Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 697/2020-T
Data da decisão: 2022-01-03  IRC  
Valor do pedido: € 60.000,01
Tema: IRC – Princípio da periodização económica; princípio da justiça; reconhecimento de juros de empréstimos concedidos. Ampliação da instância. Valor da causa.
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SUMÁRIO:

1.            Atento o disposto no artigo 63.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, sendo peticionada a ampliação da instância visando abranger um ato de liquidação de IRC que foi praticado pela AT na sequência e em execução da decisão de indeferimento parcial de um recurso hierárquico, deve concluir-se pela existência do necessário nexo de conexão entre esses atos, o que permite a cumulação no processo de pedido dirigido à anulação daquele novo ato de liquidação.

2.            Para determinar o valor da causa relativamente a impugnações da matéria coletável em que não haja imposto a pagar ou em que a liquidação (do imposto) não seja impugnada, deve aplicar-se a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT e não a alínea a); aquela alínea b) impõe que a determinação do valor da causa se faça segundo o critério objetivo nela consagrado, ficando pois afastada a possibilidade dessa determinação ser feita em função de um critério subjetivo na disponibilidade do contribuinte.

3.            Pese embora do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC resultar uma vinculação para a AT no sentido de, em regra, dever aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelas empresas, não se pode escamotear o facto de que o exercício daquele poder de controle por parte da AT, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça.

4.            Na ponderação dos valores em causa – por um lado, o princípio da periodização económica e, por outro lado, o princípio da justiça – é manifesto que, em caso de incompatibilidade, deve ser dada prevalência a este último princípio nos casos em que não tenha resultado prejuízo para o erário público e se constate que não estamos perante comportamentos voluntários e intencionais, com o objetivo de obter vantagens fiscais.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dra. Raquel Franco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 27 de novembro de 2020, A..., S.A. (atualmente denominada B..., S. A.), NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ... andar, Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação:

(i) do ato de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2019...; e

(ii) do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., relativo ao ano de 2014 e do qual resultou o montante total a reembolsar de € 250.606,14.

A Requerente juntou 4 (quatro) documentos, arrolou 2 (duas) testemunhas e requereu a prestação de declarações de parte de um dos seus administradores, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.    

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, o seguinte que passamos a citar:

«- Com relevo para a causa, a ora Requerente havia celebrado contratos de mútuo com três entidades, a saber: (i) C...; (ii) D..., SGPS S.A.; (iii) E....

- No exercício de 2014 a Requerente não logrou receber qualquer rendimento de juros associados aos contratos acima identificados – facto não controvertido.

- A Requerente não reconheceu, no exercício em escrutínio, qualquer rendimento de juros associado a qualquer dos contratos em questão.

- (…), a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção tributária externo, de âmbito geral, abrangendo, entre outros, o IRC do exercício de 2013 e 2014. 

- As conclusões dos serviços de inspeção tributária conduziram às seguintes correções à matéria tributável apurada pela Requerente naquele exercício: (i) correção no montante total de € 1.217.710,44, correspondente aos juros não contabilizados pela Requerente, decorrentes dos empréstimos concedidos à D..., SGPS, S.A., à E... e à C... ; (…).

- (…), a Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRC, (…), referente ao exercício de 2014, constituindo o objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

- Da análise do teor das notificações dos atos recebidos pela Requerente, não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, conforme é exigido pelo disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, por forma a justificar a decisão nela inserta.

- Assim, resultam não indicados os fundamentos, de facto e de direito, que subjazem aos atos de liquidação ora em crise, quer para um destinatário normal, quer também, principalmente, para a ora Requerente. 

- (…), a decisão ora contestada, corporizada no ato de liquidação em crise, é claramente insuficiente quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, pois não permite conhecer o itinerário cognoscitivo, de facto e mormente de direito, que lhe subjaz,

- estando, por isso, inquinada de vício de forma, nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e artigo 77.º da Lei Geral Tributária.

- razão pela qual deve ser anulada em conformidade, de acordo com o artigo 164.º do Código de Procedimento Administrativo.

- Mais: a Requerente questiona a própria relação do Relatório de Inspeção com os atos de liquidação em apreço, por tal relação não resultar minimamente expressa – como se impunha – de tais atos tributários.

- não foi também a ora Requerente notificada nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária,

- (…), violação esta, do citado preceito legal, que, por si só, implica a anulação dos atos de liquidação ora contestados, por preterição de formalidade legal essencial.                     

- (…) os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., ao não sustentarem nas Conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos concretos em que baseiam as correções propugnadas, não dão cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos de liquidação em apreço, (…).         

- (…), a fundamentação da Administração tributária assenta em meros juízos conclusivos, suposições ou presunções, sem concretização daquilo que invoca e em que, supostamente, assenta a sua pretensão de tributação, em clara e evidente violação do disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

- (…), sempre caberia à Administração tributária a prova dos factos dos quais resulte a probabilidade clara e inequívoca de, a título de exemplo, os ativos financeiros em causa na primeira correção não serem instrumentos financeiros com vista à negociação,

- Nestes termos, não só a Administração tributária procedeu à errónea qualificação dos factos alegados, como a sua decisão viola as regras vigentes quanto à distribuição do ónus da prova (e, assim, também o artigo 74.º da Lei Geral Tributária) e padece de vício na fundamentação legalmente exigida (violando, assim, também o disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 77.º da Lei Geral Tributária). 

- No que respeita ao empréstimo concedido pela Requerente à D..., SGPS, S.A., conforme reconhecido pela Administração tributária, (…), foi celebrado, em janeiro de 2013, um acordo de pagamento entre as partes, sobre o valor em dívida de € 16.967.299,90, a liquidar em 2013 e 2014, tendo sido estabelecida uma taxa de juro fixa de 3,5%.

- (…) conforme reconhece a Administração tributária, a Requerente reconheceu os correspondentes juros nos exercício de 2011 e 2012, não tendo, todavia, recebido o seu pagamento [da D..., SGPS, S.A.],

- motivo pelo qual, nos exercícios seguintes, não reconheceu (nem recebeu) qualquer montante a título de juros.

- Já no que refere ao não reconhecimento de juros, pela Requerente, nos empréstimos concedidos à E..., resulta do Relatório de Inspeção Tributária que a Requerente apresentava um saldo devedor na rubrica “Outras Contas a receber”, com data efetiva desde 1 de janeiro de 2013.

- (…), a Requerente esclareceu, durante o procedimento inspetivo, que o referido saldo resultava de acordos de pagamento estabelecidos com a E..., originalmente em 26 de fevereiro de 2009 e posteriormente em 12 de outubro de 2011  em 22 de janeiro de 2015, sendo que, nestes últimos, previa-se o pagamento de juros às taxas de 4% e 1,9% respetivamente.   

- (…), a Requerente reconheceu, apenas, juros relativamente ao ano de 2011, não tendo logrado receber qualquer pagamento [da E...] nos anos posteriores, pelo que, consequentemente, não reconheceu juros no exercício de 2014.

- (…), no caso em apreço, perante a falta contínua de pagamento dos valores em dívida, pelas entidades em causa, à Requerente, não era expectável – e, por isso, não era provável – que a quantia de juros fluísse para a entidade no período em causa.

- (…) motivação subjacente ao não reconhecimento, (…) não é, minimamente, relacionada com a transferência de resultados entre exercícios, mas antes com a adequação e transparência do relato financeiro da Requerente, com a verdade material, pugnando uma tributação de acordo com o princípio da capacidade contributiva. 

- (…), no que concerne a uma hipotética violação do princípio da especialização dos exercícios, a interpretação veiculada pela Administração tributária é desconforme com a verdade material e capacidade contributiva – por a Administração tributária querer imputar e tributar determinado rendimento que, em termos fácticos, inexiste no período em causa – ferindo, em igual medida, o princípio da justiça.

- Acresce que, da aplicação do princípio da especialização de exercícios pelo reconhecimento do rendimento em causa no exercício de 2014, não resultaria, como pretende a Administração tributária, a tributação desse rendimento ficcionado.

- Com efeito, note-se que, em face do não recebimento do rendimento de juros sempre haveria lugar ao reconhecimento de uma perda por imparidade por dívidas a receber, dedutível nos termos do artigo 28.º-A do CIRC.

- (…) a Decisão de (in)deferimento parcial do Recurso hierárquico, na parte ora contestada, assenta em pressupostos de facto e de direito não conformes com as normas e princípios jurídicos aplicáveis, caracterizando-se por uma incorreta aplicação da lei aos factos.  

- (…) a procedência do presente Pedido de Pronúncia Arbitral deverá determinar a restituição, à Requerente, das quantias indevidamente pagas por esta, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios calculados à taxa legal.»

               

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à AT em 30 de novembro de 2020.

               

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18 de janeiro de 2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 3 de maio de 2021.

 

4. No dia 7 de julho de 2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida arrolou uma testemunha, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas; na mesma ocasião, a Requerida procedeu à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:

                «- (…), no caso concreto, embora das notas de liquidação ora juntas não conste a fundamentação integral, de facto e de direito das liquidações, certo é que a Requerente também admite que as liquidações ora impugnadas assentam no relatório da inspeção que lhe foi efectuada, e cujas conclusões, de facto e de direito, acaba a Requerente por atacar no presente p.p.a.

                - (…), nos termos do mesmo Relatório Final, consta, aliás, que “a breve prazo os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respectiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar”.

                - Por outro lado, da notificação da referida liquidação também consta que a Requerente é notificada conforme “nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida”.

                - Deste modo, não pode a Requerente vir agora invocar desconhecimento do facto de que foi notificada de um projecto e de um relatório final da Inspecção Tributária, bem como, que deste último decorreria a necessária notificação da liquidação respectiva.

                - A notificação do acto, (…), não se confunde com o acto tributário de liquação e, no caso, este está devidamente fundamentado, de facto e de direito, constando tal fundamentação do Relatório Final de Inspecção Tributária.

                - E, deste modo, não faz sentido a Requerente assacar ao acto de notificação quaisquer vícios de forma, por falta de fundamentação e, por consequência, invocar a falta de fundamentação por remissão.

