Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 381/2020-T
Data da decisão: 2021-12-23   
Valor do pedido: € 145.716,00
Tema: IVA – Acompanhamento nutricional; Ginásios; Fundamentação a posteriori; Acessoriedade das prestações.
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SUMÁRIO:

I. No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

II. Um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instalações desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente, em relação às prestações relativas à utilização daquelas instalações e respectivos equipamentos.

 

DESPACHO

Por requerimento de 10-12-2020, a Requerente veio juntar aos autos parecer elaborado pela Professora Clotilde Palma na sequência do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 77/20.2BALSB.

Tendo em conta a fase processual de tal intervenção, julga-se extemporânea tal intervenção processual, e determina-se o desentranhamento do referido documento e requerimento de junção, nos termos dos artigos 16.º, alíneas b), c), e) e f), 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 21 de Julho de 2020, A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., Edifício ..., ..., Piso ... Complexo ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação, no valor de € 145.716,00:
    1. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/01;
    2. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/02;
    3. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/03;
    4. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/04;
    5. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/05;
    6. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/06;
    7. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/08;
    8. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/09;
    9. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/10;
    10. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/11;
    11. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/12.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
  1. ilegalidade, porquanto todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente se subsumem no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA e, por conseguinte, estão isentos de IVA;
  2. errada interpretação e aplicação da lei, por violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sob a forma.

 

  1. No dia 22-07-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 11-09-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 14-10-2020.

 

  1. No dia 18-11-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção.

 

  1. Tendo-se apercebido que havia introduzido erradamente no Sistema de Gestão Processual do CAAD o documento relativo ao Requerimento inicial, a Requerente apresentou o documento correcto.

 

  1. Notificada do mesmo, a Requerida apresentou nova resposta, defendendo-se por impugnação.

 

  1. No dia 27-10-2021, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi determinado o aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo 488/2020-T do CAAD, nos termos do art.º 421.º do CPC.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º  21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa:

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. O Grupo B..., no qual a Requerente se insere, existe actualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios.
  2. O Grupo B... iniciou a sua actividade na Península Ibérica há 20 anos e, no exercício de 2012, passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado C..., constituído por 16 empresas.
  3. A Requerente tem como objecto social a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras actividades, incluindo tratamentos de fisioterapia.
  4. A Requerente, para além da actividade principal de ginásios (CAE93192), tem também diversos CAE secundários como: actividades de bem-estar físico (CAE 96040), formação profissional (CAE 85591) e outras actividades de saúde humana, NE (CAE 86906).
  5. A Requerente desenvolvia em 2015, a sua actividade num Health Club do Grupo B... localizado em ..., na Praceta ..., n.º ... em ....
  6. Para efeitos de IVA encontra-se, e encontrava-se no ano de 2015, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
  7. O clube tem 4.628 m², e conta com Ginásio, zona de treino funcional, 3 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, zona de restauração, um gabinete dedicado a fisioterapia e 2 gabinetes de nutrição.
  8. O clube oferece vários tipos de aulas de grupo, treino personalizado, serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.
  9. Tendo em vista a implementação em território nacional da nova política comercial internacional, a D... levou a cabo uma remodelação nos seus serviços, imagem, instalações e contratação de pessoal de modo a relevar a vertente da nutrição, publicitando-a com novo target da marca D....
  10. Em 2013, e até hoje, a Requerente passou a proporcionar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos”.
  11. Aos sócios que aceitaram este serviço, foi oferecido um desconto na mensalidade do ginásio correspondente ao valor do novo serviço de nutrição, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente e por estratégia de marketing de modo a que os sócios conhecessem esse novo serviço e se habituassem a fazer consultas para além das constantes do pacote inicial.
  12. O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/nutrição era, à data, composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia um follow up das consultas.
  13. Quando os sócios pretendiam mais do que duas consultas de nutrição por ano podiam adquirir consultas de nutrição vendidas quer isoladamente, quer em packs, sendo estas consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestavam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, com a mesma duração e os mesmos serviços.
  14. Os serviços de nutrição/dietéticos eram prestados em gabinetes individualizados, próprios para o efeito.
  15. Nas instalações da Requerente existiam duas salas onde só se prestavam serviços de nutrição e que foram adaptadas para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.
  16. A Requerente mantém, desde 2013, nutricionistas no seu Quadro de Pessoal.
  17. Actualmente o Grupo B... conta com 49 nutricionistas no total, que desenvolvem a sua actividade nos 21 ginásios geridos pelo Grupo B... em Portugal.
  18. Os clientes podiam usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição, assim como podiam usufruir das consultas de nutrição sem a componente de ginásio.
  19. As consultas eram efectuadas nas instalações da Requerente, pelos nutricionistas que pertenciam aos quadros da Requerente.
  20. A Requerente detém um sistema informático interno, comum a todo o Grupo B..., denominado SANUT, que lhe permite registar e controlar todas as consultas de nutrição, quer as iniciais (denominadas consultas base) quer as subsequentes (denominadas consultas premium sendo que a parte clínica só é acessível aos nutricionistas credenciados).            
  21. Todas as consultas (quer as iniciais quer as premium) eram dadas pelos mesmos profissionais e nas mesmas condições, não divergindo quer na duração quer na qualidade, sendo os serviços prestados exactamente os mesmos.
  22.  A Requerente, bem como todo o Grupo B... em Portugal, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, onde são recebidos estagiários nos clubes da D... que aí completam a sua formação, tendo a Requerente recebido, desde 2013, 2 estagiárias.
  23. A Requerente, no ano de 2015, não liquidou IVA nos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos, por entender que os mesmos se encontravam isentos ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.
  24. A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017....
  25. A Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária onde consta, além do mais, o seguinte:

