Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 124/2021-T
Data da decisão: 2022-01-24  IRS  
Valor do pedido: € 15.497,00
Tema: IRS - Competência do Tribunal Arbitral; Valor da ação; Juiz Árbitro do CAAD; Erro evidenciado na declaração e erro evidenciado na declaração de rendimentos.
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SUMÁRIO:

 

I.                O valor do pedido e em consequência o valor da acção, devem ser determinados em função da utilidade económica que se pretende com o pedido de pronúncia arbitral.

II.            A aplicação e interpretação do artigo 31.º do CIRS subjacente ao ato de liquidação de imposto, consubstancia uma questão de legalidade da liquidação. Estando assim em causa “declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a questão que lhe é submetida.

III.          Com a republicação do Código do IRS operada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015, a redacção do artigo 31.º daquele Código foi alterada, passando a prever-se no respectivo n.º 1 a aplicação de um coeficiente de “0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”, aplicando-se o coeficiente residual de 0,35 às actividades aí não especificamente previstas.

IV.          Não constando a atividade de Juiz de Tribunal Arbitral especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS.”

V.           Mas se o sujeito passivo declara nos recibos electrónicos da sua contabilidade que auferiu certos montantes a título do exercício da actividade de jurisconsulto, não pode vir posteriormente desconsiderar uma actividade que ele próprio classificou como tal.

VI.          O erro evidenciado na declaração previsto no art.º 45.º, n.º 1 da LGT e o erro na declaração de rendimentos previsto no art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, têm o mesmo conteúdo conceptual;

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

O árbitro singular Dr. António Pragal Colaço, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 22/6/2021, decide o seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A... (de ora em diante designado por (Requerente), contribuinte nº ..., com domicílio na ..., nº ..., ...-... Lisboa, veio em 26/2/2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, ambos do REGIME JURÍDICO DA ARBITRAGEM EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA («RJAT»), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com pedido de declaração de ilegalidade dos despachos de indeferimento proferidos, em 3 de dezembro de 2020, pelo Senhor CHEFE DE DIVISÃO DO SERVIÇO CENTRAL DA DIVISÃO DE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA DA DIREÇÃO DE SERVIÇOS DO IRS, ao abrigo de subdelegação de competências, no âmbito do procedimento do recurso hierárquico n.º ...2020..., e o despacho que indeferiu a reclamação graciosa e a ilegalidade das LIQUIDAÇÕES DE IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES («IRS») NºS 2016..., 2017... e 2018..., referentes, respetivamente, aos anos de  2015, 2016 e 2017.

O Requerente na declaração de IRS dos anos mencionados, efectuou as seguintes inscrições:

2015 – Inclusão de €13.627,57 de rendimentos auferidos pela atividade de Árbitro no Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD) no campo 403, quando deviam ter sido inseridos no campo 404, porque abrangidos pela alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

2016 - Inclusão de €9.910,96 de rendimentos auferidos pela atividade de Árbitro no Tribunal Arbitral Tributário (CAAD) no campo 403, quando deviam ter sido inseridos no campo 404, porque abrangidos pela alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

2017 - Inclusão de €46.612,47 de rendimentos auferidos pela atividade de Árbitro no Tribunal Arbitral Tributário (CAAD) no campo 403, quando deviam ter sido inseridos no campo 404, porque abrangidos pela alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS. (CFR.CIT. DOC.1).

Com efeito, por lapso, os rendimentos recebidos do CAAD pelas funções de Árbitro do Tribunal Arbitral Tributário, foram considerados e somados com os rendimentos das atividades independentes de «professor» e de «jurisconsulto» do REQUERENTE, estas últimas sim, «atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º» do CIRS (cf. Art. 31º, nº 1, al. b) do CIRS)).

Pede a procedência do pedido de pronuncia arbitral (PPA), nos termos dos artigos 2.º e 10.º do DL n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação conferida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, (RJAT).

 

2.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 1.03.2021.

 

3.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Singular, o Dr. António Pragal Colaço que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4.            Em 31/5/2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 22/6/2021.

6.            A Requerida, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, deduziu Resposta introduzida no sistema electrónico da CAAD no dia 3/09/2021, onde, como questão prévia, suscitou o incidente do valor do processo, invocou ainda a excepção dilatória de incompetência do Tribunal em razão da hierarquia e da matéria e ainda por impugnação, sustentou a improcedência da pretensão da Requerente e tendo procedido também à junção do processo administrativo.

