportado com a sua aquisição se encontra excluído por força do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CIVA.
Com efeito, existe um conjunto de despesas, tipificado no artigo 21º do CIVA, para as quais, o direito à dedução do imposto nelas contido, não obstante concorrem para a formação das operações sujeitas e não isentas do imposto (artigo 20º do CIVA), se encontra, por lei, excluído.
É o caso das despesas relativas a alimentação.
Assim, não poderá a sociedade A..., deduzir o imposto que suportou, relativo à aquisição dos serviços de alimentação e bebidas, impondo-se, como tal, a correção do imposto indevidamente deduzido, conforme resumo:
Assim, face a todo o exposto, impõe-se corrigir a imperfeição identificada, nos seguintes termos:
h) Na sequência da notificação do Relatório de Inspecção, a Requerente foi notificada, no que ao presente processo respeita, das notas de liquidação de IVA, relativas aos anos de 2018 (4º trimestre) e 2019 (1º e 2º trimestres).
i) Por não se conformar com aqueles actos de liquidação, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contestando a legalidade das correcções efectuadas, a qual foi autuada sob o n.º n.º ...2020....
j) Tendo a Requerente exercido o direito de audição prévia no procedimento de reclamação graciosa, veio a ser proferido despacho de indeferimento, em 20-10-2020, notificado à Requerente por Ofício da Direcção de Finanças de ... (Justiça Tributária), por correio registado de 22-10-2020.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.
Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.
III.2. Matéria de Direito
Como resulta expressamente do pedido arbitral, este é circunscrito à apreciação da legalidade da liquidação no que respeita ao “…IVA deduzido pela Requerente nos serviços de catering adquiridos no âmbito das produções audiovisuais realizadas”.
Está, pois, em causa apreciar se ocorreu, ou não, por parte da Requerente, uma dedução indevida de IVA nas facturas relativas a serviços aí descritos como catering, por força da aplicação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CIVA.
Estando excluído do mesmo pedido as três facturas registadas na contabilidade da Requerente emitidas pela sociedade “B...” e cujo IVA ascende ao valor global de 2.143,13 €, por opção expressa no pedido arbitral.
Feito este enquadramento, temos que a AT, em resultado do que apurou em sede de RIT, desconsiderou a dedução do IVA incluído nas facturas acima descritas por considerar que o IVA relativo às refeições adquiridas pela Requerente não poderia ser deduzido, como esta o fez, por força da exclusão prevista no artigo 21º, n.º 1, alínea d) do CIVA.
Dispõe aquele preceito legal - artigo 21º, n.º 1 - que “exclui-se, todavia do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:
d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções”.
Ora, diz a Requerente que “tais serviços de catering não se destinam a fins de representação junto de terceiros, pois não são beneficiários das refeições, quer clientes, quer fornecedores ou quaisquer estranhos aos projectos, mas apenas os colaboradores que intervêm na execução dos trabalhos”.
Por outro lado, assume também a Requerente que os serviços de alimentação em causa não são debitados de forma autónoma ou discriminada nas facturas que emitiu aos seus clientes, pese embora remeta para os orçamentos dos serviços de produção pretensamente subjacentes a tais facturas.
Vejamos.
É sabido que o mecanismo do direito à dedução do imposto suportado pelos sujeitos passivos no decurso do seu processo produtivo é um elemento central e decisivo no sistema de funcionamento do IVA, o qual, enquanto imposto sobre o consumo que se pretende neutro, tem como destinatário o consumidor final. Como se diz no preâmbulo do CIVA: “… o IVA, aplicado de um modo geral e uniforme em todo o circuito económico, pressupondo a repercussão total do imposto para a frente, corresponde a uma tributação, por taxa idêntica, efectuada de uma só vez, na fase do retalhista. O método do crédito do imposto assegura, assim, que os bens utilizados na produção por uma empresa não sejam, em definitivo, tributados: as aquisições são feitas com imposto, mas dão lugar a uma dedução imediata no respectivo período de pagamento (salvo excepções, muito limitadas, destinadas a prevenir desvios fraudulentos)”.
É nesse pressuposto que o artigo 20º do CIVA estabelece que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou por eles utilizados para a realização das operações aí descritas e que, em suma, são as transmissões e prestações de serviços decorrentes da sua actividade.
