DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., LDA., com o número de identificação de pessoa coletiva e identificação fiscal..., com sede na Rua..., ..., ...-... ..., doravante “Requerente”, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
É demandada a AT, doravante também designada por “Requerida”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT no dia 3 de maio de 2021.
Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 24 de junho de 2021, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
A Requerente pretende a anulação do ato de liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2016, emitido sob o n.º 2020..., no montante total de € 38.512,41, por erro sobre os pressupostos de facto, e bem assim, o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.
Como fundamento da sua pretensão, a Requerente invoca, em síntese, o seguinte:
a) Quanto aos gastos com a participação em feiras internacionais:
i) as diversas feiras que estão em causa podem ser acompanhadas de diversas formas e as entidades institucionais que são identificadas no relatório de inspeção (como a B..., C..., D... e E...) têm programas de acompanhamento das feiras com um custo incomparavelmente mais reduzido do que a Requerente pagou, mas apenas incluem a viagem, estadia e o transporte;
ii) em tais programas, a empresa não tem um stand próprio, mas pode estar representada no stand da entidade institucional;
iii) o acompanhamento das missões das entidades institucionais era manifestamente irrelevante para o efeito por si pretendido, pelo que os serviços que contratou para as feiras onde esteve representada eram exponencialmente mais completos e profissionais;
iv) as entidades por si contratadas construíram um expositor onde era feita publicidade à empresa, contrataram modelos profissionais para fazer publicidade à empresa e um serviço profissional de assessoria de imprensa;
v) as pessoas que constam nas passagens de avião não podem ser seus trabalhadores, nem seus gerentes, mas sim colaboradores dos seus fornecedores, tendo em conta os serviços elencados;
vi) o preço dos serviços contratados tinha, obviamente, de ser muito superior, como foi, ao simples acompanhamento de uma missão de entidade institucional, uma vez que são realidades incomparáveis;
vii) o facto de o preço das três feiras em causa ser exatamente igual é justificado pela negociação que ocorreu entre a Requerente e os seus fornecedores;
viii) os gastos com estas feiras foram inseridos num projeto de investimento, pelo que foram analisados de forma exigente pelas entidades competentes e devidamente aprovados;
ix) a Requerente decidiu apostar na internacionalização da sua atividade e apresentou o projeto no âmbito do “Portugal 2020” de internacionalização de PME, tendo as despesas com as feiras em causa sido elegíveis para esse efeito;
x) a Requerente não alcança a razão pela qual a AT veio colocar em causa a realização destas despesas, depois de as mesmas terem passado por um crivo muito mais fino e rigoroso, além de a aposta da Requerente neste tipo de publicidade e intervenção no mercado ter tido resultados visíveis, uma vez que possui atualmente diversos clientes internacionais.
xi) relativamente à Feira ... (Brasil), a principal representante da Requerente foi F..., juntando cartão de embarque do Brasil para Portugal, assim como o extrato da conta num dos hotéis em que ficou alojada, de modo a comprovar a estadia no mesmo (cfr. Documentos n.ºs 8 e 9);
xii) ainda em relação a tal feira, indica que o teor da fatura FT 01/7 de 25/05/2016, emitida pela G...– Unipessoal, Lda, complementada pelo respetivo orçamento e sua adjudicação é mais do que suficiente para cumprir os requisitos das faturas exigidos pelo Código do IRC, o mesmo referindo para a fatura FT 01/9 de 25/05/2016 emitida pela H..., Unipessoal, Lda. (cfr. fls. 86 e 91 dos anexos ao relatório de inspeção);
xiii) ademais, indica que a H..., Unipessoal, Lda. elaborou um relatório relativo à feira, do qual se retira o objetivo da feira, o que foi feito, os contactos que existiram, etc. (cfr. fls. 119 a 129 dos anexos ao relatório de inspeção);
xiv) no que concerne à Feira ... (Colômbia), a principal representante da Requerente foi F..., juntando-se algumas fotografias do stand e da feira (cfr. Documentos n.ºs 10 a 12), assim como fatura dos consumos de mini-bar num dos hotéis em que ficou alojada, de forma a comprovar a estadia no mesmo e cartão de embarque para Portugal (cfr. Documentos n.ºs 13 e 14);
xv) ainda relativamente a esta feira, indica que o teor da fatura FT 01/32 de 27/10/2016, emitida pela G...– Unipessoal, Lda, é mais do que suficiente para cumprir os requisitos das faturas exigidos pelo Código do IRC, o mesmo referindo para a fatura FT 01/65 de 27/10/2016 emitida pela H..., Unipessoal, Lda. (cfr. fls. 87 e 93 dos anexos ao relatório de inspeção);
xvi) indica também que, em relação a esta feira, a H..., Unipessoal, Lda. elaborou um relatório, do qual se retira o objetivo da feira, o que foi feito, os contactos que existiram, etc. (cfr. Documento n.º 15);
xvii) quanto à feira ... (Cabo Verde), a principal representante da Requerente na feira foi também F..., tal como comprovado pelo crachá identificativo da mesma (cfr. Documento n.º 16);
xviii) procedeu-se ainda à junção do draft da disposição da feira e do cartão de embarque de F... para Portugal (cfr. Documentos n.ºs 19 e 20);
xix) no que respeita ao facto de no catálogo não estar evidenciada a inscrição da Requerente, tal explica-se pelo facto de a inscrição nunca poder estar em nome da Requerente, mas sim da entidade que fez a inscrição;
xx) do mesmo modo, indica que o teor da fatura FT 01/33 de 27/10/2016, emitida pela G...– Unipessoal, Lda, é mais do que suficiente para cumprir os requisitos das faturas exigidos pelo Código do IRC, o mesmo acontecendo com o teor da fatura FT 01/66 de 27/10/2016 emitida pela H..., Unipessoal, Lda. (cfr. fls. 88 e 94 dos anexos ao relatório de inspeção);
xxi) mais refere que a H..., Unipessoal, Lda. elaborou um relatório relativo à feira, do qual se retira o objetivo da feira, o que foi feito, os contactos que existiram, etc. (cfr. fls. 131 a 140 dos anexos ao relatório de inspeção).
