|
|
Versão em PDF |
Sumário
I – O Fundo goza de isenção de IMT e Imposto de Selo que forem comprados com o intuito de os destinar ao mercado de arrendamento de habitação própria e permanente ou por aquisição no âmbito da opção de compra por parte dos locatários, prevista no artigo 5.º do Regime Tributário dos FIIAH e de imposto de selo por efeitos da transmissão de tais imóveis.
II – Não tem acolhimento no artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH, o argumento de que o regime de isenção não se aplica ao Fundo porque compraram os prédios a uma outra entidade que não as famílias carenciadas, que supostamente estariam oneradas com empréstimos em condições porventura menos favoráveis.
O Árbitro Guilherme W. d´Oliveira Martins, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
-
A Requerente A..., Lda. sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º..., ... - ... Lisboa, sucessora, por transmissão global do património, dos direitos e obrigações do B...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL (Liquidado), titular do número de identificação fiscal ..., vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários consubstanciados nos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e juros compensatórios, referentes à propriedade dos prédios urbanos identificados na Tabela A, no montante total de € 19.238,13, referente aos anos de 2012 e 2013, e relativo aos atos tributários de liquidação do Imposto do Selo (IS) referentes à propriedade dos prédios urbanos identificados na Tabela B, no valor de € 7.144,23, referente aos anos de 2012 e 2013, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
-
O presente pedido de constituição do tribunal arbitral é deduzido com cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos atos tributários melhor identificados no introito.
-
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, é admissível a cumulação de pedidos quando “(…) a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
-
É manifesta, no caso sub judice, a verificação dos pressupostos exigidos no supra citado preceito legal para a cumulação de pedidos no âmbito do presente pedido de constituição de tribunal arbitral.
-
Efetivamente, controverte-se nos presentes autos a legalidade dos atos tributários de IMT e IS referentes a 2012 e 2013 resultantes da ação de inspeção tributária interna, sob a ordens de serviço n.os OI 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., à esfera do Fundo B..., por caducidade das isenções de IMT e IS aplicadas por força do Regime Jurídico aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), previsto e aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009).
-
Ora, considerando, assim, que os atos tributários de IMT e IS em apreço se suportam na mesma base factual e de direito estão, pois, verificados os pressupostos da cumulação de pedidos estabelecidos no aludido artigo 3.º, n.º 1 do RJAT;
-
O Fundo B... era um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional, de subscrição particular, o qual foi constituído a 06.06.2012 e era representado e gerido pela sociedade C...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento.
-
No âmbito da sua atividade, a sociedade C... adquiriu, em 2012 e 2013, os prédios urbanos, afetos à habitação, a que se referem os atos tributários melhor identificados no introito, com vista a integrá-los no património do aludido Fundo.
-
No âmbito das referidas operações, o Fundo beneficiou da isenção de IMT, IS e IMI, prevista no artigo 8.º, n.os 6, 7 e 8 do Regime jurídico aos FIIAH, consagrado no artigo 104.º da Lei n.º 64-A/2008 de 31.12.2018 e publicado em Diário da República, Série I, n.º 252, referentes a aquisição de prédios urbanos ou frações autónomas, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
-
Em 2018, teve lugar uma ação inspetiva interna, efetuada em cumprimento das ordens de serviço OI 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., realizada pelos serviços de inspeção da Direção de Finanças de Lisboa.
-
No decurso da ação inspetiva realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, relativamente aos anos de 2012 a 2016, foi a Requerente, em representação do Fundo, notificada do projeto de relatório de inspeção tributária no qual foram projetadas correções em sede de IMT, IS e IMI.
-
No dia 7 de janeiro de 2019, a Requerente, em representação do Fundo, foi notificado do relatório de inspeção tributária, conforme cópia que ora se junta como documento n.º 6.
-
De acordo com a fundamentação constante do relatório de inspeção acima mencionado, os serviços de inspeção tributária verificaram que “(…) todos os imóveis adquiridos pelo FUNDO B... (FIIAH) foram alienados por uma única sociedade, o BANCO D..., S.A., (…) (conforme os citados resumos das escrituras notariais e as liquidações isentas de IMT e IS dos naos de 2012 e 2013) (…). Este facto revela que existiu a consciência e a vontade própria de as aquisições estarem a ser efetuadas não a famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, mas sim ao BANCO D..., S A, que também é o depositário dos ativos do FUNDO e a entidade comercializadora responsável pela colocação das unidades de participação do FUNDO junto dos investidores (…)” (cf. pág. 22 e 23 do doc. n.º 6).