 

7.            Por despacho arbitral proferido em 4/9/2021, foi ordenada a notificação do Requerente para, querendo, se pronunciar sobre as excepções deduzidas ao abrigo do princípio do contraditório, direito que exerceu por requerimento impetrado em 13/9/2021.

 

8.            Por despacho arbitral exarado em 13/9/2021, foi decidida a dispensa a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, com fundamento nos artigos 16°-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, considerando que (i)se trata, no caso, de processo não passive! duma definição de tramites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii) não se revela necessário o aperfeiçoamento dos articulados. Foi relegado para final o conhecimento do incidente e da excepção invocadas.

Foi ainda decidido que as alegações finais seriam proferidas no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias [(artigos 29°, do RJAT, 91°-5 e 91°-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL n° 214-G/2015, de 2-10)].

Foi ainda decidido como data previsível para a decisão final o dia 30-11-2021, devendo a Requerente dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4°-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributaria [pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral].

 

9.            A Requerente apresentou as suas alegações escritas por requerimento impetrado no dia 30/9/2021 e a Requerida apresentou as suas por requerimento impetrado no dia 6/10/2021.

 

 

10.          Por despacho arbitral exarado no dia 20/12/2021, foi determinada a prorrogação por dois meses do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.°, n.° 2 do RJAT.

 

II.            POSIÇÕES DE REQUERENTE E REQUERIDA

 

1.º          POSIÇÃO DO REQUERENTE

 

O Requerente considera que as liquidações de IRS que lhe foram notificadas referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017, se encontram feridas de ilegalidade porquanto a entidade Requerida considerou que a atividade de Árbitro do CAAD se subsume no conceito de “Jurisconsulto”, tendo sido declarados como tal, e nessa medida, aos rendimentos auferidos pelo REQUERENTE no exercício da mesma aplica-se o coeficiente 0,75 previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 31º do Código do IRS e não o de 0,35.

 

2.º          POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Na sua resposta, a Requerida AT suscitou como questão prévia, o incidente do valor do processo e invocou ainda a excepção dilatória de incompetência do Tribunal em razão da hierarquia e da matéria.

Impugnou de mérito, defendendo a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa e do correspectivo acto de liquidação, devendo em consequência o acto impugnado ser mantido na ordem jurídica por entender que o mesmo consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos.

A Requerida considera que, com referência ao ano de 2015 a reclamação prevista no art.º 140.º, n.º 2 do Código do IRS (CIRS) foi intempestiva e quanto aos anos de 2016 e 2017, uma vez que se tratam de prestações de serviços provenientes de atividade especificamente prevista na tabela a que se refere o artº 151º do CIRS (Jurisconsultos), declarados como tais, conforme entendimento preconizado pelas Circulares nº 5/2014, de 20 de março, e nº 2/2016, de 06 de maio, o coeficiente a aplicar deverá ser antes o de 0,35.

 

III.          DO SANEAMENTO

 

a)            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legitimas e encontram-se regularmente representadas, (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

b)           Incidente do valor do processo

A Requerida suscita uma questão prévia respeitante ao valor do pedido, sustentando que o mesmo deve ser fixado no valor correspondente às liquidações dos anos de 2015, 2016 e 2017, pelo que os valores a considerar são os dessas liquidações: 16.074,97€, 2.344,01€ e 9.261,09€, ou seja o total de 27.680,07€ e não 15.497,09€, tal como propugnado pela Requerente – ao preencher o critério da utilidade económica do pedido, do artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT. 

O Requerente considera que ao declarar os rendimentos da atividade de Árbitro em Tribunal Arbitral  no campo 403, do quadro 4, aos mesmos é aplicado um coeficiente tributário de 0,75 e que, contrariamente, se declarasse os rendimentos no campo 404, os mesmos seriam tributados com um coeficiente de 0,35.

Considera assim o Requerente que declarando os rendimentos no quadro 404, a mesma inscrição iria ter a seguinte repercussão:

 

pelo que, atribui ao processo esse valor.

Afirma a Requerida que nos termos do art. 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do art, 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende. 

Na arbitragem tributária, o valor do pedido é relevante para efeitos de determinação da composição do tribunal arbitral, que pode ser singular ou coletivo, nos termos do artigo 5.º do RJAT, e de fixação de custas, ou seja, da taxa de arbitragem. Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, do RJAT, “[p]ela constituição de tribunal arbitral é devida taxa de arbitragem, cujo valor, fórmula de cálculo, base de incidência objetiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa”.

O artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária (RCAT) dispõe que a taxa de arbitragem é fixada em função do valor da causa, estabelecendo o n.º 2, que o valor da causa é fixado de acordo com artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sendo que este artigo dispõe, no seu n.º 1, alínea a), que o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, é, quando seja impugnada a liquidação, o da “importância cuja anulação se pretende”. Esta remissão do artigo 3.º do RCAT para o artigo 97.º-A do CPPT deve ser vista como uma concretização do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que elenca o direito subsidiariamente aplicável.

A expressão “importância cuja anulação se pretende”, não tem que corresponder literal e necessariamente ao valor constante da liquidação, podendo antes abranger, além deste, como sucede no caso concreto, o valor respeitante ao imposto em causa que já tenha sido pago e se considere passível de reembolso no caso de procedência da ação. Assim é, desde logo, porque esse reembolso só terá lugar se a anulação se reportar, nos seus efeitos, também ao montante que já tenha sido pago por conta do imposto, por via da reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, nos termos previstos no artigo 100.º da LGT.

Esta interpretação é a que melhor se adequa à referência feita na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT, à “indicação do valor da utilidade económica do pedido”, como um dos requisitos do pedido de constituição do tribunal arbitral a apresentar pelo Requerente, referência essa que pode ser legitimamente interpretada como “uma definição (ainda que apenas ligeiramente) mais detalhada, do conceito do valor do pedido constante do artigo 5.º do RJAT .

Por conseguinte, e por forma a não esvaziar de sentido o disposto nos artigos 5.º e 10.º do RJAT, que associam o valor do pedido à respetiva utilidade económica, entende este Tribunal que o valor do pedido é de 15.497,09€, tal como propugnado pela Requerente – e não o de 27.680,07€, que consta da liquidação, como sustenta a Requerida – na medida em que aquele valor reflete com rigor a utilidade económica relevante para efeitos do artigo 10.º, n.º2, alínea e), do RJAT.

Um contencioso de plena jurisdição a nível tributário, a divisibilidade dos actos tributários e a possibilidade de anulação parcial dos mesmos confirma a utilidade económica como critério de determinação do valor do processo.  

 

c)            Excepções

Excepção de incompetência em razão da matéria e da hierarquia

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), devendo ser julgada improcedente a exceção invocada pela AT, na medida em que, em causa está a legalidade da liquidação impugnada, já que a questão da qualificação e enquadramento fiscal de um determinado rendimento, em sede de liquidação, diz respeito à correta interpretação e aplicação da lei. No caso concreto, a aplicação e interpretação do artigo 31.º do CIRS subjacente ao ato de liquidação de imposto, consubstancia uma questão de legalidade de liquidação, assim como o erro evidenciado na declaração.

Na verdade, o preenchimento de uma declaração fiscal constitui um acto que se insere no conceito de liquidação “lato sensu”, essencial para a determinação da matéria tributável.

Por isso, quando a Requerida escreve “Da leitura do requerimento inicial e documentos anexos, conclui-se que o pedido em apreço se reconduz a um pedido de decisão arbitral que determine que os rendimentos da atividade de Árbitro do CAAD inscritos na declaração modelo 3 de IRS, no anexo B, quadro 4 A sejam inscritos no campo 404.” não é uma questão de campos que se encontra em discussão no presente processo, mas sim, se um determinado rendimento auferido numa determinada actividade num regime simplificado de tributação, deve ser considerado em 0,35, ou pelo contrário, deve ser considerado 0,75 do rendimento obtido, o que dará lugar a cálculo de colectas diferentes, agora já numa perspectiva “stricto sensu” da liquidação.

E tanto assim o é, que nos artigos da sua resposta a Requerida entende bem qual a causa de pedir e o pedido, sendo exemplificativamente demonstrador desta realidade o que escreve no artigo 61.º da sua Resposta:

“ Pelo que se conclui que não restam dúvidas que aos rendimentos auferidos pelo Requerente nos anos de 2015, 2016 e 2017, pela atividade de Jurisconsultos, se aplica o coeficiente 0,75 previsto na al. b) do nº 1 do artº 31º do CIRS, uma vez que se tratam de prestações de serviços provenientes de atividade especificamente prevista na tabela a que se refere o artº 151º do CIRS (Jurisconsultos), conforme entendimento preconizado pelas Circulares nº 5/2014, de 20 de março, e nº 2/2016, de 06 de maio.”

