Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 534/2020-T
Data da decisão: 2021-11-02  IRC  
Valor do pedido: € 4.023.128,44
Tema: IRC - Dedutibilidade de gastos; imputação de gastos gerais a estabelecimento estável; preços transferência e tributações autónomas.
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SUMÁRIO:

 

  1. Nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, do CIRC, conjugado com a alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, na redação à data dos factos, são dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
  2. As exigências formais quanto à comprovação dos custos bastavam-se à data dos factos com a apresentação de documento idóneo que permita validar os gastos declarados e que comprove os elementos essenciais da operação, mormente os sujeitos, o preço, a data e o objeto da transação, admitindo-se mesmo que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito.
  3. Em relação às despesas devidamente documentadas (em relação às quais e presume a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC) compete à Administração Tributária alegar a existência de elementos suscetíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.
  4. Ao invés, no caso de despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respetivo custo, como lhe impõe o artigo 23.º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efetivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correção que a Administração Tributária tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.
  5.  Os encargos com indeminizações da responsabilidade de terceiros, pelo incumprimento dos prazos de aviso prévio previstos na legislação laboral, assumidos pelo Requerente com a exclusiva finalidade de assegurar a colaboração imediata de colaboradores mais experientes e com uma carteira de clientes sólida devem ser deduzidos ao seu lucro tributável atendendo a que foram incorridos para prossecução do seu escopo empresarial e lucrativo, sendo indispensáveis à realização de proveitos sujeitos ao IRC.
  6. As perdas por imparidade cujos pressupostos e forma de apuramento não estejam devidamente demonstrados, e não permitam a sua análise concreta pela AT, não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável.
  7. Os encargos gerais de administração imputáveis ao estabelecimento estável em          território português, traduzidos em imputação de encargos gerais decorrentes de          serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e        aquisição de informação diversa, podem ser deduzidos ao seu lucro tributável. Para o           efeito, a imputação destes gastos deve ser calculada com base em critérios objetivos e uniformes, recaindo sobre os sujeitos passivos o ónus de transmitir à administração   fiscal as informações necessárias para o correto apuramento da sua objetividade e   uniformidade, sob pena de os mesmos serem desconsiderados sempre que a        administração fiscal não tenha ao seu dispor outros meios de informação para efetuar    um controlo de adequação.
  8. O princípio do inquisitório não foi devidamente aplicado se na imputação de custos gerais de administração a estabelecimento estável as provas que o contribuinte apresentou, mereceriam, por parte desta, não uma simples recusa fiscal total dos gastos em razão de certas divergências observadas, mas sim uma análise, derivada até do dever  de colaboração mútua e da obrigação de descoberta da verdade material, que a Requerida não realizou.
  9. Na aplicação do preço comparável de mercado, em preços de transferência, não se pode erigir em preço a relação entre o capital próprio e o ativo. Além disso, tal aplicação requer uma análise de comparabilidade que, não sendo efetuada, inquina as correções ao lucro tributável feitas por via dos preços de transferência. A aplicação do método do preço comparável de mercado, no âmbito do regime de preços de transferência, torna necessário que se prove que o preço utilizado como comparável corresponde ao que normalmente seria contratado, aceite e praticado entre entidades independentes numa operação comparável.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.RELATÓRIO

 

1. A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva e matrícula n.º..., com representação permanente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do B..., sociedade constituída ao abrigo do direito irlandês, com sede ..., ..., Irlanda, representante em virtude da cessação de C...– SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva e matrícula n.º..., com anterior representação permanente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do D..., instituição de crédito com sede e direção efetiva em ..., Londres, ..., Reino Unido (o “Requerente”), vem, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a); artigo 6.º, n.º 2, alínea b), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, com vista a impugnar a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto na sequência do ato de deferimento parcial da Reclamação Graciosa relativa à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2010... e respetiva de liquidação de juros n.º 2010..., do período de tributação de 2007. O Requerente pretende submeter à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade das correções à matéria tributável mencionadas no quadro do artigo 24.º do PPA, indicando como valor da ação o montante de € 4.023.192,44.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.

O Requerente procedeu à nomeação de árbitro, na pessoa do Prof. Doutor António Martins e a Requerida nomeou o Prof. Doutor Diogo Feio, ambos árbitros vogais, que aceitaram a nomeação.

Nos termos do artigo 6.º n.º 2 do RJAT foi designada como Presidente do Tribunal, por acordo entre os árbitros vogais, a Conselheira Maria Fernanda Santos Maçãs que aceitou.

Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 3 de maio de 2021.

Por despacho, de 17/6 de 2021, que se dá por reproduzido, foi dispensada a reunião do artigo 18.ºdo RJAT, bem como a produção de alegações.

 

  1. A fundamentar o Pedido, alega o Requerente, entre o mais, que:

 

  1. Dos custos não documentados ou não indispensáveis (pp. 9 a 20 e 31 a 42 do Despacho de Indeferimento)

 

  1. Ponto de ordem e falta de fundamentação

 

Em relação aos gastos contabilizados nas  contas: # 70881; #70883; #70885; # 711210”, e também respeitante a custos pretensamente não documentados ou não indispensáveis relativamente aos quais a AT manteve correções à matéria coletável, no valor total de € 1.133.466,87, esta última tece considerações igualmente vagas e não fundamentada, o que configura um vício de falta de fundamentação, por violação do disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), e inquina o Despacho de Indeferimento, que deverá, só com esse fundamento, ser anulado.

 

b)Do erro conceptual quanto à “suficiência” dos documentos comprovativos dos gastos incorridos, em sede de IRC: a violação do princípio do inquisitório

 

Alega o Requerente que, estando os gastos suportados por documentos cuja veracidade não é posta em causa, é o próprio princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, previsto no artigo 58.º da LGT, que impõe sobre a AT a obrigação de agir de modo diferente, apontando a favor da sua tese o Acórdão do STA de 21 de outubro de 2009 (processo n.º 0582/09) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, no acórdão de 7 de maio de 2013 (processo n.º 06418/13).

Acresce que mesmo que os documentos apresentados não configurassem, segundo a AT, prova bastante dos gastos em que o Requerente incorreu (…), por exigência do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), sempre deveriam ser atendidas outras formas de prova da existência de tais custos, para além da documental, sendo no caso os documentados internos apresentados suficientes  porque  contêm todos os requisitos constantes do invocado artigo 23.º do CIRC.

O Requerente invoca a favor da sua tese o Acórdão do TCA Sul proferido, em 27 de abril de 2006, no processo n.º 6461/02, bem como o Acórdão do TCA Norte, de 14 de junho de 2006 e a jurisprudência do STA, mais concretamente no acórdão proferido em 9 de setembro de 2015, no processo n.º 028/15.

O Requerente conclui que “os documentos internos são perfeitamente suscetíveis de provar, idónea e suficientemente, os gastos e perdas efetivamente incorridos por determinado sujeito passivo, tendo em vista a realização dos seus rendimentos ou ganhos ou a manutenção da respetiva fonte de produção.”



c)  A ilegalidade face à desconsideração dos documentos internos

 

Conforme vem de ser demonstrado, é ilegal, por violação da Lei e do entendimento que dela avançam a jurisprudência e a doutrina unânimes, a simples desconsideração de um gasto para efeitos fiscais pela circunstância de o mesmo se encontrar titulado em documentos internos.

(…) tratando-se de operações efetivas, cuja veracidade a AT não pode nem procura contestar, é ilegal a imposição de correções com o alegado fundamento de os gastos se encontrarem suportados em documentos “meramente” internos.

 

d)A ilegalidade face à errónea interpretação do princípio da indispensabilidade dos custos

 

No do Despacho de Indeferimento, a AT contesta ainda a indispensabilidade de custos que foram efetivamente suportados pelo Requerente com refeições de colaboradores com Clientes e em eventos empresariais (Contas # 70881, nos montantes de € 6.094,60 e € 4.796,20, e # 70883, no montante de € 1.739,40), bilhetes de teatro para oferta a Clientes como marketing promocional (Conta # 70885, no montante de € 6.752,00), viagens de avião de colaboradores (Conta # 711210, no montante de € 42.727,48) e consultoria informática (Conta # 711820, no montante de € 100.000,00).

Em primeiro lugar, alega o Requerente que não é possível aferir quais os motivos invocados pela AT nem quantificar o resultado da concretização dos mesmos para concluir que os custos em causa não devem ser aceites fiscalmente por “não provada a sua indispensabilidade”, desconhecendo-se o suposto fundamento pelo qual a AT pretende corrigir os aludidos montantes.

Suportado em diversa doutrina e jurisprudência, incluindo  o acórdão do STA, de 28 de junho de 2017, prolatado no processo n.º 0627/16, bem como  o acórdão de 7 de abril de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 01432/17 (reiterando o já afirmado no supradito acórdão de 28 de junho de 2017), argumenta o Requerente  que devem ser aceites para efeitos fiscais todos os gastos assumidos pelo sujeito passivo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respetivo objeto social, donde a relevância fiscal de um custo não depender da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou sequer da produção do resultado, pois está em causa o espaço de liberdade empresarial do sujeito passivo.

Resultando claro que, uma vez mais, a AT lavra em erro manifesto, quanto aos pressupostos da sua correção, e viola o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, inquinando, assim a Liquidação Adicional, também nesta parte, devendo a mesma ser anulada, na justa medida da ilegalidade cometida.

 

A concreta fundamentação e consequente ilegalidade das correções contestadas

 

Conta # 70881: € 6.094,60

Os custos ora em crise dizem respeito a faturas emitidas pelas entidades “...”, “J..., Lda”, “Restaurante...” e “K..., Lda.”, nos montantes, respetivamente, de € 1.481,00, € 1.625,00, € 1.275,00 e € 1.713,60, e os custos a que dizem respeito foram incorridos na realização de eventos e reuniões de trabalho, tais como as Reuniões da Comissão Executiva, da Direção Comercial e de Diretores de Agências, circunstância que, para o Requerente,  explica, por si só, a indispensabilidade destes custos para o desenvolvimento da sua atividade.

 

Conta # 70883: € 1.739,40

Os custos aqui em discussão dizem respeito a despesas do colaborador E..., que exercia em 2007 funções de Diretor Coordenador de Retail Banking da área Norte e referem-se, na sua quase totalidade, a refeições, alegando o Requerente que está demonstrado que todas foram  desenvolvidas em benefício da atividade desenvolvida por si, caindo a sua dedutibilidade fiscal no artigo 23.º do Código do IRC e de acordo com o artigo 75.º da LGT, segundo o qual se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações do contribuinte.

 

Conta # 70885: € 6.752,00

Subjacente a este gasto encontra-se a aquisição de 2.000 bilhetes para uma peça de teatro – mais concretamente a peça de teatro intitulada “...” – para, como é do conhecimento geral ser a prática em todo o setor bancário, realização de uma campanha comercial, com o objetivo de angariar novos Clientes e presentear os Clientes mais antigos e/ou mais importantes, sendo evidente a sua indispensabilidade para o desenvolvimento da atividade comercial do Requerente.

 

Conta # 711210: € 42.727,48

Neste ponto estão em causa custos respeitantes a viagens de avião de membros da Comissão Executiva do Requerente – F..., o seu Presidente, e G...– durante o ano de 2007, com destino a Londres e a Miami, ao serviço e em representação do Requerente para reuniões com os responsáveis do Grupo H... .

Em resumo, alega o Requerente que, os custos em causa, relativos a viagens de Membros da Comissão Executiva, dizem efetivamente respeito a custos decorrentes da atividade normal do Requerente, porquanto ocorreram no estrito desempenho de funções profissionais e, por isso, constituem, naturalmente, despesas indispensáveis para a obtenção de proveitos.

 

Conta # 6889: € 526.011,77

Nesta conta estão refletidos os montantes de comissões pagos à I... S.A. (“I...”) pelo Requerente, de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados através de cartões de crédito emitidos pelo Banco, mais concretamente pelo ...card.

O Requerente, enquanto sociedade anónima bancária, com atividade bancária e financeira, e ainda atuando no mercado de capitais e na prestação de outros serviços financeiros, emitia e geria cartões de crédito, sendo que por esta atividade paga comissões à I..., de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados com estes cartões de crédito, por si emitidos.

 

 

Conta # 70881: € 4.796,20

O custo ora em causa refere-se a uma fatura, com o número 3257, emitida pela sociedade L..., S.A.”, em 19 de abril de 2007, dizendo respeito a custos de alimentação relacionados com a reunião da Comissão Executiva da divisão geográfica do Grupo H... designada por ...– em que, como é evidente, se inclui Portugal –, que teve lugar em ... em 18 de abril de 2007.

Dado que os documentos justificativos de suporte a estas despesas permitiram identificar os sujeitos, o valor, a data e o objeto da prestação de serviço, deve esta despesa considerar-se documentada e indispensável à prossecução da atividade do Requerente.

 

Conta # 7113199: € 76.155,63

O montante em causa nesta correção diz respeito a encargos com publicidade, para a comprovação dos quais o Requerente levou ao conhecimento da AT as faturas que serviram de suporte ao respetivo lançamento contabilístico (cfr. documentos juntos à Reclamação Graciosa sob a designação de Doc. n.º 77 e que ora se juntam sob a designação de Doc. n.º 11),

Alega o Requerente que apenas peticionou a aceitação da parcela reconhecidamente documentada – também pela AT –, o que ora se reitera, no montante de € 43.744, 92.

Atentas as faturas juntas e a explicação exposta, deve o montante de € 43.744,92 ser considerado documentado e, consequentemente, não sujeito a tributação autónoma, sendo ainda aceite a sua indispensabilidade para a realização da atividade do Requerente e, como tal, ser aceite como custo fiscalmente dedutível.

 

Conta # 711820: € 100.000,00

Este custo materializa despesas relacionadas com serviços de consultoria informática prestados à área de marketing do Requerente por uma entidade terceira (a “M..., S.A.”), com um montante global de € 100.705, 89 (cfr. documento junto à Reclamação Graciosa sob a designação de Doc. n.º 81 e que ora se junta sob a designação de Doc. n.º 12).

Alega o Requerente que não pode, nem deve, uma pequena discrepância de arredondadamente € 5,00, levar a AT a desconsiderar € 100.000,00 de custo efetivamente incorrido, repita-se, e adequadamente documentado, quando a fatura n.º 70345/2007, que o titula, está indubitavelmente relacionada com o custo analisado.

A I... cobrava as comissões diretamente na conta bancária associada aos cartões de crédito emitidos, limitando-se a enviar ao Requerente um ficheiro informático com a descrição dos inúmeros registos lançados, não existindo qualquer outro documento justificativo deste custo.

Alega o Requerente que é impossível ou impraticável manter um registo atualizado dos milhões de movimentos mensais de todos os cartões de crédito geridos por si, de forma individualizada, por via de uma fatura, como pretende a Requerida.

Para mais prova, poderia a própria AT confirmar, quer a existência, quer o valor das comissões cobradas pela I..., atendendo ao princípio da colaboração que vincula a AT, ao abrigo do disposto no artigo 59.º da LGT, e às obrigações que sobre si impendem no sentido de descortinar a verdade material, nos termos do artigo 58.º da LGT.


 

Conta # 72889: € 343.095,73

Os custos aqui em causa dizem respeito, por um lado, ao pagamento de diversas despesas relacionadas com a atividade do Requerente, como, por exemplo, serviços de consultoria, serviços jurídicos, publicidade, marketing, viagens, etc., suportados por faturas e elementos contabilísticos e, por outro lado, a movimentos de acréscimo do gasto de acordo com o respetivo princípio (accrual).

Alega o Requerente que “Não obstante a apresentação de documentos e exposição de fundamentos até esta sede, a AT entendeu considerar documentados uma pequena parte dos custos, no valor de € 93.943,20, por considerar que o valor total das faturas apresentadas, adicionado do valor dos acréscimos (accruals), totalizava o montante de € 437.038,93 e não o montante referido pelo Requerente de € 436.996,81,”.

Sublinhe-se que a diferença em causa é de € 42,12 num montante de € 437.038,93, ou seja, repita-se, uma diferença inferior a 0,01%, pelo que não pode o Requerente concordar que seja desconsiderado o montante total de centenas de milhares de euros, por uma diferença que pode dizer respeito a um erro de cálculo ou de escrita, arredondamentos, etc.

Este montante absoluto deve ser tripartido do seguinte modo:

Um primeiro montante de € 219.557,24, respeitante a custos de serviços prestados pelas entidades N..., O..., P... e Q..., correspondentes aos serviços descritos nas faturas juntas à Reclamação Graciosa como Doc. n.os 83 a 86 e que ora se juntam sob a designação de Doc. n.º 13 a 16, e perante os quais a AT apenas considerou como documentados e indispensáveis os custos relativos às faturas constantes dos Doc. n.os 83 e 84 (ora juntos sob a designação de Doc. n.º 13 e Doc. n.º 15), no montante de € 93.943,20.

Em relação ao valor remanescente, conclui a Requerida que os documentos de suporte não se encontram registados na conta em análise.

A verdade é que o Requerente apresenta documentos, tais como extratos de cartões de crédito com quais foram pagas várias despesas, pelo que se deve considerar que os custos correspondentes se encontram documentados.

Um segundo montante de € 83.357,96, suportado pelas faturas juntas como Doc. n.º 87 à Reclamação Graciosa e que ora se junta sob a designação de Doc. n.º 17, diz respeito a custos efetivos relacionados com diversos serviços prestados por terceiros, como, a título de exemplo, viagens, refeições, táxis, serviços de limpeza, entre outros.

Em relação a este montante, veio a AT concluir que o somatório das faturas apresentadas apenas perfaz a importância de € 31.343,28, sendo que, ainda que assim fosse, o que apenas se equaciona a benefício de argumentação, sem conceder, não poderia este montante ser também ele desconsiderado.

O remanescente a analisar – € 134.123,73 – diz respeito a acréscimos mensais de custos ou proveitos que apenas se efetivarão no final de cada mês e que o Requerente adotava por diversos motivos, entre os quais como ferramenta de gestão, na cisão por meses de uma operação ou de um serviço continuado ao longo do ano e que apenas nesse momento se faturará, em plena observância do princípio do acréscimo (accrual).

O Requerente contabilizou a provisão e no mês seguinte desfez o movimento contabilizando apenas o custo efetivo – para o efeito vide mapa de accrual aqui em causa e dos respetivos movimentos de contabilização / anulação que se juntaram como Doc. n.º 88 e Doc. n.º 89 à Reclamação Graciosa e que ora se juntam como Doc. n.º 18 e Doc. n.º 19.

Assim, o referido montante de € 134.123,73 não foi contabilizado pelo Requerente como um verdadeiro custo, motivo pelo qual também não pode o mesmo ser acrescido à matéria coletável.

Deve a tributação autónoma incidente sobre o montante global da correção ser anulada, por se considerarem os custos devidamente documentados e a sua indispensabilidade para a realização da atividade do Requerente verificada e, como tal, fiscalmente dedutível.

 

  1. Da correção relativa a custos não devidamente documentados, no montante de € 1.142.599,48

 

 

 

iii) Da correção relativa a custos que incidem sobre terceiros, no montante de  € 23.306,74

 

No que respeita aos custos da responsabilidade de terceiros assumidos pelo Requerente, este veio alegar que, face ao contexto de expansão em que se encontrava no ano de 2007, tendo aberto dezenas de agências nesse período, sentiu a necessidade de contratar centenas de colaboradores num curto espaço de tempo.

Em suma, foi com o objetivo de reforçar de imediato as suas equipas e de cumprir dos prazos estabelecidos pela sede para a abertura das novas agências que suportou as indemnizações devidas pelos colaboradores contratados às anteriores entidades patronais, para que estes estivessem dispostos a iniciar imediatamente a sua colaboração com o banco e não fossem onerados com o incumprimento do prazo de aviso prévio legalmente previsto para a denúncia dos seus contratos de trabalho.

De acordo com a tese da Requerente, “era natural que nenhum desses trabalhadores aceitasse, sem contrapartida, desvincular-se com efeitos imediatos do anterior empregador, sem que o novo empregador aceitasse suportar a quantia em causa”.

Tendo então acordado com todos os colaboradores, na mesma situação, que se dispunha a assegurar o pagamento das indemnizações devidas aos anteriores empregadores em virtude do incumprimento do prazo de aviso prévio, através do crédito desses valores nas suas contas.

Por essa razão, defende o Requerente que os mencionados custos eram indispensáveis à prossecução da sua atividade, observando assim o disposto no artigo 23.º do CIRC, na medida em que: i) garantiam a contratação imediata de colaboradores com maior experiência e com uma expressiva carteira de clientes, fruto das anteriores experiências profissionais e ii) o Requerente conseguia assim “evitar que, uma vez apresentada a proposta ao potencial colaborador, este viesse a ser persuadido por uma contraproposta da sua entidade empregadora”.

Os custos cuja dedutibilidade nesta sede se discute dizem respeito a custos efetivos do Requerente no ano de 2007, relativos a um conjunto de faturas e lançamentos relativos a serviços prestados por terceiros ao Requerente e imputadas contabilisticamente ao departamento do ...card, referentes a serviços de consultoria, licenças, promoções e publicidade prestados, designadamente, pelas entidades R..., S..., T..., U..., V... e W... (ver em relação ao total de € 8.269.072,39, Doc. n.º 20 e um “mapa” das faturas juntas, atendendo ao seu elevado número, como Doc. n.º 14 e que ora se junta sob a designação de Doc. n.º 21.), documentação que permite comprovar a efetividade da despesa.

Ao invés, entendeu a AT que nem todos os custos foram suficientemente documentados, não permitindo, no entanto, ao Requerente perceber quais os custos fiscalmente aceites e não aceites, individualmente, mas apenas permitindo concluir pela não aceitação do valor global de € 1.142.599,48, conforme listagem junta pela AT à decisão da Reclamação Graciosa como Anexo 7.


 

 

iv)  Da correção relativa a perdas por imparidade no valor de € 153.091,72

 

 

Considera a Requerente que a fundamentação usada pela AT é manifestamente insuficiente para manter a correção, atenta toda a factualidade que compõe o enquadramento exposto, ficando por explicar qual ou quais os documentos que se entende estar em falta quando, para prova de ajustamento contabilístico, o Requerente apresentou, precisamente, documentos da sua contabilidade.

Sublinha a Requerente que os custos em causa não constituem uma provisão em sentido estrito, mas sim, ao abrigo das NCA e IFRS, um ajustamento ao justo valor – fair value – que encontra fundamento legal na alínea d), do n.º 1, do artigo 34.º do Código do IRC e no artigo 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2007.

Pelo que, tendo em consideração que os custos aqui em causa resultam do ajustamento do valor histórico dos ativos tangíveis (prédios recebidos em dação em pagamento) ao justo valor – ajustamento esse imposto pela adoção, por parte do Requerente, das regras das NCA e das IFRS –,os referidos custos constituem então, nos termos dos citados preceitos, máxime da alínea c) do n.º 2 do aludido artigo 57.º, uma perda por imparidade de ativos financeiros, consubstanciando assim, por força do artigo 23.º do Código do IRC, um custo fiscal.

Ainda que se afirme que o Requerente não tenha procedido à apresentação ou justificação dos custos em causa em sede de inspeção, a verdade é que toda a justificação possível e a correspondente documentação contabilística, junta ainda durante o procedimento administrativo, torna evidente a legitimidade, documentação e indispensabilidade do custo em discussão, pelo que a presente correção carece de fundamento.

 

v. Da correção relativa à imputação de encargos decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa, no montante de € 2.788.286,76

 

Relativamente a estas correções, alega o Requerente que a administração fiscal negou, por completo, a dedução dos gastos incorridos com serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa prestados pelo D... Plc, i.e., pela sua casa-mãe.

De acordo com as suas alegações, estes gastos dizem respeito a serviços informáticos que comportam, entre outros, a instalação, manutenção e suporte dos sistemas de software, a gestão e armazenamento de dados, o acesso à mainframe informática, o fornecimento e monitorização da rede e o fornecimento de voice communication systems.

Na tese da Requerente, estes serviços eram transversais a todo o Grupo H..., sendo, no entanto, adquiridos a entidades terceiras. Por essa razão, a contratualização desses serviços era centralizada pelo Departamento de Service Provision do D..., com um objetivo de redução de custos, e depois fornecidos pela casa-mãe às entidades do D... Plc a operar em diferentes jurisdições.

Neste contexto, alega a Requerente que, para formalizar a prestação dos serviços assegurados pelo D..., foi celebrado entre este e o X..., que na data a que se reportam os factos integrava o Requerente, o Inter-Company Processing Service Agreement.

Entre os vários serviços acordados, destaca a Requerente, para além dos acima mencionados, o acesso ao computador central do Grupo H... e às necessárias ferramentas e aplicações informáticas e gravações de informação, assistência informática 24 horas/dia, relatórios mensais sobre os problemas e soluções a propor, atualizações das aplicações, back-ups, entre outros.