Defende a Requerente que, pelo facto de algumas das facturas em causa conterem na sua descrição outras designações para além de “catering”, como “apoio à produção”, “aluguer de material”, “tendas”, transporte”, estarão em causa serviços não categorizáveis como serviços de restauração e de catering, para daí concluir que, pelo menos relativamente a esses, nunca poderia ser de excluir o direito à dedução do IVA a eles correspondente.
Sustenta tal conclusão com a invocação do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011 e, designadamente, com o seu artigo 6º.
Confessamos que não percebemos com que alcance.
Da leitura daquele Regulamento conclui-se precisamente que a prestação de serviços de restauração e de catering é o resultado de um conjunto de serviços em que o fornecimento de comidas ou de bebidas é apenas uma componente do mesmo, sendo que não se estará perante serviços de restauração ou catering se esses outros serviços não se verificarem.
A forma como as facturas elencadas pela Requerente descrevem o serviço prestado, não permite que se conclua que tais serviços, designadamente de aluguer de material, tendas ou transporte, sejam autonomizáveis do serviço global do catering em causa.
Pelo contrário, estarão em causa serviços acessórios ao fornecimento e que compõem o serviço global de catering prestado à Requerente.
Como tal, as parcelas incluídas em tais facturas (que poderiam nem estar discriminadas) não podem ser autonomizadas, não sendo por essa via que se obtém a conclusão se há, ou não, lugar à dedução do IVA.
Por outro lado, sustenta a Requerente que a aquisição dos serviços de catering é realizada com o único propósito de ser consumido pela equipa técnica e artística e, além do mais, o artigo 21º do CIVA contém uma presunção ilidível.
Em primeiro lugar, realçamos que não é o simples facto de os serviços descritos nas facturas postas em causa no RIT se terem destinado ou terem sido utilizadas para a a realização de operações tributáveis que justificariam a dedutibilidade do IVA nelas contido. É que, se assim não fosse, a questão nem sequer se colocaria por força da regra geral estabelecida no artigo 20º do CIVA de que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributáveis.
A solução tem que ser encontrada noutro nível, pela aplicação do artigo 21º do mesmo Código, quando estabelece um conjunto de exclusões àquele direito geral de dedução do IVA.
Com efeito, o direito à dedução do IVA encontra-se dependente do preenchimento de dois requisitos: por um lado, que o imposto tenha incidido sobre qualquer uma das operações descritas no artigo 20.º do CIVA - operações relativas a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo e que sejam pertinentes para o fim da actividade prosseguida - e, por outro, que a dedução pretendida não se mostre excluída por o imposto se encontrar contido em qualquer uma das despesas identificadas no artigo 21.º do mesmo Código.
Tais exclusões resultam do facto de ”... o legislador, ciente de que os bens ou serviços identificados na norma são susceptíveis de ser utilizados no desenvolvimento de uma actividade empresarial mas consciente da dificuldade de controlar essa relação causal, imprescindível para obstar à fraude e evasão fiscal, optou por impor expressamente a exclusão do direito à dedução do IVA relativo a determinados bens ou serviços, independentemente da utilização concreta que lhes esteja associada” (Acórdão do STA de 14-01-2004 - Proc. 01727/03).
Ora, de entre as exclusões estabelecidas no referido artigo 21º, é contemplado o imposto contido nas “despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas, estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções”.
No caso sub judice é indiscutível, por consensual entre as partes, que os serviços de catering foram consumidos no exercício da actividade de produção audiovisual da Requerente (ou, até, que os mesmos são essenciais para o efeito).
Como já se referiu, não é esse facto que determina a possibilidade de dedução, ou não, do IVA contido nas aquisições de bens e serviços.
Aliás, não vemos que possa entender-se que a lei faça depender o direito de dedução do IVA liquidado nas despesas faturadas ao seu objecto social. A lei, atendendo à natureza destas despesas apenas permite que o IVA liquidado seja dedutível nas situações previstas no n.º 2 do art. 21º do CIVA”.
E não vislumbramos como possa defender-se que a aplicação das exclusões previstas nesse artigo sejam susceptíveis de violar quaisquer princípios constitucionais. É que tais regras, de exclusão do direito à dedução, são aplicadas de forma generalizada, transversal e de igual forma a todos os sujeitos passivos que se encontrem na mesma situação. Em nada contendendo, também, com a capacidade contributiva do sujeito passivo.