                - (…) as razões, de facto e de direito, das correcções que determinaram as liquidações ora impugnadas que constam do Relatório da Inspecção Tributária e dos pareceres e despachos sobre ele exarados, são suficientes, claros e congruentes.

                - Aliás, a Requerente com o presente p.p.a. demonstra conhecer perfeitamente o iter cognoscitivo e valorativo dos actos tributários em apreço.

- (…), se verificasse uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação, cabia à Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respectiva notificação ou emissão da certidão em conformidade.

- (…), ainda que o acto sub judice padecesse de deficiências ao nível do discurso fundamentador, (…), tais deficiências degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais, uma vez que, ainda assim, tais deficiências permitiram o cabal esclarecimento do seu destinatário, possibilitando-lhe insurgir-se contra elas, como, aliás, fez a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral.     

- O fundamento legal da correcção dos juros [referentes ao empréstimo concedido à D..., SGPS, S.A.] ao lucro tributável é constituído, em primeira linha, pela aplicação do princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo enunciado no artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC e pelos parágrafos 29 e 30 da NCRF 20, tendo sido utilizada para a determinação da remuneração dos empréstimos em dívida a 31.12.2013, o acordo de reconhecimento de dívida e de pagamento celebrado entre as partes a 03.01.2013, que estipulava uma taxa de 3,5% (…).

- Relativamente à taxa de juro fixada pelas partes, no acordo de pagamento, os SIT consideraram que respeitava o princípio de plena concorrência (artigo 63.º, n.º 2 do Código do IRC). 

- O fundamento legal desta correcção [respeitante aos juros referentes ao empréstimo concedido ao E...] é descrito no RIT (…) nos seguintes termos: “Chamando-se novamente atenção ao disposto no artigo 18.º do CIRC e aos parágrafos 29 e 30 da NCRF 20, também neste caso a A... deveria ter imputado aos períodos de tributação de 2013 e 2014 os juros estabelecidos nos acordos, independentemente da falta de pagamento dos valores em dívida.”

- (…) o artigo 18.º não estabelece as condições especificas a observar para a determinação do momento do reconhecimento dos rendimentos dos juros, mas dada a relação de dependência (parcial) da contabilidade, desde que comprovada a sua efectiva verificação nada parece obstar à sua utilização.

- Importa, então, averiguar se, nas situações concretas sob análise, existem incertezas quanto ao direito ao recebimento dos juros e quanto ao respectivo montante (cfr. parágrafo 29) da NCRF 20).

- (…), no que concerne ao direito ao recebimento dos juros nenhuma dúvida existe, porquanto, resulta dos termos estabelecidos nos contratos de empréstimos e dos acordos de pagamento, celebrados entre as partes, direito que não está condicionado à ocorrência de qualquer evento posterior e, relativamente ao apuramento dos correspondentes quantitativos, as duas variáveis utilizadas nos cálculos – capital em divida e taxa de juro – estão também perfeitamente definidas.   

- (…) a Requerente alterou a política contabilística adoptada em 2011 e 2012 sobre o reconhecimento dos rendimentos provenientes de juros, substituindo o regime do acréscimo pelo regime de caixa, sem estarem preenchidos os tipos de incerteza definidos na NCRF 20, parágrafo 29.

- Aliás, nenhuma explicação é dada sobre os motivos de não pagamento dos juros devidos pela sociedade-mãe (D..., SGPS, S.A.) ou pela E..., tanto mais que a primeira até assumiu e liquidou a dívida da segunda à Requerente.

- (…), do ponto de vista contabilístico e fiscal, a Requerente estava obrigada a reconhecer os rendimentos de juros, independentemente da data do seu recebimento, pois que, o princípio do acréscimo obriga a reconhecer os rendimentos e ganhos e os gastos e perdas, quando eles ocorrem, independentemente do momento em que vierem a verificar-se os correspondentes fluxos financeiros ou monetários.  

- Há, assim, uma violação do regime da periodização económica, consagrado no artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC e nos normativos contabilísticos, resultante da decisão de remeter o reconhecimento dos juros como rendimentos para os momentos em que os mesmos são recebidos, tendo uma tal decisão provocado um efeito negativo no lucro tributável do exercício de 2014.

- (…), não se entende a afirmação de que, “em face do não recebimento dos juros, sempre haverá lugar ao reconhecimento de uma perda por imparidade por dívidas a receber, dedutível nos termos do artigo 28.º-A do Código do IRC”, dado que os empréstimos em causa não são qualificáveis como créditos resultantes da actividade normal, como é exigido pelo citado artigo e, além disso, salvo os casos referidos no n.º 1, não são considerados de cobrança duvidosa nos termos do artigo 28.º-B, n.º 3, alínea c) os créditos sobre sócios que detenham directa ou indirectamente mais de 10% do capital da sociedade credora, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.»          

 

5. No dia 4 de outubro de 2021, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, foi proferido despacho arbitral a prorrogar por 2 (dois) meses o prazo para a prolação e notificação da decisão arbitral.

 

6. No dia 23 de novembro de 2021, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido indicado o dia 3 de janeiro de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral – e procedeu-se à tomada de declarações de parte de um administrador da Requerente, bem como à produção de prova testemunhal.

 

7. Ambas as partes apresentaram alegações escritas que aqui se dão por inteiramente reproduzidas e nas quais essencialmente reiteraram as posições anteriormente vertidas nos respetivos articulados.

 

II. SANEAMENTO

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

§1. AMPLIAÇÃO DA INSTÂNCIA

                9. Em 30 de dezembro de 2020, a Requerente apresentou um requerimento no qual expõe e requer o seguinte:

                «1.º (…) foi a Requerente notificada da concretização da Decisão que procedeu ao (in)deferimento parcial do Recurso Hierárquico que antecedeu o presente Pedido de Pronúncia Arbitral, materializada na liquidação corretiva de IRC, do exercício de 2014, n.º 2020 ..., que ora se junta ao presente Requerimento, (…). 

                2.º Assim, por cautela do patrocínio, peticiona-se a ampliação dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 63.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi al. c), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT,

3.º por forma a abranger, também, a apreciação do ato tributário que ora se junta, nos mesmos termos e com os mesmos fundamentos constantes da Petição Inicial, por reincidir nos vícios assacados ao ato de liquidação originalmente controvertido,

                4.º acautelando-se, assim, o eventual entendimento da Administração tributária de que o ato de liquidação corretiva que ora se junta possa ter um efeito substitutivo, e não meramente corretivo, da liquidação controvertida.

Nestes termos, requer-se, muito respeitosamente, a V. Exas. que se dignem:

A. Admitir a junção aos presentes autos da liquidação e IRC corretiva n.º 2020 ...;

B. Ampliar o objeto dos presentes autos, por forma a que os mesmos passem a correr termos também contra a liquidação (corretiva) n.º 2020 ..., na medida em que a mesma reincide nos mesmos vícios apontados ao ato controvertido.» 

 

10. Em 30 de dezembro de 2020, a Requerida foi devidamente notificada desse requerimento, não se tendo pronunciado quanto ao mesmo.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

11. O artigo 63.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, estatuindo sobre a ampliação da instância, prevê, além do mais, o seguinte:

“1. Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas.

2. O disposto no número anterior é extensivo (…) às situações em que sobrevenham atos administrativos cuja validade dependa da existência ou validade do ato impugnado, ou cujos efeitos se oponham à utilidade pretendida no processo.

(…)”

A este propósito, Mário Aroso de Almeida  afirma o seguinte:

«O regime do artigo 63.º reveste-se da maior importância para permitir que o objeto do contencioso de impugnação de actos administrativos não se circunscreva necessariamente à apreciação da validade de um único acto administrativo, mas possa disciplinar, no seu conjunto, o quadro da relação jurídico-administrativa em que se inscreve o acto impugnado. Com efeito, o referido artigo prevê um conjunto de situações em que, na pendência do processo impugnatório de um acto administrativo, o objecto desse processo pode ser ampliado, através da cumulação superveniente de pedidos.

É que, desde logo, sucede, (…) com os eventuais actos que venham a ser praticados no âmbito do mesmo procedimento que pertence o acto impugnado, assim como com os actos que venham a ser praticados em procedimentos subsequentes àquele que culminou no ato impugnado (artigo 63.º, n.º 1); (…).

(…), em momento subsequente ao da prática de um acto administrativo, vêm a ser praticados outros actos que, embora sejam produzidos no âmbito de procedimentos autónomos, se baseiam naquele primeiro acto ou, pelo menos, na situação jurídica por ele criada, nele fazendo, por isso, assentar a sua própria validade. Dá-se a estes actos o nome de actos consequentes. Como a questão da permanência na ordem jurídica destes actos se resolve em função do destino que venha a ter o acto que os precedeu e a sua eventual consolidação na ordem jurídica pode pôr em risco, (…), a própria utilidade da decisão que venha a ser proferida no processo impugnatório desse acto, justifica-se que a questão da sua validade possa ser, desde logo, suscitada e decidida no âmbito daquele processo. Esta situação também é expressamente prevista pelo artigo 63.º, n.º 2, na parte em que o preceito se refere “às situações em que sobrevenham actos administrativos cuja validade dependa da existência ou da validade do acto impugnado.”»         

No caso concreto, a tempestivamente peticionada ampliação da instância visa abranger o ato de liquidação de IRC n.º 2020 ... que foi praticado pela AT na sequência e em execução da decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2019..., pelo que existe o necessário nexo de conexão entre esses atos, o que permite a cumulação neste processo de pedido dirigido à anulação daquele ato de liquidação.

Nesta conformidade, mostrando-se preenchidos os respetivos pressupostos legais, é admitida a peticionada ampliação da instância.

 

                §2. VALOR DA CAUSA

                12. No pedido de constituição de tribunal arbitral e no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente indicou como valor da utilidade económica do pedido e, portanto, como valor do processo, € 60.000,01 (sessenta mil euros e um cêntimo).

                No decurso da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, foi oficiosamente suscitada pelo Tribunal a questão do valor da causa, tendo sido então proferido o seguinte despacho arbitral (cf. ata da reunião no Sistema de Gestão Processual do CAAD):

                «Determina-se a notificação da Requerida para, no prazo de 10 dias, indicar o valor do imposto cuja anulação se pretende para efeitos de fixação do valor da causa.»    

