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Sumário:
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Os Tribunais Arbitrais (CAAD) são incompetentes, em razão da matéria, para apreciar a alegada omissão da AT em efetuar uma liquidação de ISV por aplicação do «método alternativo», previsto no n.º 3 do art. 11.º do CISV, em substituição de liquidação efetuada nos termos do n.º 1 da mesma norma.
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A nova redacção do art. 11.º, n.º 1, do CISV, decorrente da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, não foi submetida a análise do TJUE, nomeadamente no recente Acórdão de 2/9/2021 (processo C-169/20).
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., portador do NIF ... e residente na ..., ..., ..., ...-... Vale de Cambra (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no art. 99.º do CPPT, requerer, em 12/4/2021, a constituição de Tribunal Arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do acto de liquidação do Imposto sobre Veículos (“ISV”), respeitante à introdução no consumo de veículo usado, proveniente da Alemanha, da marca ..., modelo ..., movido a gasolina, a que foi atribuída a matrícula ... .
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 23/6/2021.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente, alega, em síntese, o seguinte:
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«Na data em que o Requerente decidiu proceder à compra deste veículo e respectiva introdução da mesma em Portugal, estava em vigor o art. 11.º do CISV, mais propriamente, o seu n.º 3 que define a fórmula a aplicar para a liquidação do ISV através do método alternativo [...] que se transcreve [...]. Fórmula que tinha sido aprovada a par da aprovação e publicação da Lei do Orçamento para 2021 – Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro.
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A aplicação deste método alternativo na liquidação do ISV tinha sido já introduzida com a aprovação do Código do Imposto Sobre Veículos e Código do Imposto Único de Circulação, através da Lei n.º 22-A/2007 de 29 de junho, que, conforme a redacção do n.º 3 do art. 11.º, permitia aos sujeitos passivos deste imposto requerer a liquidação deste imposto com o recurso a este método, quando determinadas características dos veículos introduzidos em Portugal o justificasse.
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[O] Requerente, tendo efectuado as contas ao ISV que iria pagar através da aplicação do método alternativo, calculado pela fórmula aprovada pela Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro, optou por adquirir o veículo melhor identificado no art. 1.º [“veículo automóvel, usado, marca ..., modelo ..., movido a gasolina, a que foi atribuída a matrícula...]. Tendo, em 04.03.2021 comprado a referida viatura na Alemanha, conforme fatura que junta [...]. Posteriormente à compra, submeteu o pedido de homologação nacional da viatura, pedido esse que lhe foi confirmado em 08.03.2021, conforme documento do IMT que junta [...].
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Acontece, porém, que, em 24.02.2021, a Requerente tomou conhecimento que tinha sido publicada no Diário da República, I Série, n.º 38, de 24.02.2021, a Declaração de Rectificação n.º 6/2021, que procedeu à alegada rectificação da fórmula de cálculo do método alternativo que tinha entrado em vigor com a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Rectificação que produziu efeitos retroactivos à data de 1 de janeiro de 2021.
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A alteração desta fórmula alterou radicalmente o método de cálculo do ISV através da aplicação deste método, tendo a Requerente sido confrontada que da liquidação por este método resultaria o valor de ISV a pagar de €24.737,99. Enquanto pela fórmula que estava em vigor esse valor era de €7.747,43.
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Perante o valor elevado que resultaria da aplicação do método alternativo através da fórmula alegadamente rectificada, o Requerente requereu que o ISV referente à sua viatura fosse liquidado pelo método previsto no n.º 1 do art. 11.º do CISV, ou seja, através da aplicação da tabela de desvalorização pelo número de anos de uso do veículo. Do que resultou um ISV a pagar no valor de €25.185,04, que o Requerente pagou, conforme a DAV que junta [...]. Tendo, pois, pago um ISV por um valor que excedeu em €17.437,61 o valor que pagaria se o imposto fosse aplicado pela fórmula que, no seu entender, estava em vigor.
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Entende o Requerente que a referida rectificação não pode ser enquadrada como tal, pois não preenche os requisitos do art. 5.º da Lei n.º 74/98 de 11 de novembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 43/2014 de 11 de julho, na medida em que não se trata de um “lapso gramatical, ortográfico, de cálculo ou de natureza análoga ou para correcção de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto do diploma publicado”. Pois que [...] a fórmula publicada e aprovada reproduz na íntegra a que constava das propostas apresentadas e votadas sem apresentar qualquer erro de transcrição.