Estando assim em causa “declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a questão que lhe é submetida.

 

III.          Matéria de facto:

 

A.           Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.              O Requerente exerce a  atividade de Árbitro no Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD).

 

2.            O Requerente, encontra-se enquadrado para efeitos de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais no regime simplificado, para o exercício das seguintes actividades;

 

 

3.            O Requerente apresentou declarações de IRS referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017, tendo inscrito os seguintes valores:

 2015 – Inclusão de €13.627,57 de rendimentos auferidos pela atividade de árbitro no Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD) no campo 403, quando no seu entender deviam ter sido inseridos no campo 404, porque abrangidos pela alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

2016 - Inclusão de €9.910,96 de rendimentos auferidos pela atividade de árbitro no Tribunal Arbitral Tributário (CAAD) no campo 403, quando no seu entender deviam ter sido inseridos no campo 404, porque abrangidos pela alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

2017 - Inclusão de €46.612,47 de rendimentos auferidos pela atividade de árbitro no Tribunal Arbitral Tributário (CAAD) no campo 403, quando no seu entender deviam ter sido inseridos no campo 404, porque abrangidos pela alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

 

4.            O Requerente nos recibos-verdes electrónicos constantes da sua contabilidade, emitidos nos períodos de 2015, 2016 e 2017 declarou que os rendimentos foram auferidos, no âmbito da atividade de “Jurisconsulto”.

 

5.            O Requerente interpôs em 31 de maio de 2019, reclamação graciosa, ao abrigo do art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, que correu termos sob o número ...2019..., tendo aí peticionado a anulação parcial das liquidações de IRS n.ºs 2016..., 2017... e 2018..., referentes, respetivamente, aos anos de 2015, 2016 e 2017, por ter constatado que incorreu em erro no preenchimento das declarações Modelo 3, conforme ponto 3 dos factos dados como provados.

 

6.            Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado, em 2019-11-22, despacho no sentido do INDEFERIMENTO do pedido, pela Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa, por subdelegação, o qual foi notificado ao Requerente, pelo Ofício n.º ... de 2019-11-25, expedido mediante correio registado (Registo n.º RH...PT de 2019-11-25), para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia, previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.

 

7.            O Requerente exerceu o direito de audição prévia, através de requerimento, que se considera apresentado, nos termos do n.º 2 do artigo 26.º do CPPT, em 10-12-2019.

 

8.            Por despacho proferido 2019/12/13, pela Chefe da Divisão de Justiça Tributária da DF de Lisboa (por subdelegação de competências), foi indeferida a reclamação graciosa, com base nos fundamentos expressos na informação prestada pelos serviços:

A) Rejeição liminar do pedido relativo ao ano de 2015, por ser «intempestivo nos termos do n.º2 do artigo 140.º do CIRS».

B) Rejeição do pedido relativo aos anos de 2016 e 2017 porque: «os rendimentos provenientes da atividade de Árbitro pelo CAAD configura uma atividade de prestação de serviços, na acepção do artigo 1154.º do Código Civil. Ainda que a esses rendimentos fosse de aplicar o código 1519, como pretende o reclamante, os mesmos seriam enquadrados na alínea b) do artigo 31.º do CIRS aos quais se aplicaria o coeficiente 0,75, como foi aplicado, de acordo com o entendimento vertido na circular n.º 5/2014, de 2014-03-20, da DSIRS.»

 

9.            Mais foi fundamentado o indeferimento da reclamação graciosa com base:

16- Nos recibos-verdes emitidos nos períodos de 2016 e 2017 (Anexo 1), o Reclamante declara que os rendimentos foram auferidos, no âmbito da atividade de “Jurisconsulto” e não de “Outros Prestadores de Serviços”, pelo que, conforme resulta da Circular n.º 2/2016, estão estes rendimentos abrangidos pela al. b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

17- Assim, na esteira do ponto 14 e do projeto de decisão, entendendo-se a atividade de jurisconsulto em sentido amplo, e analisados os recibos-verdes emitidos (Anexo 1), em que o Reclamante declarou em cada um deles que aqueles rendimentos eram provindos da atividade de “Jurisconsulto” e não de “Outros Prestadores de Serviços”, afigura-se não aceitar o pedido.