Refere, ainda, a Requerente que estes serviços foram devidamente faturados, tendo os princípios de alocação destes gastos sido definidos pelo D... e estavam expressamente indicados no Relatório de Preços de Transferência.

Encontrando-se os gastos em questão devidamente documentados e assentes em critérios objetivos, alega a Requerente que os mesmos devem ser reconhecidos ao abrigo ao disposto no n.º 2 do artigo 50.º e no artigo 23.º do Código do IRC, à data dos factos, em conjugação com o n.º 3 do artigo 7.º, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre Portugal e o Reino Unido.

 

vi) A imputação de custos gerais de administração, no valor de € 3.064.482,16

A Requerente alega, em síntese, que encontram abrangidos nesses serviços um conjunto vasto de áreas, tais como a área financeira, de riscos, recursos humanos e marketing.

Relativamente aos serviços ora em análise o Requerente tinha duas alternativas: ou contratava esses serviços de forma direta e exclusiva, ou aproveitava os departamentos especializados do Grupo H..., procurando dessa forma reduzir os correspondentes custos. E usou a segunda alternativa.

Para formalizar a prestação destes serviços, foi celebrado o protocolo designado Global Retail and Commercial Banking Head Office – Provision of Services to … Branches and Subsidiaries, e que se juntou ao Processo como Doc. n.º 27 . Neste documento são evidenciados, de forma exaustiva, os serviços que o D... asseguraria às demais entidades do Grupo H..., abrangidas pelo … .

No que respeita ao critério de imputação dos custos em apreço, o D... elaborou um estudo aprofundado, que se juntou como Doc. n.º 28.

No caso em apreço, a imputação foi repartida ao valor do custo dos serviços pelas diferentes entidades do Grupo H..., sem adição de mark-up, com base na conjugação de três indicadores: (i) os proveitos de cada sucursal/filial (líquidos do valor dos seguros), sendo a percentagem do Requerente 0,738% do total (critério “Income”), (ii) o número de colaboradores de cada sucursal/filial, sendo a percentagem do Requerente 1,820% do total (critério “Headcount”), e (iii) a média ponderada dos proveitos e colaboradores do Grupo H..., sendo a percentagem do Requerente 1,279% do total (critério “Equal weighting Income and Headcount”), conforme mapa de imputação anexo (com as percentagens referidas arredondadas), que se juntou como Doc. n.º 29.

Quanto à denegação da dedutibilidade do gasto, afigura-se, para a Requerente, que a AT incorreu num lapso de raciocínio evidente ao relevar a dita percentagem de 1,279% como sendo a parcela que cabia à Requerente na totalidade dos gastos incorridos pelo D... .

É que os gastos incorridos pelo D... não foram, in totum, imputados à Requerente ao abrigo de um único critério, mas sim ao abrigo de três critérios diferentes, cada um com a sua percentagem: a título de exemplo, os gastos com riscos de crédito no retalho (Retail Credit Risk) foram imputados de acordo com a média ponderada dos proveitos e colaboradores (a dita percentagem de 1,279%). Mas os gastos de Old Finance foram alocados de acordo com os proveitos (percentagem de 0,738%). E outros ainda foram divididos de forma mais igualitária (por exemplo, os custos com o EU Project foram divididos em 4 grandes blocos, dois dos quais ao nível da casa-mãe, um terceiro imputado ao ... card e um último dividido em partes iguais entre cada jurisdição do sul da Europa, incluindo Portugal).

Como tal, seria impossível que a imputação efetuada à Requerente coincidisse com a percentagem acima indicada (1,279%), uma vez que há mais do que um único critério de imputação

E é por isso que, para a Requerente, se mostra inatingível como pode a AT manter o sentido da sua posição, quando se lhe apresentou:

a. O acordo que levou à imputação dos custos em apreço;

b. O estudo através do qual foram fixados os métodos de imputação;

 c. A fórmula de cálculo que foi utilizada;

d. A fatura que titula o custo incorrido; e, como se tudo isto fosse insuficiente,

 e. O relatório de preços de transferência, efetuado por uma entidade terceira, que declara que foi cumprido o princípio da plena concorrência e que o custo em apreço se afigura razoável, até do ponto de vista do regime de preços de transferência.

 

Sublinha a Requente que a AT avança, a p. 30 do Despacho de Indeferimento, que não conseguiu reconciliar os valores avançados pelo Requerente, pelo que, atentas “as incoerências e contradições”, não aceitou a dedutibilidade da totalidade do gasto.

 Com efeito, aplicada a chave de alocação de custos, explicada nos mapas já anexos como Doc. n.º 29, suportada no estudo efetuado pelo D..., é inquestionável o resultado de £ 2.187.197,33.

Em todo o caso, havendo dúvidas – fundadas, ou não – sobre a efetiva quantificação do custo, sustenta a Requerente que a AT deveria ter envidado maiores esforços para apurar o montante a considerar.

E não poderia, simplesmente, desconsiderar a totalidade do custo. Não poderia, em concreto, receber uma fatura, cuja veracidade não contesta, receber mapas de cálculo, consultar o estudo efetuado pelo D... por imposição das autoridades fiscais do Reino Unido que está na base da imputação efetuada; saber, como declara saber e não contesta, que o Requerente beneficiou dos serviços prestados pela casa-mãe, e acabar por fazer completa tábua-rasa da realidade subjacente para concluir que o Requerente não pode deduzir um único cêntimo a título de gastos administrativos gerais.

Ao agir como efetivamente agiu, a AT violou não só o princípio do inquisitório, como impôs ao Requerente uma tributação manifestamente injusta, em violação do disposto nos artigos 55.º e 57.º da LGT.

 

vii) Preços de transferência - correção efetuada no montante de € 5.024.087,00

 

Afirma a Requerente que a sucursal portuguesa não necessitava, em 2007, de qualquer capital social. O seu capital é o capital social da casa-mãe ou Grupo, que constitui a garantia dos seus credores e depositantes. E, por isso, não aceita a requalificação pretendida pela AT da natureza dos fundos concedidos pela casa-mãe para a atividade da sucursal.

Não poderia, alega a Requerente, existir uma correção com o fundamento de violação do regime de preços de transferência, consubstanciada na “imputação fiscal” de um capital mínimo, quando o Requerente, sem estar obrigado, mas por sua livre vontade, possuía, à época, um capital afeto (superior a 39 milhões de euros), mais do que conforme com a estrutura da sucursal e em conformidade com as exigências de capital então impostas pela lei bancária às sucursais de bancos não sedeados na União Europeia.

No dizer da Requerente, a própria fundamentação do RIT tenta contornar esta realidade, trazendo à liça excertos (truncados e mal interpretados, segundo alega) do relatório da OCDE de 1984 “OCDE – Preços de Transferência e Empresas Multinacionais – três estudos fiscais”, para assim procurar justificar a sua conclusão no sentido de que a matéria em causa (capital mínimo das sucursais financeiras) estaria já regulada pela “legislação” internacional e nacional. A utilização da ratio de fundos próprios do grupo não teria fundamento válido.

A AT não citou outra parte do mesmo parágrafo 83 - no qual a Requerida baseia o uso dessa ratio de capital como padrão comparativo de plena concorrência -  na qual se afirma que, segundo a Requerente: “Alguns países consideram porventura cómoda a utilização de uma percentagem fixa do capital do banco a nível mundial; no entanto, este procedimento, em certa medida arbitrário, é suscetível de falsear os resultados, podendo exigir disposições complementares que permitam à sucursal efetuar a substituição desse montante por outro quando possa justificar tal medida."

A AT efetuou o seguinte raciocínio quantitativo que não se poderá aceitar: assume que a Requerente deveria ter a mesma proporção de capital (fundos próprios) sobre o total do seu ativo que a casa-mãe (2,07%). E uma vez que tal proporção era inferior (0,48%) efetuou a correção correspondente, requalificando a diferença entre os dois rácios como capital e desconsiderou fiscalmente os juros atinentes a tais verbas.

Ao invés de comparar o comparável, a AT decidiu fazer precisamente o oposto e tratar como igual o que é diferente, sem cuidar de saber se faria sentido impor à sucursal, com uma dimensão limitada, atuando no mercado português e num conjunto restrito de setores (e, em particular, com forte preponderância de crédito-habitação e por isso garantias mais robustas) a mesma estrutura de capital de um dos maiores bancos europeus, atuando no mercado do Reino Unido e numa gama quase ilimitada de áreas de negócio financeiro.

Pretendendo a AT levar a cabo um ajustamento com base nas regras de preços de transferência, torna-se, segundo a Requerente, necessária a demonstração inequívoca de que os elementos de comparabilidade foram todos tidos em conta e de que forma afetaram aos ajustamentos calculados.

O “mais elevado grau de comparabilidade” pressuporia como mínimo indispensável que: quer a operação vinculada quer o seu referencial comercial de mercado tenham características físicas e funcionais bastante próximas; sejam resultantes de atividades desempenhadas por unidades económicas (a que celebra os negócios vinculados e a que é tomada como referencial de mercado) que desempenhem funções aproximadamente idênticas. E, por isso, a repartição de valor nos negócios vinculados deverá seguir o padrão tomado como referencial.

É aqui, no dizer da Requerente, que cai pela base a aplicabilidade do método do preço comparável de mercado ao exercício que a AT pretende envidar. E isto porque, para que seja possível recorrer ao método do preço comparável de mercado, é necessário que se comparem preços. E esta premissa cairia pela base quando se analisa aquilo que, efetivamente, foi comparado pela AT.

O juro, enquanto preço pago pela disponibilização de capital alheio, e o capital propriamente dito, no sentido de capital mínimo afeto a uma sucursal, são realidades distintas que não apresentam qualquer ponto de contacto. De onde resultaria que é inaplicável no caso concreto o preço do método comparável de mercado. Porque não está em causa a comparação de preços, por um lado, e porque não estão sequer em causa “transações da mesma natureza”, para efeitos do disposto no artigo 6.º da Portaria. Se a intenção da AT era a de aplicar o regime dos preços de transferência às “operações de financiamento em análise” deveria ter comparado juros, com outros juros.

Ou seja, continua a Requerente, sob o pretexto de aplicação do regime de preços de transferência, a AT começou por comparar indicadores entre duas “entidades relacionadas” – a sucursal e a sua casa-mãe. E, em seguida, aplicou ao valor que concluiu corresponder a uma “insuficiência de capital” da sucursal a taxa de juro média praticada precisamente entre as mesmas entidades relacionadas, ou seja, a sucursal e a sua casa-mãe. E daqui resultaria uma outra contradição insanável na fundamentação da Liquidação Adicional, que assenta na identificação de uma ratio de mercado através de uma operação vinculada.

A Requerente faz referência a jurisprudência arbitral, designadamente ao processo n.º 254/2013-T, onde se terá concluído que, para se aplicar o método do preço comparável de mercado, no âmbito do regime de preços de transferência, é necessário que se prove “que o preço utilizado como comparável corresponda ao que normalmente seria contratado, aceite e praticado entre entidades independentes numa operação comparável”.

Pelo que, sustenta a Requerente, utilizar como bitola de referência para a aferição dos “termos ou condições” que seriam aplicados num cenário de plena concorrência, não operações entre entidades independentes, mas operações entre as próprias entidades vinculadas, constitui uma violação do regime de preços de transferência, previsto no artigo 58.º do Código do IRC, na redação em vigor na data a que se reportam os factos.

É exatamente por situações como a vertente que a identificação da verdadeira natureza económica das operações, por apelo à respetiva substância, seria determinante para definir a parametrização da comparabilidade, que funciona, sucessivamente, como (i) pressuposto de aplicação do regime e (ii) referência para o cômputo do eventual desvio aos termos e condições adotados entre partes independentes em circunstâncias equiparáveis.

Ora as operações de tomada de fundos que foram descritas, e que concorreram para o apuramento da taxa média de 3,8635%, são operações de muito curto prazo, de duração variável entre 1 a 6 dias. Sublinha a Requerente que não se poderão considerar “comparáveis”, para efeitos de aplicação do regime de preços de transferência invocado como fundamento da correção contestada, as tomadas de fundos de muito curto prazo, cujo juro se encontra naturalmente condicionado por tal duração e características intrínsecas, e aquilo que pretende requalificar como “free capital”, e que resultaria, forçosamente, numa imputação de longo prazo.  Um prazo de 1 a 6 dias é apenas aplicável em financiamentos de operações comerciais, e nunca a imobilizações ou financiamentos de longo prazo.

Nem terá a Requerida provado que fatores obrigariam a que estruturas de capital em Portugal e no Reino Unido fossem idênticas, porque importariam riscos idênticos – pois só nesse caso, se exigiriam idênticas estruturas de capital. Haveria também que considerar um conjunto de outros indicadores objetivos para o cálculo de um mínimo de capital adequado às funções exercidas pelo Requerente, ou por qualquer outro sujeito passivo em idênticas circunstâncias, a saber: i) as funções exercidas pelo D... e pela sucursal; ii) as características dos fundos obtidos junto pelo Requerente; iii) os ativos utilizados pela sucursal em termos quantitativos e as suas principais características; iv) as funções do capital para a casa-mãe e as funções do capital para a sucursal; v) o estudo dos riscos assumidos pela sucursal e em que medida já estariam cobertos pela casa-mãe; e vi) ponderação dos vários ratios possíveis de aferição do “free capital”, entre tantos outros que se poderiam elencar.

Em suma, sustenta a Requerente que a correção padece de vários vícios, pugnando pela respetiva anulação.

 

 

 

2.A Requerida, na resposta, apresentou a seguinte argumentação:

  

Das Correções Respeitantes a Custos Não Documentados e Não Indispensáveis

 

  1. Quanto à alegada falta de fundamentação

 

De acordo com a informação que sustenta a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, os gastos que ainda se mantém em discussão respeitam aos gastos contabilizados pela Requerente nas contas: # 70881; # 70883; # 70885; #711210

A questão a dirimir, com referência ao ano de 2007 e em relação à parte da correção que se manteve após o procedimento de reclamação graciosa (adiante RG), é a de saber se os SIT lograram alcançar prova necessária e suficiente capaz de suportar a desconsideração de diversos encargos registados na contabilidade, dado que os documentos justificativos apresentados pelo Requerente não permitem «percepcionar claramente a conexão destes custos com a actividade desenvolvida». (cfr. pág. 15 do RIT).

O Requerente lançou mão de meios de defesa administrativos contra o ato tributário de liquidação de IRC, tendo os serviços da AT apreciado as correções que resultaram na emissão, fundamentação que foi totalmente acolhida e mantida nas decisões dos procedimentos de RG e de RH, constando da informação proferida neste último procedimento o seguinte:

«29. A matéria aqui em questão reporta-se a gastos que em sede inspetiva não foram aceites fiscalmente por não ter sido demonstrada a sua indispensabilidade para os efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC, nomeadamente no tocante aos efetivos beneficiários dos mesmos.

(…)

33. Ora, no art.º 23.º do CIRC, na redação aplicável à data dos factos, define-se que apenas se consideram custos/gastos do período os que comprovadamente forem indispensáveis à realização de proveitos/rendimentos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, não sendo aceites os encargos não devidamente documentados conforme o disposto pela al. g) do n.º 1 do art.º 45.º do CIRC;

34. Da conjugação das referidas normas ressaltam, assim, dois requisitos indispensáveis à aceitação fiscal dos custos/gastos, a saber:

  • encontrarem-se os mesmos devidamente documentados;

e

  • serem indispensáveis para a realização dos rendimentos (proveitos ou ganhos) sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Segundo a Requerida, os fundamentos para a emissão dos atos tributários de liquidação estão expressamente vertidos no RIT e nos seus anexos, e, por isso, a sua fundamentação é contemporânea dos atos de inspeção.

Assim, a fundamentação do ato de liquidação está expressamente vertida no RIT e nos seus anexos, dos quais o Requerente foi prévia e validamente notificado, sendo que os fundamentos aduzidos nos procedimentos de RG e de RH passam a integrar a fundamentação do ato tributário anteriormente praticado. Nesse sentido a Requerida menciona o Acórdão do STA, processo n.º 0291/13, de 06-05-2015.

Sendo ainda de referir que, foi precisamente o facto de o Requerente ter apresentado documentação comprovativa dos gastos declarados, no âmbito dos procedimentos de contencioso administrativo (note-se que nas mencionadas ações judiciais de intimação para um comportamento e de execução de julgado não esteve seguramente em causa nenhuma questão atinente à legalidade da liquidação e à comprovação de gastos declarados), que possibilitou a anulação parcial da liquidação, donde resulta que a questão da prova documental, ou falta dela, esteve sempre incluída no âmbito do discurso fundamentador subjacente às decisões proferidas pela AT.

 

  1. Da alegada «suficiência» dos documentos comprovativos dos gastos, da violação do princípio do inquisitório e da alegada ilegalidade face à desconsideração dos documentos internos

 

O Requerente é uma entidade não residente com estabelecimento estável em território português, sendo considerado, para efeitos de IRC, sujeito passivo, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, incidindo o imposto sobre o lucro imputável ao estabelecimento estável, conforme o estipulado no artigo 3.º, n.º 1, al. c) do mesmo diploma legal, sendo a matéria coletável determinada, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, al. c), e 55.º, n.º1, do CIRC, pelo que está o Requerente obrigado ao cumprimento do disposto no n.º 3 do art.º 17.º do CIRC, bem como das obrigações consagradas no artigo 123.º do mesmo diploma legal.

«(…) o valor probatório de uma contabilidade assenta nos respetivos documentos justificativos, como resulta do disposto no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC, segundo a qual «todos os lançamentos devem ser apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário».

Como refere Freitas Pereira, in “Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 365, 1992, pp. 346 ss.): «o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.(…) Dito de outro modo: a substituição de um documento externo por um documento interno pode, no plano exclusivo da determinação do lucro tributável, não ser irremediável se, contendo este último todos os elementos indispensáveis que devia conter o primeiro, a veracidade da operação subjacente puder ser demonstrada.». No mesmo sentido, a Requerida invoca a favor da sua tese o Acórdão do TCA Sul, de 28-03-2019, proferido no Proc. n.º 69/17.9BCLSB, e, bem assim, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 236/2014-T CAAD.

Invoca, ainda, o Requerente a violação pela AT do princípio do inquisitório, plasmado no artigo 58.º da LGT, mas demonstra cabalmente a documentação constante do processo administrativo, que inclui o RIT, a RG e o RH, que foi feita a prova, pela AT, da verificação dos pressupostos legais que legitimam as correções, ainda vigentes, aos rendimentos declarados.

Pelo que, como supra exposto, cessa a presunção de veracidade das declarações e passa a incumbir ao Requerente a prova que ponha em causa os montantes corrigidos, de acordo com as regras sobre o ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, prova que não foi efetuada nem em sede de procedimentos administrativos nem na presente ação arbitral.

No caso em apreço, a Requerida alega que cumpriu o princípio do inquisitório, tendo diligenciado no sentido de carrear para os procedimentos os elementos necessários ao apuramento da situação tributária do Requerente, enquanto que este apesar de notificado não apresentou documentação necessária para justificar a indispensabilidade dos gastos declarados.  A Requerida invoca a seu favor a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 881/2019-T.

Quanto à alegada violação do princípio da capacidade contributiva, a Requerida refere que estamos perante gastos declarados pelo Requerente desconsiderados pela AT por não se encontrarem documentados e por não ter sido demonstrada a sua indispensabilidade, nos termos do artigo 23.º do CIRC, sendo que caso existissem «outras formas de prova da existência de tais custos» quem teria acesso às mesmas seria o Requerente que, certamente, as indicaria aquando das notificações que lhe foram enviadas para justificar os custos declarados, ou para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções, ou, ainda, em sede de RG e de RH, e, por último, no âmbito da presente ação arbitral, o que não aconteceu .

Para a Requerida as exigências de natureza formal e de documentação dos custos têm subjacente a proteção do interesse público no combate à fraude e à evasão fiscal e, se por um lado, releva o imperativo da tributação pelo rendimento real, por outro lado, há que valorar e ponderar os interesses que estão subjacentes às exigências formais de prova. A este propósito a Requerida invoca a jurisprudência (veja-se o excerto do Acórdão do STA, Proc. n.º 0658/11), constante do Acórdão proferido no Proc. n.º 436/2017-T.

 

c) Da alegada errónea interpretação do princípio da indispensabilidade dos custos

 

Alega a Requerida que exigia o artigo 23.º do CIRC a verificação de dois requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam fiscalmente dedutíveis: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos (cfr. Acórdão do STA, de 05-07-2012, proc. nº 0658/11).

São, pois, dois os requisitos que a norma impõe cumulativamente pelo que, a verificação de um não exclui a verificação do outro, mas, pelo contrário, bastará o não cumprimento de um deles para que os gastos já não possam ser considerados para efeitos de determinação dos resultados fiscais.

Sendo que é o incumprimento dos pressupostos legais cumulativos constantes do artigos 23.° e do artigo 42.° n.º 1 alínea g) do CIRC que impede que a AT aceite a dedução dos gastos declarados. Assim, não basta, como alega o Requerente que os custos obedeçam ao crivo legal da indispensabilidade para serem considerados fiscalmente como custo do exercício, exigindo as disposições citadas, como condição geral para a dedutibilidade dos custos, a sua comprovação através de documentos justificativos. A favor da sua orientação alega a Requerida o Acórdão do TCA Sul, de 12-01-2017, proc. n.º 09894/16, bem como, ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul. E, ainda, a Decisão arbitral proferida no processo n.º 436/2017-T.

 

d) Da legalidade das correções contestadas

 

Conta # 70881-Banquetes e Refeições: €6094,60

No que respeita em concreto às correções contestadas, os gastos em causa correspondem às faturas n.º 30352, emitida pelo Restaurante “...”; n.º 1694, emitida pelo restaurante “Casa...”, n.º 02/00001253, emitida por J..., Lda., n.º 2007000019, emitida por K..., Lda, sendo que a documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.

 

Conta #70883 – Refeições em Serviço (extratos de cartão de crédito e talões de restaurantes): € 1 739,40

O Requerente invoca que se trata de despesas incorridas pelo seu colaborador E...– a quase totalidade de refeições – o qual, em 2007, exercia as funções de Diretor Coordenador do Retail Banking da área Norte, sendo que, em todas as situações, o Requerente limita-se a proferir considerações genéricas sobre os gastos contabilizados que não têm sustentação probatória.

A documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.

 

Conta #70885 – Bilhetes de Teatro: € 6 752,00

O Requerente alega que este gasto tem subjacente «a aquisição de 2000 bilhetes para uma peça de teatro – mais concretamente a peça intitulada “xxx”», que se destinou a fazer face a uma campanha promocional realizada pelo A... Sucursal consubstanciada na oferta a clientes ou a potenciais novos clientes, acompanhados por colaboradores, de ingressos para aquela peça.

Também aqui, insiste o Requerente na invocação de argumentação genérica sem sustentação probatória, pelo que a documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.

 

Conta #711210 – Viagens de Avião: € 42 727,48

Afirma o Requerente que os gastos aqui em causa se referem a viagens de avião, com destino a Londres e Miami, de membros da Comissão Executiva do A... Sucursal – F... (Presidente) e G... - ocorridas no desempenho das suas funções profissionais, designadamente, para Londres, onde frequentemente se realizam as reuniões com todos os responsáveis pelas diversas sucursais e filiais do Grupo e para a Florida, onde F... esteve em campanha de angariação de Clientes, aproveitando os contactos decorrentes da sua anterior função.

Mais uma vez, alega a Requerida que a documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT. Aponta a favor da sua tese o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul pronunciou-se, em 27-03-2012 (Processo nº 05312/12).

 

Conta # 6889: € 526.011,77

 Tal como sustentou nos procedimentos administrativos, alega o Requerente que esta conta respeita as verbas contabilizadas a comissões pagas à I..., de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados através de cartões de crédito emitidos pelo banco, mais concretamente pelo ... Card, limitando-se a juntar uma listagem, um manual de procedimentos e um alegado exemplo de lançamento dessas comissões na contabilidade, não permitindo identificar os sujeitos envolvidos na alegada transação nem que foi efetivamente cobrado ao Requerente o montante de € 526 011,17, nem que tal montante respeita ao exercício económico de 2007.

Assim, a verba contabilizada constitui um encargo não devidamente documentado, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, com a consequente tributação autónoma em cumprimento do disposto no artigo 88. ° do CIRC.

 

Conta #70881: € 4.796,20

O Requerente invoca a mesma argumentação que alegou nos procedimentos administrativos de que se de uma fatura respeita a custos de alimentação com a realização da reunião da Comissão Executiva do Western Europe, que teve lugar em ... em 18-04-2007.

A documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.

 

Conta # 7113199: € 76.155,63

Os SIT verificaram que registo efetuado no montante de € 76 155,63, respeitante a encargos com publicidade que «a soma das faturas que compõem o documento 77 (junto à Reclamação), é inferior ao montante do lançamento contabilístico em causa».

A documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.