-
Nesta senda, concluem os serviços de inspeção tributária que “Assim não se cumpre um pressuposto primordial da lei, o pressuposto de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros dos anos da crise, não se cumprindo o auxílio às famílias em dificuldades financeiras, auxílio previsto no Relatório OE2009 (Orçamento do Estado para 2009), que está na génese do Regime Especial aplicável aos FIIAH e na Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de Dezembro. Nestes termos propõe-se que seja liquidado o IMT, o IS e o IMI relativamente a todos imóveis que viram a sua isenção caducar, face ao disposto no Regime Especial aplicado aos FIIAH.” (cf. pág. 23 do doc. n.º 6).
-
Acresce que, apoiados na decisão do Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), proferida no processo n.º 734/2015-T, de 14.07.2016, e no facto dos contratos de arrendamento analisados contemplarem uma cláusula segundo a qual alegadamente afasta a aplicação prevista no artigo 5.º do Regime Jurídico dos FIIAH, os serviços de inspeção tributária entenderam que a mera intenção de destinar os prédios a arrendamento, sem a sua efetivação, não era suficiente para manter em vigor a isenção do IMT, IS e IMI.
-
Em janeiro de 2021, a Requerente, na qualidade de representante do Fundo, foi notificada dos atos tributários consubstanciados nas liquidações de IMT e IS referentes à propriedade do aludido prédio urbano, melhor identificados no introito (cf. doc. n.º 3).
-
Não obstante encontrar-se convicta da ilegalidade dos atos tributários de IMT e IS em apreço, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário do imposto, conforme decorre dos comprovativos de pagamento, que ora se juntam como documentos n.º 7 e 8.
-
Por não se conformar com os atos tributários em apreço, a Requerente deduz o presente pedido de constituição de tribunal arbitral.
-
A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega em síntese o seguinte:
-
Não assiste, razão à Requerente uma vez que as liquidações impugnadas foram praticadas ao abrigo da legislação em vigor, legislação essa que está conforme com a Constituição da República Portuguesa.
-
A Requerente, única participante do B...– Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional, constituído em 14.11.2012, dissolvido e liquidado por escritura em pública em 05.04.2017, tendo-lhe sucedido por transferência global nos direitos e obrigações; b) O Fundo foi constituído ao abrigo do DL nº 60/2002, de 20 de Março, alterado e republicado pelo DL nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pela Portaria do Ministério das Finanças nº 1553- A/2008, de 31 de Dezembro, bem assim, pelo Código dos Valores Mobiliários, aprovados pelo DL nº 486//99, de 13 de Novembro, que estabelece o regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário;
-
O Fundo adquiriu ao Banco D..., em 2012 e 2013, através da sua sociedade gestora – C..., os prédios urbanos ou frações autónomas destinadas exclusivamente a arrendamento habitacional, tendo beneficiado da isenção de IMT, I. Selo e IMI ao abrigo do art. 8º, nºs 6, 7 e 8 do Regime Jurídico dos FIIAH; d) Em 12.02.2018, o fundo foi objeto de inspeção a coberto das Ordens de Serviço com os n.ºs 012018... e 012018..., e em 2018-02-14, em cumprimento das Ordens de Serviço com os n.ºs 012018..., 012018... e 012018...;
-
O objetivo da ação inspetiva consistiu no controlo interno, de âmbito parcial, relativamente aos exercícios de 2012 a 2016, da isenção do IMT, I. Selo e IMI, das aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente e da isenção de IMI desses imóveis, propriedade dos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), nos termos da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, alterada pelos artigos 235º e 236º da Lei nº 83- C/2013, de 31 de Dezembro, nomeadamente nos termos dos n.º' 14, 15 e 16 do artigo 8.º do Regime especial aplicável aos FIIAH, aprovado pelos artigos 102º a 104º da citada da Lei n.º 64-A/2008, assim como da regulamentação dos termos e critérios a que estão sujeitas as transmissões dos imóveis ao fundo, a determinação do valor da renda, a atualização do preço do imóvel e o direito de opção de compra, constantes na Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de Dezembro;
-
Em 07.01.2019, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção, que faz parte integrante do PA que se junta, e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
-
Por ofícios de 18/01/2021, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação sob impugnação (Conforme do 3 junto com o ppa).