               

13. Nessa sequência, em 3 de dezembro de 2021, a Requerida apresentou o requerimento que aqui se dá por inteiramente reproduzido e que termina da seguinte forma:

                «Por quanto se expendeu e transcreveu, o valor da causa, na situação sub judice, deve ser determinado pela aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, traduzindo, em consequência, o valor correspondente às correções impugnadas.»

 

                14. Nas suas alegações escritas, a Requerente pronunciou-se sobre esta questão, nos termos que sintetizou nas seguintes conclusões:

«a) A título de questão prévia impõe-se determinar qual o valor da causa ou, pelo menos, qual o critério que deve presidir à sua fixação.

b) A REQUERENTE não tem dúvidas que o critério para determinação do valor da causa é o que resulta do disposto na al. a), do n.º 1, do artigo 97.º-A, do CPPT.

c) Com efeito, o ato controvertido trata-se de um ato de liquidação de tributo e não de um ato de fixação da matéria coletável.

d) Contrariamente ao pretendido pela Administração tributária, o facto de do ato de liquidação controvertido resultar imposto a reembolsar e não imposto a pagar não transmuta a natureza do ato!

e) De harmonia com o que antecede, o valor da causa reconduz-se à importância cuja anulação se pretende com a procedência do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

f) A importância cuja anulação se pretende é, in casu, o diferencial entre o montante do reembolso do imposto recebido e aquele que deveria ter sido, efetivamente, recebido.

g) Por fim, sublinhe-se que não se poderá aplicar o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. b), do CPPT, porque o mesmo se aplica quanto esteja em causa a impugnação de atos de fixação da matéria coletável, não sendo subsidiário, mas sim especial, em relação ao disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT.

h) Conclui-se que o valor da presente ação deve, sim, ser fixado por recurso aos critérios vertidos na al. a), do n.º 1, do artigo 97.º-A do CPPT, os quais são concretizados pela exata e mesma operação que a Administração tributária terá de efetuar em sede de (eventual) execução da decisão arbitral favorável.»

 

15. Como resulta do estatuído no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.  

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

O artigo 296.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT – norma basilar no tangente à determinação do valor da causa em todas as situações às quais seja aplicável, direta ou subsidiariamente, a lei processual civil –, determina que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, sendo que, como decorre do artigo 299.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.

                O artigo 31.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, alínea c), do RJAT, replica o vertido no citado n.º 1 do artigo 296.º do CPC, estatuindo-se no subsequente artigo 32.º que quando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa (n.º 1) e que quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício (n.º 2).

                Por seu turno, o artigo 97.º-A, n.º 1, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatuindo sobre o valor da causa, também apela (embora implicitamente) ao conceito de utilidade económica do pedido, a qual pode ser resultante da importância de imposto cuja anulação se pretende (alínea a)) ou do valor que poderá servir para determinar concretamente o montante de imposto a pagar (alíneas b) e c)). 

                Este artigo do CPPT afigura-se de crucial importância pois, como resulta do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário; temos, pois, que para efeitos de determinação do valor da causa do processo arbitral tributário o que releva são as normas de processo tributário atinentes a essa matéria, ou seja, o valor da causa é aqui determinado segundo os critérios vertidos no artigo 97.º-A do CPPT.     

                A fim de solucionar a questão da determinação do valor da causa no caso concreto, afigura-se que, em face da causa de pedir e do pedido densificados no pedido de pronúncia arbitral, são potencialmente aplicáveis, in casu, as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT.

                Analisemos, então, cada uma daquelas normas.

                Nas situações em que a causa de pedir está alicerçada na alegada ilegalidade de uma liquidação, o valor da causa corresponderá, por direta aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, conforme se peticione, respetivamente, a sua anulação total ou parcial.

                No entanto, conforme decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido em 17.01.2019, no processo n.º 62/18.4BCLSB (que aqui seguimos de perto), «para que a alínea a) possa ser aplicável é necessário que estejam reunidas duas condições: (i) que haja liquidação que determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que (ii) essa liquidação seja impugnada.

                É que a norma apela a um conceito restrito de liquidação, isto é, refere-se ao resultado positivo da operação aritmética de aplicação de uma determinada taxa de imposto à matéria colectável e não propriamente a essa operação aritmética. Caso contrário cair-se-ia no absurdo de em situações em que não se apura imposto a pagar se admitir que o valor da causa pudesse ser igual a zero.

                Dito de outro modo, no sentido em que o termo liquidação é usado na norma ele só pode ter como escopo a exigência do pagamento de um imposto; por conseguinte, a norma é imprestável para resolver os casos em que não existindo imposto a pagar, ou existindo não é impugnado, apenas se pretende atacar a fixação da matéria colectável, (…).»    

                 Por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT aplica-se, apenas, nos casos em que o objeto da impugnação são atos de fixação da matéria tributável tout court, ou seja, nos casos em que essa fixação não é acompanhada da liquidação de um tributo.

                Como é salientado no citado aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, «a aplicação residual da alínea b) aos casos de fixação de matéria tributável sem liquidação de imposto determina um valor da causa que não tem correspondência com a utilidade económica do pedido, sendo muito superior a esta. Na verdade, a utilidade económica corresponde apenas ao valor do imposto que o contribuinte poderá deixar de pagar com a correcção da matéria tributável; não corresponde ao montante corrigido.

Contudo, a conclusão inevitável que resulta da interpretação desta norma é de que o valor da causa corresponde ao valor contestado da matéria tributável, apesar de, como observa Jorge Lopes de Sousa, a sua redacção poder gerar potenciais casos de desigualdade no tratamento dado a situações aparentemente semelhantes, consoante haja ou não lugar a liquidação de imposto a pagar. Mas a opinião deste autor é, (…), vertida numa perspectiva de iure condendo e não de iure condito.»

Dito isto, volvendo ao caso concreto, atenta a causa de pedir vertida no pedido de pronúncia arbitral, constatamos que não está efetivamente um causa a discussão sobre um qualquer montante concreto de IRC a pagar, caso em que o valor da causa corresponderia a esse montante. Com efeito, neste processo arbitral, o que a Requerente visou atacar foram as correções à matéria tributável, referente ao exercício de 2014, realizadas pela AT, concretamente as atinentes aos juros por ela não contabilizados, decorrentes dos empréstimos concedidos à “D..., SGPS, S.A.” – correção no valor de € 610.505,68 – e à “E...” – correção no valor de € 98.976,67.

Ademais, para além de a Requerente não ter questionado qualquer montante de imposto a pagar, resulta dos atos de liquidação aqui em apreço que nada foi exigido a título de IRC porque não existiram lucros no exercício de 2014, mas sim avultados prejuízos; aliás, daquelas liquidações resultou imposto a reembolsar à Requerente, sempre no mesmo montante (€ 250.606,14), pese embora as diferenças registadas no volume de prejuízos fiscais (€ 3.128.230,76 e € 3.636.458,85) – cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e documento n.º 1 anexo ao requerimento apresentado pela Requerente, em 30.12.2020.

Nesta conformidade, o que nuclearmente é pretendido com o pedido de pronúncia arbitral é que seja declarado que as aludidas correções são ilegais e, por consequência, que a situação tributária da Requerente seja alterada por força do impacto que a anulação dessas correções tem em sede de prejuízo fiscal que, dessa forma, se cifrará em valor superior ao reconhecido pela AT. 

É certo que, como se diz no sobredito aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, «o reconhecimento do prejuízo fiscal na amplitude reclamada pelo impugnado conduz à possibilidade desse incremento no prejuízo ser reportado e tributado nos exercícios seguintes. Mas a utilidade económica imediata do pedido não é o equivalente ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar, seguramente inferior ao montante das correcções impugnadas. A utilidade económica imediata advém da (também) hipotética utilização do montante dos prejuízos em exercícios futuros. Hipotética visto que a sua utilização está dependente de circunstâncias contingentes, que poderão ou não verificar-se.

Por isso não nos parece correcto que se afirme que tal utilidade económica imediata é igual ao imposto que deixará de ser pago. Na definição clássica de imposto este é tido como a imposição coactiva de uma prestação patrimonial, sem natureza sinalagmática; fazer equivaler o hipotético montante do imposto que a impugnada embolsaria no futuro (por não ter de o pagar) ao valor da causa equivale a substituir o conceito de utilidade económica imediata por uma virtual desoneração do sacrifício futuro que o imposto representa para o contribuinte.

(…) Bem vistas as coisas, o que se pretende evitar é que as correcções não permaneçam na ordem jurídica, com o fito do respectivo montante poder, eventualmente, ser fiscalmente usado a favor do impugnado no futuro, diminuindo o lucro tributável e evitando assim o pagamento do imposto correspondente ao seu valor.

Por conseguinte, a utilidade económica que resulta da anulação das correcções não é imediata.

Donde, a utilidade económica imediata só poder ser aferida pelo valor das correcções impugnadas, na medida em que o prejuízo que as mesmas representam passa a integrar imediatamente o leque de direitos do impugnado se este obtiver ganho de causa. Dito de outro modo, a utilidade económica imediata não é nem pode ser o hipotético valor do imposto futuro, que nem se sabe se vai ser liquidado.

Por isso toda a construção do valor do processo, assente numa realidade hipotética, virtual, incerta pela natureza das coisas, não se adequa ao conceito de utilidade económica imediata, (…)»

Temos, pois, que concluir que a determinação do valor da causa, no caso concreto, não pode ser feita por via da aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT.

Impõe-se, assim, convocar a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, relativamente à qual entendemos, tal como foi sufragado no sobredito acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que «a letra da lei não deixa margem para dúvidas: quando não tenha havido liquidação (no sentido de imposto a pagar) ou o imposto liquidado não seja impugnado, o valor da causa é igual ao valor contestado da fixação da matéria tributável.  

(…) basta compararmos a teleologia associada à alínea a) e à alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, para imediatamente se concluir que o legislador deste diploma disse na alínea b) o que efectivamente queria dizer.

Se na alínea a) não há dúvidas de que a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de imposto impugnado e já liquidado, ou seja, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida, já na alínea c) não é o montante do imposto que representa o valor da causa mas antes o valor patrimonial contestado, que servirá para o cálculo desse imposto.