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A alegada rectificação da fórmula mais não é do que uma alteração do art. 11.º do CISV, alteração essa efectuada ao abrigo de uma intitulada rectificação, proposta pela Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e aprovada pela Comissão de Orçamento e Finanças, órgãos que não têm competência para promover nem para aprovar uma alteração legislativa.
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A alteração desta fórmula padece pois de um vício de inconstitucionalidade orgânica, pois promoveu uma alteração legislativa em matéria de competência relativa da Assembleia da República – art. 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Padece igualmente de uma inconstitucionalidade material, face aos efeitos retroactivos que lhe foram atribuídos – art. 103.º, n.º 3, da CRP. [...]. O princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrados no art. 2.º da CRP, enquanto princípios classificadores do Estado de Direito, foram grosseiramente violados com a atribuição dos efeitos pretendidos a esta alegada rectificação.
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[M]esmo que se considerasse que a rectificação da fórmula era admissível, o que por mera cautela de patrocínio se admite, o certo é que a aplicação desta fórmula esvazia por completo a aplicação do método alternativo, pois da mesma resultaria sempre a liquidação de um ISV, sejam quais forem as características dos veículos em questão, muito superior ao que resulta do obtido através da aplicação do método tradicional previsto no n.º 1 do art. 11.º do CISV. O que traduz mais um incumprimento por parte do Estado Português do [...] do art. 110.º do TFUE.
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Pela aplicação do método alternativo e aplicando a fórmula legal para o apuramento do imposto, o valor do ISV a pagar seria €7.747,43 [...] e não o montante de €25.185,04, pago pela Requerente (ver doc. 4). Devendo ser restituído ao requerente o montante de €17.437,61, correspondente à diferença entre o valor do ISV pago e o que pagaria se o ISV fosse liquidado pelo método alternativo através da fórmula aprovada e publicada com a Lei do Orçamento. Acrescidos dos juros indemnizatórios, contados à taxa legal, devidos nos termos do art. 43.º da LGT.
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Se assim não se entender, verificados os cálculos do ISV constantes da DAV junta (doc. 4), temos que relativamente à componente cilindrada, o ISV foi liquidado pelo valor de €9.597,80 - €1.919,56, valor correspondente a uma desvalorização de 20% pelo número de anos de uso do veículo. Enquanto na componente ambiental foi liquidado por €19.452,00 - €1.945,20, valor correspondente a uma desvalorização de apenas 10% pelo número de anos de uso do veículo. Quando deveria ter sido também aplicada a esta componente a redução aplicada à componente ambiental, ou seja 20%, que totaliza o valor de €3.890,40. Baixando, dessa forma, o valor relativo a esta componente ambiental para o valor de €15.561,60. Devendo ser restituído ao Requerente o montante de €3.890,40 pago a mais. Acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43.º da LGT.»
3.1. O ora Requerente termina pedindo «que a presente impugnação [seja] julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução da liquidação do ISV para o valor resultante da aplicação do método alternativo através da fórmula em vigor, ou seja, €7.747,43. Devendo a Requerida ser condenada a restituir ao Requerente a quantia de €17.437,61, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto até à efectiva restituição. Mas, se assim não se entender, deve, subsidiariamente, anular-se parcialmente a liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução da percentagem de 20% aplicada à componente cilindrada, à componente ambiental, condenando-se a Requerida a restituir a quantia de €3.890,40.»
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
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«O presente pedido de constituição de tribunal arbitral visa impugnar a liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV), praticada pelo Diretor da Alfândega do Freixieiro, resultante da apresentação, em 12.03.2021, pelo Requerente, de uma Declaração Aduaneira de Veículo (DAV).
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A liquidação impugnada foi efetuada por aplicação das taxas previstas no artigo 7.º e no artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre os Veículos (CISV), aplicável à introdução no consumo de veículos usados, admitidos no território nacional, provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia, na redação atualmente em vigor.