 

10.          O Requerente deduziu Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

11.          Por despacho datado de 3/12/2020, proferido pelo Chefe de Divisão da Direcção de Serviços de IRS que acolheu na integra a informação exarada pelo Gestor Tributário e Aduaneiro Rui Lopes, foi o recurso hierárquico indeferido, mantendo-se a decisão recorrida,

 

B.            Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C.            Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificadamente e no acervo probatório carreado para os autos, essencialmente constituído pelo processo administrativo junto pela Requerida, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

IV.          Do Direito

 

As questões a dirimir nos presentes autos são as seguintes:

Os rendimentos do trabalho independente declarados no anexo B da declaração de IRS, auferidos no exercício da actividade de Árbitro junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) devem ser considerados como  sendo no exercício de Jurisconsulto aplicando-se o coeficiente 0,75 previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 31º do Código do IRS, ou deverão ser considerados como praticados no exercício de uma actividade não prevista na tabela do art.º 151.º do CIRS e por conseguinte tributados pela aplicação de um coeficiente de 0,35.?

Estamos perante um erro evidenciado na declaração de rendimentos?

Diga-se desde já à imagem do que defendemos na Decisão Singular ainda inédita, proferida pelo signatário no Processo 754/2020-T, em que estava em causa a aplicação do coeficiente de 0,75, ou 0,35 à actividade e no qual foi decidido que “Não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS.”,  considera-se que a actividade de Árbitro junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não consta especificamente na tabela anexa ao art.º 151.º do CIRS.

 

Na verdade, à altura dos factos em causa, o artigo 31.º do CIRS, com a epígrafe “Regime simplificado”, na redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29/12 - Lei do Orçamento do Estado para 2018, previa coeficientes para a obtenção do rendimento tributável, quando a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, da categoria B, é feita com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado. Aí se dispunha:

“1 - No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;

c) 0,35 aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores;”

 

O artigo 151.º do CIRS dispõe que “As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças”.

 

ÁRBITRO DO CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA (CAAD)

 

Como evidencia Francisco Cortez , a «arbitragem e uma forma de administração da justiça em que o litígio é submetido, por convenção das partes ou por determinação imperativa da lei, ao julgamento dos particulares, os Árbitros, numa decisão a que a lei reconhece o efeito de caso julgado e a força executiva iguais aos atos da sentença de um qualquer tribunal estadual, a quem é retirada, por sua vez, a competência para julgar tal litigio».

É através dos Tribunais, que administram a Justiça em nome do povo, que é assegurada a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, que é reprimida a violação da legalidade democrática e que são dirimidos os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 202.º da Constituição). No âmbito da definição de competências entre os Tribunais, a Constituição atribui aos Tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 212.º. n.º 3).

No artigo 209.º, n.º 2, prevê-se a existência dos Tribunais Arbitrais, considerados instituições judiciais. Através do acordo das partes (que se chama, respetivamente, compromisso arbitral ou clausula compromissória, consoante tenha por objeto um litígio existente ou um que possa emergir potencialmente), estas podem conformar os poderes de decisão dos Tribunais Arbitrais, podendo atribuir a estes o poder de decidir de acordo com a equidade. Não sendo assim, os Tribunais arbitrais devem aplicar o direito como o fariam os Tribunais comuns.

Devemos distinguir a composição de conflitos jurisdicionais através destes Tribunais Arbitrais, da resolução de conflitos através de instituições que não são Tribunais, à luz do previsto no art. 202 °, n.º 4 da Constituição. Como bem refere Cabral de Moncada, «os conflitos que são resolvidos através destas instituições não são jurisdicionais, pelo que os mesmos não fazem parte da justiça administrativa em sentido material e as entidades em causa não integram a justiça administrativa em sentido orgânico. Não estamos, portanto, perante meios alternativos de justiça, mas sim perante mecanismos de conciliação, de mediação e de transacção. Neste último caso, o conflito é encerrado pelas partes através de um contrato, que pode ter a natureza de administrativo e ser usado para terminar convencionalmente um procedimento».

Assim, a arbitragem pode ser ad hoc, ou seja, sem a intervenção de um centro ou de uma entidade permanente, ou institucionalizada, quando tramite num tribunal arbitral organizado num centro ou numa entidade permanente. A constituição de «um tribunal arbitral ad hoc e o seu funcionamento vem previstos na Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de novembro.

