SUMÁRIO:
Entendendo a AT que a compensação paga pela cessação de contrato individual de trabalho corresponde, na verdade, a compensação pela cessação do exercício das funções de gerente, impõe-se àquela entidade o dever de investigar e enunciar os factos demonstrativos de qual foi o negócio jurídico real, não sendo suficientes meras suspeitas ou conjecturas.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Martins Alfaro, árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD para formar este Tribunal Arbitral, profere a seguinte Decisão Arbitral:
A - RELATÓRIO
A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A..., contribuinte fiscal n.°..., com domicílio na Rua ... Direito, em Lisboa.
A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.
A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral: Liquidação de IRS n.° 2020... e respectivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2018, no valor de € 3.906,60.
A.4 - Pedido: Ser declarada a ilegalidade do acto de liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios, objecto do pedido de pronúncia arbitral.
A.5 - Fundamentação do pedido de pronúncia arbitral:
A AT pretende enquadrar os rendimentos auferidos pelo Requerente a título de cessação do contrato de trabalho, relativamente ao ano de 2018, como importâncias recebidas por cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, por força do disposto no artigo n.° 2, n.° 4, alínea a) do Código do IRS.
Verifica-se a presunção infundada, que carece de base legal e coerência argumentativa na demonstração, de qualquer ligação entre a posição não remunerada de gerente e o exercício de funções de trabalhador dependente, por parte do Requerente.
O ónus de demonstração da realidade pertence, neste caso, à AT.
A insuficiência dos argumentos da Autoridade Tributária viola a garantia de segurança jurídica do ora Requerente e o princípio de fundamentação devida das decisões por parte de Administração Pública, colocando em causa a boa relação que deve ser garantida entre os particulares e a Administração pública.
Não obstante, a argumentação da AT é omissa, falhando em demonstrar a linha de raciocínio que levou à assunção de que os valores recebidos foram, de facto, recebidos a título de cessação de posição de gerente da sociedade e não em resultado de acordo de revogação do contrato de trabalho.
Não existe menção expressa legal acerca da proibição de um sócio de uma sociedade por quotas desempenhar funções de gerente e director (ao obrigo de contrato de subordinação) ao mesmo tempo.
Verifica-se o incorrecto enquadramento dos valores auferidos pelo Requerente, uma vez que o regime previsto no n.° 4 do artigo 2.º, do Código de IRS, prevê uma não sujeição a imposto para as importâncias auferidas a qualquer título, quando por qualquer forma cessem os contratos de trabalho que lhe estão subjacentes.
Tendo sido demonstrado que a correcção do rendimento colectável do Requerente é injustificada e improcedente, deve a liquidação e respectivos juros compensatórios serem anulados, com todas as consequências legais.
A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:
A questão em apreço consiste em saber se o montante auferido pelo Requerente, a título de indemnização, deve ser enquadrado na alínea a) ou b), do n.º 4, do artigo 2.º do Código do IRS.
Entendendo-se que o cargo da gerência envolve a administração e representação da sociedade, podendo haver responsabilização em sede tributária pelas dívidas contraídas no âmbito desse exercício conforme artigo 23.ºss, da LGT, e que se encontra associado ao exercício de poderes de autoridade, direcção, fiscalização e disciplina a ser implementado sobre os demais exercícios funcionais caracterizados pelo vínculo de subordinação jurídica, questiona-se na situação concreta da efectiva e real natureza e funcionamento das distintas posições e poderes uma vez que se mostram concentrados em simultâneo numa mesma pessoa - o agora Requerente.
Verifica-se no caso em apreço a total possibilidade e disponibilidade das partes em configurarem as relações jurídicas laborais entre si próprios e a sociedade, detendo o domínio sobre as sociedades para poder celebrar contratos de gerência remunerados ou não sucedidos por contratos de direcção remunerados com a subsequente extinção do vinculo laboral e atribuição de indemnização que, tudo visto e ponderado dificilmente consegue distinguir e discriminar a compensação atribuída a cada uma das funções cessadas, porquanto em ambas as funções desempenhadas pelo Requerente este manteve sempre directa ou indirectamente o domínio sobre as sociedades em que desempenhava funções sendo que as funções de gerência e director comercial assumem contornos de natureza análoga e similitude por demais evidente.
Deste modo, não obstante a formalidade concretizada na elaboração do contrato de trabalho, a subordinação jurídica e económica que lhe está subjacente não se verificou na realidade no caso concreto, pelo terá de concluir-se que o montante compensatório disponibilizado ao Requerente, em razão da alegada cessação do vínculo laboral, não é passível de consideração, porquanto essa subordinação não existia materialmente.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
A.7 - Instrução:
Não foram invocadas excepções nem arguidas nulidades.