-
A Requerente pagou as liquidações em causa conforme documentos 7 e 8 juntos com o ppa.
-
O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no dia 21-05-2021.
-
As liquidações impugnadas foram emitidas com fundamento na caducidade da isenção de IMT e de I. Selo a que se referem os nºs 6, 7 e 8 do do art. 8º do Regime Jurídico Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional(FIIAH), aprovado pelos arts 102º e. 104º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (LOE de 2009), de que o “B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional”, beneficiara aquando da aquisição, ao “Banco D...”, nos anos de 2012 e 2013, do acervo de imóveis identificados nos autos.
-
Ao contrário do alegado na douta Petição, mostram-se reunidos os pressupostos de caducidade de isenção de IMT e I. Selo em causa, uma vez que os imóveis não foram objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente nos termos dos artigos 235º e 236º da Lei nº 83- C/2013, de 31 de dezembro, ao Regime Jurídico dos FIIAH.
-
Como se sabe, o regime jurídico aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) foi aprovado pelo art. 102º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro.
-
O art. 103º da referida Lei dispõe que aquele regime é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei aos imóveis adquiridos no mesmo período.
-
Trata-se de um regime jurídico especial, autónomo e transitório, que determina que ficam isentos daqueles impostos as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a habitação própria e permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº1.
-
Por sua vez, o art. 236º da mesma Lei nº 83-C/2013, de 31.12, estabelece uma norma transitória sobre o âmbito de aplicação do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH com o seguinte teor: 1 - O disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014. 2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos nºs. 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.
-
Com a aprovação e entrada em vigor da LOE 2014, o legislador manteve o regime do regime jurídico dos FIIAH, concretizando, o destino efetivo dos prédios, o prazo em que os Fundos deveriam comprovar esse destino e que prédios é que estão abrangidos pelas normas aditadas.
-
Assim, a partir de 1 de Janeiro de 2014, a isenção de IMT dos imóveis integrados no Fundo tendo em vista o arrendamento foi alargada até 2015, contudo, para efeitos de cumprimento do pressuposto de arrendamento para habitação permanente, passou a ser exigida prova da existência de contrato de arrendamento.
-
Em rigor, a lei não estabeleceu nenhum novo requisito, mas apenas fixou um prazo para cumprimento desse requisito.
-
O legislador estabeleceu assim um período transitório para aplicação das alterações de forma a que o requisito expressamente estabelecido na lei seja aferido para futuro, para os prédios adquiridos antes e após 01.01.2014.
-
Situação diferente seria se o legislador não tivesse consagrado este período transitório fazendo caducar todos as isenções em curso que não cumprissem fizessem prova de que possuíam os requisitos legais.
-
No caso destes autos, os imóveis não foram objeto de contrato de arrendamento nas condições exigidas pelo art. 8.º, n.º 14, do Regime Especial dos FIIAH – razão pela qual a AT entendeu, e bem, pela caducidade da isenção de impostos anteriormente concedida, uma vez não se verificou a afetação dos mesmos à finalidade daquela para que foram concedidas as isenções (que era a de destinar os imóveis ao arrendamento habitacional).
-
Nessa medida, ocorrendo uma afetação a finalidade diferente, tal determina a caducidade da isenção concedida, por violação da ratio legis da norma de isenção fiscal.
-
Nesta aceção, ocorreu a caducidade da isenção por força da aplicação do disposto no art. 14.º, n.º 3, do EBF, (antigo 12.º, n.º 3, na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26/06), segundo o qual: «Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei
-
A interpretação defendida pela Requerente não tem qualquer correspondência com a letra da lei nem atende às regras e princípios gerais de interpretação consignados no art. 9º do Código Civil, aplicável ex vi o nº 1 do art. 11º da LGT, designadamente, ao elemento sistemático, histórico e teleológico das normas de isenção em reporte – a norma de isenção de IMT a que se referem os nºs 6, 7 e 8 do art. 8º do Regime Jurídico dos FIIAH.
-
Não se compreende, por isso, que se defenda que a isenção de IS e de IMT em causa, não era à data condicionada à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias, nem tão pouco sujeita a qualquer regime de caducidade. Se tal entendimento vingasse, teoricamente, tal significaria que, no âmbito do regime dos FIAHH, podiam ser efectuadas alienações de bens com destino ao arrendamento habitacional isentas de impostos sobre o património num dia e no dia seguinte esses mesmos bens poderiam ser vendidos para outro fim que não o arrendamento pelo Fundo, sem qualquer encargo em termos de impostos sobre o património. Tal diferenciação fiscal seria injustificada.