 

Conta # 711820 - € 100 000,00

A Argumentação do Requerente, que é idêntica à invocada dos procedimentos administrativos, não contradita a legalidade da correção, como resulta da decisão do RH, que certeiramente refere: «A Recorrente alega não concordar com a correção reafirmando que os registos em causa respeitam a gastos indispensáveis e documentados, sendo que sem conceder, solicita que seja considerado como documentado, pelo menos, o montante constante na mencionada fatura n.º 70345/2007, sendo que a mesma não comprova que diga respeito aos registos em análise; o que ocorre é que ao contrário do que sucede para as demais faturas analisadas não se apurou que tivesse dado azo a registos autónomos."

 

Conta #72889: € 343.095,73

A documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.

 

Dos Custos não devidamente documentados: € 1 142 599,48

Está em causa na presente correção registos contabilísticos relevados na conta NCA 7113199 – Gast. Ger. Administr – C/Serv. – Publicidade e Edições de Publicações – P. N/Obr – Out. Desp. - Custos, observados em sede inspetiva, para os quais, naquela sede e conforme constante no RIT «o Banco apenas apresentou uma listagem informática das despesas incorridas, não sendo possível conhecer todos os elementos inerentes aos registos em causa, nomeadamente a natureza das operações, o número e tipo do documento, a sua data e a identificação e número de identificação fiscal (NIF) do fornecedor ou prestador do serviço» (vide RIT a págs 17 e 18).

A decisão do RH demostra a legalidade da decisão dos SIT e a total improcedência da argumentação do Requerente no sentido da falta de fundamentação da correção, afirmando que «tendo presente a fundamentação expressa pelos Serviços em sede de reclamação graciosa retira-se que o mencionado anexo 7 foi elaborado partindo dos elementos fornecidos pela Recorrente, os quais, naturalmente do seu inteiro conhecimento, tendo sido devidamente externada a metodologia para a elaboração do mesmo».

 

Dos Custos que incidem sobre terceiros: €23.306,74

No que respeita a esta correção, veio a Requerida alegar, por remissão para o que ficou exposto no RIT e na decisão do RH, que os gastos em causa têm por base os diversos contratos que os funcionários do Requerente assinaram com as anteriores entidades patronais, sendo da inteira responsabilidade dos colaboradores o pagamento desses valores.

Concluindo assim que os encargos não incidiram sobre o Requerente, mas sim sobre terceiros, i.e., sobre os seus colaboradores. Razão pela qual não devem estes gastos ser fiscalmente reconhecidos, à luz do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, na sua redação à data dos factos.

 

Das perdas por imparidade: € 153.091,72

 

Na sua Resposta a Requerida limita-se a remeter para o que já tinha sido expendido no Despacho que indeferiu o Recurso Hierárquico. Desse Despacho se retiram as posições da Requerida que a seguir se transcrevem:

 

 

 

 

 

 

Da imputação de encargos decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa: € 2.788.286,76

 

Para fundamentar as suas correções nesta matéria, a Requerida socorreu-se dos argumentos vertidos no RIT e na decisão do Recurso Hierárquico, defendendo, em síntese, que estes custos devem obedecer, em primeiro lugar, ao disposto n.º 2 do artigo 50.º do Código do IRC à data dos factos, e em segundo lugar, ao artigo 23.º do mesmo diploma.

Para o efeito, entende a Requerida que os encargos repartidos entre a sede e um estabelecimento estável devem ser imputados de acordo com critérios razoáveis que sejam aceites pela própria administração fiscal, não tendo o Requerente logrado demonstrar quais os critérios adotados.

No caso em concreto, aponta a Requerida que os documentos apresentados pelo contribuinte, após terminarem os atos inspetivos, apresentavam discrepâncias valorativas face aos gastos reconhecidos contabilisticamente pelo Requerente, concluindo que “os elementos apresentados se demonstram manifestamente insuficientes para alcançar o desiderato da Sucursal” e, por conseguinte, não observam o disposto no n.º 2 do artigo 50.º do CIRC, na redação à data dos factos.

Por fim, entende ainda que, nos termos do artigo 23.º do mesmo diploma, só os custos ou perdas das empresas comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis são fiscalmente dedutíveis. Concluindo que o Requerente não logrou igualmente provar o cumprimento dos mesmos.

 

Da imputação de custos gerais de administração no valor de € 3.064.482,16

 

Na sua resposta a AT  expende os argumentos do RIT e da decisão sobre o  RH, e acrescenta também que os custos a aceitar fiscalmente no âmbito do apuramento do lucro tributável do Requerente obedecem à disciplina legal consagrada nos artigo 50.° e no artigo 23.°, ambos do CIRC. Devendo, caso existam encargos gerais de administração a imputar ao estabelecimento estável no território nacional, estar definido o critério de repartição dos mesmos, que permitirá justificar o montante imputado ao estabelecimento estável e permitirá comprovar que tais encargos foram efetivamente incorridos para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto.

O Requerente admite que existem incongruências nos valores, não obstante entende que deveria a AT «ter envidado maiores esforços para apurar o montante a considerar», invocando uma vez mais a violação do princípio do inquisitório.

Não se vislumbra que diligências poderia a AT ter efetuado, numa situação em que lhe são apresentadas pelo Requerente diferentes justificações de uma mesma realidade, bem como documentos comprovativos contraditórios.

 

Preços de transferência. no valor de € 5.024.087,00

 

Além da fundamentação que consta no RIT, sustenta ainda a Requerida, na sua Resposta e no Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, que as regras sobre preços de transferência são uma temática fiscal com consagração legal inserida no quadro normativo do IRC, aplicável por força do n.º 3 do artigo 15.º do respetivo Código, na determinação da matéria coletável das pessoas coletivas e outras entidades tributadas com base no lucro ou no rendimento global, tais como o estabelecimento estável de uma entidade não residente.

A sua justificação decorre da necessidade de assegurar a igualdade de tratamento dos sujeitos passivos de IRC, quer estejam integrados em estruturas de grupo (entidades relacionadas), quer sejam entidades independentes, no respeitante à avaliação da respetiva capacidade contributiva traduzida no apuramento matéria coletável.

Dado que os termos e condições praticados nas operações entre entidades relacionadas, quando influenciados por uma lógica que vise os interesses globais de um grupo, são susceptíveis de afectar “(…) a distribuição dos lucros – ou prejuízos – entre as várias sociedades ou estabelecimentos estáveis que compõem o grupo” , e com isso distorcer a situação tributária de cada uma das entidades que o integram, impõe-se verificar se as condições definidas nessas operações vinculadas respeitam o Princípio de Plena Concorrência. 

Nesse sentido, para a Requerida, as regras fiscais sobre preços de transferência sobrepõem-se à própria contabilidade, na medida em que procuram corrigir os eventuais desvios verificados na definição dos termos e condições das operações realizadas entre entidades relacionadas, em resultado de não ter sido observado o Princípio de Plena Concorrência consagrado no, à data dos factos, artigo 58.º, n.º 1 do CIRC. Sendo que, in casu, o Princípio de Plena Concorrência é justificação bastante para a «atribuição de um montante de "free capital" aos estabelecimentos estáveis».

A adoção deste princípio, tanto no plano do direito interno como do direito internacional, dada a sua consagração no n.º 1 do art.º 9.º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, possibilita, no entender da Requerida, às administrações fiscais a realização de ajustamentos ao lucro tributável, quando nas operações comerciais ou financeiras entre duas empresas relacionadas entre si, forem aceites ou impostas condições diferentes das que seriam estabelecidas entre empresas independentes. Assim, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não o foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e tributados em conformidade.

A correção controvertida reporta-se à aplicação da disciplina dos preços de transferência ao montante dos juros pagos pelo Requerente à casa mãe, decorrente do entendimento dos SIT de que a inexistência de "um free capital" na Sucursal não corresponde a uma estrutura de capitais conforme o Princípio de Plena Concorrência.

O núcleo da aplicação das regras sobre preços de transferência é constituído por um exercício de análise de comparabilidade entre a operação vinculada e as operações não vinculadas que reúnam as condições para serem consideradas comparáveis e a seleção do método tido como mais apropriado (cfr. n.º 2 do art.º 58.º do Código do IRC, na redação à data vigente e n.ºs 1 a 3 do art.º 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

A escolha do método de determinação do preço de transferência conforme com o Princípio de Plena Concorrência, à luz do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 58.º do Código do IRC e dos n.ºs 1 e 2 do art.º 4.º e do n.º 2 do art. 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, recaiu no chamado Método do Preço Comparável de Mercado, tendo em conta a natureza e características da operação vinculada em análise.

A Requerida considerou que, neste caso concreto, a questão da comparabilidade assume contornos que evidenciam algumas especificidades, dado que a aplicação do Método do Preço Comparável de Mercado concretizou-se na comparação da estrutura de capitais do D... (Sede) com a apresentada pela Sucursal. Com base nesta comparação, determinou- se a insuficiência de fundos próprios da Sucursal e, consequentemente, o montante de fundos que foi indevidamente considerado pelo sujeito passivo como endividamento e que, em substância, configura fundos próprios da Sucursal.

Com vista ao apuramento do montante dos juros excessivos resultante da insuficiência de fundos próprios, procederam os SIT ao apuramento da taxa (média) de juro associada às operações de tomadas de fundos junto da Sede. O procedimento adaptado encontra-se, segundo a AT, em linha com os métodos descritos no parágrafo 200 da Parte I do já mencionado Report On The Attribution Of Profits To Permanent Establishments, de 2007, e consiste na utilização da média ponderada das taxas de juro efectivamente suportadas nos financiamentos atribuídos ao estabelecimento estável no decorrer de 2008, a qual correspondeu a 3,8635 %.

Para efeitos de determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes, foram consideradas pelos SIT as condições praticadas nos financiamentos efetuados pela sede à sucursal, tendo apurado juros a desconsiderar.

Acrescenta ainda a Requerida que as decisões dos procedimentos administrativos apreciam de forma exaustiva a argumentação invocada pelo Requente e demonstram de forma clara a sua improcedência, pelo que sintetiza as conclusões a que chegaram os serviços:

 · O Requerente não foi obrigado a constituir qualquer capital mínimo para o exercício da sua atividade em Portugal;

· A correção promovida, na forma da afetação de parte dos juros pagos e associados a financiamentos da "Casa-mãe" a um capital "livre", decorreu da aplicação do Princípio de Plena Concorrência e as suas implicações são meramente fiscais;

· A natureza das Guidelines da OCDE, como "soft law" ou direito flexível, e não como norma tributária stricto sensu afasta-as das regras da aplicação de lei fiscal no tempo, previstas nos números 1 e 2 do artigo 12.º da LGT, pelo que não se coloca in casu nenhum problema de irretroatividade de norma fiscal;

· O procedimento seguido pelos SIT encontra-se legitimado plenamente pela lei interna, pela Convenção Modelo da OCDE e dos seus comentários, e pelas Guidelines da OCDE, cumprindo-se plenamente regras da hermenêutica jurídica constantes do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil, preceito que designa como elementos de interpretação da lei não só o elemento literal, mas também os elementos sistemático, histórico e o teleológico;

· Não existe qualquer violação do princípio da liberdade de estabelecimento e discriminação negativa das organizações europeias face às de países terceiros, não se verificando nenhuma vantagem (fiscal) destas últimas sobre as primeiras, pois, por um lado não foi, de todo, exigida a constituição de capital mínimo ao Requerente;

  • Por outro lado, o Princípio da Plena Concorrência visa assegurar a igualdade de tratamento dos sujeitos passivos de IRC, quer estejam integradas em estruturas de grupo (entidades relacionadas) e independentemente da sede se situar em território terceiro ou europeu, quer sejam entidades independentes, no respeitante à avaliação da respetiva capacidade contributiva traduzida no apuramento matéria coletável.

Pugna, pois, em conclusão, no sentido de a correção controvertida dever manter-se na ordem jurídica.

 

II. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

III- DO MÉRITO

 

III-1- DA MATÉRIA DE FACTO

Com relevo para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente é um estabelecimento estável do D... PLC, empresa com sede e direção efetiva no Reino Unido, e exerce a atividade de “Outra Intermediação

Monetária”, a que corresponde o Código de Atividade Económica (CAE) 64190, sendo tributado, em sede de IRC, pelo regime geral de tributação (cfr. pag. 10 e 12 do RIT, junto ao Processo Administrativo, adiante PA).

  1. O Requerente foi sujeito à ação inspetiva externa, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2010..., no âmbito da qual foram efetuadas correções à matéria coletável, no montante de € 28.235.465,73 e correções ao cálculo do imposto respeitantes a tributação autónoma, no montante de € 1.508.094,71 e a retenções na fonte, no montante € 3.354.886,34 (cfr. RIT, junto ao PA).

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  1. Em 6 de julho de 2016, foi proferido despacho de deferimento parcial da Reclamação Graciosa, notificado ao Requerente através do Ofício n.º..., de 7 de julho de 2016, da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) (abreviadamente, o “Despacho de Deferimento Parcial”), de que se junta cópia sob a designação de Doc. n.º 5.

 

  1. De acordo com o Despacho de Deferimento Parcial (cfr. p. 3 do Doc. n.º 4 já junto), foram deferidos os pedidos de anulação das seguintes correções (vd. coluna Despacho de Deferimento Parcial):

 

  1. Não se conformando com o Despacho de Deferimento Parcial, na parte que manteve as correções inicialmente determinadas na ação inspetiva, o Requerente apresentou o Recurso Hierárquico, que deu entrada na UGC em 8 de agosto de 2016, de que se junta cópia sob a designação de Doc. n.º 6.
  2. Ora, sobre o Recurso Hierárquico, mantido relativamente às correções e nos montantes indicados no ponto anterior, recaiu o Despacho de Indeferimento, que indeferiu totalmente a pretensão do aqui Requerente.
  3. O presente pedido recai sobre as correções que ora se sintetizam:

 

  1. Para cobrança coerciva da Liquidação Adicional foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa –... o processo de execução fiscal n.º ...2011... (o “Processo Executivo”).
  2. Para efeitos de suspensão do Processo Executivo, foi prestada garantia.
  3. Em 17 de dezembro de 2013, foi efetuado um pagamento parcial da dívida exequenda no Processo Executivo, pelo montante de € 5.600.000,00, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 151--A/2013, de 31 de outubro, que aprovou o Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social (“RERD”), conforme se comprova pelo documento comprovativo de pagamento que se junta sob a designação de Doc. n.º 7.
  4. Em resultado da adesão ao RERD, o D... beneficiou da dispensa (parcial) de juros compensatórios, de juros moratórios e de custas do Processo Executivo.
  5. Em 30 de setembro de 2015, o D... pagou o valor remanescente da dívida exequenda, pelo montante de € 1.147.371,85 de imposto, € 103.256,98 de juros compensatórios € 201.362,75 de juros moratórios e acrescido no Processo Executivo, conforme se alcança da cópia do documento único de cobrança que se junta sob a designação de Doc. n.º 8.

 

  • E tudo, naturalmente, sem prejuízo dos direitos de defesa que assistiam ao D... .

 

  1. Em face do exposto, resulta evidente que o D... efetuou o pagamento do montante total de € 7.051.911,58, correspondente a:

  1. Neste contexto, resulta também claro que foi efetuado o pagamento do montante total da Liquidação Adicional, considerando a anulação parcial de juros compensatórios em resultado da adesão ao RERD, porquanto:
  1. A Liquidação Adicional foi inicialmente emitida pelo valor de € 7.354.597,16;
  2. Foram anulados juros compensatórios no valor de € 503.968,33 [€ 607.225,31 –
    € 103.256,98]; e
  3. Acresceu à Liquidação Adicional, na parte paga em 30 de setembro de 2015, o valor de € 201.362,75 a título de juros de mora e encargos.
  1. Pelo que, e em suma, o montante pago pelo D... corresponde ao produto da seguinte operação:  € 7.354.597,16 - € 503.968,33 + 201.362,75 = 7.051.991,58

Valor que foi parcialmente restituído ao aqui Requerente, no contexto da ação executiva que teve por objeto o Despacho de Deferimento Parcial e que correu termos junto do Tribunal Tributário de Lisboa, com o número .../17...BELRS.

  1. Do exposto resulta, pois, evidente que, no decurso dos 9 anos desde a inspeção tributária que culminou na emissão da Liquidação Adicional que constitui objeto mediato do presente pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, o Requerente já se viu forçado a apresentar, contra a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”):
  • A Reclamação Graciosa, em 2011;
  • O Recurso Hierárquico, em 2016;
  • Uma ação de execução de julgado, em 2017, face à inércia da AT na execução do Despacho de Deferimento Parcial; e
  • Uma ação de intimação para um comportamento, em 2020, face à inércia da AT na prolação da decisão do Recurso Hierárquico.

 

  1. Da factualidade assente no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), e nas informações que sustentam as decisões proferidas essencialmente no procedimento de reclamação graciosa e recurso hierárquico, podemos ler, entre o mais, o seguinte:

 

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  1. Conta # 6889; €526.011,77, pode ler-se na decisão do RH que «os referidos documentos não permitem identificar os sujeitos envolvidos na alegada transação nem que foi efetivamente cobrado ao Requerente o montante de €526 011, 17, nem que tal montante respeita ao ano económico de 2007».
  2.  Conta # 70881 – Banquetes e Refeições: € 6 094,60, os gastos em causa correspondem às faturas n.º 30352, emitida pelo Restaurante “...”; n.º 1694, emitida pelo restaurante “Casa...”, n.º 02/00001253, emitida por J..., Lda., n.º 2007000019, emitida por K..., Lda., que se limitam a indicar o valor das refeições sem qualquer outra referência que permita estabelecer conexão com a atividade do Requerente. 
  3. Conta # 70883 – Refeições em Serviço (extratos de cartão de crédito e talões de restaurantes): € 1 739,40, consta da RG: «os documentos de suporte relativos às refeições do colaborador em causa [«Cfr. faturas e extratos n.º 101/080018962/01/07 e 101/080018962/04/07 do cartão ...7»] não demonstram que a origem dessas despesas se devesse à realização de visitas ou acompanhamento dos principais clientes da zona norte nas datas constantes dos extratos de conta do cartão n.º ... . Por outro lado, o Reclamante não trouxe aos presentes [autos] qualquer outro elemento probatório que permitisse sustentar a suas alegações a propósito da indispensabilidade do custo». Por sua vez, na conclusão vertida na decisão de RH, lê-se: «fica por demonstrar factualmente e documentalmente, não que tenham ocorrido refeições em si mesmas, mas antes que tiveram efetivamente lugar ao serviço do A... Sucursal. Não foram, por exemplo, aportados ao processo elementos que permitissem ligar tais refeições a qualquer cliente, como alega.
  4. Conta # 70885 – Bilhetes de Teatro: € 6 752,00, no âmbito da RG decidiu-se que não foi comprovada a indispensabilidade do custo, na medida em que «os documentos de suporte atestam unicamente a importância que o Reclamante desembolsou para adquirir os bilhetes de teatro. Relativamente à restante matéria, nenhuma prova foi produzida».

Na informação do RH diz-se, de forma claríssima: «os elementos aportados ao processo permitem atestar, tão-só, a natureza intrínseca do gasto em si mesmo, i.e que bens foram adquiridos: bilhetes de teatro. A fatura n.º 55A emitida pela Y..., Ldª. Limita-se a indicar: a data, o n.º de contribuinte, Bilhetes “...”, a quantidade e o preço.

  1. Conta #7113199: € 43. 774,92, do doc n.º 11, junto com o Pedido arbitral, refere faturas que incluem a discriminação do serviço de publicidade prestado, com indicação das respetivas campanhas publicitárias, o período a que respeita o serviço e o respetivo preço.
  2. Conta #711820: € 100.000,00 diz respeito a despesas relacionadas com serviços de consultoria informática prestados à área de marketing do Requerente por uma entidade terceira (a “M..., S.A.”), cfr. doc n.º 12., verifica-se que a fatura n.º 70345/2007, tem aposta a seguinte descrição quanto aos serviços de consultadoria informática prestados: (“Aplicação bancária-suporte local” – Z...), indica a data, a quantidade, o preço e os sujeitos.
  3.  Conta #72889: €343.095,73. Em relação ao primeiro montante, no valor de €219.557, a que se referem os docs n.ºs 13 a 16, verifica-se que os docs n.º 14 e 16 respeitam a custos de serviços prestados pelas entidades O..., que são suportados por faturas que descrevem o objeto da transação, o serviço prestado, o preço, a data e os sujeitos. 

 ab) Em 2006, por imposição legal, o Requerente deixou de utilizar as normas contabilísticas do Plano de Contas do Setor Bancário (“PCSB”) passando a adotar as normas de contabilidade ajustada (“NCA”) emanadas pelo Aviso n.º 1/2005, do Banco de Portugal.

 

ac) Assim, no exercício de 2007, as demonstrações financeiras do Requerente foram já preparadas tendo por base as Normas Internacionais do Relato Financeiro (“IFRS”), com as exceções previstas nas NCA.

 

ad)  Em cumprimento das aludidas normas (NCA e IFRS) e das imposições do Banco de Portugal, o Requerente procedeu ao ajustamento dos valores dos ativos – prédios – recebidos em dação em pagamento pelos seus clientes em virtude do incumprimento de contratos de mútuo para aquisição de habitação.

 

ae) Nesses termos, em 2007, o Requerente realizou ajustamentos relativos aos prédios recebidos a título de dação em pagamento no montante de € 153.091,72.

 

af) Tendo registado o aludido montante de € 153.091,72, na conta NCA 7691 “Perd.Impar./Prov.Impar. – Activos Financeiros – Activos Tangíveis – Valoração do Custo Histórico”.

 

ag) Em inspeção ao exercício de 2007, da aqui Requerente, a AT corrigiu o respetivo lucro tributável em € 153.091,72, fundamentando-se nos seguintes argumentos (RIT p. 22 - 23):

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ah) À data dos factos, a dedutibilidade deste concreto  tipo de custos era regulada pelo art. 34 do CIRC

 

Imputação de encargos gerais decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa

 

ai) A Requerida instou o Requerente a demonstrar detalhadamente o apuramento do montante global dos encargos suportados pelo Grupo, bem como o apuramento do montante que coube imputar à sucursal e a cada uma das restantes entidades envolvidas, não tendo sido prestados esclarecimentos até à conclusão dos atos inspetivos (cfr. fundamentação da Decisão do recurso hierárquico que se dá por reproduzida); 

aj) O Requerente apresentou, já depois de terem terminados os atos inspetivos, um mapa onde se espelhava o montante total dos encargos suportados, o qual ascendeu a £ 39.999.600, indicando qual a proporção dos serviços que foram utilizados pela Sucursal em Portugal, correspondente a 3,246%, o que deveria resultar numa imputação de custos na importância de, aproximadamente, £ 1.298.400;

al) O Requerente apresentou aos serviços de inspeção o Inter-Company Processing Service Agreement contrato celebrado com a casa-mãe para formalizar a prestação de serviços a favor do estabelecimento estável em território português e que serve de suporte aos montantes faturados;

 

Imputação de gastos gerais de administração

 

ap) Em 2007 o D... imputou à sua sucursal Portuguesa o valor de € 3.064.482,16 a  título de  custos gerais de administração, derivado do contravalor em euro de 2.187.197,33 libras inglesas.

aq) Tal valor está comprovado por fatura emitida pela casa mãe à sucursal, no valor antes referido.

ar)O exercício de 2007 foi o primeiro em que tal imputação se verificou, como decorre do dossier de preços de transferência  junto ao autos (p. 15) e também da Petição da Requerente, onde se afirma que as autoridades fiscais inglesas indicaram ao D... que deveria faturar e imputar  ás sucursais os custos gerais de administração que contribuíssem para que as ditas sucursais desenvolvessem a sua atividade.

 

as) Nos documentos 27 e 28, anexos aos autos, são explicitados os vários tipos (largas dezenas) de gastos gerais de que a sucursal beneficiou, as diversas chaves de repartição de tais gastos (percentagem de proveitos, percentagem de trabalhadores, e média destas duas variáveis). Tais chaves são sintetizadas na p. 101 do anexo 28 aos presentes autos.

at) Em anexo ao RIT (anexo II) são apresentados os valores de base, fornecidos pela Requerente, e os cálculos que conduziram a que se obtivesse um valor em libras de 2.187.197,33, a que correspondeu,  à taxa de câmbio usada o valor em euro de 3.064.482,16.

 

Tal imputação merece, no RIT, a seguinte análise;

 

au) Em Reclamação Graciosa, a Requerente argumentou que a conclusão do RIT se baseia numa análise inapropriada e incompleta dos dados de que a inspeção dispunha, pois o valor de 1,278% é apenas um dos critérios utilizados (a média simples de proveitos e número de trabalhadores), sendo o valor total de € 3.064.482,16 obtido pela combinação de vários critérios. O documento 96 anexo á Reclamação evidencia novamente como se chegou ao valor (arredondado) de 2,2 milhões de libras, e detalha os critérios que a ele subjazem.