Quer isto dizer que nestes dois casos o legislador se guiou por um critério objectivo na determinação do valor da causa, com o horizonte posto na utilidade económica do pedido; se assim é nestes dois casos, então por que razão a determinação do valor da causa, no caso da alínea b), devia ser fixada com base em critérios subjectivos, (…)?

Não cremos que tenha sido essa a intenção do legislador. Também na alínea b) se constata que este pretendeu consagrar um critério objectivo de determinação do valor da causa, baseado numa realidade com expressão monetária: o valor contestado da matéria tributável.

(…)

Em resumo, para resolver o problema do valor da causa relativo a impugnações da matéria colectável em que não haja imposto a pagar ou em que a liquidação (do imposto) não seja impugnada – situação que quadra no caso presente –, deve aplicar-se a alínea b) do artigo 97.º-A, do CPPT e não, como já se demonstrou, a alínea a).

Por outro lado, como já se concluiu que esta alínea b) impõe que a determinação do valor da causa se faça segundo o critério objectivo nela consagrado, fica arredada a possibilidade dessa determinação ser feita em função de um critério subjectivo na disponibilidade do contribuinte.»

No mesmo sentido se pronuncia o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de outubro de 2020, no processo n.º 062/18.

16. Nestes termos, no caso concreto, o valor da causa é determinado por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, cifrando-se no montante de € 709.482,35 (setecentos e nove mil quatrocentos e oitenta e dois euros e trinta e cinco cêntimos) que resulta do somatório dos valores unitários das aludidas correções à matéria tributável de IRC, referente ao exercício de 2014, da Requerente (€ 610.505,68 + € 98.976,67). Há, assim, lugar ao pagamento, pela Requerente, do valor remanescente da taxa de arbitragem em correspondência com o valor da causa fixado.

 

                III. FUNDAMENTAÇÃO

                III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS               

17. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) A Requerente é uma sociedade anónima constituída a 28 de julho de 2004, tendo como objeto social o transporte aéreo regular e não regular doméstico, territorial e internacional e como atividades acessórias a manutenção de aeronaves, compra e venda de aeronaves e respetivas peças e acessórios, importação e exportação de componentes de aeronaves, gestão e operação de aeronaves de terceiros, assistência técnica, operacional e aeroportuária a aeronaves e respetivos passageiros, carga e correio, treino e instrução de tripulações e representação de outras companhias de aviação. [cf. PA]  

                b) Até 20 de dezembro de 2015, a Requerente era detida a 100% pela empresa “D..., SGPS, S.A.”, NIPC .... [cf. PA]  

c) Para efeitos fiscais, a Requerente iniciou a sua atividade em 1 de outubro de 2004 e encontra-se inscrita, desde essa data, com o CAE 51100, sendo que, em sede de IRC, é um sujeito passivo enquadrado no regime normal de determinação do lucro tributável. [cf. PA]    

d) A Requerente é titular do Certificado de Operador Aéreo (COA), emitido pelo Instituto Nacional de Aviação Civil I.P. (INAC), que confirma a aptidão operacional da empresa para o exercício da atividade comercial de transporte aéreo regular e não regular, atuando também em conformidade com todas as normas europeias (EU-OPS, EASA e IOSA). [cf. PA]    

e) A 3 de janeiro de 2013, entre a Requerente e a “D..., SGPS, S.A.”, foi celebrado um “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento” que aqui se dá por inteiramente reproduzido, nos termos do qual foi, além do mais, convencionado o seguinte [cf. PA]:

«Cláusula Primeira

Com a celebração do presente acordo, a Segunda Outorgante [“D...”] expressamente confessa ser devedora à Primeira Outorgante [a Requerente] da seguinte quantia – 16.967.299,90 Euros, com data efectiva à data deste acordo.

(…)

Cláusula Terceira

1. A Primeira Outorgante e a Segunda Outorgante acordam que a liquidação total da quantia em dívida de 16.967.299,90 Euros mencionada na Cláusula Primeira, será feita pela Segunda Outorgante à Primeira Outorgante através de quatro prestações, a liquidar de acordo com o seguinte plano de pagamentos:

Prestação           Montante           Data vencimento

1.ª          2.500.000,00 EUR            30-06-13

2.ª          2.000.000,00 EUR            30-11-13

3.ª          5.000.000,00 EUR            31-03-14

4.ª          7.467.299,90 EUR            30-06-14

 (…)

Cláusula Quarta

Sobre o capital em dívida referido na cláusula primeira, deverão incidir juros à taxa fixa de 3,5% calculados a partir de 1 de janeiro de 2012. A taxa de juro fixa foi baseada no somatório do indexante Euribor a 1 ano à data do acordo (2,0840% acrescido de um spread de 1,416 p.p.). Caso o indexante sofra uma alteração superior a 25%, durante a vigência do contrato, a taxa fixa e os juros deverão ser reajustados em conformidade, na exacta diferença do indexantes nas duas datas/períodos comparadas.

Assim, o cálculo dos juros a pagar nas datas de vencimento das várias prestações serão os seguintes:

Prestação           Capital em dívida             Prestação           Juros     Datas    Nr Dias

1.ª prestação     16.967.299,90    2.500.000,00      N.a.       30-06-13              N.a.

2.ª prestação     14.467.299,90    2.000.000,00      215.201,09          30-11-13              153

3.ª prestação     12.467.299,90    5.000.000,00      146.663,93          31-03-14              121

4.ª prestação     7.467.299,90       7.467.299,90      66.064,86             30-06-14              91

 Caso a Segunda Outorgante consiga efectuar pagamentos antecipados no todo ou em parte, em qualquer dos momentos de vigência deste contrato, os juros serão reajustados em conformidade, não existindo igualmente qualquer penalidade por motivo desta antecipação.»

f) A 31 de dezembro de 2013, a Requerente apresentava um saldo devedor no montante de € 16.400.893,14 na rubrica “Acionistas/sócios”, em resultado de diversos empréstimos concedidos à empresa-mãe “D..., SGPS, S.A.”. [cf. PA] 

g) Apesar da celebração do “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento”, referido no facto provado e), perante o reiterado incumprimento, nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, quanto ao pagamento dos valores que lhe eram devidos por parte da “D..., SGPS, S.A.”, a Requerente considerou que não era provável e expectável que, no decurso do ano de 2014, lhe fossem pagos quaisquer montantes, designadamente a título de juros. [cf. declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]  

h) No decurso do ano de 2014, a Requerente não recebeu qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “D..., SGPS, S.A.”. [cf. PA, declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]   

i) A Requerente não reconheceu contabilisticamente, no exercício de 2014, qualquer rendimento de juros associados aos empréstimos efetuados à “D..., SGPS, S.A.”. [cf. PA, declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]    

j) A 3 de janeiro de 2013, entre a Requerente e a “E..., S.A. – E...”, foi celebrado um “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento” que aqui se dá por inteiramente reproduzido, nos termos do qual foi, além do mais, convencionado o seguinte [cf. PA]:

 «Cláusula Primeira

Com a celebração do presente acordo, o E... expressamente confessa ser devedor à A... da seguinte quantia – 2.506.194,10 Euros, com data efectiva desde 1 de Janeiro de 2013.

Cláusula Segunda

1. A A... o E... acordam que a liquidação total da quantia em dívida de 2.506.194,10 Euros mencionada na Cláusula Primeira, será feita pelo E... à A... através de cinco prestações, a liquidar de acordo com o seguinte plano de pagamentos:

Prestação           Montante           Data vencimento

1.ª          500.000,00 EUR                30-09-13

2.ª          500.000,00 EUR                31-03-14

3.ª          500.000,00 EUR                30-06-14

4.ª          500.000,00 EUR                30-09-14

5.ª          506.194,10 EUR                31-12-14

Cláusula Terceira

Sobre o capital em dívida referido na cláusula primeira, deverão incidir juros à taxa fixa de 4% calculados a partir de 1 de janeiro de 2012. A taxa de juro fixa foi baseada no somatório do indexante Euribor a 1 ano à data do acordo (2,084% acrescido de um spread de 1,916 p.p.). Caso o indexante sofra uma alteração superior a 25% em alta, durante a vigência do contrato, a taxa fixa e os juros deverão ser reajustados em conformidade, na exacta diferença do indexantes nas duas datas/períodos comparadas.

Assim, o cálculo dos juros a pagar nas datas de vencimento das várias prestações serão os seguintes:

Prestação           Capital em dívida             Prestação           Juros     Datas    Nr Dias

1.ª prestação     2.506.194,10       500.000,00          N.a.       30-09-13              N.a.

2.ª prestação     2.006.194,10       500.000,00          40.569,70             31-03-14              182

3.ª prestação     1.506.194,10       500.000,00          15.229,30             30-06-14              91

4.ª prestação     1.006.194,10       500.000,00          10.285,54             30-09-14              92

5.ª prestação     506.194,10          506.194,10          5.174,43               31-12-14              92

 Caso o E... consiga efectuar pagamentos antecipados no todo ou em parte, em qualquer dos momentos de vigência deste contrato, os juros serão reajustados em conformidade, não existindo igualmente qualquer penalidade por motivo desta antecipação.»

k) A 31 de dezembro de 2013, a Requerente apresentava um saldo devedor no montante de € 2.506.194,10, com data efetiva desde 1 de janeiro de 2013, na rubrica “Outras contas a receber”, em resultado de diversos empréstimos concedidos à “E...”. [cf. PA] 

l) Apesar da celebração do “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento”, referido no facto provado j), perante o reiterado incumprimento, nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, quanto ao pagamento dos valores que lhe eram devidos por parte da “E...”, a Requerente considerou que não era provável e expectável que, no decurso do ano de 2014, lhe fossem pagos quaisquer montantes, designadamente a título de juros. [cf. declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]  

m) No decurso do ano de 2014, a Requerente não recebeu qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “E...”. [cf. PA, declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]   

n) A Requerente não reconheceu contabilisticamente, no exercício de 2014, qualquer rendimento de juros associados aos empréstimos efetuados à “E...”. [cf. PA, declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]    

o) Em exercícios posteriores ao ano de 2014, a Requerente recebeu integralmente os referenciados montantes de capital e de juros que lhe eram devidos pela “D..., SGPS, S.A.” e pela “E...”, tendo então a Requerente reconhecido contabilisticamente os respetivos rendimentos de juros e sujeitado os mesmos a imposto (IRC). [cf. declarações de parte e depoimento da testemunha da Requerente]      

p) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017..., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo externo, de âmbito parcial (inicialmente, IRC e IVA e, posteriormente, IRC, IVA e retenções na fonte de IRC), relativo ao ano de 2014, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária – constante do documento n.º 4 anexo ao PPA e do PA e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido – do qual importa respigar os seguintes segmentos:

«III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável/Imposto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 (…)»

q) A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, através de ofício n.º ..., datado de 07.08.2017, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., remetido por carta registada. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA e PA]     

r) Na sequência da sobredita ação inspetiva, a AT emitiu e notificou à Requerente – além de outros atos tributários que não importa agora considerar – a liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., relativo ao ano de 2014 e da qual resultou um prejuízo fiscal no valor de € 3.128.230,76 (três milhões cento e vinte e oito mil duzentos e trinta euros e setenta e seis cêntimos) e o montante total a reembolsar de € 250.606,14 (duzentos e cinquenta mil seiscentos e seis euros e catorze cêntimos). [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]

s) Em 28 de novembro de 2017, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra – além de outros que aqui não importa considerar – o ato tributário mencionado no facto provado anterior – cujo requerimento inicial consta do PA e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2017... e correu termos na Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de ....

t) A mencionada reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Diretor de Finanças Adjunto (por delegação de competências) da Direção de Finanças de ..., datado de 07.09.2018, nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA]    

u) A Requerente foi notificada do aludido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, através de ofício, datado de 21.12.2018, da Direção de Finanças de ..., remetido por carta registada. [cf. PA]

v) Em 25 de janeiro de 2019, a Requerente interpôs recurso hierárquico contra a aludida decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cujo requerimento inicial consta do PA e aqui se dá por inteiramente reproduzido –, o qual foi autuado sob o n.º ...2019... e correu termos na Direção de Serviços de IRC.  

w) O mencionado recurso hierárquico foi parcialmente indeferido por despacho, datado de 26.08.2020, da Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária IR (por subdelegação de competências), com os fundamentos constantes da Informação n.º I2020..., de 15.06.2020, da DSIRC que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo sido revogada parcialmente a decisão recorrida e, nessa medida, foi decidido indeferir o pedido relativamente às correções fiscais efetuadas a título de juros associados aos empréstimos concedidos pela Requerente à “D..., SGPS, S.A.” (€ 610.505,68) e à “E...” (€ 98.976,67) [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA].

x) A Requerente foi notificada do aludido despacho de indeferimento parcial do recurso hierárquico, através de ofício, datado de 26.08.2020, da Direção de Serviços de IRC, remetido por carta registada. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA] 

y) Em execução da decisão de indeferimento parcial do sobredito recurso hierárquico, a AT emitiu e notificou à Requerente a liquidação de IRC n.º 2020 ..., relativa ao ano de 2014 e da qual resultou um prejuízo fiscal no valor de € 3.636.458,85 (três milhões seiscentos e trinta e seis mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos) e o montante total a reembolsar de € 250.606,14 (duzentos e cinquenta mil seiscentos e quatro euros e catorze cêntimos). [cf. documento n.º 1 anexo ao requerimento apresentado pela Requerente, em 30.12.2020]

z) No dia 27 de novembro de 2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

18. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

19. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

O Tribunal não se pronunciou sobre o demais vertido nos articulados das partes por constituírem afirmações conclusivas e/ou juízos de direito – e que, por isso, não podem ser objeto de uma pronúncia em termos de “provado” ou “não provado” – ou por se tratar de factualidade irrelevante à boa decisão da causa.

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Relativamente às declarações de parte prestadas pelo administrador da Requerente – G..., CFO da Requerente –, importa começar por salientar que este assumiu uma postura franca e respondeu de forma aberta e objetiva a tudo quanto lhe foi perguntado.

As suas declarações reiteraram, corroborando, a factualidade constante dos indicados artigos do PPA que balizaram o seu depoimento e, nessa medida, isolada ou conjuntamente com outros meios de prova, sustentam o juízo formulado quanto aos factos considerados provados relativamente aos quais são mencionadas.

No tocante à prova testemunhal produzida, a testemunha arrolada pela Requerente que foi inquirida – H..., contabilista certificado, a trabalhar desde 2006 na Direção Financeira da Requerente –, depôs de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais foi inquirida, pelo que o seu depoimento nos mereceu total credibilidade.

O respetivo depoimento sustenta, isolada ou conjuntamente com outros meios de prova, o juízo formulado quanto aos factos considerados provados relativamente aos quais é feita menção a esse depoimento.

 

                III.2. DE DIREITO

                §1. O THEMA DECIDENDUM

20. As questões jurídico-tributárias que estão no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, emergem dos vícios de natureza formal e material que a Requerente imputa aos atos tributários controvertidos e são as seguintes:

a) a insuficiente fundamentação dos atos de liquidação;

b) a preterição de formalidade legal essencial;

c) a falta ou insuficiência de fundamentação do RIT;

d) a violação das regras do ónus da prova no procedimento tributário;

e) a (i)legalidade dos atos de liquidação de IRC e de indeferimento parcial do recurso hierárquico controvertidos, por vícios de violação de lei subjacentes às seguintes correções à matéria tributável de IRC, referente ao exercício de 2014:

(i) a correção no montante de € 610.505,68, correspondente aos juros não contabilizados pela Requerente, decorrentes dos empréstimos concedidos à “D..., SGPS, S.A.”; e,

(ii) a correção no montante de € 98.976,67, correspondente aos juros não contabilizados pela Requerente, decorrentes dos empréstimos concedidos à “E...”.

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso do montante de imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

21. Como resulta do agora exposto, a Requerente alega que os atos tributários controvertidos padecem quer de vícios formais, quer de vícios materiais, sustentando dessa forma a pretendida declaração de ilegalidade e consequente anulação dos mesmos.

O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui o seguinte: 

Artigo 124.º

Ordem de conhecimento dos vícios na sentença

1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

A propósito desta norma, Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 340 e 341) afirma o seguinte:

«No n.º 1 deste artigo, determina-se que o tribunal conhecerá prioritariamente dos vícios de inexistência ou de nulidade do acto impugnado e só depois dos vícios sancionados com anulabilidade.

O estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios, tem como pressuposto que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao acto, seria indiferente a ordem de conhecimento.

Isto significa, assim, que o reconhecimento da existência de um vício leva a considerar prejudicados o conhecimento dos restantes, (…).

Trata-se, na verdade, de uma regra que só se pode justificar quando o reconhecimento da existência de um vício impeça definitivamente a renovação do acto, pois, se esta for possível em face do vício reconhecido, será necessário apreciar os restantes, uma vez que o conhecimento destes poderá levar à anulação com base num vício que impeça tal renovação.

(…)

Com esse objectivo de assegurar a melhor protecção para o impugnante, se estabelece que, em cada um dos grupos de vícios referidos (inexistência e nulidade, por um lado, e anulabilidade, por outro) o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos [alínea a), do n.º 2 do art. 124.º do CPPT].   

No que concerne aos vícios que constituam anulabilidade, estabelece-se o mesmo critério, excepcionando apenas os casos em que o impugnante tenha estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao acto (como é permitido pelo art. 101.º do CPPT), em que é dada primazia à sua vontade, se for ele o único impugnante ou, sendo mais que um, todos tenham estabelecido a mesma relação de subsidiariedade.»

Revertendo para o caso dos autos, afigura-se-nos inequívoco que nenhum dos vícios invocados pela Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade dos atos tributários controvertidos, nem tão pouco a Requerente estabeleceu uma ordem de prioridade para esse conhecimento; por isso, entendemos que a máxima eficácia na tutela dos interesses da Requerente impõe o conhecimento prioritário dos invocados vícios de violação de lei e, posteriormente, se e na medida em que tal se vier a justificar face ao decidido quanto a estes, serão conhecidos os alegados vícios formais. 

 

§2. AS CORREÇÕES REFERENTES AOS JUROS NÃO CONTABILIZADOS PELA REQUERENTE, DECORRENTES DOS EMPRÉSTIMOS CONCEDIDOS À “D..., SGPS, S.A.” E À “E...”

               

                §2.1. O ENQUADRAMENTO LEGAL

 

A. DO BLOCO NORMATIVO APLICÁVEL

22. A apreciação jurídico-tributária da situação sub judice tem, necessariamente, de iniciar pela delimitação do bloco normativo aplicável, para o que é necessário convocar as normas legais que se afiguram concretamente relevantes, as quais serão consideradas na redação em vigor à época dos factos.

                Assim, cumpre desde logo atender às seguintes normas:

Código do IRC

Artigo 3.º

Base do imposto

                1. O IRC incide sobre:

                a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas coletivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;

                (…)

                2. Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código.

 

Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

                1. O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

                (…)

                3. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

                a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

                b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeita ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

                1. Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

                2. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

(…)

 

Artigo 20.º

Rendimentos e ganhos

                1. Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

                (…)

c) De natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

 

Artigo 123.º

Obrigações contabilísticas das empresas

                1. As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável.

                (…)

 

Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística

(Aviso n.º 15652/2009, de 7 de setembro)

Pressupostos Subjacentes

Regime do acréscimo (periodização económica)

                22. A fim de satisfazerem os seus objectivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transacções e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. (…)

Rendimentos

72. A definição de rendimentos engloba quer réditos quer ganhos. Os réditos provêm do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade sendo referidos por uma variedade de nomes diferentes incluindo vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e rendas.

73. Os ganhos representam outros itens que satisfaçam a definição de rendimentos e podem, ou não, provir do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) de uma entidade. Os ganhos representam aumentos em benefícios económicos e como tal não são de natureza diferente do rédito. (…)

Reconhecimento dos elementos das demonstrações financeiras

80. Reconhecimento é o processo de incorporar no balanço e na demonstração dos resultados um item que satisfaça a definição de um elemento e satisfaça os critérios de reconhecimento estabelecidos no parágrafo 81. (…)

81. Um item que satisfaça a definição de uma classe deve ser reconhecido se:

(a) For provável que qualquer benefício económico futuro associado com o item flua para ou da entidade; e

(b) O item tiver um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.