-
Com efeito, no caso dos presentes autos, atento o Regime Especial dos FIIAH, tendo ocorrido a caducidade da isenção por via da aplicação do disposto no art. 14.º, n.º 3, do EBF, nem sequer se coloca a questão da retroatividade ou não da norma prevista no artigo 236.º da Lei n.º 83- C/2013, de 31/12.
-
De salientar ainda, quanto às aquisições anteriores a 01.01.2014, onde se incluem os casos em apreço, a mera alienação do imóvel antes de decorrido o prazo de três anos contados a partir de 1 de janeiro de 2014 não faz caducar a isenção.
-
No entanto, a consolidação do benefício fiscal, tal como antes, continua a depender do preenchimento das condições previstas, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 7, alínea a), e n.º 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei n.º 64-A/2008.
-
Assim sendo, na análise dos pedidos de isenção de IMT e IS, prevista no disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, relativos a bens imóveis adquiridos antes da entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (LOE de 2014), a AT tem o poder-dever de exigir ao sujeito passivo prova de que: 1. O imóvel foi efetivamente disponibilizado para arrendamento habitacional após a aquisição e antes da alienação (ainda que nenhum contrato de arrendamento tivesse sido celebrado por razões inerentes ao próprio funcionamento do mercado), e 2. Que a alienação foi a única alternativa financeiramente viável para a respetiva rentabilização. Informação.
-
Ora, a factualidade que esteve na base da declaração de caducidade da isenção de IMT em apreço, consistiu no facto dos prédios em causa, adquiridos pelo FUNDO em data anterior a 1 de janeiro de 2014, ao abrigo do n.º 7 do art.º 8.º do Regime Especial aplicável aos FIIAH/SIIAH, terem sido alienados pelo Fundo sem que em nenhum momento tenha sido feita prova dos factos mencionados no ponto anterior. 33.º Razão pela qual, o que está em causa, é tão só, a não verificação “ab initio”, dos pressupostos de que dependia a isenção, na redação original da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que a Requerente não logrou provar.
-
Assim, não tendo sido demonstrada a afetação dos prédios em causa ao arrendamento habitacional e que a alienação foi a única alternativa financeiramente viável para a respetiva rentabilização, não se vê como poderia a aquisição dos prédios pelo “Fundo”, em 2012 e 2013, beneficiar da isenção de IMT e IS, previstas no disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 8º do Regime Jurídico dos FIIAH.
-
Pelo que, os atos de liquidação de IMT e de IS em apreço não merecem qualquer censura, visto que foram emitidos de acordo com as normas vigentes, ora invocadas, e aplicáveis ao caso concreto.
-
Refira-se ainda que, no presente caso, está em causa a interpretação de normas de isenção fiscal.
-
E consistindo a isenção fiscal numa medida extraordinária que tem subjacente um conjunto de interesses públicos extrafiscais relevantes que permitem afastar a tributação-regra do imposto, pelo que haverá que os identificar, bem como as situações factuais que se devem ter em conta na prossecução desses objetivos, os quais, sublinhe-se, encontram-se na previsão da norma de isenção contida nos nºs 6, 7 e 8 do art. 8º do Regime Tributário dos FIIAH.
-
Por todo o exposto, as liquidações impugnadas devem manter-se, por corresponderem a uma correta interpretação e aplicação da lei aplicável aos FIIAH.
-
Da invocada violação do art. 1º do DL 1/87, de 3 de janeiro:
-
A Requerente não tem razão ao considerar que, ainda assim, as aquisições dos imóveis pelo Fundo beneficiariam nunca da isenção de IMT prevista no art. 1º do DL 1/87, de 3 de janeiro, Com efeito,
-
O regime jurídico aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) foi aprovado pelo art. 102º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e,.
-
Trata-se de um regime jurídico autónomo, transitório e especial. Assim,
-
O art. 103º da mesma Lei dispõe que aquele regime é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei aos imóveis adquiridos no mesmo período.
-
Por seu turno, o art. 104º, nº1 refere que a constituição e o funcionamento dos FIIAH, bem como a comercialização das respetivas unidades de participação, regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo DL 60/2002, de 20 de Março, alterado pelos DL nºs 252/2003, de 17 de outubro, 13/2005, de 7 de Janeiro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, e subsidiariamente, pelo disposto no Código dos Valores Imobiliários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho, 183/2003, de 19 de Agosto, 66/2004, de 24 de Março, 52/2006, de 15 de Março, 219/2006, de 2 de Novembro, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, com as especificidades constantes dos artigos seguintes.