b) Quanto aos gastos com viagens:
i) alega, em síntese, que não pode ser penalizada pelo facto de a agência de viagens (I...) não ter enviado à inspeção os documentos dos processos a que se referem as faturas em causa;
ii) refere que as viagens em questão foram feitas pelas pessoas que a representaram nas feiras internacionais já aludidas, acrescentando que, no acordo que fez com a G...– Unipessoal, Lda. e com a H..., Unipessoal, Lda., ficou com a obrigação de pagar as viagens dos colaboradores das mesmas e o alojamento, sendo que a contratação das agências de viagens era efetuada pelas próprias empresa diretamente, com as faturas a serem emitidas em nome da Requerente;
iii) assim, a fatura FC 2016000/136 de 13/06/2016 (cfr. fls. 99 do anexo ao relatório) reportou-se à viagem de F... e alojamento da mesma no Brasil;
iv) a fatura FC 2016000/1291 de 13/10/2016 (cfr. fls. 101 do anexo ao relatório) reportou-se à viagem de F... e alojamento da mesma em Cabo Verde;
v) quanto à viagem com destino a Angola – a que se refere a fatura n.º FC2016000/137 de 13/06/2016 (cfr. fls. 100 do anexo ao relatório) – referiu que a feira de Angola foi adiada, uns dias antes da sua realização (cfr. Documento n.º 21);
vi) nesse sentido, solicitou a anulação da fatura em causa (cfr. Documento n.º 21), tendo a agência de viagens procedido à anulação mas com a indicação de Cabo Verde e com o valor incorreto (cfr. Documento n.º 22);
vii) em virtude do erro do valor, a Requerente solicitou a alteração da nota de crédito, mas nunca obteve resposta.
viii) nessa senda, conclui que os gastos deverão ser considerados em termos de IRC.
c) Quanto aos gastos com consultoria e coaching:
i) alega que ignora, sem qualquer obrigação de conhecer, as informações que constam no relatório relativamente à sua fornecedora, pelo que as mesmas são irrelevantes para a questão em apreço;
ii) nem a Requerente nem qualquer operador económico questiona aos seus fornecedores quantas faturas emitiu nesse ano antes de os contratar;
iii) a Requerente, no âmbito da sua pretensão de se expandir, decidiu que uma das formas de lograr tal expansão e desenvolvimento seria facultar aos seus colaboradores a aprendizagem de ferramentas que lhes permitissem desenvolver competências e valências que não costumam ser exploradas na normal atividade profissional;
iv) para tal, decidiu contratar a empresa J..., Lda., de forma a poder transmitir tais conhecimentos aos seus trabalhadores, tendo sido ministradas diversas sessões pela pessoa que se apresentou como gerente da empresa;
v) em ordem a comprovar a realização das diversas sessões e formações, procede à junção dos relatórios que foram elaborados pela empresa, dos quais resulta quais as ações, recomendações e todos os elementos relevantes (cfr. Documento n.º 23);
vi) mais refere que os beneficiários desta ação foram os colaboradores da Requerente, acrescentando que, em resultado daquela ação, existiu um aumento da qualidade do conhecimento dos colaboradores, bem como os mesmos sentiram-se integrados num processo de crescimento da empresa;
vii) além disso, potenciou um aumento substancial das vendas nos seus clientes já existentes, bem como a angariação e fidelização de novos clientes, e permitiu que a empresa crescesse em número de colaboradores, angariasse mais negócios e crescesse em termos de faturação;
viii) pelo que não restam dúvidas de que a aposta feita pela Requerente colheu frutos, daí que os gastos incorridos deverão ser considerados em termos de IRC.
Em 28 de setembro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, remetendo para o direito descrito no processo administrativo, de forma a evitar repetições inúteis.