(…)

Probabilidade de benefícios económicos futuros

83. O conceito de probabilidade é usado nos critérios de reconhecimento para referir o grau de incerteza em que os benefícios económicos futuros associados ao item fluirão para, ou de, a entidade. O conceito está em harmonia com a incerteza que caracteriza o ambiente em que uma entidade opera. As avaliações do grau de incerteza ligadas ao fluxo de benefícios económicos futuros são feitas com base nas provas disponíveis aquando da preparação das demonstrações financeiras. Por exemplo, quando for provável que uma dívida a receber devida por uma entidade venha a ser paga, é justificável então, na ausência de provas em contrário, reconhecer a dívida a receber como um activo. (…)

Reconhecimento de activos

87. Um activo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o activo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.

(…)

Reconhecimento de rendimentos

90. Um rendimento é reconhecido na demonstração dos resultados quando tenha surgido um aumento de benefícios económicos futuros relacionados com um aumento num activo ou com uma diminuição de um passivo e que possa ser quantificado com fiabilidade. Isto significa, com efeito, que o reconhecimento dos rendimentos ocorre simultaneamente com o reconhecimento de aumentos em activos ou com diminuições em passivos (…).

 

Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF)

(Aviso n.º 15655/2009, de 7 de setembro)

NCRF 20 – Rédito

                Esta Norma Contabilística e de Relato Financeiro tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 18 – Rédito, adoptada pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro.

(…)

                Objectivo

1. O objectivo desta Norma Contabilística e de Relato Financeiro é o de prescrever o tratamento contabilístico de réditos, entendidos como os rendimentos que surgem no decurso das actividades ordinárias de uma entidade, como, por exemplo, vendas, honorários, juros, dividendos e royalties.

A questão primordial na contabilização do rédito é a de determinar quando reconhecer o mesmo. O rédito é reconhecido quando for provável que benefícios económicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser fiavelmente mensurados. Esta Norma identifica as circunstâncias em que estes critérios serão satisfeitos e, por isso, o rédito será reconhecido.

Âmbito

2. Esta Norma deve ser aplicada na contabilização do rédito proveniente das transacções e acontecimentos seguintes:

(…)

c) Uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos.

(…)

5. O uso, por outros, de activos da entidade dá origem a rédito na forma de:

a) Juros – encargos pelo uso de dinheiro ou seus equivalentes ou de quantias devidas à entidade;

(…)

Reconhecimento do rédito

(…)

Juros, royalties e dividendos

29. O rédito proveniente do uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos deve ser reconhecido nas bases estabelecidas no parágrafo 30, quando:

a) Seja provável que os benefícios económicos associados com a transacção fluam para a entidade; e

b) A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada.

30. O rédito deve ser reconhecido nas seguintes bases:

a) Os juros devem ser reconhecidos utilizando o método do juro efectivo;

(…)

33. O rédito somente é reconhecido quando seja provável que os benefícios económicos inerentes à transação fluam para a entidade. (…)

 

                B. DA RELAÇÃO ENTRE A CONTABILIDADE E A FISCALIDADE

23. Como é dito por Saldanha Sanches, encontramos proclamado na Constituição, «sem ambiguidades e com muito poucas restrições, o direito subjectivo dos sujeitos passivos de IRC – as empresas – a serem tributados segundo o seu lucro real – artigo 104.º, n.º 2. (…)

                O lucro real é um conceito-chave do direito constitucional fiscal das empresas, tal como as necessidades e os rendimentos do agregado familiar o são em relação às pessoas singulares. (…)

                A tributação do lucro efectivo ou real das empresas constitui um processo complexo que implica a atribuição do processo de determinação do facto tributário ao sujeito passivo. O imposto será determinado não apenas com base na declaração do sujeito passivo, mas também com base num conjunto de elementos de prova por este recolhidos e que constituem a sua escritura comercial (documentos que justificam os lançamentos contabilísticos). (…)

A determinação dos lucros passa a ser feita de acordo com o balanço e a elaboração do balanço passa a ser o objecto de um conjunto de normas fiscais, as quais fazem com que, a partir do modelo de balanço criado e regulado pelo Direito Comercial (o balanço comercial), surja um balanço fiscal. (…)

Temos, pois, o balanço fiscal como balanço comercial corrigido, tal como se encontra determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC. O balanço fiscal é suportado pelo mesmo sistema de recolha e registo de informação que vai conduzir ao balanço comercial.

(…)

As normas criadas pelo Código do IRC para a tributação das empresas segundo a sua contabilidade têm, como sentido fundamental, criar limites às faculdades de escolha do decisor contabilístico, no sentido de evitar comportamentos abusivos e tornar mais fácil o controlo fiscal das empresas.

(…)

Por exemplo, quando o Código do IRC definiu, no seu artigo 18.º, sob a epígrafe “A Periodização do Lucro Tributável”, regras sobre o exercício em que os custos ou proveitos da empresa devem ser considerados, criou normas que são vinculativas na área do direito Fiscal e na área do Direito Comercial. (…)

O conceito de lucro tributável é, pois, o resultado de uma complexa e minuciosa previsão normativa (o balanço torna-se uma factispécie tributária) onde o ordenamento jurídico acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas. (…)

É da natureza funcional do balanço que resulta que qualquer variação patrimonial que seja realizada deve, em princípio, reflectir-se no aumento ou diminuição do lucro tributável.”  

É por isso que, segundo o mesmo autor, “[o] principal dever de cooperação das empresas – uma vez que actua como um pressuposto para o cumprimento das restantes – é a exigência contida no artigo 98.º [artigo 123.º, na redação aqui aplicável] do Código do IRC (…)». 

Nesta senda, Rui Duarte Morais afirma que reside aqui a explicação para «que a lei fiscal assuma o lucro contabilístico como o “valor” de onde se deve partir no apuramento do lucro tributável, ou seja, consagre um modelo de dependência parcial entre lucro contabilístico e lucro tributável.

Porém, estas duas “visões” do lucro não se identificam, pelo que os valores do lucro contabilístico e do lucro fiscal dificilmente coincidirão. Não porque correspondam a realidades substancialmente diversas, mas, apenas, por ser diferente o prisma de avaliação (os concretos interesses em causa) que preside à quantificação de cada um deles.»    

                A este propósito, Clotilde Celorico Palma diz que «o modelo de dependência parcial é a forma ideal de apuramento do lucro fiscal, dado que a Contabilidade, na precisa descrição do comportamento global da empresa, quantifica fielmente o lucro empresarial. Lucro contabilístico e lucro fiscal não se contrapõem como realidades distintas, podendo o rédito fiscal repousar sobre as regras contabilísticas, compatibilizando-se e salvaguardando-se os respecivos interesses específicos.»  Nesta conformidade, ainda segundo a mesma autora, «o resultado contabilístico é a base geral e o ponto de partida do lucro tributável, sendo posteriormente submetido a ajustamentos extra contabilísticos positivos e negativos tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal. Ou seja, neste caso, a determinação da matéria colectável realiza-se por dois patamares. Num primeiro, pela aceitação acrítica das regras contabilísticas de apuramento do resultado líquido, que funcionam como um prius relativamente à regulação fiscal do balanço, numa segunda fase prevêem-se correcções devidas a autónomas valorações da lei fiscal.»  A mesma autora conclui, então, que o «conceito de lucro tributável entre nós, é, assim, o resultado de uma complexa e minuciosa previsão normativa – o balanço torna-se um factispécie tributário – onde o ordenamento jurídico acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas.»    

                No mesmo sentido, Manuel Henrique de Freitas Pereira diz que «a contabilidade fornece uma base conceptual para o recorte operacional do lucro tributável, mas, dados os objectivos e princípios que enquadram a fiscalidade, não pode haver uma identificação entre este e o resultado contabilístico pois a contabilidade tem também objectivos e princípios que lhe são próprios e que devem ser salvaguardados.»

                Ainda a este propósito e em igual sentido, Filipe de Vasconcelos Fernandes afirma que, «quanto ao apuramento do lucro tributável, a relação entre o Direito Fiscal e o Direito Contabilístico, repousa sobre uma relação de dependência parcial, na qual o resultado contabilístico é a base e o ponto de partida para a determinação do lucro tributável, sendo este último submetido a ajustamentos extracontabilísticos, de ordem positiva e negativa, tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal. (…) determinadas normas fiscais podem assim ser consideradas normas contabilísticas, no sentido de normas jurídicas que exprimem ou concretizam princípios contabilísticos: princípios que se tornam vinculativos para as empresas pela sua transformação em normas jurídicas, isto é, pela sua positivação; veja-se o caso da especialização de exercícios, atualmente constante no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC. (…) balanço fiscal torna-se um Tatbestand, por intermédio do qual o sistema fiscal português acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas, sem abdicar da construção de um pressuposto normativo de incidência especificamente fiscal.”  Assim, segundo o mesmo Autor, “[a]o repousar numa expressa remissão para o Direito Contabilístico, a lei fiscal procede a uma receção da técnica contabilística, atribuindo-lhe os efeitos de uma inclusão na normatividade fiscal, sob o espetro de uma relação de dependência parcial que cabe aos sujeitos passivos respeitar e oferecer concretização.»  

 

C. DO PRINCÍPIO DA PERIODIZAÇÃO ECONÓMICA

                24. O princípio da periodização económica ou da especialização dos exercícios está positivado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC e traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.

No n.º 2 daquele mesmo artigo 18.º prevê-se uma exceção para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data do encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde», impondo essa especialização «a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses» ; desta forma, «a periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o nosso legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais.» 