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E, defendendo o Requerente que deveria ter sido aplicada a fórmula constante do n.º 3 do artigo 11.º, na redação anterior à Declaração de Retificação n.º 6/2021, referente ao método de avaliação alternativo ao invés do previsto no n.º 1 do mesmo artigo, vem, a final, pugnar pela anulação parcial do ato de liquidação de ISV e pela devolução de 17.437,61€, acrescida de juros indemnizatórios, ou, em alternativa, e por considerar que deve ser igualmente aplicada à componente ambiental do ISV a redução da percentagem de 20% aplicada à componente cilindrada, a restituição da quantia de 3.890,40€ paga a mais, acrescida de juros indemnizatórios.
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No presente pedido de pronúncia arbitral o Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional da Declaração de Retificação n.º 6/2021 e, concomitantemente, do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2021), que alterou o artigo 11.º do CISV.
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De facto, não obstante o Requerente não ter requerido a avaliação do veículo, para efeitos de cálculo e aplicação da fórmula prevista no n.º 3 do artigo 11.º, defende agora que deveria ter sido aplicada a fórmula na versão inicialmente publicada, antes de a norma ter sido objeto de retificação. Pelo que, pretendendo o Requerente, em rigor, a não aplicação de uma norma aprovada por Lei da Assembleia da República, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de ato legislativo.
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Sendo que, no presente caso, não é impugnado qualquer ato de liquidação resultante da aplicação do preceito legal sobre o qual se pretende ver exercido um escrutínio de legalidade. De facto, a liquidação que resultou da DAV n.º 2021/... foi efetuada por aplicação do n.º 1 do artigo 11.º e não ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo do CISV, independentemente de a sua redação ser a inicial ou a versão resultante da Declaração de Retificação n.º 6/2021.
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Ora, considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a “atos de liquidação de tributos”, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.
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Isto é, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral. De facto, a competência do tribunal arbitral é delimitada pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT [...]. [...] [S]endo a [referida] competência taxativa, não se admite a apreciação de atos de natureza legislativa, emanados da função legislativa como é o caso da Lei do Orçamento (reserva exclusiva da Assembleia da República, artigo 161.º, alínea g) da CRP), e da Lei n.º 22-A/2007, de 20.09 (artigo 161.º, alínea c) da CRP) não podendo ser sindicáveis através de impugnação arbitral, por força do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem.
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O tribunal arbitral já se pronunciou amiúde sobre a sua competência mormente nas decisões proferidas nos Processos n.º 212/2020-T, n.º 707/2019-T e n.º 131/2019-T. Sendo que os tribunais superiores também já se pronunciaram, embora no âmbito da competência dos tribunais administrativos e fiscais, em ações administrativas, sobre a impugnação de atos legislativos, designadamente nos acórdãos do STA de 01.10.2018 (Proc. 01390/17 -ISV), n.º 0637/15, de 07.02.2015, e acórdão de 21.04.2016, do TCA Norte (Proc. 00502/15.4BEPRT).
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Ora, a incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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À cautela e sem conceder, tendo sido constatado um erro na nova redação do n.º 3 do artigo 11.º do CISV, publicada em 31.12.2021 no Diário da República, incluída na Lei n.º 75-B/2020 (Lei do Orçamento de Estado para 2021), foi suspensa a aplicação do método de avaliação alternativo, tendo as alfândegas e os operadores sido informados em conformidade. Em 24.02.2021 foi publicada no Diário da República a Declaração de Retificação n.º 6/2021 que, entre outras, procedeu à retificação da fórmula de cálculo prevista no n.º 3 do artigo 11.º do CISV, que tinha sido publicada inicialmente em 31.12.2020 na referida Lei do Orçamento de Estado.
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O Requerente veio declarar junto da Alfândega do Freixieiro, através de requerimento de 09.03.2021, não requerer a liquidação do ISV pelo método alternativo “pelo facto de a AT não aplicar a fórmula aprovada na Lei 75-B/2020 de 31 de Dezembro, art.º 391, (orçamento estado para 2021), mas, aplicar a fórmula corrigida por declaração de retificação da Assembleia da República nº 6/2021 de 24/de Fevereiro” (Doc. 5 do PA). Assim, em 09.03.2021, o Requerente procedeu à regularização fiscal de um veículo ligeiro de passageiros da marca ..., modelo ..., usado, proveniente de outro Estado-membro (Alemanha), tendo para o efeito processado, para introdução no consumo, através de transmissão eletrónica de dados a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/..., conforme elementos do Processo Administrativo, que se junta.