-
Por conseguinte, o nº1 do art. 104º abrange apenas a constituição, o funcionamento e a comercialização dos FIIAH que remete para o regime geral dos Fundos de Investimento Imobiliário.
-
Não remete para o regime fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário, não sendo aplicáveis aos FIIAH as normas de fiscalidade dos Fundos.
-
Tanto assim é, que o legislador, ao definir no art. 8º um Regime Tributário especial e privativo dos FIIAH, excluiu inequivocamente este tipo de fundos do regime fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário.
-
O regime tributário dos FIIAH é regulado autonomamente pelo art. 8º do respetivo Regime Jurídico, e no que se reporta ao caso dos autos, dispõe a al a) do nº7 que ficam isentos de IMT as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a habitação própria e permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº1.
-
Nenhum elemento existe na norma da al a) do art. 7º que permita inferir qualquer remissão para o regime fiscal dos Fundos ou para o DL 1/87, de 3 de Janeiro, contrariamente ao propugnado pela Requerente.
-
Com efeito, se se aplicasse o art. 1º do DL 1/87, que refere que “São isentas de sisa (IMT) as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respetiva sociedade gestora”, não seria necessário, seria mesmo despiciendo, o regime de isenção de IMT previsto pelo legislador no nº 7 do art. 8º do Regime Jurídico dos FIIAH!
-
Pelo acima exposto não se encontra qualquer fundamento para a Requerente transpor para os presentes autos a análise efetuada na Decisão administrativa, (cf artigo 138º e doc 11 do ppa) tirada de outro procedimento relativamente à isenção do art. 46º/49º do EBF e art. 1º do DL 1/87, que, não sendo uma informação vinculativa, nem tendo sido convertida em orientação genérica, ou transposta em circular administrativa (cf artigo 68-A LGT), só tem validade para esse procedimento.
-
Contrariamente ao que pretende a Requerente, não se aplicam indiferentemente duas isenções de IMT – a do art. 8º, nº7 do Regime Jurídico dos FIIAH e/ou a do art. 1º do DL 1/87, de 3 de janeiro.
-
Aos FIIAH é aplicável unicamente a isenção de IMT prevista na al a), do nº7 do art. 8º do Regime Jurídico dos FIIAH (que é um regime especial), na medida em que o legislador afastou expressamente o regime geral de isenção de IMT dos fundos de investimento imobiliário a que se refere a norma do art. 1º do DL 1/87. 53.º A interpretação defendida pela Requerente não tem qualquer correspondência com a letra da lei nem atende às regras e princípios gerais de interpretação consignados no art. 9º do Código Civil, aplicável ex vi o nº 1 do art. 11º da LGT, designadamente, ao elemento sistemático, histórico e teleológico das normas de isenção em reporte – a norma de isenção de IMT a que se refere a al a) do nº7 do art. 8º do Regime Jurídico dos FIIAH e a norma de isenção de IMT do DL 1/87, de 3 de Janeiro.
-
Sendo que, no presente caso, está em causa a interpretação de uma norma de isenção fiscal, e consistindo a isenção fiscal numa medida extraordinária que tem subjacente um conjunto de interesses públicos extrafiscais relevantes que permitem afastar a tributação-regra do imposto, pelo que haverá que os identificar, bem como as situações factuais que se devem ter em conta na prossecução desses objetivos, os quais, sublinhe-se, encontram-se na previsão da norma de isenção contida na al a) do nº7 do art. 8º do Regime Tributário dos FIIAH.
-
Por todo o exposto, a atuação da Administração foi conforme a Lei, justificando-se a manutenção das liquidações efetuadas, por se demonstrar a sua validade.
Da ilegalidade das liquidações dos juros compensatórios
-
Quanto aos juros compensatórios refere que as liquidações ora impugnadas assentam numa correta interpretação e aplicação das normas aplicáveis, não podendo colher nenhum dos argumentos, nem podendo proceder nenhum dos vícios imputados pela Requerente às liquidações impugnadas.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 21-05-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 24-05-2021.
Em 11-06-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou com árbitro do Tribunal Arbitral Singular o aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 15-07-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, constituído em 03-08-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 03-08-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 30-09-2021.