 

av) Em decisão sobre o Recurso Hierárquico, mantém-se o entendimento do RIT e acrescenta-se que:

Mais se conclui na decisão sobre o Recurso Hierárquico que:

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ax)E remata-se, ainda nessa decisão afirmando:

 

Preços de transferência

 

az) No exercício de 2007 a entidade Requerente era uma sucursal do D... PLC (doravante também designado por "Grupo H...").

ba) A Requerente  tinha por objeto o desenvolvimento da atividade bancária em Portugal, por via da prestação de serviços da banca comercial, da banca de investimento e de leasing.

bb)  Para o desenvolvimento dessa atividade, a Requerente  necessitava, regularmente, de se financiar para fazer face às solicitações dos seus clientes.

bc) No exercício de 2007 a Requerente obteve fundos junto da casa-mãe, ou Grupo H..., no montante de total de € 4.155.160.531.

bd) Em relação a estes fundos, suportou juros, à taxa média de 3,8635%, perfazendo um total de juros suportados no montante de € 148.310.547.

be) As demonstrações financeiras da Requerente, elaboradas a 31 de dezembro de 2007, evidenciam que total do seu ativo era de € 8.157.742.601, possuindo fundos próprios no montante de € 39.023.160.

bf) A Requerente apresentava, em 2007, uma ratio entre fundos próprios e o total de ativo de 0,48%.

bg) O D... PLC tinha, em final de 2007, ativo total no montante de £ 1.105.807 Milhões. Possuía fundos próprios no montante de £ 22.917 Milhões.

bh) Apresentava, assim, uma ratio entre fundos próprios e o total de ativo de 2,07%.

bi) A Requerida (ou "AT") desconsiderou como juros fiscalmente dedutíveis para o apuramento do lucro tributável da sucursal o montante de € 5.024.087,00, que tinham sido pagos ao Grupo.

bj) A AT fundamenta a correção efetuada nos seguintes termos e com base nos seguintes fundamentos:

bj.1) Afirma-se no Relatório da Inspeção Tributária (RIT) (p. 44):

 

bj.2) Prossegue o RIT, (p. 45):

 

 

 

bj.3) E, a p. 52 sustenta-se que:

 

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bl)  A Requerida selecionou o método do preço comparável de mercado e aplicou-o como se segue (RIT, p 56 -58):

 

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bm) A Requerente elaborou e apresentou o Dossier de Preços de transferência, de onde consta informação económico - financeira sobre o Grupo e a Sucursal, e os ativos, funções e riscos que cabiam cada uma destes entidades e os métodos usados pera aferir do cumprimento do princípio de plena concorrência nas suas relações com partes vinculadas.

bn) Os fundos a que antes se fez referência, cedidos pelo Grupo à sucursal, configuravam empréstimos que tinham prazos entre 1 a 6 dias; e que eram obtidos pelo Grupo em condições de mercado.

 

III-1-2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

Quanto à Imputação de encargos gerais decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa, a apresentação de faturas e, bem assim, dos contratos que titulam os respetivos serviços prestados pela casa-mãe aos seus estabelecimentos estáveis não permitem a apreensão dos critérios específicos utilizados para a imputação dos custos.

 Face aos elementos apresentados pelo Requerente no decurso da ação inspetiva, não é possível definir com a devida certeza o(s) critério(s) utilizado(s), as fórmulas usadas nos diversos gastos e sua tradução quantitativa concreta, no exercício de imputação dos gastos gerais suportados pela casa-mãe ao seu estabelecimento estável.

Com efeito, os elementos numéricos da documentação apresentada pela Requerente não têm o detalhe necessário que permitisse uma análise e validação por parte da Requerida, pois têm um carácter de generalidade que não é compatível com a aceitação fiscal destes gastos imputados.

Quanto à perda por imparidade, não se considera provado que a Requerente tenha apresentado aos autos elementos que permitam ao tribunal avaliar dos concretos ou específicos fundamentos, ou bases de apuramento (constantes de estudos, relatórios ou trabalhos similares), que serviram de base à avaliação dos bens imóveis sobre os quais recaíram os ajustamentos de valor.

 

 

III-1-3- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo Arbitral, incluindo o Processo Administrativo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos presentes Autos Arbitrais, consideraram-se provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1-O SP fundamenta a ilegalidade da liquidação adicional nos seguintes vícios:

 

  • Falta de fundamentação (em especial no que respeita aos gastos contabilizados nas contas: # 70881; #70883; #70885; # 711210, incluindo as correções à matéria coletável no valor total de € 1.133.466,87).
  • Do erro conceptual quanto à suficiência dos documentos dos gastos incorridos, em sede de IRC e violação do princípio do inquisitório;
  • Ilegalidade face à desconsideração dos documentos internos;
  • Ilegalidade face à errónea interpretação do princípio da indispensabilidade dos custos;
  • Violação do princípio do inquisitório;
  • Violação do princípio da capacidade contributiva.
  • Ilegalidade da tributação autónoma.
  • Ilegalidade face à errónea interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC.
  • Ilegalidade da desconsideração dos gastos com serviços informáticos imputáveis ao estabelecimento estável face ao disposto no n.º 2 do artigo 50.º do CIRC em conjugação com o disposto no n.º 3 do artigo 7.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido.
  • Ilegalidade na aplicação do regime dos preços de transferência

 

Analisado o pedido e a causa de pedir, verifica-se que um dos problemas essenciais  suscitado prende-se com a questão de saber se a informação prestada pelo SP é suficiente para sustentar a essencialidade dos custos em causa, em conformidade com os requisitos exigidos pelo artigo 23.º do CIRC, segundo a redação aplicável. Na ausência de indicação em contrário por parte do SP, começaremos pela análise da ilegalidade resultante da errónea interpretação do princípio da indispensabilidade dos custos, que abarca, como se verá a ilegalidade quanto à desconsideração dos documentos internos e o alegado erro quanto à suficiência dos documentos dos gastos incorridos.    

 

 A- SENTIDO E ALCANCE DO ART. 23.º, N.º 1, DO CIRC

 

No artigo 23.º, n.º1, do CIRC,  na redação à data dos factos, define-se que apenas se consideram custos/gastos do período os que comprovadamente forem indispensáveis à realização de proveitos /rendimentos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, não sendo aceites os encargos não devidamente documentados conforme o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.

Da conjugação das referidas normas resulta que são dois os requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

Importa, para tanto, averiguar se estão ou não verificados os requisitos formais exigidos para a comprovação dos custos, cuja violação implica a sanção da indedutibilidade sobre o rendimento.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 258/2015-T, reproduzindo o Acórdão do STA, de 5/7/2012, proc n.º 0658/2012, “As exigências formais compreendem a vertente interna e a externa. Os documentos internos são elaborados na empresa, normalmente para uso exclusivo interno (folhas de férias e as notas de lançamento). Os documentos externos são aqueles que provêm ou se destinam ao exterior, como as facturas, recibos e notas de débito) e são estes que normalmente cabem no conceito de “documentos justificativos”, que acompanham todo e qualquer gasto.

“Sobre esta questão existe abundante jurisprudência, tendo a este propósito ficado consignado, designadamente, no Acórdão do STA de 5/7/2012, proc n.º 0658/2012, que “É possível recortar dois tipos essenciais de falhas formais. As primeiras resultam da ocorrência de erro ou vício no lançamento das operações na contabilidade, traduzidas na falta ou vício no registo ou na sua subsunção numa errada rubrica. Neste caso, o documento externo existe e é idóneo, mas verifica-se a incorrecção do respectivo suporte interno. Em relação às segundas, mais complexas, e mais correntes, o problema situa-se ao nível do documento externo que acompanha as transacções e que inexiste ou é insuficiente. Nesta última situação, a resolução do problema pressupõe, desde logo, que se determine o que deva entender-se por «documento justificativo», uma vez que o CIRC não oferece qualquer noção operativa. Resulta linearmente da lei e do princípio da praticabilidade que informa o direito fiscal que os custos têm de estar devidamente documentados. O problema que a lei não resolve expressamente no âmbito do IRC é o de saber quais as exigências concretas que o conteúdo desse documento deve observar: bastará um simples documento interno ou será preciso uma factura completa?”.

“No acórdão que vimos seguindo conclui-se que “(…) em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação”, (…) uma vez que constitui também “jurisprudência do STA[1] de que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”

“Em suma, ao contrário do que se passa no IVA, no IRC as exigências formais quanto à comprovação dos custos serão menores, bastando que o documento justificativo explicite de forma clara, as principais características da operação, isto é, os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção, admitindo-se mesmo que a comprovação do custo não tenha de ser feita de modo exclusivo através de documento escrito.

“Como salienta FREITAS PEREIRA[2] “(…) Um documento de origem interna só pode substituir-se um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.(…) Dito de outro modo : a substituição de um documento externo por um documento interno pode, no plano exclusivo da determinação do lucro tributável, não ser irremediável se, contendo este último todos os elementos indispensáveis que devia conter o primeiro, a veracidade da operação subjacente puder ser demonstrada.”

“Por outro lado, em relação às despesas devidamente documentadas (em relação às quais e presume a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC) compete à Administração Tributária alegar a existência de elementos susceptíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.

“Ao invés, no caso de despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o artigo 23.º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a Administração Tributária tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação (cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 16/03/2005, proferido no processo 00340/03, e, mais recentemente, o Acórdão de 09/09/2015, proferido no processo n.º 028/2015).”

Sobre o conceito de indispensabilidade, cite-se, a título exemplificativo, sobre o funcionamento deste requisito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul de 27.04.2017, proc. n.º 1198/11.8BELRA: “Os custos ou perdas da empresa constituem (...) os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico”.

No mesmo sentido, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 690/2017-T, reproduz-se, entre muitos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 15-06-2011, proc. n.º 049/11 e o acórdão do TCA Sul de 09-06-2016, proc. n.º 09551/16), onde se pode ler: “o requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa”. Desta forma, como se escreve nos acórdãos do STA de 28-06-2017, proc. n.º 627/16 e de 15-11-2017, proc. n.º 0372/16: “a aferição da indispensabilidade deverá (...) assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipo de despesas em causa”. É, como tal, indubitável que a formulação de um juízo sobre a indispensabilidade dos custos “envolve a apreciação da matéria de facto”, em que cabe “utilizar regras da vida e da experiência comum” (cfr. acórdão do STA de 18-06-2008, proc. n.º 0276/08).”

Em suma, para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. Só não sendo considerados como custos fiscalmente relevantes os que não são suportados em documentos válidos. Assim sendo, quanto à prova documental, esta é por norma o meio de prova exigido em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo, no entanto, de excluir outros meios de prova para comprovar os custos efetivamente realizados, e como complemento da mesma, como, por exemplo, a prova testemunhal ou a prova pericial.

Sobre a formação do juízo concreto de convicção sobre a indispensabilidade do gasto, cabe reforçar que o respetivo ónus da prova incumbe ao sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). A este respeito, constitui pertinente orientação jurisprudencial que: “Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade” (cfr. os acórdãos do TCA Norte de 11-02-2016, proc. n.º 00080/03 e do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09 e de 16-10-2012, proc. n.º 05014/11). Nestes termos, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, têm que ser objeto de comprovação objetiva quanto à sua indispensabilidade por parte do sujeito passivo que os contabilizou.

Naturalmente, a aplicação destes critérios sobre a indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (a justificação finalística ou funcionalista do custo) pressupõe, em termos prévios, que os custos estejam comprovados quanto à sua efetiva verificação e realização pelo sujeito passivo, na materialidade da operação e na respetiva quantificação (a justificação documental do custo). A este propósito, a jurisprudência relevante em face do teor vigente à data dos factos do art. 23.º do CIRC, firmou-se, por oposição ao aplicável em sede de IVA, na admissibilidade genérica de prova, por qualquer meio legalmente admissível, dos custos incorridos. Cite-se, por exemplo, o já referido acórdão do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09: “No que concerne à comprovação de custos (ao invés do que sucede em sede de IVA para efeitos de dedução de imposto em que só se admite a dedução do imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes que respeitem os requisitos formais do art. 35º, nº 5, do CIVA - cfr. art. 19º, nº 2, do CIVA), para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, é viável, no caso de inexistência de documento de origem externa (nos casos em que este devesse existir), a prova dos custos através de documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova”. No mesmo sentido cfr. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 690/2017-T.

Aqui chegados, tendo presente este enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial, importa analisar as correções impugnadas e a prova junta dirigida à comprovação dos respetivos gastos, quer ao nível documental quer da respetiva indispensabilidade, apresentada pelo Requerente, seguindo a ordem estabelecida no Pedido Arbitral.

 

A1- Ilegalidade quanto à errónea interpretação do artigo 23.º do CIRC

 

Alega o SP que, no Despacho de Indeferimento, a AT contesta ainda a indispensabilidade de custos que foram efetivamente suportados pelo Requerente com refeições de colaboradores com Clientes e em eventos empresariais (Contas # 70881, nos montantes de € 6.094,60 e € 4.796,20, e # 70883, no montante de € 1.739,40), bilhetes de teatro para oferta a Clientes como marketing promocional (Conta # 70885, no montante de € 6.752,00), viagens de avião de colaboradores (Conta # 711210, no montante de € 42.727,48) e consultoria informática (Conta # 711820, no montante de € 100.000,00).

 

Vejamos.

 

  • Conta # 70881: € 6.094,60- Banquetes e refeições

Estes custos dizem respeito a faturas emitidas pelas entidades “Restaurante...”, “J..., Lda”, “Restaurante...” e “K..., Lda.”, nos montantes, respetivamente, de € 1.481,00, € 1.625,00, € 1.275,00 e € 1.713,60, e, segundo o SP foram incorridos na realização de eventos e reuniões de trabalho, tais como as Reuniões da Comissão Executiva, da Direção Comercial e de Diretores de Agências.

Alega o SP que “era prática comum os colaboradores do Requerente, no âmbito e para a concretização da atividade deste último, reunirem periodicamente com as suas chefias, tanto ao nível dos mais elevados cargos hierárquicos, como dos responsáveis pelos diversos setores e áreas geográficas (…)” onde “eram definidos os objetivos e prioridades de cada uma das Direções em causa, do mesmo modo que se analisavam e discutiam os problemas de cada região e, se necessário, redefiniam-se novas estratégias para alcançar os objetivos traçados em cada exercício”, o que explica a sua indispensabilidade para o desenvolvimento da atividade do Requerente.

Alega, ainda, o SP que em nada “diferem estes custos dos já aceites pela AT como indispensáveis para a atividade do Requerente, incluídos nesta mesma conta, com exceção, naturalmente, do prestador de serviço que emitiu a fatura a que respeitam estes custos”, assumindo a mesma natureza dos custos considerados pela Requerida com a reunião de trabalho no “... Lisboa”.

Em sentido contrário alega a Requerida que das faturas apresentadas pelo SP  não se retira qualquer prova da indispensabilidade dos gastos, porquanto se trata apenas de documentos que titulam gastos de restauração, que poderão ter sido incorridos por variados motivos, não sendo os mesmos suscetíveis de provar a realização de reuniões de trabalho da Comissão Executiva da Direção Comercial e de Diretores de Agências, as concretas condições em que se realizaram, quem foram os seus participantes.

Acrescenta a Requerida que estas situações são “totalmente diferentes das despesas ocorridas no Hotel ..., relativamente às quais foram apresentados documentos comprovativos das refeições que também o aluguer de salas de reunião e de material audiovisual, elementos que provam que os gastos foram incorridos no âmbito do desenvolvimento da atividade empresarial do Requerente”, concluindo que o ónus de prova recai sobre o SP.

 

Apreciemos.

Analisada a situação, verifica-se que a prova documental junta aos autos se traduz, no essencial, como ficou dito, na exibição de faturas de despesas com refeições sem que se identifiquem sequer os trabalhadores beneficiários das mesmas assim como a indicação contemporânea dos motivos alegados pelo SP sobre a finalidade das despesas em causa. Em suma, da documentação junta não se retira que se trate de reuniões de trabalho e muito menos que se refira a reuniões de trabalho da Comissão Executiva da Direção Comercial e de Diretores de Agências. Conforme consignado, na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 258/2016, “Os elementos identificadores da despesa em falta revelam-se indispensáveis para se poder proceder a uma triagem das despesas, entre aquelas que possam eventualmente ter natureza privada e aquelas que efectivamente se enquadraram na actividade empresarial. Se os documentos internos apresentados (incluindo as facturas) são omissos quanto a elementos e especificações essenciais, estamos perante elementos probatórios insuficientes para que se possa formar a conviçcão quanto à natureza indispensável da própria despesa”.  Acresce que, ao contrário do alegado pelo SP, a Requerida não sustenta que a falta de um documento externo não pode ser nunca suprida pela apresentação de um documento interno. O que a Requerida sustenta, em total consonância com a lei, a doutrina e a jurisprudência,  é que tem que existir documentação idónea que permita validar os gastos declarados e que comprove a natureza e os elementos essenciais das operações, mormente documento em causa permita, no mínimo, identificar os sujeitos, invocando a seu favor entre outra jurisprudência, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 236/2014-T CAAD, onde se conclui: «O lucro tributável para efeitos de IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (art. 17.º, n.º 1 do CIRC), o que implica que esta esteja organizada de modo a permitir o respectivo controlo, o que impõe, precisamente, que todos os lançamentos estejam apoiados em documentos justificativos e susceptíveis de apresentação sempre que necessário. Os registos contabilísticos, para que possam ser compreendidos e aceites, têm que estar devidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação ou operações que os justificam na plenitude dos seus elementos constitutivos. Surge aqui o denominado princípio da documentação, que visa assegurar a verificabilidade externa dos registos contabilísticos e dos respectivos suportes.». (negrito nosso).

Em suma, como vimos supra e é admitido pela Requerida, não estava o SP impedido de apresentar outra documentação mesmo interna ou até mesmo socorrer-se da prova testemunhal para suprir os elementos em falta, o que não aconteceu.

Resulta igualmente dos autos que a documentação de suporte é diferente da apresentada pelo SP no caso das reuniões ocorridas no “... Lisboa”, e por isso mereceu juízo diferente da Requerida. 

Neste contexto, temos de concluir que o Requerente não logra, assim, fazer prova que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.

Importa, por último salientar que, conforme demonstrado supra, era ao Requerente que cabia o ónus de prova dos elementos caracterizadores dos gastos de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua efetiva indispensabilidade e a preencher os requisitos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC (na redação em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.

 

  • Conta #70883 – Refeições em Serviço (extratos de cartão de crédito e talões de restaurantes): € 1 739,40

 Alega o SP que os custos aqui em discussão dizem respeito a despesas do colaborador E..., que exercia em 2007 funções de Diretor Coordenador de Retail Banking da área Norte, e referem-se, na quase totalidade, a refeições.

Segundo o SP “As funções exercidas por este colaborador implicavam um contacto próximo com os restantes colaboradores e com Clientes da área de Retail (i.e. banca comercial), deslocando-se frequentemente por todo a região sob a sua supervisão, visitando os principais Clientes e, para isso, incorrendo em despesas quer com as suas próprias refeições quer, por vezes, com as refeições havidas em conjunto com aqueles”, em benefício da atividade desenvolvida pelo ora Requerente.

Considera o SP que, depois de ter explicitado as funções do colaborador, deve valer o princípio jurídico-tributário, plasmado no artigo 75.º da LGT, segundo o qual se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações do contribuinte.

Para a Requerida, a documentação Apresentada é insuficiente, porquanto, em conformidade com o que ficou consignado na “RG: «os documentos de suporte relativos às refeições do colaborador em causa [«Cfr. faturas e extratos n.º 101/080018962/01/07 e 101/080018962/04/07 do cartão ...»] não demonstram que a origem dessas despesas se devesse à realização de visitas ou acompanhamento dos principais clientes da zona norte nas datas constantes dos extratos de conta do cartão n.º... . Por outro lado, o Reclamante não trouxe aos presentes [autos] qualquer outro elemento probatório que permitisse sustentar a suas alegações a propósito da indispensabilidade do custo».”

Em suma, também aqui, segundo a Requerida, «fica por demonstrar factualmente e documentalmente, não que tenham ocorrido refeições em si mesmas, mas antes que tiveram efetivamente lugar ao serviço do A... . Não foram, por exemplo, aportados ao processo elementos que permitissem ligar tais refeições a qualquer cliente, como alega.

Ora, da consulta dos autos resulta que da documentação junta não é possível extrair ligação entre as refeições e os clientes ou reuniões ao serviço do Requerente, não bastando para cumprir o ónus de prova que sobre si impende as considerações de ordem genérica em que sustenta os gastos em causa. Também aqui os elementos identificadores e caracterizadores da despesa se revelam cruciais para permitir a triagem das despesas, entre aquelas que possam eventualmente ter natureza privada e aquelas que efetivamente se enquadram na atividade empresarial, não sendo suficiente a alegação de que o SP disponibiliza um cartão de crédito com um determinado plafond para angariar e reunir com clientes.     

Neste contexto, temos de concluir que o Requerente não logra, assim, fazer prova que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.

Importa, por último salientar que era ao Requerente que cabia o ónus de prova dos elementos caracterizadores dos gastos de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua efetiva indispensabilidade segundo os requisitos exigidos no artigo 23.º, n.º 1 do CIRC (na redação em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.

 

  • Conta # 70885 – Bilhetes de Teatro: € 6 752,00

 O Requerente alega que este gasto tem subjacente «a aquisição de 2000 bilhetes para uma peça de teatro – mais concretamente a peça intitulada “xxx”», que se destinou a fazer face a uma campanha promocional realizada pelo A... consubstanciada na oferta a clientes ou a potenciais novos clientes, acompanhados por colaboradores, de ingressos para aquela peça.

Alega o Requerente que, atento o número de bilhetes adquiridos, não pode restar dúvida de que “o custo aqui em crise sido suportado para adquirir bilhetes oferecidos a Clientes e potenciais novos Clientes (e a colaboradores que os acompanhavam), não pode o mesmo, coerentemente, deixar de ser considerado como indispensável para o desenvolvimento da atividade comercial do Requerente e, deste modo, indispensável para a realização de proveitos.”

Para a Requerida, não foi comprovada a indispensabilidade do custo, na medida em que «os documentos de suporte atestam unicamente a importância que o Reclamante desembolsou para adquirir os bilhetes de teatro. Relativamente à restante matéria, nenhuma prova foi produzida», ficando assim por «comprovar, por meios sindicáveis, a efetiva ligação, primordial, do gasto ao interesse económico da A.. .» Refere, ainda que “Não se vislumbra de que forma é que a mera alegação do atinente ao «número de bilhetes adquiridos (2.000)» permite provar que se está perante uma campanha promocional consubstanciada na oferta a clientes ou a potenciais novos clientes, acompanhados por colaboradores, de ingressos para aquela peça”, sendo “causador de estranheza que não existam quaisquer documentos que materializem a oferta a clientes, por exemplo, uma listagem  identificando os que foram presenteados com os ingresso, ou convites aos mesmos endereçados, designadamente por email, pelos colaborados que os acompanham.”

Na verdade, o que resulta dos autos, e segundo os elementos de prova aportados ao processo, a única prova efetuada diz respeito ao gasto em si mesmo, isto é, que foram adquiridos bilhetes de teatro. Informação que, por si só, não permite dar cumprimento ao ónus de prova que, nesta sede, impende sobre o Requerente.

No acórdão do TCA-S de 21-04-1998 no proc. nº 00080/97, a propósito da prova dos custos em matéria de ofertas a clientes, pode ler-se: “A lei exige que a empresa prove, não só que adquiriu os bens que contabilizou como "ofertas", mas que os ofereceu e que essas ofertas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da força produtora (não havendo qualquer indispensabilidade " ex lege", isto ainda que se considerem tais custos enquadráveis na alínea b) do nº l do artigo 23 do CIRC, já que a enumeração exemplificativa dos encargos referidos nas diversas alíneas deste preceito legal, tal como já acontecia dantes com as diversas alíneas do artigo 26 do CCI, não dispensa a prova da indispensabilidade desses encargos, exigida no corpo dos citados preceitos legais), e, como vimos, tal só é possível, se a empresa provar quem foram os beneficiários de tais bens e a relação  entre essas ofertas e a actividade desta, e nenhuma prova foi feita nesse sentido.”

Em acórdão mais recente (TCA-Sul, 22-05-2012, proc. nº 05133/11), o mesmo tribunal conclui: “Os montantes incorridos pela contribuinte em gastos com artigos ofertados a clientes e fornecedores não podem constituir custos fiscais quando, pela ausência de identificação destes, não é possível aferir da sua relação com os proveitos ou ganhos ou com a manutenção da fonte produtora” (a mesma doutrina emana do acórdão do TCA-Norte, de 12-01-2006, proc. nº 00373/00). Jurisprudência reproduzida na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 735/2019-T.