Do mesmo modo rejeitamos que possa, da aplicação do artigo 21º do CIVA, concluir-se pela violação do princípio da equivalência de tratamento pelos Estados membros do direito europeu.
Aliás, se pudessem subsistir dúvidas quanto à compatibilidade das limitações ao direito de dedução de IVA consagradas no artigo 21.º, n.º 1 do CIVA com o direito europeu e, designadamente, com a sua alínea d) - aqui em questão - o TJUE já as esclareceu de forma expressa através do despacho de 17-09-2020, proferido no Proc. C-837/19, nos seguintes termos (com sublinhados nossos):
- “21 - Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17°, n.°6, da Sexta Diretiva, bem como o artigo 168°, alínea a), e o artigo 176° da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado Membro, entrada em vigor na data da adesão deste à União, segundo a qual as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.
22 - A este respeito, em primeiro lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito a dedução previsto no artigo 168º, alínea a), da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações efetuadas a montante (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°25 e jurisprudência referida).
23 - De facto, o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°26 e jurisprudência referida).
24 -Daqui resulta que, na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para os fins das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°27 e jurisprudência referida).
25 - Em segundo lugar, resulta igualmente da jurisprudência que só são permitidas derrogações ao direito a dedução do IVA nos casos expressamente previstos pelas disposições das diretivas que regem esse imposto (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°28 e jurisprudência referida).
26 - Entre essas derrogações figura o artigo 176º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância idêntico ao artigo 17º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, e cuja adoção não teve influência na jurisprudência relativa à interpretação desta última disposição (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°29 e jurisprudência referida).
27 - À semelhança do artigo 17°, n.° 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva que o precedeu, o artigo 176°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA contém uma cláusula de standstill.
28 - Por força da primeira dessas disposições, os Estados Membros estavam autorizados a manter a sua legislação existente em matéria de exclusão do direito a dedução na data da entrada em vigor da Sexta Diretiva até que o Conselho aprove as disposições previstas no artigo 17°, n.° 6, primeiro parágrafo, desta. Nenhuma das propostas que foram apresentadas pela Comissão ao Conselho ao abrigo desta disposição foi adotada por este último (v., neste sentido, Acórdão de 15-04-2010, X Holding e Oracle Nederland, C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.º 38 e 39).
29 - Em conformidade com a segunda das referidas disposições, os Estados Membros que tenham aderido à União depois de 1 de janeiro de 1979 podem manter todas as exclusões do direito a dedução do IVA previstas pela sua legislação nacional na data da sua adesão, até que o Conselho adote as disposições previstas no primeiro parágrafo deste artigo 176°. Até à data, o Conselho ainda não adotou tais disposições (v., neste sentido, Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n° 30).
30 - Em terceiro lugar, a faculdade residual dos Estados Membros em questão de manterem exclusões nacionais do direito a dedução do IVA, em aplicação do artigo 17°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 176°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não é, todavia, absoluta. Com efeito, o TJUE declarou que uma regulamentação nacional não constitui uma derrogação permitida pela cláusula de standstill prevista por estas disposições se tiver por efeito alargar, após a entrada em vigor da Sexta Diretiva ou após a adesão do Estado Membro em questão, o âmbito das exclusões existentes, afastando-se assim do objetivo destas diretivas (v., neste sentido, Acórdãos de 22-12- 2008, Magoora, C 414/07, EU:C:2008:766, n.°37, e de 18-07-2013, AES 3C Maritza East 1, C 124/12, EU:C:2013:488, n.°45).
31 - Diversamente sucede quando, posteriormente à entrada em vigor da Sexta Diretiva ou à adesão à União, a regulamentação do Estado Membro em questão reduz o âmbito das exclusões previstas pela sua legislação nacional à data da sua adesão e se aproxima do objetivo das referidas diretivas. Nesta situação, o Tribunal de Justiça admitiu que tal regulamentação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 176°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 28, 29 e jurisprudência referida).
32 - Além disso, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar o conteúdo da legislação nacional à data da adesão do Estado Membro em causa e averiguar se essa legislação teve ou não por efeito alargar o âmbito de aplicação das exclusões existentes após essa adesão (Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°30 e jurisprudência referida).