Realizou-se a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAMT, para a finalidade da inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente, tendo as partes sido notificadas para alegarem por escrito, o que fizeram, aí mantendo e reiterando, no essencial, a sua posição.
B - SANEAMENTO:
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 23-07-2021.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAMT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT.
O processo não enferma de nulidades.
Não se verificam questões prévias, nulidades ou outras excepções de que cumpra, mesmo oficiosamente, conhecer e que obstem ao conhecimento de mérito.
Cumpre assim apreciar e decidir, o que se fará de seguida.
C - FUNDAMENTAÇÃO:
C.1 - Matéria de facto - Factos provados:
Com relevância para a decisão da presente causa, têm-se por assentes os seguintes factos:
Em Novembro de 2009, o Requerente era sócio e titular de uma quota correspondente a 50% do capital social da sociedade comercial, denominada B..., Lda.
Nessa data, a sociedade B..., Lda. e o Requerente, celebraram contrato individual de trabalho, com a categoria de director operacional e a remuneração mensal de € 2.500.
Também nessa data, a restante quota de 50%, na referida sociedade comercial, era detida por outro sócio, o qual desempenhava as funções de gerente, a par do Requerente.
A referida contratação do Requerente, como trabalhador subordinado, foi decidida por ambos os sócios da B..., Lda., ou seja, pelo aqui Requerente e pelo outro sócio.
Em consequência de dois aumentos de capital social da B..., Lda., verificados em Outubro de 2011 e da entrada de novos sócios, a participação do Requerente na referida sociedade comercial, passou a ser de 24,7%.
Em Novembro de 2013, a totalidade do capital social da sociedade B..., Lda. passou a ser detida pela sócia única, sociedade comercial denominada C..., SGPS, S.A.
O Requerente, enquanto accionista da sociedade C..., SGPS, S.A, era titular de 33% do capital social.
O Requerente foi nomeado membro do Conselho de Administração da sociedade C..., SGPS, S.A.
O Requerente desempenhou as funções de gerente da sociedade B..., Lda., em simultâneo com a sua função de director operacional, enquanto trabalhador desta.
As funções do Requerente, enquanto director operacional da B..., Lda., consistiam na gestão das operações correntes e apoio à parte processual da actividade daquela sociedade, tais como a negociação, formação e aprovação dos preços de compra e venda junto dos clientes e
fornecedores, a aprovação dos preços de custo das refeições vendidas, a gestão de clientes, a gestão laboral e dos recursos humanos e a aprovação de contratos e de encomendas (depoimentos testemunhais).
O Requerente era conhecido como director operacional da sociedade comercial B..., Lda., pelos trabalhadores, clientes e fornecedores da sociedade, os quais se relacionavam com o Requerente nessa qualidade (depoimentos testemunhais).
Existiam funcionários da empresa, de que constitui exemplo a testemunha, Senhora D..., que desempenhando as funções de assistente administrativa do Requerente, não tinha conhecimento de que este era gerente da sociedade B..., Lda. (depoimento testemunhal).
O Requerente não era a única pessoa a desempenhar as funções de director operacional na sociedade B..., Lda., existindo outro trabalhador com função idêntica (depoimentos testemunhais).
O outro director operacional também desenvolvia as suas funções no âmbito de um contrato individual de trabalho e partilhava as mesmas funções com o ora Requerente (depoimento da testemunha, Senhora D...).
O Requerente renunciou à gerência da sociedade B..., Lda, em Janeiro de 2018.
Após a renúncia à gerência da sociedade B..., Lda., o Requerente continuou a prestar a sua actividade laboral subordinada, em conjunto com o outro director de operações.
A cessação do contrato individual de trabalho do Requerente verificou-se com fundamento na extinção do posto de trabalho, em Março de 2018.
A referida extinção do posto de trabalho ocorreu na sequência de uma reestruturação empresarial, a qual visava a diminuição dos custos de manutenção da sociedade B..., Lda., uma vez que esta se defrontava com graves dificuldades financeiras, caracterizadas sobretudo pela falta de liquidez na caixa de operações e baixo volume de lucros em relação ao volume de trabalho idêntica (depoimentos testemunhais).
Tendo em vista a redução dos custos operacionais da empresa, foi deliberado reduzir a direcção operacional da sociedade a um único trabalhador, Senhor Eng. E... (depoimentos testemunhais).
Pela extinção do posto de trabalho, foi paga ao Requerente uma compensação, pela sociedade B..., Lda.
O Requerente nunca foi remunerado pelo exercício da gerência da sociedade B..., Lda.