Ora, também no presente caso se conclui, assim, que, dada a natureza das ofertas em causa, é razoável que o órgão de inspeção tributária exija conhecer os destinatários das ofertas, pois só essa identificação permitirá demonstrar a “relevância” dos gastos, uma vez que só essa identificação permitiria provar uma relação especial entre a Requerente e as entidades recetoras das ofertas.

Importa, por último salientar que era ao Requerente que cabia o ónus de prova dos elementos caracterizadores dos gastos de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua efetiva indispensabilidade e a verificação dos requisitos exigidos no artigo 23.º, n.º1 do CIRC (na redação em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.

 

  • Conta #711210 – Viagens de Avião: € 42 727,48

Afirma o Requerente que os gastos aqui em causa se referem a viagens de avião, com destino a Londres e Miami, de membros da Comissão Executiva do A...- F... (Presidente) e G...- ocorridas no desempenho das suas funções profissionais, designadamente, para Londres, onde frequentemente se realizam as reuniões com todos os responsáveis pelas diversas sucursais e filiais do Grupo e para a Florida, onde F... esteve em campanha de angariação de Clientes, aproveitando os contactos decorrentes da sua anterior função.

Argumenta a Requerida que não foi junta nenhuma documentação “que comprove a alegada realização das reuniões com as sucursais e filiais, nem a concretização de campanhas de angariação de clientes, designadamente emails com marcação de locais das reuniões ou memorandos com a ordem de trabalhos e assuntos tratados.”  “Assim, bem se concluiu na RG que do teor de tais faturas «apenas se retira a identificação do custo dos bilhetes de avião, das pessoas para quem foram adquiridos e dos locais de destino. Sobre os factos alegados a propósito da indispensabilidade dos custos em causa, nem o Reclamante produziu qualquer prova, nem esta resulta (…) das faturas que titulam os custos em análise»”.

Analisada a prova dos autos, verifica-se que da documentação junta aos autos não se consegue retirar o motivo da realização das referidas viagens, ou qualquer referência que permitisse concluir que aquelas viagens de avião tiveram como propósito relações negociais ligadas à atividade do SP. Não é assim aposto nos documentos o motivo da realização da despesa nem junto ao processo qualquer outro elemento complementar e permitisse fazer aquela conexão.

Também aqui os elementos identificadores da despesa em falta se revelam indispensáveis para se poder proceder a uma triagem das despesas, entre aquelas que possam eventualmente ter natureza privada e aquelas que efetivamente se enquadraram na atividade empresarial. Como consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 258/2015-T, “Se os documentos internos apresentados (incluindo as facturas) são omissos quanto a elementos e especificações essenciais, estamos perante elementos probatórios insuficientes para que se possa formar a convicção quanto à natureza indispensável da própria despesa.”

O Requerente não logra, assim, fazer prova que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.

Conclui-se, pois, que à Requerente cabia o ónus de prova dos elementos caracterizadores dos gastos de modo a permitir a formulação de um juízo sobre a sua efetiva indispensabilidade de acordo com os requisitos exigidos no artigo 23.º, n.º1 do CIRC (na redação em vigor à data), nos termos do artigo 74.º, n.º1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, e essa prova, manifestamente, não foi lograda.

 

  • Conta # 6889: € 526.011,77- Comissões pagas à I...

Tal como sustentou nos procedimentos administrativos, alega o Requerente que esta conta respeita as verbas contabilizadas a comissões pagas à I..., de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados através de cartões de crédito emitidos pelo banco, mais concretamente pelo ... Card.

Alega o Requerente que, por esta atividade de emissão e gestão de cartões de crédito, pagava, tal como todas as instituições bancárias com idêntica atividade, comissões à I..., de forma automática, pelas operações relativas a movimentos efetuados com estes cartões de crédito, por si emitidos. A I... cobra as comissões diretamente na conta bancária associada aos cartões de crédito emitidos, limitando-se a enviar ao Requerente um ficheiro informático com a descrição dos inúmeros registos lançados, não existindo qualquer outro documento justificativo deste custo.

Argumenta, por sua vez, a Requerida que o SP nada mais junta para comprovar a alegada indispensabilidade de tais custos do que um extrato com uma listagem de operações e valores (doc 42, junto na reclamação graciosa, a que corresponde o doc 9 junto com o Pedido arbitral), argumentando que este refletia os montantes de comissões que pagou à I..., e um documento interno ( doc 43.º junto com a Reclamação a que corresponde o doc 10 junto com o Pedido arbitral) constituído pelo «manual de procedimento definido para o lançamento das movimentações VISA» e por «um exemplo ( dia 1/12) do lançamento dessas comissões na contabilidade» (cf. Reclamação graciosa).

“Como bem refere a decisão do RH, os referidos documentos não permitem identificar os sujeitos envolvidos na alegada transação nem que foi efetivamente cobrado ao Requerente o montante de € 526 011,17, nem que tal montante respeita ao exercício económico de 2007”.  Conclui a Requerida que “a verba contabilizada constitui um encargo não devidamente documentado, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, com a consequente tributação autónoma em cumprimento do disposto no artigo 88. ° do CIRC.”

Vejamos.

Constitui facto notório que o Requerente, enquanto instituição de crédito tem de usufruir dos serviços prestados pela I... (serviços relacionados com a aceitação de cartões bancários como meio de pagamento através da rede gerida por esta entidade), pelo que é normal o SP ter custos com comissões pagas por aquele serviço.

O problema está na circunstância de o SP não ter carreado para os autos prova adequada a identificar tais custos, por qualquer meio de prova admissível. Ao contrário, o Requerente limita-se a juntar uma listagem por si elaborada de alegadas comissões, que não refere sequer a I... nem o ano a que dizem respeito, bem como um manual de procedimentos e um alegado exemplo de lançamento dessas comissões na contabilidade. As referidas listagens traduzem-se em meros prints sem qualquer identificação, data, nome, etc. O mesmo se diga quanto ao manual de procedimentos, pelo seu caráter abstrato. Os documentos em causa não permitem demonstrar que foi efetivamente cobrado ao Requerente o montante de € 526 011,17, nem que tal montante respeita ao exercício económico de 2007.

Alega o Requerente que é impraticável manter um registo de cada movimento individualmente por via de fatura. Ora, não se vê que fosse impossível ou impraticável obter uma fatura, nem que fosse em formato eletrónico, devida pela gestão dos cartões associados ao Requerente. Repare-se que, mesmo do documento interno ora junto, não constam elementos que permitam fazer essa associação, tais como, os sujeitos da operação, o preço, a data, e o objeto. Mais uma vez não está em causa que o SP tem de ter custos com esta gestão de cartões, porque ele não está autorizado a fazer esse serviço, está dependente de terceiros para o efeito. A questão respeita à comprovação desse custo. Também não se afigura verosímil que o SP não pudesse obter mais elementos junto da I..., atenta as relações continuadas com tal empresa. Afigura-se sobretudo não aceitável que, pelo menos, no final do ano, o SP não tivesse capacidade para apresentar uma fatura global.

Como melhor será analisado mais adiante não há qualquer violação do princípio do inquisitório.  

 

  • Conta #70881- Banquetes e refeições - € 4.796,20

Alega o SP que o custo ora em causa se refere a uma fatura, com o número 3257, emitida pela sociedade “L..., S.A.”, em 19 de abril de 2007, dizendo respeito a custos de alimentação relacionados com a reunião da Comissão Executiva da divisão geográfica do Grupo H... designada por Western Europe, que teve lugar em ... em 18 de abril de 2007. Segundo o SP “os documentos justificativos de suporte a estas despesas permitiram identificar os sujeitos, o valor, a data e o objeto da prestação de serviço, deve esta despesa considerar-se documentada, uma vez que eventos como estes têm objetivos comerciais de expansão do negócio e, como tal, são indispensáveis à obtenção de proveitos.

Por sua vez, na ótica da Requerida, não foi feita prova da indispensabilidade do gasto, que «terá de passar por elementos que permitam efetuar uma ligação fática e económica à entidade que os suporta», incumprindo o SP o ónus de prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.

Analisada a documentação junta aos autos, verifica-se que de facto, não obstante a existência de fatura, a mesma não faz qualquer referência quanto à realização da reunião em causa, ficando por demonstrar que o gasto respeita efetivamente ao evento que alega e que o beneficiário foi o Recorrente.

Atentos os fundamentos supra mencionados, assiste também aqui razão à Requerida, incumprindo o SP o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.

 

 

  • Conta #7113199: € 43. 774,92 -Encargos com publicidade

Alega o SP que o montante desta correção diz respeito a encargos com publicidade, para a comprovação dos quais o Requerente levou ao conhecimento da AT as faturas que serviram de suporte ao respetivo lançamento contabilístico (cfr. documentos juntos à Reclamação Graciosa sob a designação de Doc. n.º 77 e que ora se juntam sob a designação de Doc. n.º 11), tendo a Requerida desconsiderado o pedido do ora Requerente em sede de Recurso Hierárquico, pois este apenas peticionou a aceitação da parcela reconhecidamente documentada – também pela AT –, o que ora se reitera, no montante de € 43.744, 92.

Não pode, assim, a Requerida desconsiderar o valor total do custo em causa, mesmo tendo referido, expressamente, que parte deste deveria ser considerado suportado pelos registos documentais juntos pelo Requerente, e manter a sujeição a tributação autónoma.


A Requerida limita-se a invocar que “Os SIT verificaram que registo efetuado no montante de € 76 155,63, respeitante a encargos com publicidade que «a soma das faturas que compõem o documento 77 (junto à Reclamação), é inferior ao montante do lançamento contabilístico em causa» e que «no extrato da conta 7113199 não é possível retirar qualquer informação que permita associar o registo do custo em causa às faturas apresentadas como documento 77. (…)”, resultando incumprido o artigo 74.º da LGT.

Analisada a documentação junta verifica-se que o doc n.º 11, junto com o Pedido Arbitral, se refere a diversas faturas que incluem a discriminação do serviço de publicidade prestado, com indicação das respetivas campanhas publicitárias, o período a que respeita o serviço e o respetivo preço.

Assim sendo, atentas as faturas juntas, a natureza da atividade do Requerente e a explicação exposta, deve o montante de € 43.744,92 ser considerado documentado e, consequentemente, não sujeito a tributação autónoma, sendo ainda aceite a sua indispensabilidade para a realização da atividade do Requerente e, como tal, ser aceite como custo fiscalmente dedutível.

 

  • Conta # 711820: € 100.000,00

Este custo materializa despesas relacionadas com serviços de consultoria informática prestados à área de marketing do Requerente por uma entidade terceira (a “M..., S.A.”), com um montante global de € 100.705, 89 (cfr. documento junto à Reclamação Graciosa sob a designação de Doc. n.º 81 e que ora se junta sob a designação de Doc. n.º 12- que compreende as faturas n.ºs  70094, 70095, 70096, 70124, 70125 70126, 70155, 70345).

Defende o SP que “A diferença entre o valor registado e o resultante da soma das faturas apenas pode resultar da não consideração da totalidade do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), mas apenas na parte que o Requerente, como sujeito passivo misto que é, não pode deduzir, em virtude da aplicação do seu pro rata de dedução daquele imposto, correspondente a 4%, pelo que o custo foi apenas de € 100.000,00 – sendo este um valor arredondado por defeito em função do valor orçamentado, desconsiderado o valor do IVA deduzido”, pelo que não pode, nem deve, uma pequena discrepância de, arredondadamente, € 5,00 levar a AT a desconsiderar € 100.000,00 de custo efetivamente incorrido.

Para o Requerente, a fatura n.º 70345/2007, que titula este custo, está indubitavelmente relacionada com o custo analisado e, por conseguinte, o mesmo deve considerar-se adequadamente documentado. Ao contrário, segundo a Requerida, também aqui, a fatura em causa não comprova que a mesma diga respeito aos registos em análise nem a dispensabilidade dos custos. 

Analisada a referida fatura verifica-se que na mesma tem aposta a seguinte descrição quanto aos serviços de consultadoria informática prestados: (“Aplicação bancária-suporte local” -Z...), indica a data, a quantidade e o preço. E o mesmo se diga em relação às demais faturas, uma vez que em todas está aposto a descrição do serviço, a data e o preço.

Ora, constitui facto notório que a atividade bancária e financeira, que implica a prática de atos de massa e automatizados, o que explica a dependência destas instituições da informatização dos serviços prestados. Considerando as regras da experiência comum e o conhecimento da importância que assume, nesta área, a dependência dos serviços das novas tecnologias, não se pode negar a conexão deste custo com os potenciais proveitos, bem como a respetiva comprovação, através da discriminação da natureza do serviço prestado, preço, cliente, condições de pagamento, etc. 

Assim sendo, deve este custo ser considerado documentado e indispensável à realização da atividade do Requerente e, como tal, ser aceite fiscalmente a sua dedução.

 

  • Conta # 72889: €343.095,73

Alega o SP que “Os custos aqui em causa dizem respeito, por um lado, ao pagamento de diversas despesas relacionadas com a atividade do Requerente, como, por exemplo, serviços de consultoria, serviços jurídicos, publicidade, marketing, viagens, etc., suportados por faturas e elementos contabilísticos e, por outro lado, a movimentos de acréscimo do gasto de acordo com o respetivo princípio (accrual).” Segundo o Requerente, o montante em discussão deve ser tripartido do seguinte modo:

  • Um primeiro montante de € 219.557,24, respeitante a custos de serviços prestados pelas entidades N...,O..., P... e Q..., correspondentes aos serviços descritos nas faturas juntas à Reclamação Graciosa como Doc. n.os 83 a 86 e que ora se juntam sob a designação de Doc. n.º 13 a 16, e perante os quais a AT apenas considerou como documentados e indispensáveis os custos relativos às faturas constantes dos Doc. n.os 83 e 84 (ora juntos sob a designação de Doc. n.º 13 e Doc. n.º 15), no montante de € 93.943,20.

Para o SP, atento o facto de se encontrarem, não raras vezes, montantes registados nas contas correspondentes a extratos de cartões de crédito com quais foram pagas várias despesas, não pode tal facto obstar a que a AT reconheça, pelo menos, a existência de documentação de suporte para tais custos, pelo que deve concluir-se que este custo se encontra documentado e é indispensável à sua atividade.

  • Um segundo montante de € 83.357,96, suportado pelas faturas juntas como Doc. n.º 87 à Reclamação Graciosa e que ora se junta sob a designação de Doc. n.º 17, diz respeito a custos efetivos relacionados com diversos serviços prestados por terceiros, como, a título de exemplo, viagens, refeições, táxis, serviços de limpeza, entre outros.

Em relação a este montante, veio a AT concluir que o somatório das faturas apresentadas apenas perfaz a importância de € 31.343,28. Mais uma vez, ainda que assim fosse, o que apenas se equaciona a benefício de argumentação, sem conceder, não poderia este montante ser também ele desconsiderado.

  • “O remanescente a analisar – € 134.123,73 – diz respeito a acréscimos mensais de custos ou proveitos que apenas se efetivarão no final de cada mês e que o Requerente adotava por diversos motivos, entre os quais como ferramenta de gestão, na cisão por meses de uma operação ou de um serviço continuado ao longo do ano e que apenas nesse momento se faturará, em plena observância do princípio do acréscimo (accrual).”

Alega o Requerente que, trabalhando numa base mensal, lançava na conta em causa um valor estimado de custos (um valor orçamentado em função do serviço continuado), que no final do mês era automaticamente anulado, passando a ser contabilizado nesse mesmo momento mas com efeitos no primeiro dia do mês seguinte, como novo accrual  (i.e. nova estimativa), a diferença entre o valor já faturado e o valor orçamentado” (vide mapa de accrual aqui em causa e dos respetivos movimentos de contabilização / anulação que se juntaram como Doc. n.º 88 e Doc. n.º 89 à Reclamação Graciosa e que ora se juntam como Doc. n.º 18 e Doc. n.º 19).

Conclui o Requerente que o “referido montante de € 134.123,73” não pode ser desconsiderado como custo e devendo ser anulada tributação autónoma sobre o montante global da correção.

Alega a Requerida que “A documentação junta pelo Requerente no âmbito os procedimentos administrativos e também da presente ação arbitral é manifestamente insuficiente para comprovar o direito que se arroga de deduzir ao seu lucro tributável os gastos em causa, incumprindo o Requerente o ónus da prova que lhe impõe o artigo 74.º da LGT.”

 

Vejamos.

Em relação ao primeiro montante de € 219.557,24, respeitante a custos de serviços prestados pelas entidades N...,  O..., P... e Q..., analisados os documentos juntos aos autos, como resulta dos factos provados, verifica-se que os documentos de suporte n.ºs 14 e 16, titulados por faturas, apresentam construção interna idêntica à correspondente aos documentos n.ºs 13 e 15 (cuja estrutura de elaboração e conteúdo discriminado é similar). Razão pela qual não se percebe o que levou a Requerida a aceitar como prova dos custos em causa apenas os titulados pelos documentos 13 e 16 e não os titulados pelos documentos n.ºs 14 e 16.   

Termos em que se deve dar razão ao Requerente quanto ao valor total do custo em causa, porquanto o mesmo deve considerar-se documentado e indispensável à atividade do Requerente.

Quanto ao segundo montante, de €83.357,96, suportado por uma listagem de faturas juntas com o Pedido como doc n.º17, o mesmo diz respeito a custos relacionados com viagens, refeições, transporte ( táxis) serviços de limpeza, entre outros.  Analisada a documentação em causa verifica-se que a mesma se refere de um modo geral a despesas com deslocações, refeições e estadas, cujas faturas que se limitam a reproduzir o preço e a data. Atenta a designação genérica, sem qualquer indicação quanto ao destino ou finalidade, não é possível extrair qualquer ligação inequívoca à atividade do Requerente.

Assiste, assim, razão à Requerida no sentido de que a documentação junta é insuficiente para comprovar o direito a que o Requerente se arroga, por incumprir o ónus de prova, que impende sobre o mesmo, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT.

Relativamente aos movimentos de acréscimo do gasto de acordo com o respetivo princípio (accrual), resulta provado que se trata de um registo mensal de custos estimados baseado num orçamento preliminar, vindo a ser acertado o valor efetivo desse custo no mês seguinte, com a consequente anulação do eventual excesso, com a emissão das faturas entretanto recebidas.  Assim sendo não vem questionado tratar-se de verdadeiros custos efetuados com base num orçamento, mas, analisados os registos constantes dos docs 18 e 19, juntos com o pedido arbitral, não vem demonstrada a respetiva anulação. Com efeito, os documentos juntos não são adequados a provar a sequência de registos contabilísticos que a Requerente alega acabando por não provar que teria havido um efeito nulo sobre o lucro tributável. Assim sendo, a referida quantia constitui um custo, mas porque suportado num mero orçamento preliminar, não se pode considerar comprovado para efeitos fiscais.   

Termos em que também não assiste razão ao Requerente nesta correção.

 

  • Da correção relativa aos custos não devidamente documentados: € 1 142 599,48 (Conta #7113199)

Segundo o SP os custos cuja dedutibilidade nesta sede se discute dizem respeito a um conjunto de faturas e lançamentos relativos a serviços prestados por terceiros ao Requerente e imputadas contabilisticamente ao departamento do ... card, mais concretamente referentes a serviços de consultoria, licenças, promoções e publicidade prestados, designadamente, pelas entidades R..., S..., T..., U..., V... e W... .

O Requerente juntou à Reclamação Graciosa faturas que perfaziam um total de € 8.269.072,39, como Doc. n.º 15 e que ora se juntam sob a designação de Doc. n.º 20 e um “mapa” das faturas juntas, atendendo ao seu elevado número, como Doc. n.º 14 e que ora se junta sob a designação de Doc. n.º 21. Alega o Requerente que para a AT que nem todos os custos foram suficientemente documentados, não permitindo, no entanto, ao Requerente perceber quais os custos fiscalmente aceites e não aceites, individualmente, mas apenas permitindo concluir pela não aceitação do valor global de € 1.142.599,48, conforme listagem junta pela AT à decisão da Reclamação Graciosa como Anexo 7.

Dado o número de movimentos e de faturas em questão, o Requerente até admite – apesar de, reafirme-se, não os conseguir identificar – que, por lapso, uma ou outra fatura não tenha sido junta ou que, também por lapso, um ou outro movimento possa ter sido incorretamente registado, mas tais lapsos não podem conduzir à desconsideração do valor global.


Para a Requerida, segundo o SP, “Está em causa na presente correção registos contabilísticos relevados na conta NCA 7113199 – Gast. Ger. Administr – C/Serv. – Publicidade e Edições de Publicações – P. N/Obr – Out. Desp. - Custos, observados em sede inspetiva, para os quais, naquela sede e conforme constante no RIT «o Banco apenas apresentou uma listagem informática das despesas incorridas, não sendo possível conhecer todos os elementos inerentes aos registos em causa, nomeadamente a natureza das operações, o número e tipo do documento, a sua data e a identificação e número de identificação fiscal (NIF) do fornecedor ou prestador do serviço» (vide RIT a págs 17 e 18)”.

Como se pode ler na Informação que decidiu a Reclamação há um conjunto de faturas que permitem identificar os sujeitos, o valor, a data e o objeto da transação, bem como estabelecer a correlação aos movimentos registados na conta #7113199, tendo como tal sido aceites como indispensáveis pela Requerida. Contudo, em relação aos custos no valor de € 1.142.599,48, analisada a documentação junta, designadamente o doc com o n.º 20, verifica-se que reúne um conjunto de faturas, muitas com data de 2006, bem como uma listagem informática das despesas incorridas elaborada pelo Requerente e como doc n.º 21. A documentação é omissa quanto a elementos caracterizadores essenciais,  porquanto o Requerente não apresenta a correlação entre essa listagem e os valores das faturas apresentadas, nada se podendo retirar sobre a natureza das operações, o número e tipo de documento, a sua data e identificação, e, muitas vezes, o NIF do fornecedor ou prestador do serviço. Também não é possível fazer qualquer conexão entre os montantes evidenciados como tal e os registos efetivamente contabilizados na conta #7113199.

Termos em que não assiste razão ao Requerente.

 

 

B- Ilegalidade por falta de fundamentação

 

Como vimos, o SP alega falta de fundamentação (em especial no que respeita aos gastos contabilizados nas contas: # 70881; #70883; #70885; # 711210), porque a Requerida se limita a tecer considerações igualmente vagas e não fundamentadas, o que configura um vício de falta de fundamentação.

Em sentido oposto, alega a Requerida que o Requerente lançou mão de meios de defesa administrativos contra o ato tributário de liquidação de IRC, tendo os serviços da AT apreciado as correções que resultaram na emissão da liquidação, em sede de RG e de RH, e decidido pelo deferimento parcial do pedido quanto a algumas dessas correções, reiterando, quanto às que se mantiveram, os fundamentos legais invocados pelos SIT para desconsiderar os gastos declarados, a saber: a interpretação conjugada do artigo 23.º, n.º 1 e da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º, ambos do CIRC, norma que, na redação à data dos fatos, estabelece «não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável (...) os encargos não devidamente documentados».  Nada contendo de inovador, mormente ao nível da sua fundamentação, a decisão de improcedência do RH.

Afigura-se que assiste razão à Requerida. Na verdade, se o Requerente não invoca conteúdo inovador, a fundamentação afigura-se abundante e é a constante do RIT e seus anexos, bem como das decisões que recaíram sobre a reclamação e o recurso hierárquico. Neste sentido vai, aliás, a jurisprudência citada pela Requerida na contestação (artigos 36.º e 37). Finalmente, se dúvidas existissem as mesmas seriam desvanecidas atenta a extensão do Pedido Arbitral, na medida em que o Requerente não demonstrou ter qualquer dificuldade em entender e apreender o itinerário cognoscitivo percorrido pelos Serviços da AT, apresentando argumentos críticos contra a ilegalidade da liquidação controvertida, em especial quanto à violação do princípio da indispensabilidade dos gastos por falta de comprovação. Em suma, uma coisa é o SP não acompanhar a tese da Requerida sobre o sentido e o alcance da indispensabilidade dos gastos outra bem diferente é a decisão não estar adequadamente fundamentada.

 

C- Ilegalidade por violação do princípio do inquisitório

 

A este propósito alega o SP que não tendo a AT questionado a veracidade das operações propriamente ditas: “antes pelo contrário, aceitou que os documentos em causa titulavam operações efetivas, simplesmente considerando tais documentos insuficientes para as “comprovar”, pelo que se verifica a violação do princípio da verdade material, na dimensão do princípio do inquisitório aqui em causa, constitui um vício procedimental suscetível de determinar a anulação do ato tributário”.

Por sua vez, a Requerida alega que cumpriu o princípio do inquisitório, tendo diligenciado no sentido de carrear para os procedimentos os elementos necessários ao apuramento da situação tributária do Requerente, enquanto este apesar de notificado não apresentou documentação necessária para justificar a indispensabilidade dos gastos declarados. 