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O Requerente, enquanto seu proprietário, procedeu à introdução no consumo no território nacional do identificado veículo, através da DAV em questão, tendo-lhe sido atribuída a matrícula nacional ..., indicada no Quadro M do formulário da DAV. A liquidação e cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos dos referidos artigos do CISV.
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Em 12.04.2021, o Requerente apresentou junto da Instância Arbitral o presente pedido de constituição de tribunal arbitral peticionando a restituição parcial do imposto, no montante de 17.437,61 €, acrescido de juros indemnizatórios, por entender que deve ser aplicada a fórmula prevista no n.º 3 do artigo 11.º do CISV na redação inicial, anterior à Declaração de Retificação n.º 6/2021, ou, caso assim não se entender, e em alternativa, por considerar que deve ser igualmente aplicada à componente ambiental do ISV a redução na mesma percentagem (de 20%) que foi aplicada à componente cilindrada, a restituição da quantia de 3.890,40 € pagos a mais, acrescida de juros indemnizatórios.
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[N]ão obstante o artigo 11.º do CISV tenha sido objeto de várias alterações desde a sua entrada em vigor, o mesmo veio a ser alterado, recentemente, pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2021). Em face do erro notório referente à fórmula de cálculo que constava da versão inicial, de 31.12.2020, do n.º 3 do artigo 11.º do CISV, ínsita na Lei do Orçamento de Estado para 2021, aquela veio a ser objeto de retificação em 24.02.2021, através da Declaração de Retificação n.º 6/2021, a qual, quanto ao artigo 391.º, refere [...]. Regulando quanto à matéria de retificação dos diplomas o artigo 5.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, relativa à Publicação, Identificação e Formulário dos Diplomas, o qual dispõe que [...]. Referindo-se o supracitado n.º 4 do mesmo artigo 5.º, concretamente, à produção de efeitos das declarações de retificação, os quais reportam à data da entrada em vigor do texto retificado, isto é, referindo-nos ao caso vertente, a 1 de janeiro de 2021, data da entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020.
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Afirma o Requerente no pedido de pronúncia arbitral ter tomado conhecimento em 24.02.2021 da publicação da Declaração de Retificação que procedeu à “alegada” retificação da fórmula de cálculo do método alternativo. Constatando-se que terá concluído nessa data que a redação do n.º 3 do artigo 11.º do CISV, inicialmente publicada em 31.12.2020, e que continha um erro na fórmula, lhe seria mais favorável, razão pela qual vem agora por em causa a própria declaração de retificação e, pasme-se, a liquidação que nem sequer foi efetuada com recurso ao método alternativo previsto no n.º 3 do artigo 11.º.
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De facto, o Requerente peticiona a anulação parcial da liquidação efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 11.º, a qual foi por ela requerida conforme requerimento apresentado junto da alfândega, não existindo qualquer pedido no sentido de pretender ver aplicado o método de avaliação previsto no n.º 3 do mesmo artigo, nem antes nem depois da data de publicação da Declaração de Retificação n.º 6/2021.
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O Requerente não requereu, como se disse, junto da Alfândega competente, em alternativa à liquidação efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 11.º, que o cálculo do imposto fosse efetuado com recurso à fórmula constante do n.º 3, conforme se extrai do teor do documento n.º 5 anexo ao PA. Mas, ainda que o Requerente tivesse requerido, conforme resulta do n.º 3 do artigo 11.º, ao diretor da alfândega que o imposto fosse calculado de acordo com a fórmula nele indicada, sempre seria de aplicar ao caso concreto a fórmula retificada constante da Declaração de Retificação porquanto, conforme se retira do n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 74/98, os efeitos da retificação reportam à data da data da entrada em vigor do texto retificado.
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Ora, estando em causa uma introdução no consumo e liquidação ocorrida em data posterior a 1 de janeiro de 2021, a redação aplicável seria a resultante da Declaração de Retificação, e não aquela que o Requerente entende invocar.