                Como é mencionado por Tomás Cantista Tavares, «a periodização temporal dos proveitos e dos gastos é uma característica imanente à noção de rendimento. O rédito obtém-se pela comparação entre dois pontos temporais definidos. (…)

                A periodização do rendimento das sociedades encaixa-se, assim, em dois magnos princípios que se interpenetram numa relação de complementaridade – e por vezes de contraposição: por um lado, o conjunto das regras técnicas e operacionais que definem a imputação temporal das componentes positivas e negativas do rendimento, aglutinadas no chamado princípio prático da especialização dos exercícios ou, na actual nomenclatura, no princípio do acréscimo. Por outro lado, o princípio material da justiça, concretizado, em grande medida, na regra da solidariedade dos exercícios, onde na constatação da real continuidade do rendimento, se permite uma certa interpenetração entre os vários períodos temporais, que não funcionam assim como compartimentos completamente estanques. (…)

                O princípio da especialização dos exercícios (do acréscimo ou da periodização económica) tem fonte contabilística [parágrafo 22 da Estrutura Conceptual] e reprodução tributária.» 

A importância e razão de ser do princípio da periodização económica resultam evidentes se se tiver presente que «a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo a, designadamente:

                a) Diferir no tempo os lucros;

                b) Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;

c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v. g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).»   

                Efetivamente, existem, «em abstracto, dois tipos de erros fiscais ligados à imputação temporal das componentes positivas e negativas do rédito ao exercício competente:

                - a omissão ou esquecimento (erro voluntário ou involuntário): conhece-se a regra, que é indisputável, mas por algum motivo (ilegítimo ou justificado) não se regista o proveito ou o custo no ano devido;

                - a álea ou abertura interpretativa: errónea inscrição temporal dum proveito ou um custo, efectuada, todavia, com base numa interpretação plausível da regra fiscal (geral ou específica) da especialização dos exercícios, regra essa que possui um conteúdo aplicativo equívoco (ou não concludente) diante do caso concreto.» 

É, pois, vedado aos contribuintes definirem como bem entenderem ou segundo critérios de oportunidade ou, ainda, em conformidade com a sua estratégia comercial ou de gestão, o timing para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua atividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente no sentido de os obrigar a imputar esses proveitos e custos ao exercício a que digam respeito.

                Assim, todos os custos e proveitos que sejam reconhecidos em determinada data devem ser registados no exercício a que correspondem de modo a que se produza uma imagem fidedigna da posição da empresa para esse período; ou seja, devem ser imputados «ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro» (acórdão do STA, proferido em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, disponível em www.dgsi.pt). Como afirma Rui Duarte Morais, «a imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos.»  

Não obstante o que se vem de dizer, como salienta Tomás Cantista Tavares, os tribunais nacionais já se confrontaram «com o problema da compaginação entre o interesse tributário e os erros contabilísticos e fiscais da especialização dos exercícios. Com a questão da hipotética aceitação fiscal (e, em caso afirmativo, sob que condições) duma errónea inscrição contabilística, em violação formal do princípio da especialização dos exercícios; com a admissibilidade do registo fiscal de um custo ou de um proveito num ano diverso (anterior ou posterior) ao da sua correcta imputação temporal.

                A Jurisprudência gira em torno de duas teses antagónicas:

                a) a corrente primitiva, de cariz formal e legalista, não admite quaisquer violações do princípio da especialização de exercícios;

                b) a tese actual, de cariz material, aceita a violação formal do princípio da especialização, desde que essas inscrições erróneas não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

                (…)

                Esta corrente jurisprudencial [a tese primitiva] não pactua com a violação da regra legal da especialização de exercícios. Não aceita a inscrição duma rubrica (positiva ou negativa) do rendimento, em exercício diverso do que lhe compete. Fica-se pelo mero enunciado do princípio. Sobrevaloriza-o face à ponderação doutros factores de justiça material, como a interferência em exercício alheio ao objecto do processo ou ao atendimento de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação plausível dum comando complexo).

                (…)

                A Jurisprudência consente, actualmente, a violação formal do princípio da especialização de exercícios, desde que não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios. Aceita a inscrição dum custo ou proveito em exercício diverso do que lhe competia, por intervenção de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição).

(…)

A tese actual (…) rompe com o facilitismo do formalismo legalista. Procura a solução material e justa. Faz prevalecer um princípio estrutural (capacidade contributiva) sobre uma regra operacional (especialização de exercícios). O seu ponto de partida é irrepreensível: se a sociedade incorreu num verdadeiro custo, esse decaimento tem de modelar, obrigatoriamente, o rédito fiscal. A convenção formal da especialização não tem o condão de impedir o efeito material, nem de torná-lo excessivamente oneroso ou complexo. O mesmo se passa, mutatis mutandis, com os proveitos. Contribuem uma só vez para o lucro (…)»  

                Com efeito, constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que a rigidez do princípio da especialização dos exercícios tem de ser temperada com a invocação do princípio da justiça – nomeadamente, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado –, o qual funcionará então como uma válvula de escape. Neste sentido, ficou lapidarmente consignado o seguinte no acórdão proferido em 19.11.2008, no processo n.º 0325/08 :

                «O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Embora estes princípios constitucionais tenham um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo neste exercício aspectos vinculados cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei, a sua relevância não se esgota nos actos praticados no exercício desses poderes discricionários.

Na verdade, por um lado, o texto do art. 266.º da CRP não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa, pelo que, em princípio, dever-se-á fazer tal aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade.

Por outro lado, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do CC).

Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário.

Tanto são normas legais a primeira parte do n.º 2 do art. 266.º da CRP, que impõe à Administração a observância do princípio da legalidade (…), como a sua segunda parte em que se prevêem os outros princípios e que generalizadamente impõem os modelos de actuação de toda a actividade administrativa, como também é uma norma legal a que, em determinada situação específica, prevê uma determinada actuação da Administração, designadamente, no caso em apreço, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios (art. 18.º, n.º 1, do CIRC).

Por isso, para definir a legalidade a que a Administração está vinculada, terão de se ter em conta todas essas normas e fazer uma ponderação e escolha entre elas caso a sua aplicação global, abstractamente compatível, se demonstre inviável em determinada situação concreta.

Assim, (…), do referido art. 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes.

Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.

Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.»

Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul da seguinte forma :

«I - O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

II - Tal princípio sofre as excepções, previstas na lei, quais sejam: nos casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual (artigos 18.º, n.ºs 2 e 5 e 19.º do CIRC); nas situações em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte e quando esse erro não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios.»   

 

«I. O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios, tendo em vista a tributação do rendimento que se gera em cada um. Este princípio, consagrado no POC sob a designação de princípio de efectivação dos encargos, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

II. Este princípio da especialização dos exercícios surge como corolário do princípio da anualidade dos tributos, sendo ele o garante da tributação real, se tivermos em vista que com a imposição do tributo em causa se visa agravar apenas o fluxo de rendimento gerado num determinado período de tempo: razão pela qual apenas a esse período se deverão imputar os custos nele efectivamente suportados.

III. Todavia, a lei admite (por força de um outro princípio – o da solidariedade dos exercícios) excepções ao princípio em questão, dispondo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.»

Na jurisprudência tributária do CAAD, também constatamos o mesmo sentido decisório, entre outros, nos acórdãos proferidos em 24/11/2014, no processo n.º 367/2014-T, em 22/01/2016, no processo n.º 262/2015-T, em 29/04/2016, no processo n.º 588/2015-T, em 15/12/2017, no processo n.º 244/2017-T e em 24/10/2017, no processo n.º 233/2017-T, respigando-se aqui o seguinte segmento deste último aresto: 

«(…) Questão da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios

O princípio da justiça, invocado pela Requerente, é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração Tributária ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando delas decorra um resultado manifestamente injusto.

A aplicação do princípio da justiça será de sobrepor ao princípio da especialização dos exercícios nos casos em que do incumprimento não tenha resultado prejuízo para o erário público e aquele não tenha sido concretizado intencionalmente com o objectivo de obter vantagens fiscais.

O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), (…), desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios».

A própria Administração Tributária há muito reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:

“Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:

a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:

- está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;

- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;

- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.

b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.”

(…)

Nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo tem admitido que deva prevalecer o princípio da justiça sobre a legalidade estrita relativa ao princípio da especialização dos exercícios são situações em que da não observância desse princípio não advém qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ou até foi prejudicado pelo erro que praticou na aplicação do princípio da especialização dos exercícios. Em situações desse tipo, não se pode justificar que seja infligida ao contribuinte uma maior oneração fiscal, em nome de um respeito fetichista e acrítico pela observância da legalidade e à margem de qualquer perspectiva de prossecução do interesse público, que é o dever primacial a observar pela Administração Pública, como decorre do n.º 1 do artigo 266.º da CRP.»

Acompanhando este entendimento jurisprudencial, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa  preconizam a seguinte posição quanto à aplicação do princípio da especialização dos exercícios:

«Quando há divergência entre o critério do contribuinte e o da administração fiscal sobre a imputação de determinado ganho ou perda a determinado exercício esta deve proceder a correcção da matéria colectável, fazendo acrescer o proveito ou custo ao ano a que entende que ele deve respeitar e, correspondentemente, deveria abater tal proveito ou custo à matéria colectável do ano ao qual o contribuinte a imputou.

Com este procedimento, não haverá qualquer situação de injustiça, pois ao acréscimo de imposto em determinado ano, corresponderá uma diminuição tendencialmente semelhante noutro, não havendo, assim, tributação de um mesmo proveito em dois exercícios ou não dedução em qualquer deles de um custo que deva ser considerado.

  Porém, em certas situações em que a correcção é efetuada no último ano em que pode ser feita e tem por objecto um custo que deveria ter sido considerado no exercício anterior, não é já (ou pode não ser já) possível corrigir a matéria colectável desse anterior ano, por ter já transcorrido o prazo em que podiam ser efectuadas correcções. O mesmo sucede quando, embora no momento em que a administração fiscal faz a alteração da matéria colectável fosse possível efectuar a correspondente correcção no ano a que se entende ser de imputar os custos, ela não o faz e, com o decurso do tempo, se torna inviável fazê-lo.

Nestas condições, se a administração fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir.

Assim, no caso de não poder ser feita já a correcção relativamente ao ano anterior, o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não tinha direito.

Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.

Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça. 

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.

Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações de injustiça deste tipo.»                      

 

                §2.2. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

                25. Feito o necessário enquadramento legal e, dentro deste, analisada a relação entre contabilidade e fiscalidade e dissecado o princípio da periodização económica, estamos agora munidos dos elementos normativos, doutrinais e jurisprudenciais que nos habilitam a enfrentar o caso concreto e a dar resposta ao thema decidendum deste processo.