 

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do CIRC , na redação aplicável,« o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º, n.º3 é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

(…) 3- De modo a permitir o apuramento referido no n.º1, a contabilidade deve:

  1. Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para os respectivo sector de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
  2. Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.».     

Por sua vez, previa o n.º 2 do artigo 115.º do CIRC, sob a epígrafe, “Obrigações contabilísticas das empresas” que : «1- As sociedades comerciais ou civis sob aforma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a  dispor de contabilidade organizada, nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no n.º3 do artigo 17.º permita o controlo do lucro tributável.(…).

3- Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:

  1. Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário
  2. As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos».     

 

Relativamente à dedutibilidade dos gastos (custos na altura), para efeitos de determinação do lucro tributável, como já ficou dito, da conjugação dos artigos 23.º, n.º1, com as alíneas c) e g) do 42.º do CIRC,  não basta apenas a realização da despesas ou a sua contabilização, sendo necessário que a despesa realizada e contabilizada se encontre comprovada através de documento, ou outro meio de prova idóneo, que contemple uma conexão da despesa em causa, com o registo contabilístico subsequente. Como vimos supra, constitui doutrina e jurisprudência pacíficas que se do documento apresentado não for possível estabelecer essa conexão, o gasto (custo) encontra-se “não devidamente documentado”.

A contabilidade do SP constitui assim o ponto de partida da averiguação dos serviços da Inspeção Tributária, lembrando que «Os registos contabilísticos, para que possam ser compreendidos e aceites, têm que estar devidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação ou operações que os justificam na plenitude dos seus elementos constitutivos. Surge aqui o denominado princípio da documentação, que visa assegurar a verificabilidade externa dos registos contabilísticos e dos respectivos suportes» (cfr. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 236/2014-T). E mais adiante, pode ler-se, ainda que «um ajustamento contabilístico deve ser amparado por um documento que, como suporte material do registo, permita compreender os elementos essenciais da operação e as condições da sua realização, de modo à sua efectiva validação.».

No caso dos autos, como decorre do Relatório de inspeção, e das decisões de RG e de RH, os Serviços da AT analisaram a documentação junta pelo Requerente e aceitaram os documentos comprovativos dos gastos, sempre que os mesmos possibilitaram o conhecimento das operações, a sua natureza e intervenientes, a validação dos montantes contabilizados e permitiram estabelecer a conexão com a atividade desenvolvida. Tanto assim que o próprio SP reconhece que a Requerida corrigiu a matéria coletável, sendo aceites os documentos apresentados que se mostravam idóneos a comprovar os gastos declarados.    

Em relação a outras situações verificando aos serviços que certos custos não forneciam os elementos legalmente exigidos como essenciais para a sua efetiva validação, notificaram o SP para suprir a omissão. Na verdade, a existirem outras formas de prova sobre a existência dos custos seria o SP a estar em melhor posição para as fornecer. Acontece que, notificado pelos serviços para justificar os custos declarados, ou para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções, ou, ainda, em sede de RG e de RH, e, por último, no âmbito da presente ação arbitral, o Requerente não apresentou outras provas adequadas a comprovar os custos em causa. Sendo certo que, como ficou demonstrado supra, o SP tinha ao seu alcance poder socorrer-se de qualquer meio de prova admitido legalmente.

Em vez de carrear prova adequada para os autos o SP limita-se a invocar “a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes” e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, consagrada no artigo 75.º da LGT e a violação do princípio do inquisitório.

Ora, o funcionamento da presunção mencionada pressupõe que a contabilidade esteja organizada com todos os elementos legalmente considerados essenciais à caracterização dos custos em causa, cessando a referida presunção nas situações em que as declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, como decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT. Como ficou demonstrado, passaria a incumbir ao Requerente, nos termos do art. 74º da LGT, o ónus de demonstrar que a declaração havia sido efetuada “nos termos da lei” e, portanto, era na realidade verdadeira.

A conclusão a que se chegou não vai contra o princípio do inquisitório. Com efeito, como resulta dos autos, a Requerida, repete-se, diligenciou no sentido de carrear para os procedimentos de reclamação e recurso hierárquico os elementos necessários ao apuramento dos custos em causa.  Neste sentido alega a Requerida, entre o mais, que  “(…) foi ao abrigo do princípio do inquisitório e no exercício da competência de verificação do cumprimento das obrigações tributárias que, durante a ação de inspeção, foram solicitados esclarecimentos ao Requerente sobre os documentos justificativos dos registos contabilísticos”, que “o Requerente, apesar de notificado, não apresentou a documentação necessária para justificar a indispensabilidade dos gastos declarados”, que “foi também em cumprimento do princípio do inquisitório que o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório, muito embora tenha optado por não se pronunciar”  e, por último, que “foi ao abrigo do princípio do inquisitório que o pedido de prorrogação de prazo para o exercício do direito de audição prévia formulado pelo Requerente foi deferido (cfr. pontos 74.º a 78.º da Contestação)”.

Na ótica do SP, a Requerida deveria ir mais longe. Por exemplo, no caso dos custos como relativos à I..., caberia à Requerida averiguar junto desta entidade a documentação que estava omissa na sua contabilidade. Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 103 /2016-T, «entende-se que a vinculação à descoberta da verdade material terá de concretizar-se num limite de razoabilidade, de medida do esforço legitimamente exigível à administração, num contexto de incumprimento por parte do sujeito passivo. O que equivale a reconduzir-nos de novo à repartição do ónus da prova e não ao princípio da verdade material. E como se viu já, o Requerente incumpriu o ónus da prova que sobre si impendia.»

Na verdade, a obrigação que impende sobre a Requerida de averiguar a verdade material não retira aos contribuintes o seu dever de colaboração na produção de provas, como resulta do artigo 59.º da LGT. Conclui-se, neste sentido, no Acórdão do TCA Norte, de 12-01-2012, proferido no Proc. n.º 00624/05.0BEPRT, «que o princípio do inquisitório não obriga a Requerida a substituir-se ao Requerente e cumpra por ele o ónus da prova que sobre si impende».

A resposta poderia ser diferente se a Requerida tivesse rejeitado determinada prova apresentada pelo SP, como sucede na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 59/2019-T, o que não é aqui o caso dos autos.

Assiste, assim, razão à Requerida quando sustenta improceder qualquer alegada violação do princípio da verdade material ou do inquisitório, por competir ao Requerido, nos autos, fornecer à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.

 

D- Ilegalidade por violação do princípio da capacidade contributiva

 

Quanto à violação do princípio da capacidade contributiva, alega o Requerente que, «mesmo que os documentos apresentados não configurassem, segundo a AT, prova bastante dos gastos em que o Requerente incorreu (…), por exigência do princípio da capacidade contributiva ínsito no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) sempre deveriam ser atendidas outras formas de prova da existência de tais custos.».

Em primeiro lugar, não se percebe a alegação do SP quando sustenta a violação do princípio da capacidade porque deveriam ser atendidas outras formas de prova de existência dos custos em análise. Afigura-se mera alegação abstrata sem adesão à realidade dos autos, uma vez que, na análise de cada custo em concreto, como vimos, o SP não demonstra que tipo de prova viu recusada pela Requerida. Resulta do supra exposto que, o que separa essencialmente o SP da tese da Requerida gira em torna do sentido e alcance do conceito da indispensabilidade, em especial quanto às exigências formais em sede de comprovação de custos incorridos.

A propósito da conformidade constitucional entre os valores e princípios constitucionais subjacentes às exigências formais e a sua compatibilização com o princípio da capacidade contributiva se pronunciou o Acórdão do STA de 5 de julho de 2012, proferido no processo n.º 0658/11, onde se pode ler: 

«III – As exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos. (…) considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à a protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal. (…). VII – No contexto do caso concreto, o interesse público da prevenção e combate da evasão fiscal, subjacente à prevenção da manipulação do princípio da especialização dos exercícios, deve prevalecer sobre os princípios da justiça e da tributação pelo rendimento real.”

Ora, esta jurisprudência, deve valer, com as devidas aplicações, para o caso concreto.

 

E- Custos não devidamente documentados e tributação autónoma

Alega o Requerente que, em resultado das correções levadas a cabo pela AT, mantém-se a liquidação de tributação autónoma sobre as correções às contas # 6889, # 70103, # 7113199, # 711820, # 72889. O pedido em relação à conta #70103 deve ter sido indicado por lapso, porquanto nos presentes autos nada vem alegado quanto a sustentar a sua ilegalidade.

Antes de nos debruçarmos sobre a alegada ilegalidade, importa ter presente a orientação jurisprudencial dominante sobre esta matéria.

 

E- 1- Enquadramento

 

Como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º735/2019-T “ As despesas não documentadas previstas no art. 88.º, nº 1, CIRC são, antes de mais, “despesas.” A existência de uma despesa implica uma saída efetiva de meios de pagamento a favor de terceiros ou, pelo menos, a assunção de uma dívida para com terceiros”, (…) sendo com “esse sentido, de saída efetiva de meios de pagamento (ou de assunção de responsabilidades financeiras) que o Código do IRC emprega o termo “despesa”, por oposição a “gasto”, em múltiplos locais, como, a título de exemplo, nos arts. 23º-A, nº 1 d), 31º, nº 2 a), 32º, nº 2 ou 43º, nº 2. (…) “O entendimento de “despesa” como saída efetiva de meios de pagamento ou assunção de uma responsabilidade financeira decorre também da ratio da própria tributação autónoma estabelecida no art. 88º. Com efeito, a despesa, por consistir num efluxo de meios financeiros (ou a assunção de uma dívida) a favor de um terceiro, gera para este um rendimento que deveria ser sujeito a tributação na esfera deste, não sendo possível tal tributação na esfera do terceiro beneficiário exatamente por não se conhecer a sua identidade.”

Quanto ao conceito de “despesas não documentadas”, atendendo à mesma ratio acima descrita, a falta de documentação relevante é a que impede o conhecimento da natureza, origem e finalidade das despesas, conforme tem sido afirmado pelos tribunais superiores (STA, 5/7/2000, proc. nº 24.632; TCA-Sul, 27-04-2017, proc. nº 1514/13.8BELRA; TCA-Norte, 20-01-2005, proc. nº 305/04), ao que devemos acrescentar a identidade dos beneficiários. Ou seja, para que a despesa não possa ser considerada indocumentada para efeitos do art. 88º, nº1, o que importa é que a documentação existente dê a conhecer a razão (natureza, origem, finalidade) da despesa, para que se possa avaliar a sua justificação, e os respetivos beneficiários, para que estes possam ser tributados. Desta forma, não é a existência de um qualquer documento relativo à despesa, como por exemplo um extrato bancário, que mostre o fluxo financeiro associado à despesa, que impede que a mesma se considere não documentada, pois esse documento nada diz sobre a razão da despesa e pode nada dizer sobre os respetivos beneficiários. “(…)”.Contudo para efeitos da aplicação das tributações autónoma previstas no art. 88º, não há que apurar qualquer relação entre a despesa e o fim lucrativo. Por outras palavras não é relevante saber se a despesa se traduz num verdadeiro gasto.”

Sobre o conceito de despesa não documentada, pode ler-se na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 281/2019-T: “Como despesas não documentadas devem entender-se aquelas que não têm por base qualquer documento justificativo ou de suporte documental a nível contabilístico, e, como tal, não especificam a sua natureza, origem ou finalidade (acórdão do TCA Sul de 7 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 04690/11). Havendo de distinguir-se entre as despesas não documentadas e as despesas não devidamente documentadas, isto é, aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação" e que apenas acarretam a não dedutibilidade para efeitos fiscais.

Ainda segundo o acórdão do STA de 7 de Julho de 2010 (Processo n.º 0204/10), "[a] apreciacão da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC. Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se substancia a despesa" (a despesa confidencial encontra-se integrada agora no conceito amplo de despesas não documentadas). Neste sentido, pode ler-se na Decisão arbitral proferida no processo n.º 105/2020-T, “as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC são em concreto saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário. Este entendimento é o que melhor garante o sentido útil e a finalidade regulatória do preceito em causa, portanto o entendimento que adequadamente valora o elemento finalístico da lei.

“Revelando assim, de interesse para a presente causa, a questão da distinção “despesas não documentadas e indevidamente documentadas”, veja-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 08/05/2019 processo nº1119/16.1BELRA, e o processo nº 9941/16.2BCLSB de 13/12/2019. Como escreve este último, “V. despesas não documentadas são aquelas em relação às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. VI. Despesas indevidamente documentadas são aquelas em relação às quais existe alguma documentação de suporte, ainda que insuficiente. VII. Apenas as despesas não documentadas (e não as indevidamente documentadas) são passíveis de tributação autónoma.”

 

Apliquemos estes conceitos e esta doutrina aos factos que a Autoridade Tributária, no caso dos autos, considerou como despesas não documentadas.

 

E-2- Aplicação ao caso

    

Como vimos, o tribunal considerou totalmente procedente o pedido relativamente aos custos da conta #711820 e à conta # 7113199 (quanto à correção referente ao valor de €43 774, 92) e parcialmente no que se refere à conta # 72889 (a correção correspondente ao montante €219, 557, 24, deduzido do valor já reconhecido no procedimento administrativo, ou seja, no montante de €93.943,20) e improcedente o pedido quanto às demais correções.

Assim sendo está apenas em causa analisar a legalidade das tributações autónomas incidentes sobre estas correções ao valor total da Conta # 6889, da Conta #7113199 (no montante de 1. 142 599, 48) e valor parcial em relação à Conta #72889.


 §1.º Conta #7113199- € 1 142 599,48

 

Em relação a este caso, como ficou dito, a documentação apresentada pelo é omissa quanto a elementos caracterizadores essenciais, porquanto o Requerente não apresenta a correlação entre essa listagem e os valores das faturas apresentadas, nada se podendo retirar sobre a natureza das operações, o número e tipo de documento, a sua data, a identificação fiscal e muitas vezes o NIF. Também não é possível fazer qualquer conexão entre os montantes evidenciados como tal e os registos efetivamente contabilizados na conta #7113199.

Termos em que não assiste razão ao Requerente, devem manter-se a posição da Requerida incluindo quanto à tributação autónoma.

 

 

§2.º Contas #6889; #7113199; # 72889 

         

As considerações supra são transponíveis para estas correções, porquanto, tendo em conta a fundamentação atrás produzida, estamos a falar da falta de prova documental (de qualquer natureza) que demonstre que o custo foi efetivamente suportado pelo Sujeito Passivo, tal como a natureza, origem ou finalidade.

Caso paradigmático está na correção à Conta # 6889, uma vez que o Requerente se limitou a apresentar listagens por si elaboradas de alegadas despesas com comissões pagas à I..., que omitem características essenciais, tais como, o nome, a data e a finalidade, não podendo, desta forma, constituir base documental adequada.

Termos em que não assiste razão ao Requerente, devem manter-se a posição da Requerida incluindo quanto à tributação autónoma.

 

 

 

 

F – Custos que incidem que incidem sobre terceiros

 

No que respeita aos custos suportados com o pagamento de indemnizações devidas pelos colaboradores do Requerente às respetivas ex-entidades patronais, a Requerida sustentou no RIT que os mesmos não podem concorrer para a formação do lucro tributável, à luz alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC. 

De acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, na redação à data dos factos:

1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:

(…)

c) Os impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar”.

No entanto, entende o Requerente que os mesmos eram indispensáveis ao exercício da sua atividade, devendo concorrer para a formação do lucro tributável, ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

Para suportar a sua tese, o Requerente chamou à colação o acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 865/2019-T, onde o tribunal arbitral concluiu pela necessidade de se efetuar uma interpretação conjugada da alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC com o n.º 1 do artigo 23.º do mesmo diploma.

Cumpre apreciar.

Em primeiro lugar, não existem dúvidas de que os gastos suportados com o pagamento de indemnizações devidas pelos colaboradores às respetivas ex-entidades patronais devem ser considerados como indispensáveis para a realização de proveitos, uma vez que subjacente aos mesmos existe uma lógica empresarial, i.e., o Requerente tinha todo o interesse em suportar tais custos pois só assim podia garantir que os (futuros) trabalhadores aceitariam iniciar de imediato a sua colaboração com o banco.

Com efeito, o encargo das indemnizações decorrentes do incumprimento do prazo de pré-aviso representava um verdadeiro entrave à contratação de colaborares mais experientes e com uma carteira de clientes consolidada, pelo que a sua assunção representa um investimento racional em termos económicos, com um claro objetivo de incrementar os resultados do Requerente.

Igual entendimento adotou o Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo n.º 215/14.4 BELRS, respeitante ao período de tributação de 2006 do Requerente, tendo este verificado que houve de facto uma estratégia expansionista por parte do Banco e que tal se espelhou no aumento gradual do seu lucro tributável, tendo assim concluído que:

“Embora a responsabilidade pelo pagamento destas indemnizações seja dos colaboradores, que não cumprem o pré-aviso e não da entidade contratante, neste caso, o Impugnante, o custo registado pelo Impugnante na conta 70810, & dedutível para efeitos fiscais, nos termos e por força do disposto no artigo 23.° do CIRC, por se verificar a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos”.

Por outro lado, no que respeita à interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, à data dos factos, subscreve-se sem reservas o entendimento adotado no âmbito do processo n.º 865/2019-T, segundo o qual:

“O artigo 42.º, n.º 1, alínea c) do CIRC tem de ser lido em conjugação com o artigo 23.º do CIRC – que consagra uma cláusula geral de dedutibilidade dos gastos. Determinando o artigo 23.º do CIRC a dedutibilidade dos “gastos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” e, densificando a doutrina e a jurisprudência - que atrás se citou - esse critério como se referindo a “gastos contraídos no interesse da empresa”, sempre o artigo 42.º, n.º 1, alínea c) do CIRC terá de ser interpretado no sentido de excluir a dedutibilidade dos encargos que incidam sobre terceiros e sejam alheios à actividade do sujeito passivo porque não suportados no interesse deste.

Dito de outro modo, o objectivo do artigo 42.º, n.º 1, alínea c) do CIRC é afastar a dedutibilidade dos encargos de terceiros, excepto se se provar, em conjugação com o artigo 23.º do CIRC, que estes têm subjacente um interesse empresarial.

Com efeito, a expressão “encargos que incidam sobre terceiros” não pode ser interpretada em sentido estritamente formal, como faz a AT, no sentido de afastar a dedutibilidade de todo e qualquer encargo prima facie da responsabilidade de terceiros.

Efectivamente, pode dar-se o caso, como ocorre nos presentes autos, em que esses terceiros incorrem em determinados gastos, por força da relação pré-contratual ou contratual que estabelecem com o sujeito passivo, e que este, por via dessas mesmas relações negociais assume, perante o terceiro, a obrigação de assumir tais encargos.

Em tais situações, poderá, eventualmente, questionar-se se a assunção desses encargos se traduz num rendimento – em numerário ou espécie – para o terceiro, mas não a dedutibilidade do gasto, por se tratarem de encargos que incidam sobre terceiros e que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar.

Não é de acolher, portanto, o entendimento de que um encargo juridicamente imputável a terceiro e suportado por uma entidade empresarial, é, sem mais, considerado não dedutível para efeitos fiscais. Julga-se se de aplicar na interpretação deste preceito uma perspectiva material, que tome em consideração as circunstâncias factuais que levaram a empresa a suportar o gasto que, juridicamente e à partida, era da responsabilidade de um terceiro. Apenas uma interpretação nestes moldes se compatibiliza com o princípio constitucional da tributação pelo rendimento real, ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

No caso sub iudice, o Requerente tinha necessidade, no imediato, de mais trabalhadores, para reforço das suas equipas e para cumprimento dos prazos estabelecidos para a abertura de novas agências. Acresce que, o facto de contratar trabalhadores que trabalhavam para outras instituições bancárias, era vantajoso para o Requerente, já que se tratavam de trabalhadores com experiência no sector e com uma carteira de clientes.

Assim, atendendo à necessidade imediata de trabalhadores e às especificidades das tarefas que estes iam desempenhar – na qual releva a experiência adquirida e a carteira de clientes – é perfeitamente justificável, à luz do critério da indispensabilidade, que o Requerente tenha suportado os encargos com a indemnização devida à anterior entidade empregadora, decorrente da imediata desvinculação do contrato de trabalho.

Com efeito, embora a indemnização devida à entidade empregadora seja, juridicamente, da responsabilidade do trabalhador, e não do aqui Requerente, a verdade é que tal indemnização foi suportada pelo Requerente – facto que não é contestado pela AT, que não põe em causa a efectividade do gasto, mas apenas os requisitos para a sua dedutibilidade - e, no interesse desta, atentas as circunstâncias em que os trabalhadores foram contratados”.

Importa assim concluir, à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC em conjugação com o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, pela procedência do pedido do Requerente, relativamente à correção dos custos que incidem sobre terceiros.

Finalmente não assiste igualmente razão à Requerida quando se alega que tratando-se de uma autoliquidação a impugnação devia ter sido precedida de reclamação graciosa e no prazo de 2 anos. Constitui jurisprudência consolidada, incluindo do STA (Acórdão do Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), que o fundamental é que seja dada oportunidade à AT para apreciar a questão, o que aconteceu.   Por outro lado, quanto ao prazo de recurso à via da revisão oficiosa, constitui, hoje, jurisprudência consolidada que o prazo é de 4 anos. Neste sentido, ver entre outras, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 577/2016-T; a Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 668/2016-T; e, bem assim, as Decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 333/2018-T e 45/2020-T. 

 

G- Perdas por imparidade

 

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC (versão em vigor à data)  poderiam ser deduzidas as provisões “constituídas obrigatoriamente, por força de uma imposição de caráter genérico e abstrato, pelas empresas sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pela sucursais em Portugal de Instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da União Europeia destinados à cobertura de risco específico de crédito, e risco-país, para menos-valias de títulos de carteira de negociação e para menos-valias de outra aplicação (…)”.

Por sua vez, o artigo 57.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, sob a epígrafe “Disposições transitórias no âmbito do IRC”, estabeleceu regras que para aqui são também importantes e que as partes dão relevo.

Num plano dos princípios legais, e como alega a Requerente, a conjugação dos artigos 23º e 34º do CIRC com as disposições da Lei 53-A/2006, permitem, em certas condições, a dedutibilidade fiscal da perda por imparidade registada.

 (Refira-se que, certos fenómenos patrimoniais, designados nos inícios da normalização contabilística em Portugal, por provisões, se passaram, depois, a  apelidar de  ajustamentos em valores ativos,  e se designam atualmente, no seguimento da adoção pelo SNC das IAS/IFRS, por perdas por imparidade. Assim, usaremos esta última expressão para designar o fenómeno aqui contabilizado e fiscalmente controvertido).

O SNC, ao introduzir em Portugal um sistema contabilístico inspirado nas normas internacionais, alterou de forma substancial o processo de reconhecimento, mensuração e divulgação das operações empresariais sujeitas a contabilização.[3] A informação financeira tornou-se progressivamente  assente numa lógica prospetiva e não retrospetiva.  Os modelos de valorização de ativos e passivos (e.g.; custo histórico, equivalência patrimonial, justo valor, custo amortizado) foram ocupando um espaço onde dantes imperava o custo histórico.

Além disso, a contabilidade passou a depender cada vez mais de juízos de valor e de contributos  de outras áreas (e.g.; jurídica, na contabilização de uma provisão para um processo judicial; ou de engenharia, no registo de uma perda por imparidade por razões de inovação tecnológica).  Esses juízos de valor têm agora um campo mais extenso. São disso exemplo a estimativa fiável de uma obrigação provável no processo de reconhecimento de provisões;  a estimativa de cash flows esperados de uma unidade geradora de  caixa em testes de imparidade; a previsão de taxas de desconto para atualizar os desembolsos futuros inerentes ao  reconhecimento de certas provisões, ou ao cálculo do justo valor através de modelos financeiros próprios das  entidades e não de preços de mercado concorrencial.[4]

A perda por imparidade num certo ativo resultará pois de um confronto entre a quantia que consta do balanço e o respetivo valor recuperável. Este último pode ser apurado de duas formas: por um valor de mercado menos os gastos de alienação (cuja melhor aproximação será o preço formado entre partes conhecedoras e interessadas numa transação livre), ou pelo valor de uso (cuja melhor estimativa será o montante descontado dos benefícios esperados que se espera obter do ativo durante a vida útil, acrescido do valor residual estimado na data prevista de alienação).

As causas determinantes de possível imparidade centram-se num amplo leque de fundamentos: materiais (físicos), económicos, técnicos, legais e financeiros.

Ora, as normas contabilísticas, sejam elas a constantes do SNC, das IAS/IFRS ou do PCSB, ao consagrarem o modo de apuramento das perdas por imparidade na diferença entre quantia escriturada e quantia recuperável, e ao associar esta ao justo valor ou ao valor de uso, não poderiam deixar de consagrar também as divulgações dos critérios, modos de cálculo ou pressupostos que estiveram na base da quantificação das imparidades. Essa obrigação de divulgação surge bem vincada na secção "Divulgações" da IAS 36 (Imparidade de ativos) , ou das NCRF 12 (Imparidade de ativos) e 27 (Instrumentos financeiros) .