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  1. Na sequência das correcções efectuadas em sede de inspecção tributária, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais de IVA:
    1. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/01;
    2. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/02;
    3. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/03;
    4. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/04;
    5. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/05;
    6. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/06;
    7. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/08;
    8. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/09;
    9. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/10;
    10. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/11;
    11. Liquidação n.º 2020 ..., e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2015/12.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida no processo arbitral 488/2020-T, do CAAD, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

a. Da matéria de excepção: da ilegitimidade activa

            Na sua Resposta, a AT começa por arguir a excepção de ilegitimidade activa da Requerente, sustentando, em síntese, que “O PPA junto aos presentes autos, respeita a um outro sujeito passivo de imposto, com outro NIF, correspondendo também as liquidações adicionais impugnadas, a correcções efectuadas a um outro sujeito passivo de imposto”, motivo pelo qual “a Requerente nos presentes autos, não tem legitimidade para impugnar liquidações adicionais de imposto efectuadas ao sujeito passivo F..., S.A.”.

            Notificada para se pronunciar sobre a matéria de excepção, veio a Requerente dizer que a submissão do pedido de pronúncia arbitral respeitante a outro sujeito passivo – a sociedade G..., S.A. – se deu por mero lapso na junção do anexo, e que tal lapso é manifesto dado que todos os restantes documentos juntos aos autos, como sejam as liquidações e o relatório de inspecção respeitam à Requerente e não à empresa-irmã do mesmo grupo (G..., S.A.) que surgia identificada na petição do pedido de pronúncia arbitral. 

            Sustenta, ainda, a Requerente, que no formulário de submissão do pedido de pronúncia arbitral, se identificou correctamente, assim como identificou correctamente as liquidações impugnadas em que surge identificada como sujeito passivo do imposto, e que o pedido de pronúncia arbitral inicialmente apresentado e o pedido de pronúncia arbitral corrigido, apenas diferem na identificação da Requerente, números das liquidações e valor, pelo que por aplicação do disposto no artigo 7.º da Portaria n.º 280/2013 de 26 de Agosto, que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais, sempre deverá prevalecer a informação introduzida directamente nos formulários sobre a informação constante nos documentos e nos ficheiros. 