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[A]tento todo exposto, e também porque o tribunal está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, deve improceder o pedido formulado de anulação parcial da liquidação de ISV, com fundamento na aplicação do método alternativo, que, além de não ter sido requerido, nunca poderia sê-lo com recurso a uma fórmula que não se encontra em vigor, não podendo o Requerente, caso a liquidação tivesse sido efetuado nos termos do n.º 3 do artigo 11.º, optar pela versão da norma que, alegadamente, lhe fosse mais favorável, afastando a vontade do legislador.
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[A] liquidação do ISV foi corretamente efetuada, face à legislação em vigor, motivo pelo qual deve ser julgada improcedente a presente impugnação.
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[T]endo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, não devendo assistir, por conseguinte, ao Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.»
4.1. A AT conclui pedindo que a mesma, «atenta a exceção invocada, [seja] absolvida da instância, ou o pedido de pronúncia arbitral [seja] julgado totalmente improcedente.»
5. Tendo sido invocada excepção pela Requerida, o Requerente foi convidado, por despacho de 10/11/2021, a pronunciar-se sobre a mesma.
6. Após a referida pronúncia, o Tribunal Arbitral dispensou, por despacho de 29/11/2021, a produção de prova testemunhal, dado existirem nos autos elementos probatórios suficientes para proferir a decisão. Através deste despacho, dispensou, também, a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, ainda, fixado o dia 10/12/2021 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
7. O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
8. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
9. O tribunal arbitral não é materialmente competente para apreciar o presente pedido de pronúncia – pedido principal (vd., infra, a análise da excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, suscitada pela Requerida, no ponto IV).
III. Matéria de Facto
III.1. Factos Provados
10. Com relevância para a decisão do presente processo, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. A Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/..., de 12/3/2021 (vd. PA apenso aos autos), foi apresentada na Alfândega do Freixieiro, para introdução no consumo de veículo ligeiro de passageiros, usado, proveniente da Alemanha.
B. Nos termos da referida DAV, apresentada pelo ora Requerente, foi declarado o veículo da marca ..., modelo ..., cujas características constam das inscrições dos Quadros E, F e G, referentes às características do veículo, apresentação do veículo e matrículas anteriores, para os quais se remete.
C. A liquidação que resultou da supra referida DAV n.º 2021/... foi efetuada por aplicação do n.º 1 do artigo 11.º (e não ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo) do CISV (vd. Doc. 4 e PA apensos aos autos), como reconhece o Requerente (vd. §§ 18.º e 19.º da p.i.). A liquidação foi paga pelo Requerente.
D. O Requerente teve conhecimento, através de informação prestada pela Alfândega de Leixões a 7/1/2021, de que estavam suspensas as liquidações de ISV pelo método alternativo, informação que se confirma por correspondência posterior (vd. § 33.º da p.i. e Docs. 6 e 7 apensos aos autos).
E. Não obstante os factos supra descritos [em «C» e «D»], o Requerente dirigiu missiva à Alfândega do Freixieiro, em 9/3/2021, informando-a de “que não requer a liquidação do ISV pelo método alternativo como prevê o art. 11.º, n.º 3, do CISV” (vd. Doc. 5 do PA apenso aos autos).
F. O Requerente interpôs o seu pedido de constituição de tribunal arbitral em 12/4/2021, peticionando a “anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução da liquidação do ISV para o valor resultante da aplicação do método alternativo através da fórmula em vigor”. Especificamente, alega o Requerente, nos §§ 67.º e 68.º da p.i., que, “pela aplicação do método alternativo e aplicando a fórmula legal para o apuramento do imposto, o valor do ISV a pagar seria € 7.747,43 [...] e não o montante de € 25.185,04, pago pelo Requerente”. A título subsidiário, o Requerente peticiona, também, a anulação parcial da liquidação efectuada ao abrigo do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, por entender que deve ser aplicada à componente ambiental do ISV “a redução da percentagem de 20% [que foi] aplicada à componente cilindrada”.