                No caso concreto, está comprovada a seguinte factualidade que importa, agora, convocar:

- Apesar da celebração do “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento”, referido no facto provado e), perante o reiterado incumprimento, nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, quanto ao pagamento dos valores que lhe eram devidos por parte da “D..., SGPS, S.A.”, não era provável e, portanto, não era expectável para a Requerente que, no decurso do ano de 2014, lhe fossem pagos quaisquer montantes, designadamente a título de juros. (facto provado g))  

- No decurso do ano de 2014, a Requerente não recebeu qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “D..., SGPS, S.A.”. (facto provado h))

- A Requerente não reconheceu contabilisticamente, no exercício de 2014, qualquer rendimento de juros associados aos empréstimos efetuados à “D..., SGPS, S.A.”. (facto provado i))

- Apesar da celebração do “Reconhecimento de Dívida e Acordo de Pagamento”, referido no facto provado j), perante o reiterado incumprimento, nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, quanto ao pagamento dos valores que lhe eram devidos por parte da “E...”, não era provável e, portanto, não era expectável para a Requerente que, no decurso do ano de 2014, lhe fossem pagos quaisquer montantes, designadamente a título de juros. (facto provado l))

- No decurso do ano de 2014, a Requerente não recebeu qualquer rendimento de juros associado aos empréstimos efetuados à “E...”. (facto provado m))

- A Requerente não reconheceu contabilisticamente, no exercício de 2014, qualquer rendimento de juros associados aos empréstimos efetuados à “E...”. (facto provado n))

- Em exercícios posteriores ao ano de 2014, a Requerente recebeu integralmente os referenciados montantes de capital e de juros que lhe eram devidos pela “D..., SGPS, S.A.” e pela “E...”, tendo então a Requerente reconhecido contabilisticamente os respetivos rendimentos de juros e sujeitado os mesmos a imposto (IRC).               (facto provado o))

Há que salientar, desde logo, que não consta do probatório, nem do RIT, nem tão pouco vem alegado pela AT que o não reconhecimento contabilístico pela Requerente dos aludidos juros tenha tido em vista, ainda que indiretamente, a manipulação de resultados, de modo a permitir o deferimento no tempo de lucros, fracionar os lucros ou concentrá-los num exercício para se poderem efetivar deduções mais elevadas.   

Por outro lado, como vimos, os rendimentos assim como as outras componentes positivas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica (artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC); sendo ainda que as componentes positivas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (artigo 18.º, n.º 2, do Código do IRC).   

                No caso sub judice, resulta do probatório que embora os ganhos com os juros advenientes dos aludidos empréstimos efetuados pela Requerente à “D..., SGPS, S.A.” e à “E...” fossem determináveis, pois estavam expressamente convencionados os valores mutuados, os prazos dos pagamentos e as respetivas taxas de juro, havia uma total imprevisibilidade quanto ao respetivo recebimento, face ao contínuo incumprimento, pelas mutuárias, nos anos antecedentes, do pagamento dos valores devidos.

Nesta conformidade e tendo presente o sobredito enquadramento legal, era razoável inferir, tal como a Requerente o fez, que existia uma probabilidade elevada de não fluírem benefícios económicos para a sua esfera, em relação aos contratos de mútuo celebrados com a “D..., SGPS, S.A.” e com a “E...”. Com efeito, face às preditas circunstâncias então existentes, era totalmente imprevisível para a Requerente se e quando a “D..., SGPS, S.A.” e a “E...” lhe iriam pagar algum valor, fosse a título de reembolso de capital, fosse a título de juros. Acresce salientar que, como resultou provado e, aliás, nunca foi questionado pela AT, a Requerente não recebeu, efetivamente, qualquer valor respeitante àqueles juros, no decurso do exercício de 2014. Ademais, também não se descortina (nem, aliás, foi alegado) que, de alguma forma, desta atuação da Requerente haja resultado qualquer prejuízo para a Fazenda Pública. Interessa sublinhar que, como também ficou provado, posteriormente, a “D..., SGPS, S.A.” e a “E...” acabaram por efetuar o pagamento integral dos montantes de capital e de juros devidos à Requerente, tendo esta então reconhecido contabilisticamente os respetivos rendimentos de juros e sujeitado os mesmos a imposto.

Destarte, pese embora do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC resultar uma vinculação para a AT no sentido de, em regra, dever aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelas empresas, não podemos escamotear o facto de que o exercício daquele poder de controle por parte da AT, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça.

Como evidenciado pelas posições doutrinais e jurisprudenciais acima citadas, na ponderação dos valores em causa – por um lado, o princípio da periodização económica e, por outro lado, o princípio da justiça – é manifesto que, em caso de incompatibilidade, deve ser dada prevalência a este último princípio nos casos em que não tenha resultado prejuízo para o erário público e se constate que não estamos perante comportamentos voluntários e intencionais, com o objetivo de obter vantagens fiscais.

Ademais, importa ainda ter aqui bem presente o estatuído no citado artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC, no qual, como vimos, é estabelecida uma relação entre a contabilidade e a fiscalidade assente num modelo de dependência parcial, em que o resultado contabilístico é a base para a determinação do lucro tributável das empresas.

 

26. Nestes termos, procede o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, invocado pela Requerente relativamente às sobreditas correções efetuadas pela AT à matéria tributável de IRC do exercício de 2014, pelo que, nessa medida, são inválidos os atos de liquidação de IRC controvertidos que, por isso, devem ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

27. O mesmo vício invalidante fulmina o ato de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2019..., o que determina igualmente a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

*

28. Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade dos atos tributários controvertidos, por vício de violação de lei que impede a respetiva renovação nos termos em que foram praticados pela AT, com a sua consequente anulação, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos vícios formais alegados pela Requerente (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).   

 

§3. O REEMBOLSO DO MONTANTE DE IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

29. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

Cumpre, então, apreciar e decidir.

 

30. Com interesse para a decisão desta questão, resultou provado o seguinte:

- Na sequência da sobredita ação inspetiva, a AT emitiu e notificou à Requerente – além de outros atos tributários que não importa agora considerar – a liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., relativo ao ano de 2014 e da qual resultou um prejuízo fiscal no valor de € 3.128.230,76 (três milhões cento e vinte e oito mil duzentos e trinta euros e setenta e seis cêntimos) e o montante total a reembolsar de € 250.606,14 (duzentos e cinquenta mil seiscentos e seis euros e catorze cêntimos). (facto provado r))

- Em execução da decisão de indeferimento parcial do sobredito recurso hierárquico, a AT emitiu e notificou à Requerente a liquidação de IRC n.º 2020 ..., relativa ao ano de 2014 e da qual resultou um prejuízo fiscal no valor de € 3.636.458,85 (três milhões seiscentos e trinta e seis mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos) e o montante total a reembolsar de € 250.606,14 (duzentos e cinquenta mil seiscentos e quatro euros e catorze cêntimos). (facto provado y))

Acresce salientar que, consoante acima já se disse e aqui se reitera, atenta a causa de pedir vertida no pedido de pronúncia arbitral, constatamos que não está em causa a discussão de um qualquer montante concreto de IRC a pagar; efetivamente, neste processo arbitral, o que se visou atacar foram as correções à matéria tributável, referente ao exercício de 2014, realizadas pela AT, concretamente as atinentes aos juros não contabilizados pela Requerente, decorrentes dos empréstimos concedidos à “D..., SGPS, S.A.” e à “E...”.

 

31. Temos, então, que dos referidos atos de liquidação de IRC não resultou qualquer montante de imposto a pagar pela Requerente; pelo contrário, resultou um montante de imposto a reembolsar. Com efeito, as correções efetuadas pela AT à matéria tributável de IRC, atinente ao exercício de 2014, da Requerente, apenas tiveram impacto no volume dos prejuízos fiscais, sendo que o montante de imposto reembolsado se manteve sempre o mesmo (cf. factos provados r) e y)).    

Nesta conformidade, não se vislumbra a existência de qualquer montante de imposto que tenha sido indevidamente suportado pela Requerente e cuja restituição tenha, por isso, de ser determinada; consequentemente, improcede este pedido da Requerente.

 

32. Relativamente aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estatui que estes são devidos quando “se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso concreto, pese embora os atos tributários controvertidos serem resultantes de erro imputável à AT, radicado no sobredito vício de violação de lei conducente à respetiva anulação, daí não resultou para a Requerente, como se disse, o pagamento indevido de qualquer montante de imposto; por isso, sobre a AT não impende a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.

Consequentemente, improcede igualmente este pedido da Requerente.    

 

IV. DECISÃO

                Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, declarar ilegais e anular, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito:

(i)           A liquidação adicional de IRC n.º 2017 ..., relativo ao ano de 2014 e da qual resultou o montante total a reembolsar de € 250.606,14 (duzentos e cinquenta mil seiscentos e quatro euros e catorze cêntimos), com as legais consequências;

(ii)          A liquidação de IRC n.º 2020 ..., relativa ao ano de 2014 e da qual resultou o montante total a reembolsar de € 250.606,14 (duzentos e cinquenta mil seiscentos e quatro euros e catorze cêntimos), com as legais consequências;

(iii)         O ato de indeferimento parcial do recurso hierárquico n.º ...2019..., com as legais consequências; 

b)           Julgar improcedentes os pedidos de reembolso do montante de imposto indevidamente pago e de pagamento de juros indemnizatórios, com a consequente absolvição da Requerida;

c)            Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas do processo, na proporção dos respetivos decaimentos que se fixam, respetivamente, em 1% (um por cento) e 99% (noventa e nove por cento).

 

V. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o acima explanado, é fixado ao processo o valor de € 709.482,35 (setecentos e nove mil quatrocentos e oitenta e dois euros e trinta e cinco cêntimos).

 

VI. CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 10.404,00 (dez mil quatrocentos e quatro euros), a cargo da Requerente e da Requerida na proporção, respetivamente, de 1% (um por cento) e de 99% (noventa e nove por cento).

 

*

Notifique.

 

Lisboa, 3 de janeiro de 2022.

 

A Presidente do Tribunal Arbitral,

(Alexandra Coelho Martins)

 

O Árbitro vogal (Relator),

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

A Árbitra vogal,

(Raquel Franco)