Tendo a Requerida arguido a excepção de ilegitimidade activa, diga-se, desde já, que a legitimidade é um pressuposto processual relativo à posição das partes perante uma causa que se exprime pelo interesse do autor em demandar, fazendo valer o seu direito em contradizer tal pretensão, tendo em conta a relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor e cuja falta determina a verificação da correspondente excepção dilatória, dando lugar à absolvição do Réu da instância (artigo 30.º, nºs 1 e 2 do CPC).

No essencial e para o que aqui releva, a legitimidade da Requerente para intervir no processo arbitral resultará de ser sujeito passivo das liquidações impugnadas.

Vejamos:

No preenchimento do formulário electrónico de submissão do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente identificou-se corretamente, identificou as liquidações impugnadas em que esta surge como sujeito passivo de imposto, sendo as liquidações anexas, assim como o relatório de inspecção das quais as mesmas decorrem relativas à Requerente. Sucede, porém, que a petição de pedido de pronúncia arbitral inicialmente junta, identificava outra empresa do grupo a que pertence a Requerente – a sociedade G..., S.A. - e as liquidações referentes a essa sociedade.

Do contexto em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral, designadamente dos dados que resultam do formulário de submissão electrónica do pedido de pronúncia arbitral e dos documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral, depreende-se que as liquidações que a Requerente pretende impugnar são as que surgem identificadas no formulário, que se encontram juntas aos autos e que decorrem do relatório de inspecção junto aos autos.

De facto, e conforme sustenta a Requerente, a Portaria 280/2013, de 26 de Agosto que regula a tramitação electrónica dos processos judicias, determina no n.º 2 do artigo 7.º que “Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.”

            A Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, relativa à tramitação eletrónica dos processos da jurisdição administrativa e fiscal, no seu artigo 6.º, n.º 2, consagra uma norma em tudo igual à que se acabou de transcrever, determinando, em caso de desconformidade, a prevalência da informação que consta dos formulários sobre aquela que consta do conteúdo dos ficheiros anexos.

            Perante estes normativos, sempre será de prevalecer a identificação da Requerente e das liquidações impugnadas que surge efectuada no formulário de submissão eletrónica do pedido de pronúncia arbitral, motivo pelo qual respeitando as liquidações aí identificadas à Requerente, sempre esta terá legitimidade para as impugnar, improcedendo, por isso, a alegada excepção de ilegitimidade activa arguida pela Requerida.  

            Sucede, porém, que o que vinha alegado no pedido de pronúncia arbitral inicialmente junto, não era susceptível de fundar o pedido devidamente compreendido, já que, a causa de pedir, não poderia conduzir à procedência do pedido assim identificado, uma vez que se referia às liquidações ali identificadas, e não às que a Requerente inseriu no sistema de gestão processual do CAAD, o que poderia, em tese, conduzir à ineptidão da petição inicial.

            Conforme se referiu, do contexto em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral, verifica-se que a junção do pedido de pronúncia arbitral onde surgia identificada outra sociedade do grupo a que pertence a Requerente, resultou de um lapso no preenchimento e inserção no formulário disponibilizado por aquele sistema, lapso que, com a junção do pedido de pronúncia arbitral corrigido, onde não se altera, em substância, nada quanto às questões de facto e de direito, que foram apresentadas na primitiva petição, mas apenas quanto à identificação da Requerente, das liquidações impugnadas e do valor do pedido, bem como à adaptação dos dados relativos às prestações de serviços, e instalações da Requerente, tudo em conformidade com o que resultava dos restantes documentos juntos com o pedido de constituição de tribunal arbitral, foi corrigido, e consequentemente sanada, a referida ineptidão.

            Face a tudo quanto se expôs, não se verifica qualquer excepção que obste ao conhecimento do pedido.