Em 18-10-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:
«1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito, nem foi invocada ou identificada matéria de exceção.
2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Fixa-se o prazo de 5 (cinco) dias para as partes, querendo, se pronunciarem. Notifiquem-se as partes do presente despacho.»
A requerida não se opôs expressamente ao proposto e a requerente nada disse.
POSTO ISTO:
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
É admitida a cumulação de pedidos.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. DECISÃO
-
MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
São dados como assentes todos os factos invocados pelo Requerente e admitidos pela Requerida, a saber:
-
A Requerente, única participante do B...– Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional, constituído em 14.11.2012, dissolvido e liquidado por escritura em pública em 05.04.2017, tendo-lhe sucedido por transferência global nos direitos e obrigações; b) O Fundo foi constituído ao abrigo do DL nº 60/2002, de 20 de Março, alterado e republicado pelo DL nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pela Portaria do Ministério das Finanças nº 1553- A/2008, de 31 de Dezembro, bem assim, pelo Código dos Valores Mobiliários, aprovados pelo DL nº 486//99, de 13 de Novembro, que estabelece o regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário;
-
O Fundo adquiriu ao Banco D..., em 2012 e 2013, através da sua sociedade gestora – C..., os prédios urbanos ou frações autónomas destinadas exclusivamente a arrendamento habitacional, tendo beneficiado da isenção de IMT, I. Selo e IMI ao abrigo do art. 8º, nºs 6, 7 e 8 do Regime Jurídico dos FIIAH; d) Em 12.02.2018, o fundo foi objeto de inspeção a coberto das Ordens de Serviço com os n.ºs 012018... e 012018..., e em 2018-02-14, em cumprimento das Ordens de Serviço com os n.ºs 012018..., 012018... e 012018...;
-
O objetivo da ação inspetiva consistiu no controlo interno, de âmbito parcial, relativamente aos exercícios de 2012 a 2016, da isenção do IMT, I. Selo e IMI, das aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente e da isenção de IMI desses imóveis, propriedade dos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH), nos termos da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, alterada pelos artigos 235º e 236º da Lei nº 83- C/2013, de 31 de Dezembro, nomeadamente nos termos dos n.º' 14, 15 e 16 do artigo 8.º do Regime especial aplicável aos FIIAH, aprovado pelos artigos 102º a 104º da citada da Lei n.º 64-A/2008, assim como da regulamentação dos termos e critérios a que estão sujeitas as transmissões dos imóveis ao fundo, a determinação do valor da renda, a atualização do preço do imóvel e o direito de opção de compra, constantes na Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de Dezembro;
-
Em 07.01.2019, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção, que faz parte integrante do PA que se junta, e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
-
Por ofícios de 18/01/2021, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação sob impugnação (Conforme do 3 junto com o ppa).
-
A Requerente pagou as liquidações em causa conforme documentos 7 e 8 juntos com o ppa.
-
O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no dia 21-05-2021.
A.2. Factos dados como não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
B. DO DIREITO
B.1. QUANTO A MÉRITO
1. Integrado no capítulo X, dedicado aos benefícios fiscais, a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pelos seus artigos 102.º a 104.º, aprovou o regime especial aplicável aos FIIAH. O art. 8.º desse regime especial estabeleceu o respetivo regime tributário, sendo o n.º 7 e o n.º 8 dessa disposição dedicados ao IMT e ao IS, respetivamente:
«7 - Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.»
O artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro aditou ao Regime Tributário dos FIIAH (artigo 8.º) os números 14 a 16:
«14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»
Por sua vez, o 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro estabeleceu o seguinte regime transitório no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH:
«1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»
2. Pelo já referido, a Lei do Orçamento do Estado para 2009 consagrou um regime especial aplicável aos FIIAH. Esta iniciativa legislativa visava confessadamente a dinamização do mercado de arrendamento para habitação, impondo que pelo menos 75% do ativo do fundo fosse constituído por imóveis situados em Portugal e destinados a arrendamento para habitação permanente, favorecendo estes veículos de investimento coletivo com os benefícios fiscais constantes do artigo 8.º do respetivo regime jurídico, sendo os referentes ao IMT e ao IS os constantes dos números 7 e 8 desse artigo.