Em termos gerais, refere que a Requerente não apresenta quaisquer factos novos em relação aos que já haviam sido apresentados até à emissão do Relatório Final da Inspeção Tributária, pelo que a Requerida reafirma as conclusões constantes desse relatório, não padecendo as correções decorrentes do mesmo de erro nos pressupostos de facto ou violação de lei.
Para tanto, refere que apenas são dedutíveis para efeitos de determinação da matéria coletável os gastos contabilizados que visem, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto (artigo 23.º, n.º 1 do CIRC) e que tais gastos devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito (artigo 23.º, n.ºs 3 e 4).
Ademais, defende que o direito à dedução dos gastos, sendo invocado pelo sujeito passivo, depende de determinados factos constitutivos cujo ónus da prova recai sobre o sujeito passivo (artigo 74.º, n.º 1 da LGT). Assim, acrescenta que a presunção da veracidade e de boa-fé das declarações dos contribuintes apresentados nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, cessa quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, ou quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações (artigo 75.º, n.º 2 da LGT).
Refere ainda a Requerida que, no caso presente, como lhe competia, a Inspeção Tribuária recolheu indícios suficientes para abalar fundadamente a putativa verdade declarativa, referindo que, in casu, os documentos de suporte (faturas e outros) quanto aos gastos patenteiam erros que não permitem aferir da efetiva substância dos serviços alegadamente prestados. Acrescenta que, indiciada a falta de correspondência do declarado com a matéria tributária real, o ónus da prova de molde a sustentar o declarado e a infirmar aqueles indícios recai sobre o contribuinte, pelo que, não sendo feita a prova por ele, suportará as consequências negativas do incumprimento daquele ónus.
Argumenta a Requerida que, no caso concreto, a Requerente não exibiu quaisquer documentos comprovativos emitidos pelas entidades organizadoras das feiras internacionais (exs: fichas de inscrição e certificados de participação), ficando por demonstrar, de modo cabal, a efetiva participação nesses eventos, designadamente:
i) das informações recolhidas junto das empresas prestadoras dos serviços quanto à participação nas feiras não se comprova o transporte dos materiais e/ou a deslocação de pessoas, nem é feita qualquer referência a F... (cujo nome apenas foi avançado aquando do direito de audição ante o projeto de relatório de inspeção e que não pertence às empresas supostamente prestadoras dos serviços);
ii) não existe qualquer referência à Requerente no catálogo da feira ... (Cabo Verde), nem a mesma apresenta qualquer prova cabal da sua efetiva participação no mencionado evento;
iii) no que respeita às faturas das viagens “I...”, a Requerente apenas parece imputar quaisquer irregularidades à mesma, ficando por demonstrar a efetiva realização das despesas em ordem à sua dedutibilidade, em face do artigo 23.º do CIRC, uma vez que não foi prestado qualquer esclarecimento adicional nem exibido qualquer documento complementar para além do que consta das faturas;
iv) no que respeita à fatura emitida pela sociedade “J... Lda.”, a Requerente nada aduz, em concreto, que possa fundar a efetiva prestação dos serviços, de modo a afastar os indícios em sentido contrário (i.e., a fatura foi a única emitida em 2016, a empresa não tinha trabalhadores ao serviço e não constam quaisquer faturas emitidas por outras entidades para a dita empresa relacionadas com a aquisição de bens e/ou serviços), apenas havendo uma proposta de serviços com data de 29/11/2015 e não havendo provas/evidências quanto aos locais em que os serviços foram prestados, quanto às datas em que foram realizados, quem foram as pessoas emissoras/recetoras dos mesmos, bem como, da necessidade da empresa de obtenção de tais serviços.
Nesta medida, a Requerida conclui que deverá ser proferida decisão que julgue o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado.
Em 9 de dezembro de 2021, o Tribunal Arbitral proferiu despacho no sentido de dispensar a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente no presente pedido de pronúncia arbitral e a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT), tendo fixado o prazo para a emissão da decisão em 21 de dezembro de 2021.
Adicionalmente, apreciou o requerimento apresentado pela Requerente no dia 28 de dezembro de 2021, bem como as alegações notificadas em 10 de janeiro de 2022.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação de IRC (com as legais consequências no ato silente de segundo grau que se formou), à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cfr. artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado dentro do prazo de 90 dias a contar da presunção de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. artigo 57.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”), conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, com remissão para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”)).
Não existem exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.
III. MATÉRIA DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. A Requerente foi objeto de uma inspeção tributária sobre o ano de 2016, da qual resultaram correções em sede de IRC (cfr. relatório de inspeção tributária) respeitantes a:
a) Gastos com feiras internacionais, no montante de € 105.600;
b) Gastos com viagens, no montante de € 12.121; e
c) Gastos com serviços de consultoria e coaching, no montante de € 45.000.