No que respeita à arbitragem institucionalizada, estabelece o artigo 187.º do CPTA, a possibilidade de o Estado «autorizar a instalação de centros de arbitragem permanente destinados à composição de litígios em matéria de contratos, responsabilidade civil da Administração, relações jurídicas de emprego publico, sistemas públicos de protecção social e urbanismo.»

No que se refere à arbitragem administrativa, prevê-se, no artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a possibilidade do recurso a tribunais arbitrais, no âmbito das seguintes matérias: contratos cuja apreciação caia no âmbito de jurisdição administrativa, responsabilidade civil extracontratual, com excepção da que se refira a prejuízos decorrentes de atos praticados no exercício da função política e legislativa ou da função jurisdicional, atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade e, ainda, litígios emergentes de relações jurídicas de emprego publico, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional.

O Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) é um centro de arbitragem institucionalizada e carácter especializado, criado pelo Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro, do Secretário de Estado da Justiça, onde podem ser resolvidos litígios em matéria de Direito publico, nas áreas administrativa e tributaria.

2. A Arbitragem Administrativa institucionalizada junto do CAAD

A experiência arbitral em Portugal começou, claramente, por ser uma realidade cada vez mais comum na arbitragem comercial, com destaque para a área dos contratos. Na área do direito administrativo e tributário (o núcleo duro do exercício do poder executivo do Estado) o recurso à arbitragem foi sempre mais reduzido.

A consagração constitucional do recurso à arbitragem encontra-se expressamente prevista no art.º 209.º, n.º 2 da CRP, que prevê a possibilidade de criação de tribunais arbitrais.

Com a reforma do contencioso administrativo, a arbitragem passou a estar claramente prevista na Lei n.º 15/2002 de 22 de fevereiro, que aprovou o novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA). Nos art.ºs 180.º e seguintes deste diploma, o legislador refere expressamente a possibilidade de criar Tribunais Arbitrais e Centros de Arbitragem.

O art.º 187.º do CPTA prevê a possibilidade de o Estado autorizar a criação de Centros de Arbitragem permanente destinados à composição de litígios.

Acresce que as reformas de 2008 em matéria de emprego público conduziram a um aumento significativo dos litígios emergentes em matéria de emprego público, com a publicação de um conjunto de diplomas que alteraram substancialmente os regimes jurídicos até então vigentes.

As dificuldades dos Tribunais Administrativos e Fiscais em dar resposta às novas solicitações levaram a que o legislador avançasse mais um passo para a arbitragem administrativa e tributária assumirem um papel mais determinante na resolução de litígios.

O Memorando de Entendimento entre Portugal, BCE, Comissão Europeia e FMI o Governo Português, mais tarde assumido como condição do resgate financeiro da República Portuguesa, impunha a obrigação de implementar “a nova lei de arbitragem fiscal” até ao terceiro trimestre do ano de 2011. No cumprimento desta obrigação, o Estado português introduz, em 20 de janeiro de 2011, o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por intermédio do Decreto-Lei n.º 10/2011.

O CAAD é um centro de arbitragem de caráter institucionalizado, com competência nacional, que funciona a partir de uma associação privada sem fins lucrativos, cuja constituição foi promovida pelo Ministério da Justiça. O seu âmbito de competência em matéria administrativa permite dirimir litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público e de contratos públicos.

A submissão de um litígio ao tribunal arbitral pressupõe ainda a vinculação da entidade pública demandada à jurisdição arbitral. Estamos no âmbito de uma arbitragem voluntária, a qual depende da vontade do requerente em optar pelo tribunal arbitral, mas também, necessariamente, da vontade da entidade demandada. Acresce a estas limitações uma outra que decorre da incerteza de haver ou não aceitação do convite que venha a ser formulado à entidade pelo Centro.

Em matéria tributária através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública, vincularam-se à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa - a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

Uma última nota para referir que o tribunal arbitral decide em conformidade com o direito constituído, não se admitindo o recurso à equidade.

Quanto às vantagens do recurso à arbitragem administrativa, destaca-se a celeridade da decisão e o maior grau de especialização dos árbitros. O Tribunal arbitral pode, ainda, adotar medidas cautelares que se revelem adequadas. Por fim, as custas em sede de arbitragem administrativa são inferiores às previstas no regulamento das custas processuais. O CPTA e o regulamento de arbitragem em vigor preveem ainda a possibilidade de mediação.