Insista-se na ideia de que o regime especial dos FIIAH e os benefícios fiscais ao seu dispor colocados assumem a natureza ou a vocação de verdadeiros instrumentos de política económica, colocados ao serviço de um propósito claro: o favorecimento do mercado de arrendamento para habitação permanente. É à luz deste desiderato que tem de ser lido e compreendido o regime tributário dos FIIAH.
O n.º 7 do regime tributário dos FIIAH estabelece que ficam isentos do IMT as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
Se bem lermos aquela disposição normativa teremos de concluir que a isenção do IMT não depende apenas da identidade do adquirente dos imóveis em causa. A lei não se limita a isentar (nem isentava à data) a mera aquisição de imóveis pelos FIIAH. Concede essa isenção aos FIIAH, sim, mas desde que a aquisição se reportasse a prédios urbanos ou a frações autónomas de prédios urbanos “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”.
A lei pretende, isso sim, estimular o próprio mercado de arrendamento. Esse desiderato foi prosseguido por via de diversas iniciativas, incluindo a da consagração de um regime especial, e vantajoso, dedicado aos FIIAH, sendo, porém, precipitada a conclusão de que o legislador pretendia, sem mais, apoiar os ditos FIIAH. Igualmente se refira que o destino, de resto exclusivo, a dar aos imóveis adquiridos pelos FIIAH não há-de ser, pela leitura que das normas fazemos, puramente intencional ou volitivo. Não basta que o FIIAH, aquando da aquisição de um imóvel, para beneficiar da isenção do IMT e do IS, declare que pretende dar ao dito imóvel como destino o arrendamento para habitação permanente. Para que esse benefício cumpra o seu propósito, para que a despesa fiscal a ele associada seja económica e socialmente justificada, esse destino tem de ser efetivo.
O postulado que acaba de ser expresso tem, porém, um alcance menos abrangente, menos impressivo, do que pode à primeira vista sugerir. É que, na verdade, a efetividade de um determinado destino de um bem imóvel só pode ser infirmada, prejudicada, pela verificação, também ela efetiva, da atribuição a esse bem concreto de um destino diverso.
Lido o Relatório de inspeção tributária (RIT) que fundamenta as correções que foram efetuadas e que ora se encontram em apreciação por este Tribunal em virtude das liquidações já identificadas, verifica-se que, de acordo com as páginas 22 a 23, “(…) todos os imóveis adquiridos pelo FUNDO B... (FIIAH) foram alienados por uma única sociedade, o BANCO D..., S.A., (…) (conforme os citados resumos das escrituras notariais e as liquidações isentas de IMT e IS dos naos de 2012 e 2013) (…). Este facto revela que existiu a consciência e a vontade própria de as aquisições estarem a ser efetuadas não a famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, mas sim ao BANCO D..., S A, que também é o depositário dos ativos do FUNDO e a entidade comercializadora responsável pela colocação das unidades de participação do FUNDO junto dos investidores (…)”.
Concluem assim os serviços de inspeção tributária que:
“Assim não se cumpre um pressuposto primordial da lei, o pressuposto de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros dos anos da crise, não se cumprindo o auxílio às famílias em dificuldades financeiras, auxílio previsto no Relatório OE2009 (Orçamento do Estado para 2009), que está na génese do Regime Especial aplicável aos FIIAH e na Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de Dezembro. Nestes termos propõe-se que seja liquidado o IMT, o IS e o IMI relativamente a todos imóveis que viram a sua isenção caducar, face ao disposto no Regime Especial aplicado aos FIIAH.” (cf. pág. 23 do RIT).
3. Isto dito, embora já no Relatório se haja feito referência à legislação aplicável, importa recapitular o regime fiscal dos FIIAH à data das aquisições e ulteriormente, isto é 2012 e 2013, para procurar extrair conclusões úteis ao nosso processo. Assim, na parte que importa, deve levar-se em consideração os números 7 e 8 do artigo 8.º do referido regime, que dispõem:
«7 - Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.»
4. Desta já longa digressão em torno do quadro legal[2] que rege a situação importa agora ver se no nosso entender a Requerente terá razão quando alega que carece de base legal a correção feita pela AT às isenções, daí decorrendo as liquidações de tributo sob apreciação.
4.1. Começaremos por mencionar que não somos sensíveis ao argumento da AT constante do RIT de que o regime de isenção não se aplica ao Fundo porque compraram os prédios a uma única entidade (o BANCO D..., SA.) e não às famílias carenciadas que supostamente estariam oneradas com empréstimos em condições porventura menos favoráveis.