III.2. Factos não provados
11. O Requerente não comprova a alegação, que fundamenta o seu pedido subsidiário, de que (v. §§ 51 e 56 da p.i. e, genericamente, §§ 51 a 59) “o montante do imposto [aplicado à luz da ‘tabela de desvalorização pelo número de anos de uso, aplicável à componente ambiental do ISV’, com a ‘aprovação e publicação da Lei do Orçamento para 2021’], [teria sido] calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, [e] excede[ria] o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.” Acresce que o ora Requerente remete (vd. § 62 da p.i.) a sustentação da alegação supra citada, que seria violadora do disposto no artigo 110.º do TFUE, para um processo (C-169/20) que não incidiu sobre a nova redacção do art. 11.º do CISV (como refere, expressamente, o TJUE, no referido Acórdão do processo C-169/20, de 2/9/2021, em resposta à “afirmação da República Portuguesa, avançada na tréplica, de que está em discussão na Assembleia da República portuguesa uma nova redação para o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos”, [tal] “argumento é irrelevante, na medida em que a existência de um incumprimento deve, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, de modo que as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça”); e o mesmo se pode dizer das invocadas “inúmeras decisões arbitrais” (vd. §§ 63 e 64 da p.i.), uma vez que também elas foram proferidas no contexto de redacção anterior do artigo 11.º do CISV.
III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
12. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
13. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
14. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.
IV. Questão prévia a decidir – excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria (pedido principal)
15. Na sua Resposta, a Requerida invocou a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, por entender que, no caso destes autos, “não é impugnado qualquer ato de liquidação resultante da aplicação do preceito legal sobre o qual se pretende ver exercido um escrutínio de legalidade. De facto, a liquidação que resultou da DAV n.º 2021/...foi efetuada por aplicação do n.º 1 do artigo 11.º e não ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo do CISV, independentemente de a sua redação ser a inicial ou a versão resultante da Declaração de Retificação n.º 6/2021.”
16. Assim, e “considerando o teor do pedido e sua fundamentação, [entende a Requerida que] o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a ‘atos de liquidação de tributos’, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.”
17. Conclui, assim, a Requerida existir “incompetência material do tribunal arbitral [, a qual] consubstancia uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.”
18. Na sua resposta à referida excepção, o Requerente afirma que, “ao contrário do alegado pela Requerida, a pretensão do Impugnante não visa a suspensão ou declaração de ilegalidade de um acto legislativo, mas sim a declaração da ilegalidade da liquidação do imposto por si pago.” Acrescenta, ainda, que “esta liquidação do imposto traduz a prática de um acto de liquidação de um tributo”. E que, “nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a invocada ilegalidade, pelo que carece de fundamento a alegada incompetência.”
19. Lidos os presentes autos, e tendo em consideração os factos que acima foram dados como provados, verifica-se que assiste razão à Requerida quanto a esta excepção relativa ao pedido principal do Requerente, dado que: i) não obstante o Requerente ter afirmado, na sua resposta à excepção, que visa a “declaração da ilegalidade da liquidação do imposto por si pago”, os vícios que aponta, no seu pedido principal, não se dirigem à liquidação de ISV aqui em causa (a qual foi feita ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 11.º do CISV); ii) como se pode ler na p.i. do Requerente (§§ 66.º e 67.º), este pretende que lhe seja “restituído [...] o montante de €17.437,61 [o valor deste processo arbitral], correspondente à diferença entre o valor do ISV pago e o que pagaria se o ISV fosse liquidado pelo método alternativo através da fórmula aprovada e publicada com a Lei do Orçamento” – i.e., pretende que, em vez da liquidação aqui em causa, outra fosse (ou tivesse sido) emitida por aplicação do n.º 3 do artigo 11.º do CISV.
20. Do supra exposto, conclui-se que: i) o ora Requerente não invocou, no pedido principal, qualquer ilegalidade quanto à concreta liquidação de ISV que aqui impugna; ii) o Requerente pretende, nesta sede arbitral, a emissão de uma outra liquidação de ISV (por aplicação do n.º 3 do artigo 11.º do CISV) em substituição da que coloca em causa – isto apesar de, como consta do ponto E dos factos provados, o Requerente ter dirigido missiva à Alfândega do Freixieiro, em 9/3/2021, informando-a de “que não requer a liquidação do ISV pelo método alternativo como prevê o art. 11.º, n.º 3, do CISV” (vd. Doc. 5 do PA apenso aos autos).