B. No decurso da inspeção tributária desencadeada, foram solicitados esclarecimentos e informações adicionais não só à Requerente, enquanto entidade inspecionada, mas também a outras entidades, nomeadamente fornecedores da Requerente;
C. Da referida inspeção resultaram correções em sede de IRC no montante de € 38.512,41 (incluindo juros compensatórios), que deram origem à liquidação adicional de IRC n.º 2020 ... – cfr. relatório de inspeção tributária e Documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral (PPA).
D. A Requerente não procedeu ao pagamento atempado do montante que resultou daquela liquidação adicional, pelo que foi citada para a execução fiscal, tendo posteriormente efetuado o pagamento de € 38.711,93 – cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA.
E. No dia 2 de julho de 2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC em questão – cfr. Documento n.º 3 junto ao PPA.
F. Não tendo a reclamação graciosa sido decidida no prazo de quatro meses, a Requerente presumiu o respetivo indeferimento tácito e apresentou no CAAD, 30 de abril de 2021, o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
G. Através da fatura FT 01/7 de 25 de maio de 2016, a G...– Unipessoal, Lda. faturou à Requerente o montante de € 13.500 (ao qual acresceu IVA), desagregado nos seguintes termos:
Aluguer de espaço para exposição de serviços/produtos em ... (€ 5.000);
Aluguer de equipamento para exposição de serviço/produtos em ... (€ 3.500);
Transporte de materiais para exposição de serviço/produto em ... (€ 2.000);
Serviços de promoção e divulgação da exposição de serviços/produtos em ... (€ 3.000).
H. Através da fatura FT 01/32 de 27 de outubro de 2016, a G...– Unipessoal, Lda. faturou à Requerente o montante de € 13.500 (ao qual acresceu IVA), com a descrição “Conceção e implementação de showroom Colômbia 2016”, e desagregado nos seguintes termos:
Aluguer de espaço (€ 5.000);
Aluguer de equipamento (€ 3.500);
Material promocional (€ 2.000);
Promoção e divulgação do local do evento (€ 3.000).
I. Através da fatura FT 01/33 de 27 de outubro de 2016, a G... – Unipessoal, Lda. faturou à Requerente o montante de € 13.500 (ao qual acresceu IVA), com a descrição “Conceção e implementação de showroom Cabo Verde 2016”, e desagregado nos seguintes termos:
Aluguer de espaço (€ 5.000);
Aluguer de equipamento (€ 3.500);
Material promocional (€ 2.000);
Promoção e divulgação do local do evento (€ 3.000).
J. Através da fatura FT 01/9 de 25 de maio de 2016, a H..., Unipessoal, Lda. faturou à Requerente o montante de € 21.700 (ao qual acresceu IVA), desagregado nos seguintes termos:
Aluguer de espaço para exposição na Feira ... 2016 (€ 6.000);
Aluguer de equipamento para a Feira ... 2016 (€ 3.000);
Transporte de materiais para a Feira ... 2016 (€ 1.200);
Construção de stand para a Feira ... 2016 (€ 4.200);
Conceção de material promocional para a Feira ... 2016 (€ 4.800);
Assistência local na Feira ... 2016 (€ 1.000);
Promoção e divulgação do local do stand na Feira ... 2016 (€ 1.500).
K. Através da fatura FT 01/65 de 27 de outubro de 2016, a H..., Unipessoal, Lda. faturou à Requerente o montante de € 21.700 (ao qual acresceu IVA), com a descrição “Feira ... 2016 (Colômbia)”, desagregado nos seguintes termos:
Aluguer de espaço para a feira ... 2016 (€ 6.000);
Aluguer de equipamento para a feira ... 2016 (€ 3.000);
Transporte de materiais para a feira ... 2016 (€ 1.200);
Construção de stand para a feira ... 2016 (€ 4.200);
Conceção de materiais promocionais para a feira ... 2016 (€ 4.800);
Assistência local na feira ...2016 (€ 1.000);
Promoção e divulgação do local do stand na feira ... 2016 (€ 1.500).
L. Através da fatura FT 01/66 de 27 de outubro de 2016, a H..., Unipessoal, Lda. faturou à Requerente o montante de € 21.700 (ao qual acresceu IVA), com a descrição “Feira em Cabo Verde 2016”, desagregado nos seguintes termos:
Aluguer de espaço para a feira ... 2016 (€ 6.000);
Aluguer de equipamento para a feira F... 2016 (€ 3.000);
Transporte de materiais para a feira ...2016 1.200);
Construção de stand para a feira ... 2016 (€ 4.200);
Conceção de materiais promocionais para a feira ... 2016 (€ 4.800);
Assistência local na feira ... 2016 (€ 1.000);
Promoção e divulgação do local do stand na feira ... 2016 (€ 1.500).
M. Todos os montantes faturados pela G... – Unipessoal, Lda e pela H..., Unipessoal, Lda, previamente melhor referidos, foram pagos pela Requerente àquelas entidades – cfr. documentos facultados pela Requerente no decurso da inspeção e que constam do processo administrativo junto ao presente PPA.