 E bem se compreende que se esta é uma regra geral para as imparidades contabilizadas ou reconhecidas, sê-lo-á, por maioria de razão, paras que são fiscalmente dedutíveis, a fim de permitir o maior grau de controlo possível à administração fiscal, quanto a custos assentes em estimativas.

O tribunal não coloca em dúvida que aos registos contabilísticos descritos na Petição,  quanto aos gastos aqui em causa, possa ter presidido uma certa realidade subjacente: a desvalorização de bens imóveis.

Todavia, o registo dessa desvalorização como gasto fiscalmente aceite, além dessa contabilização, deveria estar fundado em elementos de prova que permitissem, com bem alega a Requerida, apreciar como se apurou o valor escriturado e, sobretudo, o justo valor menos custos de vender, o qual se assimilará à quantia recuperável.

O justo valor constitui uma noção que faz intervir preços de mercado, preços de transações comparáveis, ou ainda o resultado de avaliações efetuadas por peritos independentes assentes em elementos económico -financeiros de natureza previsional ou estimada. Assim, é necessário que se forneça prova destes elementos que têm de subjazer ao apuramento contabilístico da imparidade e que devem ser objeto de divulgação nas peças contabilísticas. Gastos cuja lógica de registo assenta em estimativas de perda de valor em ativos hão de estar suportados em elementos cuja base e pressupostos de apuramento possam ser analisados.

Tais provas poderiam assentar em elementos que permitissem ao tribunal avaliar dos concretos ou específicos fundamentos, ou bases de apuramento, das perdas por imparidade. Estes fundamentos poderiam constar de estudos, relatórios, pareceres, ou trabalhos similares que serviram de base à avaliação dos bens imóveis sobre os quais recaíram os ajustamentos de valor ou imparidades.

A Requerente não traz ao processo elementos que constituam prova que permita averiguar da consistência  dos cálculos subjacentes ao gasto registado. Daí que, quer pela natureza da relação de dependência parcial entre contabilidade e fiscalidade, no tocante ao IRC, quer pela própria exigência de divulgações das IAS/IFRS, quer ainda pela necessidade de comprovação dos gastos dedutíveis, o tribunal entende que a pretensão da requerente se não pode acolher e, por isso, improcede neste ponto.

 

H - Imputação de encargos decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa

 

No que respeita à imputação de encargos decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa, a AT fundamentou a sua correção ao lucro tributável do Requerente com a inobservância do disposto no n.º 2 do artigo 50.º e, bem assim, do artigo 23.º, ambos do CIRC, na sua redação à data dos factos.

Neste contexto, importa desde logo ter presente que o n.º 2 do artigo 50.º do CIRC estabelecia que:

“2 - Podem ser deduzidos como custos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que, de acordo com critérios de repartição aceites e dentro dos limites tidos como razoáveis pela Direção-Geral dos Impostos, sejam imputáveis ao estabelecimento estável, devendo esses critérios ser justificados na declaração de rendimentos e uniformemente seguidos nos vários exercícios.”

De acordo com a interpretação adotada pela Requerida no RIT, para a consideração destes encargos “é conditio sine qua non que face à sua actividade e à bondade dos custos em causa para o desenvolvimento desta, o sujeito passivo apresente os elementos que, em primeira instância, permitam aferir da razoabilidade, e conformidade, dos critérios de repartição de custos comuns adaptados, e que, num segundo momento, permitam descortinar a observância do princípio da indispensabilidade dos custos, o que, como adiante demonstraremos, não sucede in casu”.

Avançando ainda que “todos os custos comuns imputados que não estejam suportados em critério aceite pela Administração Tributária, e para os quais não tenha sido demonstrada a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, não são fiscalmente dedutíveis. Aliás, ab initio, a própria indispensabilidade decorre da conformidade do critério de imputação adoptado”.

Por sua vez, o Requerente chama ainda à colação o n.º 3 do artigo 7.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido, nos termos do qual:

“3 – Na determinação do lucro de um estabelecimento estável, é permitido deduzir as despesas devidamente comprovadas que tiverem sido feitas para realização dos fins prosseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo as despesas de direção e as despesas gerais de administração igualmente comprovadas e efectuadas com o fim referido, quer no Estado em que esse estabelecimento estável estiver situado, quer fora dele, excluídas as despesas que não seriam dedutíveis se o estabelecimento estável fosse uma empresa separada”.

Cumpre apreciar.

Em primeiro lugar, importa ter presente que os encargos em questão se encontram documentados, tendo o Requerente apresentado as faturas aos serviços de inspeção tributária e estes não suscitaram qualquer questão sobre a efetiva prestação dos serviços informáticos.

Ademais, o Requerente apresentou aos serviços de inspeção o Inter-Company Processing Service Agreement, contrato celebrado com a casa-mãe para formalizar a prestação de serviços a favor do estabelecimento estável em território português e que serve de suporte aos montantes faturados.

Todavia, entende a Requerida que “não basta a mera apresentação de contratos (ou acordos) que, atento o seu teor, não permitem de modo algum aferir do critério de repartição de custos comuns adaptado entre a casa-mãe e as suas sucursais, nem sequer a mera indicação de uma fórmula de repartição ou chave de alocação desses custos que, sem mais informação, não permite qualquer aferição da correcção dos montantes imputados, pois não foram demonstrados os cálculos e documentos de apoio aos lançamentos em causa de maneira a comprovar os custos”.

Com efeito, a apresentação de faturas e, bem assim, dos contratos que titulam os respetivos serviços prestados pela casa-mãe aos seus estabelecimentos estáveis não são, de facto, no caso, elementos suficientes para que a administração possa apurar a adequação, e especificação numérica, dos critérios utilizados para a imputação dos custos.

Resulta do RIT que a Requerida instou o Requerente “a demonstrar detalhadamente o apuramento do montante global dos encargos suportados pelo Grupo, bem como o apuramento do montante que coube imputar à sucursal e a cada uma das restantes entidades envolvidas”, não tendo sido prestados esclarecimentos até à conclusão dos atos inspetivos.  

Ademais, resulta também do RIT que o Requerente apresentou, já depois de terem terminados os atos inspetivos, um mapa onde se espelhava “o montante total dos encargos suportados, o qual ascendeu a £ 39.999.600, indicando qual a proporção dos serviços que foram utilizados pela Sucursal em Portugal, correspondente a 3,246%, o que deveria resultar numa imputação de custos na importância de, aproximadamente, £ 1.298.400”.

Tendo, no entanto, os serviços de inspeção tributária concluído que “os montantes relacionados com estes custos que se encontram registados na contabilidade são bastante diferentes (superiores) já que, se considerarmos apenas a conta NCA 71190 'Service Provision', o total dos encargos registados ascende a € 2.459.250,84, o que corresponde ao valor de 5 facturas emitidas em libras que totalizam £ 1.631.345,70 (…)”.

Segundo o Requerente, foram apresentados, durante o procedimento de inspeção tributária, um Estudo elaborado pelo próprio D... Plc, onde se definem os princípios de alocação dos custos em apreço, bem como o Relatório de Preços de Transferência para o exercício fiscal de 2007, onde se encontram justificadas não só as chaves de repartição que foram utilizadas pelo Requerente, mas também o valor efetivamente considerado para efeitos fiscais.

Todavia, da leitura conjunta de ambos os documentos, não resulta claro se a imputação de custos com serviços informáticos teve exclusivamente por base um critério de imputação direta, assente no número de horas de utilização do sistema central do Banco. Os documentos que o Requerente apresenta não permitem avalia  os critérios concretos que, em cada caso,  presidiram à imputação dos gastos, pois têm uma natureza geral, e não se adequam  à apreciação detalhada da dita imputação, segundo fórmulas resultantes de critérios algébricos pré determinados, explicitados numericamente,  e que sejam evidenciados na documentação de prova.

Com efeito, no Relatório de Preços de Transferência para o exercício fiscal de 2007, refere-se que “o D... (SP) é remunerado pelos custos incorridos, os quais são repartidos entre as diversas entidades beneficiárias de acordo com o número de horas de utilização (níveis de serviço) do sistema central, sem adição de mark-up” (sublinhado nossos), ao passo que no documento interno, onde o D... definiu os princípios e critérios de alocação dos custos em apreço, é possível extrair uma multiplicidade de critérios de imputação de gastos, cujo impacto quantitativo específico não é claro.

Face aos elementos apresentados pelo Requerente no decurso da ação inspetiva, não é possível definir com a devida certeza o(s) critério(s) utilizado(s) no exercício de imputação dos gastos gerais suportados pela casa-mãe aos seus estabelecimentos estáveis, e, por consequência, não é igualmente possível efetuar um juízo de adequação em relação aos mesmos.

É certo que sobre a Requerida impendia um dever de “realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”, conforme decorre do Princípio do Inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT.

No entanto, importa conjugar este princípio com o disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, segundo o qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

Conforme se esclarece no acórdão deste tribunal arbitral, proferido no âmbito do processo n.º 146/2019-T:

Porém, pode suceder que, após a produção de prova, a administração tributária fique com dúvidas sobre a situação factual que interessa conhecer para tomar a sua decisão. Para possibilitar à administração tributária decidir nos casos em que, após a produção de prova possível, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto, estabeleceram-se as regras do ónus da prova.

(…)

as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.

O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus” (sublinhado nosso).

Ora, resulta dos autos que, face à ausência de elementos suficientes para apreciar a concreta aplicação numérica dos critérios utilizados para a imputação dos gastos com serviços informáticos, foram solicitados esclarecimentos e informações adicionais ao Requerente, no decurso do procedimento inspetivo.

De facto, fazendo o Requerente parte de um Grupo que exerce a sua atividade em diversas jurisdições, só ele estaria em condições de providenciar a explicitação e detalhe dos montantes totais de gastos suportados pela casa-mãe em benefício das restantes entidades por si controladas.

Na ausência de colaboração do Requerente, verifica-se que, face aos elementos disponíveis à Requerida, não seria possível determinar quais os critérios utilizados para a imputação dos serviços informáticos.

Assim, não tendo a Requerida meios à sua disposição para apurar a adequação dos critérios de imputação utilizados pelo Requerente, ou sequer para apresentar critérios alternativos e proceder à respetiva apreciação e quantificação dos gastos em análise, não seria exigível à AT corrigir parcialmente a rubrica destes gastos.

Verificando-se assim a dúvida insanável quanto aos critérios efetivamente utilizados, não existindo uma concreta concretização quantitativa desse(s) critério(s), e não tendo o Requerente apresentado elementos suficientes para que a administração fiscal pudesse apreciar e apurar o quantum destes gastos, conclui-se que o Requerente não logrou provar os factos constitutivos do direito que invoca, i.e., a dedução de gastos decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa.

Por fim, cumpre ainda assinalar que esta exigência de prova resulta ainda do disposto no n.º 3 do artigo 7.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido, oportunamente alegado pelo Requerente.

 

I- A imputação de custos gerais de administração: € 3.064.482,16

 

Com especial relevo para a questão aqui em causa transcreve-se o (então) artigo 50º do CIRC, na redação em vigor no exercício de 2007.

 

“Lucro tributável de estabelecimento estável
 


1 — O lucro tributável imputável a estabelecimento estável de sociedades e outras entidades não residentes é determinado aplicando, com as necessárias adaptações, o disposto na secção II.

2 — Podem ser deduzidos como gastos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que, de acordo com critérios de repartição aceites e dentro de limites tidos como razoáveis pela Direcção-Geral dos Impostos, sejam imputáveis ao estabelecimento estável, devendo esses critérios ser justificados na declaração de rendimentos e uniformemente seguidos nos vários períodos de tributação.

3 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos em que não seja possível efectuar uma imputação com base na utilização pelo estabelecimento estável dos bens e serviços a que respeitam os encargos gerais, são admissíveis como critérios de repartição nomeadamente os seguintes:

a) Volume de negócios;

b) Gastos directos;

c) Activo fixo tangível.”

Em face deste normativo, entende o tribunal que ao contribuinte compete apresentar à AT os elementos que mostrem, por via do nº 1, que os gastos passariam os testes do art. 23º do CIRC (comprovação e indispensabilidade). Pelo nº 2, deve evidenciar  os critérios de repartição e sua justificação.

Por sua vez, a AT deve analisar tais critérios e os valores por eles produzidos. Se não aceita os citérios deve fundamentar tal decisão, devendo também justificar caso não julgue razoáveis os valores que deles resultem.

Em todo este Processo, atendendo à natural complexidade e diversidade dos gastos administrativos que uma casa mãe bancária internacional  pode imputar uma sucursal localizada em Portugal, bem como à densidade de critérios de apuramento , deverá existir uma colaboração, imposta pelos normativos fiscais, entre o contribuinte – nomeadamente no fornecimento da informação necessária para que a AT afira da bondade e razoabilidade dos critérios e valores - bem como da AT, na análise da base técnico-económica dos critérios e da apreciação da sua adequação enquanto ferramenta de imputação de gastos a uma sucursal.

A decisão plasmada no RIT, que antes se transcreveu nos “Factos provados”, não se julga aceitável. Por várias razões.

 Em primeiro lugar, porque se funda no facto de caso se aplicasse a percentagem que deriva da fórmula resultante da média simples resultante dos proveitos e do número de trabalhadores (1,279%) dela resultaria o valor a imputar de 1,5 milhões e não de 2,2 milhões de libras.

 Assim, ignora que, conforme documentação contratual apresentada pela Requerente, face aos elementos relativos a estudos fundamentadores de critérios imputação, também fornecidos pelo Requerente, e aos cálculos detalhados que surgem anexo II ao RIT,  não havia um único critério de imputação, mas sim vários, consoante os tipos de gastos imputados.

Em segundo lugar, porque analisa de forma tecnicamente inapropriada os elementos que lhe foram facultados e, só por isso, recusa a dedução valor faturado de 2,2 milhões de libras (3,06 milhões de euro). Não apresenta razões para afastar a aceitação dos critérios, nem a razoabilidade dos valores obtidos. E, incumprindo o princípio do inquisitório, basta-se com esta suposta divergência de valores (1,5 versus 2,2 milhões de libras) e não procura analisar e aprofundar a divergência que encontra.

A recusa da totalidade do gasto que se expressa no RIT não se pode por isso aceitar em face das deficiências de apreciação que surgem no Relatório da Inspeção.

Em sede de Reclamação Graciosa veio o contribuinte apresentar novos elementos tendentes a justificar o gasto de 2,2 milhões de libras.  A decisão, antes transcrita, na parte que interessa,  conclui pela necessidade de a atividade da Requente implicar que esta incorra nos gastos em causa e, mantendo a posição do RIT quanto aos critérios,  aduz também  que a composição do gasto de 2,2 milhões de libras não é totalmente coincidente quanto a critérios de imputação face à que consta do anexo II ao RIT. E exemplifica algumas dessas divergências.

A Requerente, como já se viu, refere que, havendo dúvidas sobre a efetiva quantificação do custo, a AT deveria ter envidado esforços para apurar o montante a considerar. E não poderia, simplesmente, desconsiderar a totalidade do custo. Não poderia receber uma fatura, cuja veracidade não contesta, receber mapas de cálculo, consultar o estudo efetuado pelo D... que está na base da imputação efetuada; saber que o Requerente beneficiou dos serviços prestados pela casa-mãe, e acabar por fazer tábua-rasa da realidade subjacente, para concluir que o Requerente nada pode deduzir a título de gastos administrativos gerais. Ao agir desta forma, alega o Requerente, a AT violou não só o princípio do inquisitório, como impôs ao Requerente uma tributação manifestamente injusta.

A AT, na sua Resposta, cita o Acórdão do TCA Norte, de 12-01-2012, proferido no Proc. n.º 00624/05.0BEPRT, sobre o alcance do princípio do inquisitório na atividade das autoridades fiscais. Na parte geral da Resposta, afirma-se, citando este Acórdão:

“Como é evidente, esta obrigação da Administração de averiguar a verdade material não retira aos contribuintes o seu dever de colaboração na produção de provas, como resulta do artigo 59º da LGT. No entanto, como tem vindo a ser entendido, a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, pode ser fundamento de ilegalidade do acto tributário ou em matéria tributária. Porém, sem prejuízo daquilo que ficou dito, deve ter-se presente o seguinte, por forma a evitar cair num erro que pode ser fatal na apreciação destas questões: o princípio do inquisitório não obriga a Administração a investigar, nos casos em que caiba ao contribuinte o ónus da prova, pretensões sem o mínimo de suporte probatório”. (Ponto 71)

E ainda (ponto 170), sobre a imputação de gastos, refere a Requerida:

“Reiteramos o supra exposto, no sentido de que o princípio do inquisitório não obriga a AT a substituir-se ao Requerente e a cumprir por ele o ónus da prova que sobre si impende.”

 

Vejamos, pois, a LGT, quanto ao inquisitório:

“Artigo 58.º

Princípio do inquisitório

A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”

 

No entender do tribunal, a AT estriba a sua recusa em aceitar qualquer importância dos gastos controvertidos numa não coincidência entre a versão que lhe foi apresentada em sede de inspeção - onde constam os tipos de gastos a imputar, são apreensíveis os critérios e os valores que deles decorrem - e a versão que surge com a Reclamação Graciosa.

Em ambos os casos existem critérios que constam do documento 28 (proveitos, nº de trabalhadores e média simples de ambos), e existem ainda outros critérios, que são apreensíveis pela análise das folhas de cálculo. Por exemplo, nos "Projects", onde uma divisão simples dos gastos foi efetuada, tal como refere o contribuinte no seu Pedido Arbitral. Ou o critério "Assets" que surge no contexto da Reclamação Graciosa.

Que concluir neste ponto, em especial quanto à aplicação do princípio do inquisitório?

Entende o tribunal que a(s) prova(s) que o contribuinte, sobre tais gastos, apresentou à AT, mereceriam, por parte desta, não uma simples recusa total dos gastos em razão de certas divergências observadas, mas sim uma análise - derivada até do dever  de colaboração mútua e da obrigação de descoberta da verdade material - que a Requerida não realizou.

Na Resposta, e como já se disse, sustenta a AT, citando jurisprudência que: "o princípio do inquisitório não obriga a Administração a investigar, nos casos em que caiba ao contribuinte o ónus da prova, pretensões sem o mínimo de suporte probatório".

Porém, do que aqui se trata não é de pretensões sem o mínimo suporte probatório. Os estudos apresentados, as formas repartição explicitando critérios chave, a fatura exibida, as folhas de cálculo que contêm valores e fórmulas ou critérios de repartição, são elementos relevantes de prova. Se, na Reclamação Graciosa, surgiam divergências, não teria sido difícil indagar ou inquirir, junto do contribuinte, a explicação para tais divergências, pois a final, sempre se obtém o valor de 2,2 milhões de libras ou 3,06 milhões de euro.

No caso destas instituições bancárias, como se vê na documentação junta aos autos, os custos a imputar ascendem a largas dezenas. Estão repartidos por "Funções" e "Projetos". Não é implausível, ou de estranhar, que uma reorganização da apresentação da informação na Reclamação conduza a diferentes cálculos, ou seja, a uma não coincidente redistribuição do gasto total de 3,06 milhões de euro.

E se essa estranheza existiu para a Requerida, julga-se que esta não deveria erigir uma divergência como a que se mencionou em razão absoluta para a negação da dedutibilidade total do gasto. Deveria antes constituir o ponto de partida de uma iniciativa de indagação (que a Requerida não fez) sobre critérios e valores, visando obter o valor apropriado, justificável e economicamente justo, dos gastos a imputar.

Além do mais, 2007 foi o primeiro exercício em que tal imputação de efetuou. Não havia ainda critérios consolidados de imputação. E entre os critérios apontados e justificados no documento 28, e a realidade concreta do negócio, é provável que se originassem divergências de organização da informação, e porventura diferenças de critérios.

Tal falta coincidência não constitui, para o tribunal, razão para a denegação da totalidade do gasto sem investigação adicional por parte da AT. E nem isso constituiria substituir-se ao Requerente na produção de prova que a ele compete. Significaria, apenas, o cumprimento do dever de averiguar a consistência sobre tais divergências, na medida em que elas suscitavam dúvidas à AT.

Nem se argumente que tais indagações suplementares significariam, como pretende a Requerida, estar a substituir-se ao Requerente no cumprimento do ónus da prova. Afigura-se que a Requerida incorre em erro quanto à articulação do princípio do inquisitório com o do ónus da prova. 

 A este propósito, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 59/2019-T, pode ler-se o seguinte:

              « O procedimento tributário deve culminar com uma decisão da administração tributária, que tem de assentar em pressupostos de facto.

                Porém, pode suceder que, após a produção de prova, a administração tributária fique com dúvidas sobre a situação factual que interessa conhecer para tomar a sua decisão.

                Para possibilitar à administração tributária decidir nos casos em que, após a produção de prova possível, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto, estabeleceram-se as regras do ónus da prova.

                O funcionamento destas regras, assim, ocorre apenas quando, após a actividade de fixação da matéria de facto, directamente a partir dos meios de prova e indirectamente com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida.

                Por força das regras do ónus da prova devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. (   )

                               É apenas nestas situações em que, após a produção das provas, subsistem dúvidas sobre factos que relevam para a decisão que funcionam as regras do ónus da prova.

                               Assim, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é imposto que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está  dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, realizar «todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.

                O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT,  situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.

                Assim, «o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito» (artigo 72.º da LGT) e no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.

                Entre «todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos» inclui-se a prova testemunhal, que é um meio de prova admitido em direito, pois não existe qualquer norma que directa ou indirectamente afaste a sua utilização» (artigo 392.º do Código Civil).

                Por isso, não tem suporte legal o entendimento adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que «a matéria factual a provar, tal como ficou expresso supra, não se compadece com o meio de prova pretendido - apenas a prova documental permite o esclarecimento da verdadeira situação tributária».

                Por outro lado, se é certo que do artigo 72.º da LGT pode inferir-se que o órgão instrutor não tem de realizar todas as diligências requeridas pelo contribuinte, também o é que não tem qualquer fundamento legal o entendimento de que «ao órgão instrutor compete em última instância, a opção pelos meios probatórios indispensáveis à descoberta da verdade material». Esta norma permite dispensar a realização de diligências que ao órgão instrutor se afigurem desnecessárias para prova dos factos que relevem para a decisão do procedimento, mas, obviamente, num Estado de Direito, não é atribuído à Administração Tributária o poder de «em última instância» decidir se elas são ou não desnecessárias, pois a correcção da decisão da Administração Tributária é controlável pelos Tribunais, que , estes sim, em última instância têm o poder de definir o direito (artigo 204.º da CRP) e, por isso, devem anular a decisão procedimental nos caso em que se entenda que deixaram de ser realizadas diligências necessárias para um correcto apuramento dos factos.

                Assim, a Administração Tributária não pode recusar-se a fazer a avaliação em concreto da potencialidade probatória dos meios de prova que lhe sejam apresentados, desde que esses meios sejam legalmente admissíveis.(…)»

                

Isto posto, se, no RIT, como antes de referiu, a decisão peca claramente por falta de uma análise ou inquirição concreta dos critérios e valores apresentados pelo Requerente, mais se justificava, em sede de Reclamação Graciosa e decisão de Recurso, outro tipo de análise da prova, e não uma decisão que se traduziu na total recusa do gasto, sem qualquer esforço de indagação sobre os dados que o contribuinte foi facultando procurando provar a forma de imputação dos gastos. Além disso, o documento 29, anexo aos autos, é na verdade idêntico ao que a AT junta como anexo II ao RIT.

Ou seja, há dois documentos que procuram justificar a imputação. Se, em sede de Reclamação Graciosa, esse documento não é totalmente coincidente com os que se juntam no RIT e no Pedido arbitral (que coincidem), então entre recusar qualquer dedução de gastos ou indagar junto do contribuinte os motivos da divergência e tentar averiguar, com a colaboração da Requerente, no contexto da apreciação da idoneidade da prova, qual desses documentos seria o que adequadamente justificaria a repartição do gasto total, julga-se que um procedimento que esclarecesse as divergências encontradas pela AT seria a via a seguir.

Sobre outros gastos que se analisaram neste Processo (v.g., I...) entendeu o tribunal que o inquisitório não impunha à AT esforços adicionais, em face da prova produzida. Todavia, nos gastos que neste ponto se apreciam, as sucessivas fases do esforço probatório do contribuinte nunca encontraram, por parte da AT, a disponibilidade para indagar sobre as razões das discrepâncias encontradas na redistribuição dos valores.

As simples divergências de imputação (que seriam analisáveis e poderiam originar uma potencial solução de justeza, entre a AT e o contribuinte, na repartição dos gastos) implicaram que nunca a Requerida se pronunciasse sobre a aceitação dos critérios e sobre a razoabilidade dos valores. E, sublinhe-se, nas provas apresentadas, seriam apreensíveis: a fundamentação dos critérios, as suas fórmulas de aplicação e os valores deles resultantes. Haveria, assim, elementos de prova relevantes, envolvendo mais do que o mínimo como tentativa de suporte probatório,  a que não se aplicou qualquer esforço de investigação.