 

*

b. Da questão de fundo

            Insurge-se a Requerente quanto às correcções, operadas pela Autoridade Tributária, relativas à falta de liquidação de IVA nas prestações de serviços de dietética disponibilizadas aos seus clientes, no âmbito do contrato de prestação de serviços dietéticos e facturados com o código “SDIET”.

            Sustenta a AT, em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral que “não se verificam nos serviços em apreço os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado os serviços que faturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão.”

            Em abono da sua tese, traz a AT à colação, em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral, as observações escritas da Comunidade Europeia no âmbito do pedido de reenvio prejudicial submetido ao Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo C581/19 – Caso Frenetikexito, no sentido de que da mera colocação à disposição do cliente de um serviço de aconselhamento ou de monitorização nutricional, independentemente da situação de saúde do cliente, não poderá vislumbrar-se a finalidade terapêutica do mesmo.

            O pedido de reenvio prejudicial que correu termos no TJUE sob o processo n.º C581/19, no qual se colocava a questão de saber se “as disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), e do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112 devem ser interpretadas no sentido de que um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços independente” e se “o direito à isenção de IVA prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva pressupõe a prestação efetiva do serviço, neste caso, um serviço de acompanhamento nutricional correspondente ao definido pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou se a disponibilização desse serviço é suficiente para esse efeito”, foi já objecto de decisão, tendo aquela instância europeia decidido que “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de bem estar-físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva.”.

            Na sequência do assim decidido, o STA no Acórdão de 20-10-2021, proferido no processo n.º 77/20.2BALSB, uniformizou jurisprudência no sentido de que “Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.”

            Numa primeira análise, pareceria ser de improceder a pretensão da Requerente, dada a recente jurisprudência proferida no sentido de que os serviços de nutrição prestados nos ginásios não têm finalidade terapêutica e, portanto, não se encontram abrangidos pela isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA.

Sucede, porém, que a fundamentação do acto de liquidação é aquela que decorre do relatório de inspecção, não sendo admissível a fundamentação à posteriori.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 628/2014-T[2], “Num contencioso de mera anulação, como é o que vigora no processo de impugnação judicial e nos processos arbitrais, que são a sua alternativa (artigo 124.º, n.º2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), tem de aferir-se da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.”.

Também o STA tem reiteradamente afirmado que:

I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou[3].

No relatório de inspecção, a AT alicerçou a correcção unicamente no argumento de que a prestação de serviços dietéticos constitui uma actividade acessória da actividade de utilização das instalações desportivas referindo expressamente que é exatamente no caráter acessório destas prestações de serviços que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas, fazendo apelo a diversa jurisprudência da União Europeia acerca dos conceitos de prestação principal e prestação acessória, concluindo que “não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços de ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal”.

Em sede arbitral, vem a Requerida alegar que “não se verificam nos serviços em apreço os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrado ter prestado os serviços que faturou, não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão”.

Quanto ao argumento relativo à demonstração da efectividade da prestação dos serviços facturados, é claro, julga-se, que não tem qualquer correspondência com a fundamentação vertida no relatório de inspecção.

Já quanto ao argumento referente à inexistência de finalidade terapêutica nos serviços de nutrição prestados pela Requerente, embora tenha alguma correspondência no relatório de inspecção, ao nível do enquadramento das prestações de serviço em causa, o que se verifica é que não constituíram o fundamento efectivo para que a AT considerasse que os serviços de nutrição prestados pela Requerente estão sujeitos a IVA, indo a AT não só mais além do, como até contra o, que ficou dito no RIT. Com efeito, este é expresso no sentido de que:

“Note-se que é exatamente no caráter acessório destas prestações de serviços, que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas”.

Refere-se, ainda, no RIT, o seguinte: “Assim, considerando a análise efectuada à actividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição “avulso”, faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizados aos utentes, faturados enquanto uma rubrica referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal”.