33 - No caso vertente, importa, em primeiro lugar, precisar, por um lado, que, em conformidade com o artigo 395.° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, a República Portuguesa, que aderiu à União em 1 de janeiro de 1986, pôde diferir até 1 de janeiro de 1989 a plena aplicação das regras que constituem o sistema comum do IVA (Acórdão de 08-03-2012, Comissão/Portugal, C 524/10, EU:C:2012:129, n.°13).
34 - Por outro lado, embora na data da adesão da República Portuguesa à União o artigo 21° do Código do IVA excluísse totalmente do direito a dedução o imposto pago a montante que incidia sobre as despesas respeitantes a alojamento, alimentação e bebidas, bem como sobre as despesas em transportes e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal, incluindo portagens, uma alteração ao referido artigo efetuada no ano de 2005 teve por efeito, sob certas condições, admitir o direito a dedução do IVA para este tipo de despesas, até ao limite de 50 %. Afigura-se, assim, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, na sequência desta alteração, despesas que estavam totalmente excluídas desse direito passaram a conferir, sob certas condições, um direito a dedução parcial deste imposto (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 32 e 33).
35 - Há, portanto, que constatar, em segundo lugar, que, por um lado, resulta da leitura conjugada do artigo 17°, n.°6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e do artigo 395° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, que as exclusões do direito a dedução previstas no artigo 21° do Código do IVA na data da adesão da República Portuguesa à União estavam abrangidas pela cláusula de standstill prevista no artigo 17°, n° 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva. Além disso, resulta da jurisprudência recordada nos n.ºs 30 e 31 do presente despacho que, após a alteração do artigo 2° do Código do IVA efetuada no decurso do ano de 2005, que reduziu o âmbito das despesas excluídas deste direito, essas exclusões continuaram abrangidas por essa cláusula.
36 - Por outro lado, as exclusões previstas no referido artigo 21° do Código do IVA, conforme assim alterado, continuam abrangidas pela cláusula de standstill referida no artigo 176°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.
37 - Com efeito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n° 26 do presente despacho, sendo o artigo 176°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, em substância, idêntico ao artigo 17°, n° 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, a jurisprudência relativa à interpretação da segunda disposição é pertinente para a interpretação da primeira disposição. Daqui resulta que esta deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional em matéria de exclusão do direito a dedução do IVA que não era contrária à referida disposição da Sexta Diretiva (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 28, 29 e 39).
38 - Além disso, qualquer outra interpretação seria contrária ao artigo 395° do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, lido em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, por força do qual, conforme foi recordado no n° 33 do presente despacho, este último Estado Membro pôde diferir a plena aplicação das regras que constituem o sistema comum do IVA até 1 de janeiro de 1989. Ora, tanto um ato de adesão como os protocolos e os anexos desse ato de adesão constituem disposições de direito primário que, a menos que o ato de adesão disponha em sentido diferente, só podem ser suspensas, alteradas ou revogadas segundo os procedimentos previstos para a revisão dos Tratados originários (v., neste sentido, Acórdão de 11-09-2003, Áustria/Conselho, C 445/00, EU:C:2003:445, n° 2).
39 - Em terceiro lugar, importa apreciar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal prevê de maneira suficientemente precisa a natureza ou o objeto dos bens ou dos serviços para os quais o direito a dedução do IVA é excluído, a fim de garantir que a faculdade concedida aos Estados Membros não seja utilizada para prever exclusões gerais desse regime (Acórdão de 02-05-2019, Grupa Lotos, C 225/18, EU:C:2019:349, n.°40 e jurisprudência referida).
40 - A este propósito, no que respeita, por um lado, às despesas relativas a alojamento, alimentação e bebidas, cumpre salientar que, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.ºs 50 e 51), o Tribunal de Justiça considerou, tratando-se da lei neerlandesa sobre o IVA, que as categorias de despesas relativas ao fornecimento de refeições e de bebidas assim como à disponibilização de alojamento ao pessoal de um sujeito passivo estavam definidas por esta lei de modo suficientemente preciso, pelo que a exclusão do direito a dedução prevista pela referida lei estava abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula de standstill. Além disso, no Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos (C 225/18, EU:C:2019:349, n.°42), o Tribunal de Justiça considerou que a categoria de despesas relativas aos «serviços de alojamento e de restauração», conforme definida pela legislação polaca, na medida em que se referia à natureza dos referidos serviços, estava definida de forma suficientemente precisa tendo em conta as exigências impostas pela jurisprudência (v., neste sentido, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.ºs 35 e 36).