A verdade é que se olharmos para o já tantas vezes mencionado artigo 8.º do regime dos FIIAH o que vemos, nos números 7 e 8 do mesmo, é que o Fundo goza de isenção de IMT e Imposto de Selo, na medida em que os prédios se mantiverem na carteira dos FIIAH que forem comprados com o intuito de os destinar ao mercado de arrendamento de habitação própria e permanente ou por aquisição no âmbito da opção de compra por parte dos locatários, prevista no artigo 5.º e de imposto de selo por efeitos da transmissão de tais imóveis. Por consequência, o ponto de vista expendido no RIT não colhe como fundamento para determinar a caducidade da isenção, ao contrário do pretendido pela AT.
4.2. Quanto ao aspeto de os prédios não terem sido, todos eles, objeto de arrendamento, há que dizer que a lei, o já mencionado artigo 8.º, torna irrelevante tal argumentação porquanto face à redação do mesmo à data os factos (2012 e 2013) tal obrigação não constava expressamente da lei. Com efeito, o aspeto primordial é que, como se viu da descrição anterior das sucessivas alterações legislativas, nada na lei determinava, à data dos factos, em que é que se traduzia a obrigação de comprar para arrendamento de habitação própria, pelo que a exigência em que se fundou a AT para determinar no relatório a caducidade das isenções carece de base legal.
Aliás, o Tribunal Constitucional, julgou inconstitucional“(…) por violação do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a norma decorrente do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas nos n.os 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014.”[3].
Nada, a nosso ver, proibia que ao fim de um lapso de tempo o FIIAH não pudesse vender os imóveis que não conseguisse arrendar. De facto, só através dos aditamentos dos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, a partir de 2014, é que se veio expressamente dizer e de forma claramente inovadora qual o prazo máximo que o Fundo tinha para arrendar os imóveis pelo que não colhe a argumentação da AT ao dizer que a nova legislação não continha nada de novo e se destinou a regulamentar os normativos anteriormente existentes.
De tal sorte assim não é, que o Tribunal Constitucional considerou que a simples aplicação aos prédios adquiridos antes de 1.1.2014 dos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime dos FIIAH era inconstitucional por violação do princípio da confiança. Dito por outras palavras, o prazo máximo de 3 anos não podia sem mais ser aplicado e, por outro lado, o normativo na versão inicial falava em aquisição de prédios para habitação própria e permanente, tendo os mesmos sido disponibilizados para o efeito e a isenção continuava a ser válida ainda que nenhum contrato viesse a celebrar-se no referido prazo, conforme, aliás, se acentua no Acórdão do Tribunal Constitucional, por razões de funcionamento do mercado. Ora, a Requerente invoca justamente que adquiriu os imóveis com essa finalidade e que “o facto de não ter sido possível arrendar os imóveis não significa que não tenha existido uma gestão do risco por parte da entidade gestora do Fundo, e que não tivesse existido um esforço concertado para arrendar os imóveis exclusivamente para fins habitacionais”.
5. Por tudo isto o Tribunal entende, assim, que o artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH não foi objeto de violação no caso sub judice, pelo que, em consequência determina a anulação das liquidações de IMT e Imposto de Selo com fundamento em ilegalidade.
B.2. QUANTO À RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA EM EXCESSO ACRESCIDA DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” ”( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
Na sequência da anulação do ato impugnado, a Demandante terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art.º 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
É o caso nos presentes autos, na medida em que a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado pela administração tributária deverá ser ressarcida do montante indevidamente pago
de IMT no montante total de € 19.238,13, referente aos anos de 2012 e 2013, e de Imposto do Selo (IS), no valor de € 7.144,23, referentes igualmente aos anos de 2012 e 2013, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à luz do preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT. Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Demandada terá direito a ser ressarcida nos termos do art. 43º, nº 3, al. d) da LGT, através do pagamento de juros indemnizatórios.
C. DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular:
-
Julgar procedente por provada a ilegalidade apontada pela Requerente no que respeita às liquidações de IMT e IS, na sequência de inspeção tributária por violação do Direito aplicável, pelo que se determina a anulação das liquidações efetuadas;
-
Condenar a Requerida a restituir o imposto pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 26.382,36, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida*[4], uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 29 de novembro de 2021
O Árbitro,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[3] Cf. acórdão n.º 175/2018, de 29/05, DR, 2ª Série, n.º 103, de 29/05/2018.
[4] *Despacho de retificação notificado às partes em 2021-12-15.
|
|