Perante o que se transcreveu, consideramos claro que, em sede de inspecção tributária, a AT fundamentou as correcções efectuadas na natureza supostamente acessória da prestação de serviços de nutrição, em relação à prestação que considerou principal de utilização das instalações desportivas. Não foi na possível inexistência de finalidade terapêutica nos serviços prestados pela Requerente, que se fundamentaram as correcções efectuadas, e aqui contestadas, mas a sua acessoriedade. De resto, a necessidade de aplicar o tratamento da prestação “principal” evidencia o entendimento de que a prestação “acessória” estava isenta, já que, se assim não fosse, não haveria qualquer necessidade de tratar ambas as prestações como um só.

E tanto assim é que a AT só liquidou IVA sobre as consultas de dietética incluídas do contrato de prestação de serviços dietéticos, tendo considerado isentas as consultas avulsas. Ora, se o fundamento para a correcção fosse, como parece querer a Requerida, o de que as consultas de nutrição, prestadas pela Requerente, não têm finalidade terapêutica, sempre teria a AT considerado também as consultas avulsas, como sujeitas e não isentas de IVA.

Não tendo sido o argumento relativo à finalidade terapêutica dos serviços, nos termos que resultam da jurisprudência do Tribunal Europeu e do STA, atrás referida, aquele que fundou as correcções efectuadas, acolher-se agora de tais fundamentos constituiria o acolhimento de uma fundamentação a posteriori, que se afasta da do próprio acto tributário em apreciação.

Neste sentido, a jurisprudência do STA[4], considera “a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados"”.

Posto isto, e no que concretamente respeita ao carácter acessório da prestação de serviços dietéticos em relação à prestação principal de utilização das instalações desportivas, que serviu de fundamento às correcções efectuadas pela AT, conforme externalizado no RIT, a Decisão do TJUE no âmbito do processo de reenvio foi clara em afirmar que: “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação do órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente”.

Para assim concluir, refere aquela decisão, o seguinte:

“40 Em segundo lugar, uma operação económica constitui uma prestação única quando um ou mais elementos devem ser considerados como prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C‑231/19, EU:C:2020:513, n.° 29 e jurisprudência referida].

41 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o primeiro critério a tomar em consideração a este respeito é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C‑231/19, EU:C:2020:513, n.° 29 e jurisprudência referida].

42 O segundo critério, que constitui, na realidade, um indício do primeiro, tem que ver com a tomada em consideração do valor respectivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando‑se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C‑308/96 e C‑94/97, EU:C:1998:496, n.° 24).

43 Em terceiro lugar, como salientou a advogada‑geral no n.° 44 das suas conclusões, por força da Diretiva 2006/112, as «operações […] estreitamente relacionadas» com uma prestação isenta beneficiam da sua isenção, a fim de permitir que essa isenção goze de plena eficácia. Todavia, à luz das considerações que figuram nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, este terceiro tipo de exceção à regra geral que consiste em considerar cada prestação como uma prestação distinta e independente não é aplicável no caso de um serviço de acompanhamento nutricional como o prestado no processo principal. Por conseguinte, há que dispensar a análise deste tipo de exceção.

44 Quanto à aplicabilidade a prestações como as que estão em causa no processo principal do primeiro tipo de exceção, referido no n.° 38 do presente acórdão, importa constatar, pela leitura da decisão de reenvio, que a recorrente no processo principal se dedica, entre outras, às atividades de gestão e exploração de instituições desportivas, bem como de manutenção e bem‑estar físico, e que prestou, por intermédio de um profissional devidamente habilitado e certificado para esse efeito, serviços de acompanhamento nutricional nas suas instalações.

45 Além disso, resulta dos elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio que esses diferentes serviços prestados pela recorrente no processo principal eram objeto de faturação separada e que era possível usufruir de uns sem recorrer aos outros.

46 Assim, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que os serviços de manutenção e bem‑estar físico, por um lado, e de acompanhamento nutricional, por outro, como prestados pela recorrente no processo principal, não estão indissociavelmente ligados na aceção da jurisprudência recordada nos n.ºs 38 e 39 do presente acórdão.”