O Requerente foi notificado, por ofício da AT, datado de 24-01-2020, do projecto de alteração do rendimento colectável, relativo ao IRS de 2018.
O conteúdo do referido projecto de alteração do rendimento colectável foi o seguinte:
Assunto: IRS/2018
PROJETO DE CORREÇÃO
(Notificação para o exercício do direito de audição prévia)
Nos termos da alínea a) do n° 4 do artigo 2o do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS), as importâncias auferidas, a qualquer título, pela cessação do contrato de trabalho ou exercício de funções, de administrador ou gerente de pessoa coletiva, ficam sempre sujeitas a tributação.
Da consulta à aplicação “consultas e obrigações acessórias” verificamos que na DMR comunicada pela empresa “B..., UNIPESSOAL, LDA”, possuidora do NIPC..., foram declarados, entre outros, rendimentos no montante de € 33.750,00, com o código A20 - importâncias auferidas pela cessação do contrato de trabalho ou exercício de funções na parte que não excedam o limite previsto na alínea b) do n° 4 do artigo 2o do CIRS.
Contudo, da análise efetuada, verifica-se que estes rendimentos se enquadram na alínea a) do n° 4 do artigo 2o do CIRS.
Assim sendo, o rendimento em causa não se encontra excluído de tributação, ficando sujeito a este imposto, na totalidade, uma vez que corresponde ao exercício de funções de gerente de pessoa coletiva.
Deste modo, fica por este meio notificado da intenção de se proceder à correção da sua declaração de IRS, no sentido de corrigido o quadro 4 A do Anexo da declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS do ano de 2018, onde ficará a constar o seguinte:
Fica ainda notificado de que poderá exercer o direito de audição prévia, previsto no artigo 60.° da Lei Geral Tributária, aprovada pelo D.L. 398/98, de 17 de dezembro, no prazo de 15 dias, remetendo articulado escrito e juntando quaisquer documentos que julgue relevantes, à Direção de Finanças de Lisboa, Divisão de Liquidação dos Impostos sobre Rendimento e Despesa, na Alameda dos Oceanos, n.° 55, 1998-027 Lisboa, ou por correio eletrónico, para o endereço dflisboa-dlird@at.gov.pt (anexando os documentos em formato pdf).
Após a notificação anteriormente referida, o Requerente exerceu tempestivamente o direito de audição prévia.
Na sequência, e por despacho de 20-02-2020, da Senhora Directora de Finanças adjunta, da Direcção de Finanças de Lisboa, o rendimento colectável de IRS do Requerente foi alterado em conformidade com o que constava no projecto de correcções anteriormente referido.
O referido despacho de alteração é do seguinte teor:
Concordo.
Proceda-se de conformidade.
O referido despacho de alteração é de concordância com uma informação exarada, na qual, após contrariados os argumentos invocados em sede de audição prévia pelo sujeito passivo, consta a seguinte fundamentação:
Conclusão:
Da análise aos argumentos expostos pelo sujeito passivo no âmbito do exercício do direito de audição prévia que se encontram descritos na presente informação, bem como aos documentos apresentados, verificamos que os mesmos nada vêm acrescentar ou contrariar o constante do projeto de correção, não tendo sido apresentados quaisquer outros elementos, ou documentos ou mesmo argumentos novos, que permitissem infirmar o entendimento da Administração Tributária.
Assim sendo, dever-se-á promover a correção da declaração Mod. 3 apresentada pelo sujeito passivo, relativa ao ano de 2018, no sentido de ser corrigido o quadro 4A do Anexo A, tal como consta do projeto de correções, elaborando para o efeito o documento de correções DCU.
O termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação objecto de pedido de pronúncia arbitral, ocorreu em 15-04-2020.
Em 29-04-2020, o Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo como objecto o acto tributário objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.
O Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento, proferida no procedimento de reclamação graciosa, em 07-12-2021.
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 17-05-2021.
C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:
Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e pela Requerida, no processo administrativo e/ou com base, no depoimento das testemunhas ouvidas, nos pontos indicados.
A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não se entende posta em causa, e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.
No que se refere à prova testemunhal, foram inquiridas duas testemunhas, a saber:
Senhor F..., que exerceu funções como contabilista certificado da sociedade B..., Lda. desde 2014 ou 2015 e até 2019 e
Senhora D..., que exerceu funções como responsável administrativa na sociedade B..., Lda., desde 1999 e até 2019.
Ambas as testemunhas depuseram de forma objectiva, isenta e segura, revelando conhecimento directo dos factos aos quais foram inquiridas, pelo que os seus depoimentos são merecedores de total credibilidade.