N. A Requerente apresentou um projeto no âmbito do “Portugal 2020” concernente à internacionalização de PME – cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA.
O. Os custos referentes às faturas emitidas pela G...– Unipessoal, Lda e pela H..., Unipessoal, Lda., previamente melhor referenciadas, foram considerados como elegíveis no âmbito da candidatura ao “Portugal 2020” que a Requerente apresentou.
P. A K... Lda. faturou o montante de € 3.640 à Requerente, desagregado nos seguintes termos:
€ 1.360 referentes à fatura n.º VD 02.A/13668 de 12 de fevereiro de 2016, com a descrição “Viagem e alojamento a Espanha” e referente ao processo n.º 380/16;
€ 1.180 referentes à fatura n.º VD 02.A/14622 de 12 de outubro de 2016, com a descrição “Viagem e alojamento a Espanha” e referente ao processo n.º 3110/16; e
€ 1.100 referentes à fatura n.º VD 02.A/14682 de 7 de novembro de 2016, com a descrição “Viagem a Cabo Verde” e referente ao processo n.º 3551/16.
Q. No decurso da inspeção, a K... Lda. foi solicitada para prestar informações quanto aos passageiros das viagens referidas nas faturas previamente melhor mencionadas, tendo por base o n.º de processo referenciado em cada um dos documentos, tendo informado:
Relativamente ao processo n.º 380/16, o passageiro foi L... e refere-se a uma viagem para Cabo Verde entre 19 de março e 10 de abril de 2016;
Relativamente ao processo n.º 3110/16, o passageiro foi M... e refere-se a uma viagem para o Funchal entre 14 e 17 de outubro de 2016; e
Relativamente ao processo n.º 355116, o passageiro foi N... e refere-se a uma viagem para o Brasil entre 27 de novembro de 2016 e 22 de janeiro de 2017.
R. Confrontada com tais informações, a Requerente informou que os referidos passageiros não eram seus colaboradores e indicando que não conhecia as pessoas identificadas nas viagens.
S. A I... Lda. faturou o montante de € 8.481 à Requerente, desagregado nos seguintes termos:
€ 2.700 referentes à fatura n.º FC 2016000/136 de 13 de junho de 2016, com a descrição “Destino: Brasil – I... 2016” e referente ao processo n.º 121/16;
€ 2.959 referentes à fatura n.º FC 2016000/137 de 13 de junho de 2016, com a descrição “Destino: Angola – ... 2016” e referente ao processo n.º 122/16; e
€ 2.831 referentes à fatura n.º FC 2016000/291 de 31 de outubro de 2016, com a descrição “Destino: Cabo Verde ...2016” e referente ao processo n.º 230/16.
T. No decurso do procedimento inspetivo em questão, a I... Lda. foi solicitada para prestar informações adicionais quanto às faturas previamente melhor mencionadas, não tendo a inspeção tributária logrado obter qualquer informação por parte deste fornecedor da Requerente.
U. A J... Lda faturou à Requerente o montante de € 45.000 (ao qual acresceu IVA) através da fatura n.º 1 2016/1 de 20 de julho de 2016 cujo descritivo indica “Serviço de consultoria e coaching à gestão. Relativo ao 1.º Semestre”.
V. No decurso da inspeção, a J... Lda foi notificada para prestar informações adicionais sobre os serviços em causa na fatura previamente melhor referenciada, não tendo a inspeção tributária logrado obter qualquer informação por parte deste fornecedor da Requerente e tendo verificado que a entidade havia cessado a sua atividade a 21 de março de 2018.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão, devam considerar-se não provados os seguintes factos alegados:
A. A inscrição e participação da Requerente nas feiras internacionais, previamente aludidas, nos moldes em que alega tê-lo feito;
B. A representação da Requerente nas referidas feiras internacionais por intermédio de F...;
C. Em que qualidade F... terá representado a Requerente nas referidas feiras internacionais;
D. A efetiva realização, e em que moldes, da formação ministrada pela J..., Lda. à Requerente;
E. Os destinatários/participantes da formação ministrada pela J... Lda.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos junto à petição da Requerente, no processo administrativo junto pela Requerida com a Resposta, e, na posição das partes apreciada pelo Tribunal segundo a sua livre convicção.
IV. DIREITO
Atendendo às posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados, o pedido de pronúncia arbitral a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade da liquidação adicional de IRC em questão e o correspondente pedido de juros indemnizatórios.
A pretensão da Requerente, traduz-se, em síntese, na consideração dos gastos em questão como dedutíveis em termos de IRC. Assim, quanto aos gastos referentes a feiras internacionais, alega que contratou os serviços de duas entidades (G... – Unipessoal, Lda e pela H..., Unipessoal, Lda,) para que a representassem nas referidas feiras e que esses serviços eram exponencialmente mais completos e profissionais relativamente aos que disponibilizavam as missões das entidades institucionais. No que respeita aos gastos com as viagens, a Requerente nada alega quanto aos gastos faturados pela K... Lda. Já quanto aos restantes gastos com viagens, alega que se referem às viagens feitas pelas pessoas que a representaram nas feiras em questão e que a contratação das mesmas ficou a cargo das próprias empresas que contratou, com as faturas a serem emitidas em seu nome. Por fim, quanto aos gastos com serviços de consultoria e coaching, refere a Requerente que tais gastos visaram facultar aos seus colaboradores a possibilidade de desenvolverem competências e valências essenciais para o seu desenvolvimento profissional.