21. Esta posição do ora Requerente não encontra suporte legal porque, como bem se refere na Decisão Arbitral de 29/10/2021, proferida no Proc. n.º 117/2021-T: i) resulta do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 11.º do CISV que “a liquidação do CISV seja feita sempre com base nas regras gerais, podendo o interessado, posteriormente, requerer que a mesma seja feita por aplicação do n.º 3 do art. 11.º (o chamado «método alternativo»)”; ii) “a lei é expressa na previsão da existência de duas liquidações, na obrigatoriedade de ser feita uma primeira liquidação segundo as regras previstas no n.º 1 do art. 11.º do CISV”; iii) se o Requerente não invoca ilegalidades da liquidação «provisória» efetuada tal como previsto no n.º 1 do art. 11.º do CISV, então é “evidente o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão da Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada”.
22. Contudo, a referida pretensão de que seja emitida outra liquidação não se insere no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais, dado que, como refere a Decisão Arbitral supra citada, “o meio processual próprio que a Requerente deveria utilizar, mantendo-se a inação da AT, a omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva requerida, seria a «intimação para um comportamento», tal como prescreve o art. 147.º do CPPC, uma vez que não está em causa o «reconhecimento» do seu direito, o qual resulta diretamente da lei. [E os] tribunais arbitrais (CAAD) não são competentes, em razão da matéria, para julgar acções de «intimação para um comportamento», uma vez que a sua competência é apenas a de apreciar da legalidade de liquidações de tributos, tal como prescrito pelo n.º 1 do art. 2.º do RJAT.”
23. Assim sendo, conclui-se, como acima já se referiu, que assiste razão à Requerida quando a mesma invoca excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria (quanto ao pedido principal), pelo que a este Tribunal não resta senão considerar procedente a excepção dilatória invocada, em conformidade com o disposto no artigo 577.º, al. a), do CPC (aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), com a consequente absolvição da Requerida da instância (vd. artigos 99.º, n.º 1, e 576.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
V. Matéria de Direito (pedido subsidiário)
24. Lendo os presentes autos, verifica-se que o ora Requerente peticiona também, em pedido subsidiário, a anulação parcial da liquidação efectuada ao abrigo do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, por entender que deve ser aplicada à componente ambiental do ISV “a redução da percentagem de 20% aplicada à componente cilindrada” – razão pela qual pede a restituição da quantia de € 3.890,40 (“pagos a mais”), acrescida de juros indemnizatórios.
25. Justifica-se, pois, a análise do referido pedido subsidiário, dado que o mesmo se insere no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais.
26. No referido pedido subsidiário, o Requerente argumenta que, embora com a nova redação dada ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV o Estado Português tenha finalmente reconhecido a obrigação de aplicar uma desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos usados introduzidos em Portugal oriundos de outro Estado Membro, no que se refere à componente ambiental do ISV tal alteração da lei não foi suficiente para alcançar o objectivo pretendido.
27. Considera, assim, o Requerente, que a tabela criada para esta componente do imposto, por prever uma desvalorização inferior à aplicada à componente cilindrada, não impede que a discriminação negativa daqueles veículos se mantenha, embora por valores inferiores àqueles que vinham sendo praticados até 31/12/2020, termos em que entende que a violação do artigo 110.º do TFUE se mantém.
28. A este respeito, alega a Requerida, em síntese, que: i) por um lado, “a AT não pode, sob pena de cometer uma ilegalidade, deixar de aplicar as taxas que se encontram em vigor à data da introdução do veículo no consumo”; ii) por outro lado, “a fixação das taxas obedece aos objetivos de politica fiscal e ambiental, entre outros, prosseguidos pelo Governo, desconhecendo-se a existência de qualquer Acórdão do TJUE que vede, aos Estados Membros, a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental)”. Daqui conclui a Requerida “que a liquidação do ISV foi corretamente efetuada, face à legislação em vigor, motivo pelo qual deve ser julgada improcedente a presente impugnação.”
29. Vejamos, então.
30. Com o OE para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31/12), e ao contrário do que sucedia antes, passou a haver uma redução do ISV na componente ambiental.
31. Na nota justificativa que acompanhou a proposta do PS (Partido Socialista) no sentido da alteração da fórmula de cálculo do ISV nos veículos usados importados de outro país da UE (proposta que viria a ser aprovada durante a votação na especialidade do OE para 2021), afirma-se o seguinte: “mantendo inalterada a lógica subjacente à tabela de taxas de desconto para a componente ambiental do ISV proposta pelo Governo, propõe-se uma redução do seu número de escalões e, consequentemente, reajustamento das suas taxas, por forma a que a tabela possa ser mais facilmente articulada com a tabela de descontos aplicável à componente cilindrada do ISV, já que, deste modo, ambas as tabelas passam a ter o mesmo número de escalões e as mesmas taxas, ainda que por referência a anos de uso diferentes” (sublinhado nosso).