Saliente-se ainda que a testemunha, Senhor F..., enquanto contabilista certificado da sociedade B..., Lda., era conhecedor do funcionamento e da estrutura da sociedade e que a testemunha, Senhora D..., trabalhou com o Requerente e que o período de exercício das suas funções abrangeu todo o período a que se reportam os factos dados como provados.
C.4 - Matéria de direito:
C.4.1 - Questão a decidir:
A questão que se suscita nos presentes autos é a de saber se a compensação auferida pelo Requerente, na sequência da cessação do seu vínculo laboral com a sociedade B..., Lda., por extinção do posto de trabalho, deve ou não ser qualificada como rendimento do trabalho sujeito a IRS, nos termos do artigo 2.º, número 4, alínea a), do Código do IRS.
Nos termos daquele normativo:
4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:
a) Pela sua totalidade, na parte que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente;
Por seu lado, o n.º 1, alínea a), do Código do IRS, prevê que:
1 - Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de:
a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;
Daqui resulta que - no que aos autos interessa - o seguinte:
A previsão constante do corpo do n.º 4, do artigo 2.º, do Código do IRS, respeita à «cessação das funções de […] gerente de pessoa coletiva» e
Em tal situação, são sempre sujeitas a imposto as importâncias recebidas a qualquer título «na parte que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva» - artigo 2.º, número 4, alínea a), do Código do IRS.
Ora, como decorre com clareza dos factos provados, a importância em causa nos presentes autos respeitou à compensação prevista no artigo 371.º, do Código do Trabalho, e encontrou fundamento na cessação do contrato individual de trabalho que o Requerente tinha com a B..., Lda.
Ou seja, o fundamento da cessação não foi a «cessação das funções de […] gerente de pessoa coletiva», no caso concreto, a B..., Lda.
A isto acrescendo que, à data da cessação do contrato individual de trabalho, o Requerente já não era gerente da referida sociedade comercial,
Não se verificando, deste modo, a previsão contida no corpo do n.º 4, do artigo 2.º, do Código do IRS.
Assim - e por maioria de razão -, não se verificou igualmente o recebimento de importâncias «na parte que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva».
É certo que, como defende a Requerida, o (relativo) domínio dos factos na actuação da sociedade e a (eventual) indistinção entre as funções de gerente e de director operacional do Requerente, propiciam a suspeita ou conjectura de que o Requerente poderia ser, não um efectivo director operacional que também se encontrava nomeado gerente, mas sim um efectivo gerente que mantinha uma relação laboral subordinada meramente aparente.
Mas a existência da eventual relação laboral meramente aparente não se encontra demonstrada, sendo certo que era à Autoridade Tributária e Aduaneira que cabia fazê-lo - artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
Bem pelo contrário, a AT dispensou-se de tal prova e, em sede de fundamentação do acto aqui impugnado, apenas soube/conseguiu aportar o seguinte:
«[…] da análise efetuada, verifica-se que estes rendimentos se enquadram na alínea a) do n° 4 do artigo 2º do CIRS.
Assim sendo, o rendimento em causa não se encontra excluído de tributação, ficando sujeito a este imposto, na totalidade, uma vez que corresponde ao exercício de funções de gerente de pessoa coletiva».
Sendo verdade que, tal como referiu a Requerida, na sua Resposta, «a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes não pode vincular a Administração», também é verdade que, em tais casos, cabe à AT a demonstração de qual teria sido o negócio jurídico real, o que, no caso dos presentes autos, não sucedeu.
É que, no domínio tributário, não bastam meras suspeitas ou conjecturas, antes se impondo à AT o dever de investigar e enunciar os factos demonstrativos de qual foi o negócio jurídico real.
E isso, claramente, não ocorreu no acto impugnado.
Deste modo, à míngua de factos demonstrativos, em sede da prática do acto tributário aqui impugnado, de que a importância auferida pelo Requerente encontrou causa real na cessação de funções de gerente da sociedade B..., Lda. e não na causa declarada da cessação do contrato individual de trabalho, por extinção do posto de trabalho, não pode aquele acto tributário manter-se.
D - DECISÃO:
De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarando a ilegalidade do acto objecto dos presentes autos, anula a liquidação de IRS n.° 2020... e respectivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2018, no valor de € 3.906,60.
E - VALOR DA CAUSA:
O Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.906,60.
O valor indicado pelo Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 3.906,60.
F - CUSTAS:
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, indo a Requerida, que foi vencida, condenada nas custas do processo.
Notifique.
Lisboa, 30 de Dezembro de 2021.
O Árbitro,
Assinado digitalmente
(Martins Alfaro)