Por seu turno, a Requerida contra-argumenta referindo que apenas são dedutíveis para efeitos de determinação da matéria coletável os gastos contabilizados que visem, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto (artigo 23.º, n.º 1 do CIRC). Além disso, refere que os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito (artigo 23.º, n.ºs 3 e 4). Conclui, em síntese, que a inspeção tributária recolheu suficientes indícios para abalar fundadamente a putativa verdade declarativa e que, no caso, os documentos de suporte (faturas e outros) quanto aos gastos patenteiam erros que não permitem aferir da efetiva substância dos serviços alegadamente prestados. Ademais, salienta que o sujeito passivo poderia ter feito soçobrar a putativa pretensão da administração tributária em efetuar uma liquidação adicional, mas não o fez, embora tenha tido várias e sucessivas possibilidades para tal. Reitera, assim, que a Requerente não exibiu quaisquer documentos comprovativos emitidos pelas entidades organizadoras das feiras internacionais (e.g., fichas de inscrição e certificados de participação), ficando por demonstrar, de modo cabal, a efetiva participação nesses eventos. No que se refere particularmente às faturas da I... Lda. afirma que a Requerente apenas parece imputar quaisquer irregularidades ao fornecedor, ficando por demonstrar a efetiva realização das despesas em ordem à sua dedutibilidade, em face do artigo 23.º do CIRC. Por fim, quanto à fatura emitida pela J... Lda., argumenta a Requerida que a Requerente nada aduz, em concreto, que possa fundar a efetiva prestação dos serviços, de modo a afastar os indícios em sentido contrário.
Perante o exposto, e entrando na fundamentação de direito da presente decisão arbitral, importará aludir preliminarmente, e de forma sumária, ao estabelecido no CIRC quanto à dedutibilidade de gastos.
Assim, determina o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. Além disso, estabelece-se no n.º 3 do mesmo preceito que os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.
Nessa senda, o n.º 4 acrescenta que o documento comprovativo deve conter, pelo menos, (i) o nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, (ii) os números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional, (iii) a quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados, (iv) o valor da contraprestação, designadamente o preço e (v) a data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizado.
Para além disso, e tendo em conta toda a factualidade já apresentada, a questão central na presente decisão prende-se com o ónus da prova e comprovação documental dos gastos em causa e, nessa medida, não pode deixar de aludir-se ao preceituado no artigo 75.º da LGT.
Com efeito, o n.º 1 daquele preceito determina: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”. Todavia, o n.º 2 do artigo 75.º da LGT prevê um conjunto de situações em que a presunção de veracidade estabelecida no n.º 1 deixa de se verificar. Nomeadamente, aquela presunção não se verifica quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” (cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT).
Veja-se, a propósito, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (vide Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª edição, Vislis, 2012, pp. 664 e 665) que referem que no n.º 1 do artigo 75.º da LGT “(…) estabelecem-se presunções legais de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à administração tributária e dos dados que constarem da sua contabilidade e escrita, se estiverem de acordo com a legislação comercial e fiscal. Assim, nestes casos, se a administração tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar como verdadeiro”. Por outro lado, salientam os mesmos autores que “Se as declarações ou a contabilidade e escrita apresentarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de valer aquelas presunções. Por isso, a prova dos factos que são objeto da contabilidade fica sujeita às regras do ónus da prova estabelecidas no art. 74.º da LGT (…) mesmo que não venha a ser feita a utilização de métodos indiretos de avaliação, será ao contribuinte que caberá demonstrar os factos relevantes para a fixação da matéria coletável, nos pontos em que há deficiências nas declarações, contabilidade ou escrita”.
A questão em moldes idênticos à do presente pedido de pronúncia arbitral já foi também debatida na jurisprudência, pelo que importará igualmente aqui fazer a devida menção.
Veja-se, desde logo, o referido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no acórdão de 24/10/2007 (Processo n.º 0479/07), que de seguida se transcreve:
“Examinando o acórdão recorrido, constata-se que nele não se formulou um juízo afirmativo relativamente à falsidade das facturas que a administração tributária considerou falsas. Na verdade, o Tribunal Central Administrativo concluiu apenas que «existem (...) sérios indícios de que as facturas em causa não consubstanciam quaisquer operações, pelo que está justificada a actuação da administração, e não tendo logrado a ora recorrida provar a veracidade das operações em causa, não podem os montantes dessas facturas ser considerados custos como bem propugna a AF»
Isto é, o Tribunal Central Administrativo não considerou provado que as facturas sejam falsas, mas sim que existem sérios indícios de que o sejam e, nessas condições, caberia à Impugnante o ónus de provar a veracidade das operações a que elas se reportam.