41 - Do mesmo modo, no que respeita, por outro lado, às despesas relativas ao aluguer de viaturas, ao combustível e à portagem, o Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland (C 538/08 e C 33/09, EU:C:2010:192, n.ºs 46 e 47), que a categoria de despesas relativas à aquisição dos bens ou serviços utilizados pelo empresário com o objetivo de fornecer ao seu pessoal «um meio de transporte individual», na medida em que visava uma categoria particular de operações com características específicas, era, também ela, conforme com as referidas exigências.
42 - Nestas condições, há que considerar que categorias de despesas como as previstas no artigo 21°, n° 1, alíneas c) e d), do Código do IVA, respeitantes, designadamente, aos transportes e às viagens de negócios, ao alojamento, à alimentação e às bebidas, estão definidas de maneira suficientemente precisa tendo em conta as exigências impostas pela jurisprudência e recordadas no n.°39 do presente despacho (v., por analogia, Despacho de 26-02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°37).
43 - A circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que essas despesas possam ser efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo não afeta o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 17°, n° 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e no artigo 176º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA. Com efeito, atendendo à letra e à génese desta cláusula, esta autoriza os Estados Membros a excluir do direito a dedução do IVA categorias de despesas que têm um caráter estritamente profissional, quando estas últimas estejam definidas de forma suficientemente precisa, na aceção da jurisprudência referida no n.°39 do presente despacho (v., neste sentido, Despacho de 26 -02-2020, PAGE International, C 630/19, não publicado, EU:C:2020:111, n.°38 e jurisprudência referida).
44 - Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 17°, n° 6, da Sexta Diretiva, bem como o artigo 168°, alínea a), e o artigo 176° da Diretiva IVA, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado Membro entrada em vigor na data da adesão deste à União segundo a qual as exclusões do direito a dedução do IVA que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.”
À luz da jurisprudência do TJUE concluiu-se que, apesar de consciente das exigências inerentes ao desenvolvimento da actividade empresarial e que a neutralidade constitui um elemento estrutural do IVA, se aceita como legítima a exclusão de dedução do IVA nos termos estabelecidos no artigo 21º do CIVA.
Apesar de assim ser, o artigo 21º contém uma cláusula correctora da exclusão do direito à dedução do imposto, na alínea c) do n.º 2, estabelecendo que “não são excluídas do direito à dedução as despesas mencionadas nas alíneas a), c) e d) do número anterior, quando efetuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio, mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso”.
Aplicado tal preceito ao caso em análise, conclui-se que a Requerente poderia ter direito à dedução se tivesse cobrado de forma expressa o preço das refeições contidas no serviço de catering aos seus clientes e tivesse liquidado o correspondente IVA, caso em que se estaria perante o exercício de uma actividade acessória tributável em IVA.
Todavia, não o fez. E não pode considerar-se que tal imposição é preenchida, como pretende a Requerente, com a inclusão de tais despesas nos orçamentos dos serviços de produção audiovisual.
Com efeito, não se discute que o custo incorrido com as despesas que suporta para o exercício da sua actividade seja repercutido no preço final cobrado aos seus clientes. Mas, o que a lei exige, é que tais despesas sejam cobradas de forma expressa aos clientes e com a liquidação do correspondente IVA, o que a Requerente não fez.
Diga-se, de qualquer forma, ainda que tal não seja relevante, que a Requerente não fez prova da inclusão de tais despesas em todos os orçamentos que elaborou, apenas tendo apresentado um.
Em conclusão, não havendo motivo para alterar o entendimento jurisprudencial invocado, temos de concluir que nem as liquidações impugnadas, nem o acto de indeferimento da reclamação graciosa, enfermam de qualquer vício que afecte a sua legalidade que, por isso, devem ser mantidos.
Não subsistindo quaisquer dúvidas quanto à aplicação das normas em causa, face designadamente à decisão do TJUE transcrito, conclui-se pela desnecessidade de reenvio prejudicial.
Fica prejudicada a apreciação das demais questões.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, dele absolvendo a Requerida.
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 12.062,72 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2021
O Árbitro
(António Alberto Franco)