Relativamente aos serviços de nutrição prestados pela Requerente e com interesse para se apurar se serviços de nutrição prestados pela Requerente deverão ser considerados uma prestação acessória em relação à prestação principal (ginásio), formando com esta uma “operação complexa única”, apura-se nos autos, em suma, que:

- A Requerente colocou efectivamente à disposição dos seus clientes serviços de acompanhamento nutricional/nutrição;

- Tais serviços foram essencialmente prestados nas instalações da Requerente;

- A Requerente tinha tarifários onde incluía duas consultas presenciais de acompanhamento nutricional e dois acompanhamentos telefónicos anuais, e outros onde não incluía tal acompanhamento;

- A Requerente disponibilizou também consultas de nutrição avulso ou vendidas em packs que poderiam ir até 6 consultas;

- Na facturação relativa aos clientes que subscreveram o contrato de prestação de serviços dietéticos que incluía duas consultas presenciais de acompanhamento nutricional e dois acompanhamentos telefónicos anuais, a Requerente discriminou o valor relativo a serviços de nutrição, sobre o qual não liquidou IVA, e liquidou IVA a 23% sobre o remanescente.

- Para prestação dos serviços de nutrição aos seus clientes, a Requerente dispunha de nutricionistas no seu Quadro Pessoal, desde 2013;

- Os serviços de nutrição/dietéticos eram prestados em gabinetes individualizados, próprios para o efeito, dispondo a Requerente, nas suas instalações de duas salas exclusivamente afectas à prestação de serviços de nutrição e que foram adaptadas para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.

Como se viu e a leitura do RIT evidencia, as correcções sub iudice assentam na conclusão de que a “«Prestação de Serviços Dietéticos» surge sempre associada à «Utilização das instalações desportivas», constituindo assim uma atividade acessória a esta”.

Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se que esta conclusão não está devidamente fundada na factualidade apurada em sede de inspecção tributária.

A Requerente dispunha de diferentes planos nas suas instalações. Alguns planos incluíam unicamente serviços de manutenção e bem-estar físico, enquanto outros incluíam, além disso, acompanhamento nutricional. Cada cliente podia escolher o plano pretendido e utilizar, ou não, todos os serviços colocados à sua disposição no âmbito do plano escolhido.

Além disso, também poderiam ser contratados serviços de acompanhamento nutricional de forma avulsa e separada de qualquer outro serviço, mediante o pagamento de um determinado valor.

Com efeito, resultou demonstrado que os diferentes serviços prestados pela Requerente eram objeto de facturação separada e que era possível usufruir de uns sem recorrer aos outros, pelo que não há motivos para concluir em sentido diferente do decidido no Acórdão do TJUE, concluindo-se que as prestações que estão em causa não constituem uma prestação única de carácter complexo, mas antes prestações distintas e independentes umas das outras para efeitos da aplicação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Directiva 2006/112.

Ao ter concluído de forma oposta, enfermam os actos tributários objecta da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, por isso, ser anulados, pelo que há que julgar procedente o pedido arbitral, ficando prejudicado o conhecimento da questão relativa à liquidação do IVA por dentro ou por fora.

 

*

Quanto ao pedido da Requerida, formulado em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral, de suspensão da instância até que fosse proferida decisão no processo de reenvio do processo Fenetikexito, tendo sido já proferida decisão em 04 de Março de 2021, no âmbito do referido processo, ficou prejudicada a requerida suspensão.

 

***

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Julgar improcedente a matéria de excepção.
  2. Declarar a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados e respectivas liquidações de juros compensatórios;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 145.716,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 23 de Dezembro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Carita)



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[3] Acórdão de 28-10-2020, proferido no processo 02887/13.8BEPRT.

[4] cf. Ac. do STA de 22-03-2018, proferido no processo n.º 0208/17.