Assim, a questão de direito que se coloca, e que é a única que cabe apreciar a este Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos seus poderes de cognição, consiste em saber se, no circunstancialismo que resulta da matéria de facto fixada, o ónus da prova da veracidade das referidas facturas cabia à Impugnante.
Esta questão terá de ser apreciada à face dos arts. 78.º e 121.º do CPT, vigentes nos momentos em que ocorreram os factos que, de resto, no que aqui interessa, têm teor idêntico aos arts. 75.º, n.º 1, da LGT e 100.º do CPPT, que lhes sucederam.
Ademais, acrescenta-se ainda no acórdão em apreço que a regra do mencionado artigo 78.º do CPT (correspondente ao atual artigo 75.º da LGT) vale no procedimento tributário, mas também é aplicável no processo judicial, pelo que conclui que o critério de repartição do ónus da prova é o mesmo. Nesse sentido, refere:
“Assim, por força da referida restrição dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal Administrativo, tem de ser acatado o decidido pelo Tribunal Central Administrativo neste juízo sobre a matéria de facto. Consequentemente, tem de entender-se que não vale a referida presunção do art. 78.º do CPT, pois se verifica uma das situações em que a sua parte final determina a sua cessação, que é a de existirem «indícios fundados de que ela (a contabilidade) não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte». Embora esta regra esteja prevista para o procedimento tributário, ele é aplicável também no processo judicial, isto é, quem tem o ónus da prova no procedimento tributário também o terá de ter no processo judicial em que vai ser apreciada a decisão nele proferida (…) pelo que o critério de repartição deverá ser o mesmo, como impõe a coerência valorativa e axiológica imposta pelo princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primordial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil). Com efeito, não se compreenderia que, com base num determinado critério sobre o ónus da prova, se levasse a administração tributária a praticar um acto de liquidação (que, à face deste critério, seria legal), para, depois, no processo judicial, inverter o ónus da prova sobre os mesmos factos, levando o tribunal a decretar a anulação desse acto, por ilegalidade consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto, sem que sobreviesse qualquer alteração da matéria de facto”.
No caso em apreciação pelo STA, acabou assim por concluir-se que “(…) no caso em apreço, cessou a presunção prevista no art. 78.º do CPT por existirem indícios sérios de que, no que concerne às facturas em causa, a contabilidade do contribuinte não reflecte a matéria tributável, é sobre este que recai o ónus da prova da realização das transacções contabilizadas com base nessas facturas. Assim, tendo o Tribunal Central Administrativo, depois da ponderação da prova produzida, chegado a uma situação de dúvida sobre a correspondência entre o teor das facturas em causa e a realidade, essa dúvida tem de ser processualmente valorada contra a Impugnante, por ser quem tem o ónus da prova (…) Consequentemente, não se tendo demonstrado que as operações comerciais referidas nas facturas em causa se realizaram efectivamente, a impugnação teria de improceder, como bem decidiu o Tribunal Central Administrativo”.
Ainda que com um desfecho diferente – considerando naturalmente as particularidades da factualidade em causa – não pode deixar de aludir-se ao percurso argumentativo seguido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) no seu acórdão de 14-01-2021 (Processo n.º 469/09.8BESNT), que se passa a transcrever:
“Nas situações em que as faturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto refletirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efetiva existência das alegadas transações (cf. Acórdãos do STA de30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).
O art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, desde quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cf. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).
Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte (…) Por outras palavras, a AT não necessita de demonstrar a falsidade das faturas, basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art.75.º da LGT)”.
E para que a AT chegue aos designados “indícios fundados”, acrescenta-se no mesmo acórdão que “(…) poderá recorrer à prova indireta “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 154)”.
Além do mais, refere-se ainda que a AT “(…) pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas (faturas falsas ou fictícias)”.
Aqui chegados, importará agora transportar toda a fundamentação de direito previamente exposta para o caso que agora cumpre decidir.
A título prévio, deve desde logo salientar-se que não poderá ser acolhida a argumentação da Requerida para a desconsideração dos gastos suportada nos requisitos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC, e bem assim as considerações tecidas sobre os moldes seguidos pela Requerente para a participação nas feiras internacionais (designadamente, o facto de não ter optado por participar através das missões promovidas pelas entidades institucionais). Assim, por um lado, entende-se que os gastos em questão se encontram suportados por faturas que terão sido emitidas na forma legal e, grosso modo, em cumprimento dos requisitos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC (isto sem prejuízo de posteriores considerações que se farão acerca da efetiva realização dos gastos e das inexatidões verificadas entre as faturas emitidas e os serviços a que respeitam). Por outro lado, e tal como é pacífico na própria jurisprudência, não cabe à AT interferir na gestão das empresas, cumprindo-lhe apenas aferir se os gastos realizados se enquadram no âmbito do objeto social da empresa (a título exemplificativo, veja-se os acórdãos proferidos pelo STA nos processos n.º 0107/11 de 30/11/2011, n.º 0779/12 de 24/09/2014 ou n.º 0627/16 de 28/06/2017). A este respeito, tem-se mesmo entendido que “(…) um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa (…)” (cfr. acórdão do STA de 28/06/2017, Processo n.º 0627/16).