No que se refere à nomeação dos árbitros, o CAAD tem um Conselho Deontológico que garante a isenção e transparência na designação dos árbitros. Os princípios organizativos da arbitragem administrativa pautam-se pela elevada eficácia, simplicidade, especialidade, e custos reduzidos. A celeridade da decisão é garantida pela imposição de um prazo máximo de 6 meses para prolação da decisão arbitral, salvo casos de grande complexidade, em que este prazo pode ser prorrogado por mais 6 meses.

A singularidade e o pioneirismo deste instituto, sem paralelo nos ordenamentos da mesma família jurídica, são também reconhecidos no quadro do reenvio prejudicial de um tribunal arbitral tributário.

O primeiro reenvio prejudicial teve acolhimento, quer nas conclusões do advogado geral Spuznar, quer no acórdão Ascendi. A partir desse momento o Tribunal de Justiça sempre reconheceu o CAAD como um Tribunal Arbitral institucionalizado.

Não estamos assim perante uma arbitragem de natureza privada, mas de natureza institucionalizada o que torna o estatuto dos seus intervenientes numa realidade jurídica distinta.

Os árbitros que exercem as suas funções no centro institucionalizado do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), possuem na prática um estatuto de “Juízes”, sem serem reconhecidos normativamente como tal.

E não pode deixar de ser dentro deste recorte que o aferimento da natureza da actividade deve ser classificado.

No entanto, este Tribunal não pode deixar de se ater à matéria de facto dada como provada, primeiro quanto aos anos de 2016 e 2017:

“4.O Requerente nos recibos-verdes electrónicos emitidos nos períodos de 2016 e 2017 declarou que os rendimentos foram auferidos, no âmbito da atividade de “Jurisconsulto”.”

9.            Mais foi fundamentado o indeferimento da reclamação graciosa com base:

16- Nos recibos-verdes emitidos nos períodos de 2016 e 2017 (Anexo 1), o Reclamante declara que os rendimentos foram auferidos, no âmbito da atividade de “Jurisconsulto” e não de “Outros Prestadores de Serviços”, pelo que, conforme resulta da Circular n.º 2/2016, estão estes rendimentos abrangidos pela al. b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS.

17- Assim, na esteira do ponto 14 e do projeto de decisão, entendendo-se a atividade de jurisconsulto em sentido amplo, e analisados os recibos-verdes emitidos (Anexo 1), em que o Reclamante declarou em cada um deles que aqueles rendimentos eram provindos da atividade de “Jurisconsulto” e não de “Outros Prestadores de Serviços”, afigura-se não aceitar o pedido.

O Requerente emitiu os recibos electrónicos apondo-lhe o exercício da actividade de juriconsulto. Não estamos já a dilucidar se na declaração de IRS dum determinado ano, o Requerente inscreveu os seus rendimento enquanto “Árbitro” de Tribunal Arbitral no campo 403, quando deviam ter sido inseridos no campo 404, porque abrangidos pela alínea c) do nº 1 do artigo 31º do CIRS.

Estamos “ex-ante” nos documentos da contabilidade (recibos electrónicos) e quanto a estes vigora a presunção do art.º 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que dispõe:

Artigo 75.º

Declaração e outros elementos dos contribuintes

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. (Redação da Lei  n.º 80-C/2013 de 31 de Dezembro). (sublinhado nosso).

Mas mais. Dispõe o art.º 140.º do CIRS o seguinte:

CAPÍTULO VIII

Garantias

Artigo 140.º

Meios de garantia

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os sujeitos passivos e outros legítimos interessados podem socorrer-se dos meios de garantia legalmente previstos, nomeadamente na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

2 - Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.

3 - …

Temos que com referência ao ano de 2015, a Requerida fundamentou o indeferimento da reclamação graciosa quanto à sua intempestividade no seguinte:

9- No período de 2015, o artigo 60.º do CIRS, na redação em vigor dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, consagrava que “a declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º é entregue: (…) b) de 16 de abril a 16 de maio, nos restantes casos”. O prazo foi prorrogado por Despacho n.º 18/2016-XXI de 2016-02-15 do SEAF, nos seguintes termos: “o prazo de entrega da declaração modelo 3 de IRS previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º do Código do IRS para a entrega da declaração modelo 3 de IRS ocorre durante o mês de maio”.