32. Não se vislumbra, contudo, ilegalidade na referida diferença (decorrente do facto de as percentagens de redução estarem associadas, nas componentes cilindrada e ambiental, à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respectivamente). Com efeito, e como bem se assinala na Decisão Arbitral de 8/6/2021, proferida no Processo n.º 523/2020-T: “o primado do direito da União Europeia é absoluto e impõe-se à própria Constituição. Assim, a legalidade da liquidação em crise deve aferir-se, em última instância, pela sua conformidade com o direito da União Europeia que compete aos Estados membros, designadamente através dos tribunais, aplicar e fazer respeitar. Facto que o legislador português também já reconheceu ao alterar, através da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, a redacção do artigo 11.º do CISV por forma a que a mesma ficasse em conformidade com o direito da União Europeia.” (Sublinhado nosso.)
33. Usando, aqui, uma terminologia próxima da que foi adoptada pela Comissão Europeia na acção por incumprimento contra o Estado Português, interposta a 23/4/2020 no TJUE, ainda que com base numa redacção anterior deste art. 11.º do CISV (que desconsiderava totalmente a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV): se “a tabela de desvalorização adoptada pela legislação nacional [...] conduz[ir] [agora, com a nova redacção, e ao contrário do que sucedia com a anterior,] a uma aproximação razoável do valor real do veículo usado importado” (sublinhado nosso), então também já não será evidente que “o montante pago para registar um veículo usado importado excede o montante relativo a um veículo usado similar já registado em Portugal” e, consequentemente, também já não se concluirá, em face da actual redacção do referido artigo 11.º do CISV, existir uma violação do artigo 110.º do TFUE e da jurisprudência do supra referido Tribunal de Justiça.
34. Por outro lado, e como alegou a Requerida, o Requerente também não apresentou nestes autos jurisprudência do TJUE que, atendendo ao disposto no artigo 110.º do TFUE, “vede, aos Estados Membros, a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental).”
35. Acresce, ainda, que, como se referiu na factualidade não provada (vd. supra, ponto III.2), o Requerente não comprovou, nos presentes autos, a alegação, que fundamenta o seu pedido subsidiário, de que (vd. §§ 51 e 56 da p.i. e, genericamente, §§ 51 a 59) “o montante do imposto [aplicado à luz da ‘tabela de desvalorização pelo número de anos de uso, aplicável à componente ambiental do ISV’, com a ‘aprovação e publicação da Lei do Orçamento para 2021’], [teria sido] calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, [e] excede[ria] o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.” Acresce que o Requerente remete (vd. § 62 da p.i.) a sustentação da alegação supra citada, que seria violadora do disposto no artigo 110.º do TFUE, para um processo (C-169/20) que não incidiu sobre a nova redacção do artigo 11.º do CISV (como refere, expressamente, o TJUE, no referido Acórdão do processo C-169/20, de 2/9/2021, em resposta à “afirmação da República Portuguesa, avançada na tréplica, de que está em discussão na Assembleia da República portuguesa uma nova redação para o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos”, [tal] “argumento é irrelevante, na medida em que a existência de um incumprimento deve, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, de modo que as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça”); e o mesmo se pode dizer das invocadas “inúmeras decisões arbitrais” (vd. §§ 63 e 64 da p.i.), também elas proferidas no contexto de redacção anterior do referido artigo do CISV.
36. Nestes termos, conclui-se nada haver a apontar à liquidação de ISV em causa, efectuada ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do CISV, na redacção dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31/12 – razão pela qual também não assiste razão ao Requerente quanto aos peticionados juros indemnizatórios.
VI. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria, absolvendo-se a Requerida da instância quanto ao pedido principal.
- Julgar improcedente o pedido subsidiário formulado pelo Requerente.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 17.437,61 (dezassete mil quatrocentos e trinta e sete mil euros e sessenta e um cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do RCPAT.
VIII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a pagar pelo Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2021.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
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