Desta forma, no caso concreto, ter-se-ia de partir da presunção de veracidade dos documentos inscritos na contabilidade da Requerente, tal como determina o n.º 1 do artigo 75.º da LGT, cabendo à AT, ora Requerida, demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita da Requerente.
Conforme ficou previamente salientado, com recurso ao proferido pela própria jurisprudência, para fazer cessar aquela presunção de veracidade, é suficiente que a AT demonstre a existência de indícios fundados, que devem ser objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais. Ora, no caso, é de entender que a Requerida, por todas as diligências que encetou (tal como lhe cabia em virtude do princípio do inquisitório a que está adstrita), logrou obter os indícios suficientes para abalar a presunção de veracidade das declarações e documentos da contabilidade da Requerente – é o que se pode concluir, aliás, pela consulta dos documentos que integram o processo administrativo e, particularmente, dos documentos referentes à inspeção tributária. Designadamente, em relação a todos os gastos em questão (feiras internacionais, viagens e serviços de consultoria e coaching), a Requerida apresentou indícios suficientes para colocar em causa a efetiva realização dos gastos (ou, pelo menos, nos moldes alegados pela Requerente), verificando erros e inexatidões patentes nas faturas e outros documentos de suporte dos gastos (e.g., o descritivo de certas faturas de viagens não correspondia à realidade dos factos), para além de certas incongruências ou menor clareza nas explicações dadas pela Requerente quanto à realização desses gastos (e.g., quem terá representado a Requerente nas feiras internacionais).
Nessa medida, a presunção de veracidade consagrada no n.º 1 do artigo 75.º da LGT cessa, tendo por base o disposto na alínea a) do n.º 2 do mesmo preceito, que determina que tal presunção não se verifica quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. Ou seja, era à Requerente que cabia o ónus da prova sobre a efetiva realização dos mencionados gastos, em ordem a fazer decair os indícios recolhidos pela Requerida.
Sucede que, tendo em conta toda a factualidade trazida ao presente processo, verifica-se que a Requerente não foi capaz de fazer decair os indícios fundados da Requerida. Efetivamente, repare-se que, no que aos gastos com as feiras internacionais diz respeito, a Requerente não juntou qualquer certificado de participação ou comprovativo de inscrição nas referidas feiras, não conseguiu comprovar ou demonstrar a sua a efetiva participação nas feiras através de outras formas nem conseguiu esclarecer e comprovar de forma clara e cabal quem a representou nas referidas feiras e em que termos. Por outro lado, quanto aos gastos com viagens, a Requerente nada alega quanto a uma parte dos gastos, em relação aos quais se verificaram inexatidões entre o teor / descrição das faturas e os seus documentos de suporte (que indicavam, nomeadamente, destinos diferentes e a referência a pessoas alheias à Requerente) e não prestou informações ou documentos adicionais em relação aos restantes gastos, pelo que, também neste âmbito, não foi capaz de abalar os indícios suscitados pela Requerida. Da mesma forma, no que aos gastos com serviços de consultoria e coaching diz respeito, e perante os indícios fundados da Requerida sobre a não efetividade dos serviços, a Requerente também não conseguiu demonstrar cabalmente a sua efetiva realização (e.g., indicando e comprovando quem beneficiou da formação).
Em suma, incumbia à Requerente o ónus da prova quanto à realização dos gastos em questão, incumbindo-lhe demonstrar cabalmente que os gastos foram realizados, o que não logrou fazer. Por isso, chegados a uma situação de dúvida sobre a correspondência entre o teor das faturas em causa e a realidade, essa dúvida tem de ser valorado contra a Requerente, por ser quem tem o ónus da prova.
Portanto, e perante tudo quanto fica exposto, o presente pedido de pronúncia arbitral terá de ser julgado totalmente improcedente.
Consequentemente, será também de julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios peticionado pela Requerente. Com efeito, e de acordo com o disposto no artigo 43.º da LGT, para que haja direito a juros indemnizatórios, e para além de outros requisitos, torna-se necessário que tenha havido o pagamento indevido de uma prestação tributária, o que no presente pedido de pronúncia arbitral não veio a concluir-se, tal como previamente exposto.
V. DECISÃO
À face do exposto, decide o presente Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral; e
b) Condenar a Requerente ao pagamento das custas pelo presente processo
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 38.512,41, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 3 do RCPAT, fixa-se o valor das custas no montante de € 1.836, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de janeiro de 2022
Tribunal Arbitral Singular,
Sérgio Santos Pereira