9.1- A reclamação graciosa considera-se apresentada, em 2019-05-31 (fls. 3), afigura-se INTEMPESTIVA, quanto ao período de 2015, na medida em que, nos termos do n.º 2 do artigo 140.º do CIRS, o pedido de reclamação graciosa poderia ser apresentado até 2018-05-31.

9.2- A intempestividade prejudica a análise do mérito do pedido, pelo que se propõe a REJEIÇÃO

LIMINAR do pedido relativamente ao IRS do período de 2015, nos termos do artigo 95.º do CPA2015 ex vi al. d) do artigo 2.º do CPPT.

E não pode deixar de lhe assistir razão.

Não só a reclamação graciosa foi apresentada para além do prazo previsto no artigo 140.º, n.º 2 do CIRS quanto ao IRS do ano de 2015, como o mesmo inciso foi construído para erros na declaração e não erros na contabilidade, ou na escrita.

O conceito de erro evidenciado nas declarações tem sido objecto de inúmeras abordagens jurisprudenciais. 

No entanto, o legislador fiscal “esquece-se” de utilizar os mesmos vocábulos em compêndios legislativos, criando a dúvida, na maioria aparente, de que pretendeu densificar normativamente uma realidade de forma distinta.

No art.º 45.º, n.º 2, da LGT, diz-se:

 2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

No art.º 65.º, n. 2 do CIRS, diz-se:

2 - A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

No art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, diz-se:

2 - Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.

No art.º 87.º, n.º 2 do CIVA, diz-se:

2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.

Por sua vez o art.º 131.º, n.º 1 do CPPT, diz-nos:

1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.

Temos então os seguintes vocábulos:

LGT - erro evidenciado na declaração;

IRS - erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto e

Erro na declaração de rendimentos;

IVA - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações;

CPPT - erro na autoliquidação;

Desde logo excluímos a previsão constante do IVA, porquanto as mesmas estão pensadas para actuações da Autoridade Tributária:

Artigo 87.º

Rectificação das declarações e liquidações adicionais

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 90.º, a Direcção-Geral dos Impostos procede à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.

2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações podem resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua.

Quanto ao erro na autoliquidação, o mesmo só pode ser compreensível se abrangermos nele, quer as inscrições que são realizadas nas declarações de rendimentos, quer a própria autoliquidação em si, pois, exemplificativamente, no IRC, ao contrário do IRS, procede-se ao cálculo aritmético do lucro tributável e da colecta a pagar, sendo consentâneo então com a autoliquidação.

Restam-nos então os vocábulos previstos na LGT e IRS, respectivamente, - erro evidenciado na declaração e - erro na declaração de rendimentos. Quereria o legislador fiscal dizer o mesmo?

O Acórdão que reproduzimos supra na nota (7), respeita à apreciação do sentido de erro evidenciado na declaração, o que significa “que se trate de erro que é detectável mediante simples análise dessa declaração, por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa”.

É o que nos dizem também vários Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente o proferido no âmbito do Processo n.º 0991/15, de 24-05-2016, Conselheira Isabel Marques da Silva, II - O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro”.

Não existem assim quaisquer razões para interpretar de forma diferente o conceito que se encontra previsto no art.º 140.º, n.º 2 do CIRS, com o conceito constante do art.º 45.º, n.º 2 da LGT. E é por essa razão que o art.º 65.º, n.º 2, nos dá a distinção entre :

No art.º 65.º, n. 2 do CIRS, diz-se:

2 - …(i) correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, (ii) de omissões nelas praticadas ou (iii) correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.

O caso dos autos “cai” no âmbito do terceiro conceito.

O Requerente deveria, obvia e independentemente de qualquer juízo de procedência, ter usado o mecanismo do art.º 79.º da LGT.

 

V.           Decisão

 

Pelo exposto, decide este Tribunal o seguinte:

 

a.            Julgar improcedente o incidente deduzido pela Requerida quanto ao valor do processo e julgar improcedente a excepção dilatória deduzida pela Requerida, de incompetência do Tribunal em razão da hierarquia e da matéria

 

b.            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter os actos tributários impugnados objecto dos autos e

 

c.            Condenar o Requerente nas custas do processo.

               

VI.          Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de EUR 15.497,09 (quinze mil, quatrocentos e noventa e sete euros e nove cêntimos);

 

VII.         Custas

 

Nos termos dos art.s 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em EUR 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 24 de Janeiro de 2022

 

O Árbitro Singular

António Pragal Colaço