Se é certo que o ónus da prova dos gastos que pretende deduzir incumbe ao contribuinte, não é menos certo que perante provas que dizem respeito a um certo gasto, perante explicações sucessivas sobre a aplicação dos critérios (dadas na inspeção, na Reclamação e no Pedido Arbitral), a recusa sistemática da AT em as analisar - e negar a dedução da totalidade de um gasto cuja relevância económica se reconhece na decisão sobre o Recurso Hierárquico - fere, diretamente, o princípio do inquisitório, e, indiretamente, os princípios da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva, pelo que se julga procedente, neste ponto, o Pedido.

Sendo certo que a  decisão do tribunal é diversa, quanto a  imputação de custos relativos a serviços informáticos (€ 2.788.286,76),  e  imputação de custos gerais de administração (€ 3.064.482,16) vejamos, ainda com maior detalhe,  tal diferença no sentido da decisão.

O tribunal entende que quer o tipo de prova exibido, quer o que caberia à Requerida na análise  dos elementos  apresentados, é diferente nos dois tipos de gastos aqui em causa.

Como se deixou já expresso na análise e decisão quanto a ambos os gastos, no primeiro caso é patente que a prova produzida pela Requerente, durante todas as fases do processo, não permite avaliar e aprender critérios de imputação, as bases numéricas dessa imputação, nem as fórmulas que a suportaram, oferecendo apenas documentação de natureza geral e contratual que não possibilitou à AT o cumprimento do seu dever de inquisitório. Ou seja, nesse primeiro caso, mesmo que a AT efetuasse diligências adicionais sobre a prova que teve à sua disposição, elas não permitiriam uma efetiva apreciação quantitativa, com vista à análise do cumprimento dos critérios de imputação de gastos gerais de natureza informática ao estabelecimento estável.

Como também se deixou expresso, tal não é a situação do segundo tipo de gastos. Aí, como se mostrou, a Requerida produziu prova que, no RIT, foi indevidamente analisada, tendo-se interpretado de forma numericamente inapropriada os critérios que os elementos juntos permitiam apreender.  Na decisão sobre a Reclamação e o RH, perante a prova adicional então produzida, onde também eram apreensíveis critérios, fórmulas de imputação, cálculos, valores numéricos de base, a Requerida não efetuou a análise de tais elementos de modo a cumprir corretamente o princípio do inquisitório, como também já se deixou explanado na fundamentação sobre a decisão relativa a este gasto.

 

 

J- Preços de transferência

 

À data dos factos, e para o que aqui releva, os elementos essenciais do quadro legal aplicável eram o (então) artigo 58º do CIRC e os artigos 5º e 6º da Portaria 1446-C/2001, que de seguida se transcrevem (subl. do tribunal).

Artigo 58.º

Preços de transferência


 

1 — Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 — O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

 

3 — Os métodos utilizados devem ser:

 

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

 

O artigo 58º do CIRC estabelecia (como atualmente consta do art. 63º), na linha da Convenção Modelo da OCDE sobre Dupla Tributação e das respetivas Guidelines sobre Preços de Transferência, o designado princípio de plena concorrência, obrigando a que, para efeitos fiscais, as operações entre partes relacionadas sejam efetuadas nos termos e condições que seriam estabelecidos entre entidades independentes em operações comparáveis.

A aferição da comparabilidade deve ter em conta os fatores elencados, a título exemplificativo, no nº 2 do (então) art. 58º, a saber:  “as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.”

Adicionalmente, a Portaria 1446-C/2001 densifica alguns dos conceitos que o artigo 58º do CIRC estabelecia. Para o caso concreto, importa reter os artigos 5º e 6º da dita Portaria, que dispõem:

“Artigo 5.º

Factores de comparabilidade

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

 

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.”

 

Análise e decisão

 

J.1  Sobre ao relevo da análise de comparabilidade em preços de transferência

 

O princípio de plena concorrência estabelecido no (então) art. 58º do CIRC  determina que na valorização das transações ou operações entre entidades relacionadas se pressupõe que os termos ou condições estabelecidos deverão ser os mesmos, ou semelhantes, aos que seriam praticados em operações comparáveis entre entidades independentes. Nestes termos, a análise de operações comparáveis entre entidades independentes assume papel central, pois visa assegurar que os operadores económicos são tratados de igual modo no que concerne à determinação da base tributável, independentemente do facto de fazerem parte de um grupo ou de constituírem entidades independentes.

Entre nós, o princípio da independência e o seu corolário relativo à análise de comparabilidade encontra assento artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE (CMOCDE), nas Guidelines da OCDE[5], no CIRC e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

A análise de comparabilidade visa avaliar possíveis diferenças nos preços e condições das transações entre entidades relacionadas perante transações semelhantes quando realizadas entre entidades independentes e proceder, caso se verifiquem tais diferenças, a alterações ao lucro tributável das entidades vinculadas.

Tal implica ajuizar, primeiramente, sobre os elementos caraterizadores das transações realmente praticadas e, seguidamente, sobre as transações que se julga deverem ser usadas como referência. Por conseguinte, um ponto nevrálgico da aplicação prática do princípio de plena concorrência reside na análise de comparabilidade, a qual torna exequível a determinação dos termos e condições de plena concorrência. Isto é, aqueles que se praticariam caso as transações vinculadas ocorressem entre entidades independentes, desprovidas de qualquer relação privilegiada que pudesse influenciar as ditas condições acordadas.

O ponto de partida de uma análise de comparabilidade inicia-se com a identificação das relações comerciais e financeiras entre as empresas vinculadas e das condições e circunstâncias economicamente relevantes subjacentes a essas relações, a fim de delimitar com precisão a natureza da transação entre as partes.  Nesta fase são analisados os traços essenciais da operação cujos termos e condições que importa valorar, nomeadamente, no que respeita ao seu  fundamento económico, às contrapartidas para as entidades envolvidas e ao impacto da operação no contexto do negócio. Esta etapa tem como objetivo reunir toda a informação relevante referente, em ordem a perceber quais os elementos de comparabilidade que devem ser tidos em conta na pesquisa das potenciais transações comparáveis, e detetar, a partir das informações recolhidas, o método (ou métodos) suscetível de aplicar no cômputo do preço de transferência.[6]

Num segundo momento, e tomando como referência as circunstâncias economicamente relevantes apuradas na fase anterior, são identificadas transações independentes, potencialmente comparáveis, e sujeitas a uma análise semelhante.

Um dos principais objetivos da análise de comparabilidade é o de encontrar os comparáveis mais fiáveis. Assim, sempre que existir evidência de que algumas transações não vinculadas apresentam um menor grau de comparabilidade do que outras, estas devem ser excluídas da análise. A identificação de operações comparáveis é efetuada mediante o recurso a informação interna ou, por eventual ausência desta, a informação externa.

Tudo o que se acabou de dizer está vertido quer no art. 58º do CIRC, em vigor à data dos factos, quer na Portaria 1446-C/2021, em especial no seu artigo 5º, que elenca com pormenor o leque de fatores de comparabilidade a ter em conta nos casos que envolvem preços de transferência.

 

J.2 A aplicação da análise de comparabilidade, da escolha do preço comparável de mercado, e da ratio de capital, no caso concreto da correção efetuada ao lucro tributável da Requerente

 

Em face do enquadramento antes apresentado, e dos factos concretos que se verificam no caso em apreço, entende o tribunal que a correção efetuada pela Requerida, no que aos preços de transferência diz respeito, enferma de vários vícios. Destes, podem apontar-se os seguintes no plano das lacunas que se observam no RIT quanto à análise de comparabilidade.

 

A) A relação entre o capital do grupo e da sucursal em função dos ativos funções e riscos que ambas as entidades evidenciam

No documento 26, anexo os autos, a Requerente juntou o Dossier de Preços de Transferência referente ao exercício de 2007. Aí se descrevem os ativos, as funções e os riscos quer da Sucursal portuguesa, quer do H... . A análise ao dito dossier permite averiguar que os ativos, funções e riscos são distintos. Basta atentar no que, a p. 38 a 40 desse documento anexo, se refere sobre a estrutura do balanço, onde se afirma que (p. 39) :

 "Conforme a Tabela acima ilustra, em 2007, o A... Portugal detinha mais de € 8 mil milhões registados em activos líquidos, sendo que cerca de 74% desses activos correspondem a crédito concedido a clientes. O peso da rubrica de créditos a clientes está intimamente relacionado com a actividade principal do A... Portugal."

E, no tocante ao grupo, sublinha-se que  (p. 40): "Através da análise da Tabela supra, e tendo por referência o ano de 2007, é possível aferir que a rubrica de empréstimos e adiantamento a clientes representa cerca de 36% do total de activos contabilizados pelo D..., seguida da rubrica de instrumentos financeiros derivados com cerca de 24%."

Refere-se além disso, que o ativo total do grupo H... ascendia, em 2007, a 1.105 milhões de libras inglesas. Ora, em face da evidente disparidade da estrutura do ativo (para o que as distintas proporções de "crédito a clientes" e "instrumentos financeiros derivados" constituem referenciais adequados) julga-se que a proporção de capital próprio afeto a tais composições do ativo muito dificilmente, entre entidades independentes, seria idêntica.

Na verdade, os diversos riscos são distintos (risco de crédito, de mercado, de taxa de juro, etc.) , daí que a estrutura de capital que os financia não só não tem de convergir, como é financeiramente aceitável que possa divergir. Nada disto é objeto de análise pela Requerida e deveria sê-lo.

Além disso, e a título complementar, refira-se que, no setor bancário, comparar as grandezas simples de capital e ativo total faz pouco sentido. As medidas técnicas de estrutura de financiamento deste setor incorporam, há muito, não uma simples ratio capital /ativo, mas sim outras mais adequadas como, por exemplo, Core Tier, que avalia a relação entre o capital e os designados Risk Weighted Assets (RWA). Ou seja, ativos ponderados pelo risco. [7]

E é assim porque um título de dívida pública com notação de rating A, para referir este ativo, não tem o mesmo risco que um instrumento derivado com traços especulativos. Ou seja, a comparabilidade de ratios bancárias implica, como atrás já se referiu, uma especial avaliação  da estrutura de risco incorporada nos ativos das distintas entidades.

Acresce que a análise funcional, constante do dossier de preços de transferência (p. 33 a 36) junto aos autos, evidencia que a repartição de funções era diversa entre as duas entidades. Ora tal diversidade nos elementos centrais da avaliação da comparabilidade (ativos, funções e risco) deveria ter conduzido a uma análise de comparabilidade (exigida pela lei com parâmetros explícitos) que está ausente no RIT.

Adicionalmente, e como resulta da Portaria 1446-C/2001, no caso vertente seria desejável que se analisassem "As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão...". O RIT é também omisso relativamente a este ponto.

O que a Requerida designa por  "estrutura de financiamento de plena concorrência" foi apurada a partir de uma relação entre capital próprio e ativo, impondo a sua igualdade no Grupo e na sucursal. Ora, além de se fundar numa base para a qual que se não vislumbra suporte legal, nem apoio técnico nas regras aplicáveis ao setor bancário, nem - como adiante se mostrará - um inequívoco um suporte doutrinal da OCDE, olvida ainda que a diversidade da estrutura dos ativos, funções e risco não imporia, bem ao invés, uma inevitável igualdade entre estas duas ratio de financiamento - a do grupo e a da sucursal.

Na verdade, a investigação em finanças empresariais tem mostrado que uma das variáveis determinantes da estrutura de financiamento de uma entidade empresarial (designadamente a relação entre capital próprio e dívida), é explicada pela estrutura do ativo.[8]  Estruturas de ativos com maior risco são, em geral, mais cobertas por capital próprio, enquanto que ativos com menor risco, com maior nível de garantia e de colaterais, implicam menos capital próprio.

Com estruturas de ativos de balanço tão díspares, como antes se evidenciou, não é congruente exigir que, num plano de plena concorrência, e na aplicação ao caso da análise de comparabilidade, se chegue ao resultado que a Requerida apurou como necessidades de capital próprio.

 

B) Da aplicação do preço comparável de mercado

 

A análise efetuada no RIT enferma, no entender do tribunal, de um outro vício. Vejamos.  Uma coisa é entender-se, e bem, que a análise dos preços de transferência - no que a lei apelida de “termos e condições” – pode abranger preços, outros fenómenos económicos e financeiros, e ainda a comparação de custos, de margens, a repartição de lucros, a utilização de métodos assentes em fluxos de caixa descontados, e todos os outros elementos ou métodos que, em cada caso concreto, se revelem apropriados para determinar esses termos e condições.

Porém, a partir do momento em que se elege um método – neste caso o “preço comparável de mercado” – fixa-se um certo procedimento analítico. Ou seja, adota-se um certo modo de atuação técnico-fiscal. E, a partir daí, haverá que analisar preços comparáveis de mercado.

Como aliás se determina no art. 58º do CIRC (à data) e no art. 6º da Portaria 1446-C/2001, o preço comparável de mercado há de caraterizar-se por determinados elementos essenciais, e que são:

- A sua adopção requer o grau mais elevado de comparabilidade, com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

- Este método pode ser utilizado, designadamente:

a) numa vertente de preço comparável interno, quando a entidade sob avaliação realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

a) numa ótica de preço comparável externo, quando duas entidade externas (independentes) realizam uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

 

Seja qual a modalidade escolhida, a) ou b)  ela exigirá a comparação de preços. Ou aqueles que a entidade em análise utiliza em transações similares com entidades terceiras, dela independentes; ou buscando em transações comparáveis efectuadas por entidades independentes entre si.

Não é entendimento deste tribunal que o advérbio "designadamente", que consta do artigo 6º da Portaria, ao caracterizar a aplicação do Preço comparável de mercado, tenha efeitos legais tão amplos e flexíveis que permita que se designe assim um método que compare quantidades, e não preços. Porque foi isso que a Requerida fez.

E também não será porque a Requerida considerou que, "neste caso concreto, a questão da comparabilidade assume contornos que evidenciam algumas especificidades", que o procedimento usado no RIT configura um preço comparável de mercado. Até por que não se justifica de que forma esses "contornos" e essas "especificidades" implicam o uso de um método que a AT designou por "preço comparável de mercado" mas que não apresenta os traços distintivos de tal método.

Ao afirmar-se, como bem se afirma no RIT (p.56), que a aplicação do preço comparável de mercado implica a comparação de preços, e depois na p. 58 se concretiza tal princípio  sustentando que a aplicação do método consistiu, in casu,  na comparação da estrutura de capital da sucursal com a do Grupo, a Requerida efetua uma análise que enferma de severa inconsistência.

É que na comparação de duas estruturas de capital - medidas pela ratio entre capital próprio e o ativo - não se observa qualquer referência a um preço comparável de mercado. Nenhuma das componentes da percentagem dada por (Capital próprio/Ativo)  representa uma remuneração ou contrapartida. Tal ratio não é um preço.

Nenhuma doutrina ou norma financeira classifica o quociente que se designa por “autonomia financeira” – relação entre capital próprio e ativo, usada no RIT – com um “preço”, e sim com um indicador de equilíbrio financeiro de longo prazo.

Não se usou, para mais, no método que a AT elegeu, uma vertente de preço comparável interno, pois não se refere qual a operação com entidades independentes, nem quanto a um hipotético preço comparável externo. Nem o procedimento usado para, supostamente, aplicar o método assenta numa qualquer lógica assimilável a um preço, que pudesse, ainda assim, ser reconduzida à materialização do método em relação ao caso concreto. Há, pois, uma lacuna essencial na escolha e fundamentação do método usado, o que inquina a análise e a correção efetuada pela Requerida quanto a este ponto.

Além do mais, a lei á clara ao dizer que tal método exige o maior grau de comparabilidade entre as entidades intervenientes. Mas terão de ser entidades intervenientes que permitam que uma delas sirva como referencial externo, independente, que opera at arm´s lenght. Ora nada disto se observa quando a comparação se faz entre uma sucursal e um grupo em que se integra. E este é o segundo vício que a utilização do preço comparável de mercado aqui introduz.

Dito de outro modo, o preço comparável de mercado que a Requerida afirma ter utilizado, nem é preço, nem é comparável, nem é de mercado.

Não constitui preço porque é apurado a partir de uma simples ratio entre duas quantidades de capital. Nenhuma delas respeita a remuneração de fundos; nem a percentagem traduz uma relação de troca. Ora, o preço de certa uma quantidade monetária pode ser, por exemplo, uma taxa de juro contratada relativamente a um empréstimo. Ou o prémio pago por uma opção de compra  (call option). Mas não uma ratio de autonomia financeira.

 Não é comparável, porque não é o que lei define como comparável interno nem externo, nem algo de supostamente equiparável.

Por sobre tudo isto, não é de mercado, pois usa-se uma comparação baseada numa relação vinculada (entre sucursal e casa mãe) para se apurar um comparável dito independente ou de mercado livre.

Em suma, o tribunal não convalida tal abordagem.

 

C) Sobre a razão de ser da ratio de estrutura de capital do Grupo como termo de comparação

A AT estriba a sua utilização da ratio entre capital próprio e ativo do Grupo como referencial para a estrutura de financiamento da sucursal no § 83 do Relatório da OCDE de 1984.

Como se viu antes, fá-lo do seguinte modo (p. 45 do RIT):

Sucede que  o dito parágrafo inclui ainda a seguinte afirmação, como aliás também se refere no estudo de João Espanha ("A ofensiva do free capital";  in J. Taborda da Gama (coord.) "Cadernos de preços de transferência", Coimbra, Almedina, 2013, p.141 e seg.)[9]:

"Alguns países consideram porventura cómoda a utilização de um percentagem fixa do capital do banco a nível mundial; no entanto, este procedimento, em certa medida arbitrário, é suscetível de falsear os resultados, podendo exigir disposições complementares que permitam à sucursal efetuar a substituição desse montante por um ouro quando possa justificar tal medida".

Ora, no entender do tribunal, nem seria preciso que a OCDE rodeasse destas cautelas a aplicação dessa hipotética recomendação. Bastaria a leitura das Diretrizes da mesma organização, e da lei nacional sobre os elementos a tomar em conta na análise de comparabilidade, para que tal posição seja evidente.

Num exemplo simples, suponha-se que a casa-mãe de um grupo bancário internacional se dedica a todo o tipo de operações (v.g., crédito comercial de curto prazo, derivados, repos, crédito pessoal, leasing financeiro e operacional, dívida pública, fusões). Admita-se que possui duas sucursais. E que uma da suas sucursais  se especializa em crédito automóvel e uma outra em crédito à habitação. É por demais evidente que a estrutura de financiamento das três entidades não tem de ser igual, face á diversidade de ativos, funções e riscos.

Com efeito, a pura e simples equiparação da ratio de financiamento de longo prazo entre um grupo bancário e uma sucursal, sempre exigiria, previamente, que se analisassem elementos como: composição dos ativos de uma e outra entidade, funções desempenhadas e riscos assumidos por uma e outra; risco-país onde ambas atuam; rating do grupo e da sucursal enquanto entidade autónoma, e outros elementos comparáveis de instituições bancárias.

No caso vertente, já se viu que a estrutura do ativo, as funções e riscos assumidos, tudo isto constante do Dossier de preços de transferência junto aos autos, não são de molde a induzir como razoável a pura e simples equiparação das estruturas de financiamento em capital próprio de entidades tão díspares, no plano da comparabilidade que a lei determina.

Assim, não só a OCDE não apresenta, no seu estudo de 1984, o grau de taxatividade ou determinismo sobre o tema em causa, como a simples aplicação da matriz técnico-fiscal que se deve usar na análise de comparabilidade inviabilizaria a atuação da AT, quanto a uma aplicação automática da ratio do Grupo à sucursal.

O que se disse antes no ponto A) "A relação entre o capital do grupo e da sucursal em função dos ativos funções e riscos que ambas as entidades evidenciam" tem aqui pelo cabimento jurídico-analítico.

 

 

J.3 O tipo de fundos usados pela sucursal na sua relação com o Grupo: uma lacuna adicional de comparabilidade

 

A noção de equilíbrio financeiro, ou de estrutura de financiamento empresarial, assenta na comparação das fontes de financiamento de uma entidade (capitais próprios e dívida) com os ativos que tais fontes suportam ou financiam. Como refere João C. Neves[10], “o conceito de equilíbrio financeiro é  usado para estudar a adequação do financiamento à estratégia de investimento e de gestão do ciclo de exploração da empresa. Assim, o equilíbrio financeiro consegue-se com uma correta harmonização entre os tempos de transformação dos ativos em dinheiro e o ritmo de transformação das dívidas em passivo circulante exigível”.

O equilíbrio financeiro pode estudar-se a partir de duas abordagens. Uma, de curto prazo, tem como indicadores fundamentais o chamado Fundo de Maneio  e as ratios de liquidez. A outra -  ótica de longo prazo - assenta na  autonomia financeira (proporção de capital próprio que financia os ativos) e solvabilidade (capital próprio/passivo).

No caso em apreciação, ao comparar-se capital próprio com o ativo, está-se a quantificar uma relação de autonomia financeira, de equilíbrio de longo prazo. Dito de outro modo, sendo o capital próprio um meio de financiamento tipicamente estável, que permanece adstrito ao suporte financeiro dos ativos por prazo superior a um ano, estamos no domínio da análise do equilíbrio financeiro de longo prazo.

Tendo-se provado que os fundos tomados de empréstimo pela sucursal junto do Grupo envolviam prazos típicos entre 1 a 6 dias, resulta daqui uma contradição entre o objetivo da análise e o tipo de fundos cedidos pelo Grupo à sucursal. Tais fundos serviriam para o seu giro corrente de negócios, e não para um suposto capital imobilizado. Quer isto dizer que não é adequado "transformar" ou equiparar a  um capital próprio fundos com este grau de volatilidade, tomados por dias, sem um carácter de permanência estrutural na sucursal.

Também aqui a comparabilidade das operações, nos termos e condições da cedência dos empréstimos, não foi devidamente avaliado.

Além de que é o próprio RIT que, a p. 49, sustenta, na esteira de posições assumidas pela AT e pela OCDE, que se os fundos se destinarem a financiar a exploração normal e corrente, e não se destinarem a substituir entradas de capital estável, então haverá dedutibilidade dos juros. Ora, in casu, empréstimos por prazos de  1 a 6 dias não serão certamente equiparados à realização de capital de base ou fundos de capital próprio.

E não é por a taxa de cedência desses fundos ser uma taxa que o Grupo obteve no mercado que o problema da comparabilidade é ultrapassado quanto a este preciso ponto. É que a entidade financiada é a Sucursal. O preço comparável de mercado, para esta entidade sob inspeção, seria o que ela obteria (tendo em conta a sua estrutura de ativos, os seus riscos e funções, a situação prevalecente no país, e outros elementos de comparabilidade) junto de entidades financiadoras independentes Ou, então, a taxa a que um financiador independente negociaria com uma outra entidade  independente  de características  económico- financeiras semelhantes ou comparáveis ás da sucursal.

As condições praticadas numa operação efetuada no contexto da relação direta entre a sucursal e a casa mãe não poderá servir de comparável numa análise de preços de transferência. Como antes se mostrou, entende o tribunal que o arrimo do Relatório da OCDE, de 1984, é demasiado frágil, porque não é utilizável sem uma adequada análise de comparabilidade imposta pela lei, enferma de uma formulação muito pouco afirmativa ou determinante, e rodeia tal formulação de limitações e escolhos de aplicação, que se não pode fundar nele uma correção como aquela que a Requerida levou a cabo.  As razões para tais cautelas e dúvidas aplicacionais (compreensíveis) das disposições do relatório da OCDE foram antes dilucidadas e são perfeitamente consistentes com os cuidados  a ter na análise de comparabilidade.

Também nada disto surge no RIT, retirando sustentação à posição da Requerida.

Em conclusão, por tudo o que antes se explanou, julga-se procedente o pedido da Requerente, quanto a este ponto.

 

III-3- Dos juros indemnizatórios

 

Como ficou dito e resulta do probatório, o Requerente procedeu ao pagamento da liquidação adicional, solicitando a restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). Como ficou dito na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º296/2019-T, “É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).”

No caso dos autos, tendo-se concluído, como decorre do que foi atrás dito, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação parcial dos atos tributários em causa e à consequente devolução do montante pago pela Requerente, nos termos do disposto no artº 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, na proporção do respetivo vencimento, contados desde a data do pagamento até à data da sua efetiva e total restituição.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal

 

  1. Julgar improcedente o pedido relativo ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico  relativamente às correções que incidiram sobre os custos identificados nas Contas: # 70881 (€ 6.094,60 e €4.796, 20);  # 70883 (€ 1 739,40); #70885 (€ 6752,00); #711210 (€ 42 727,48); # 6889 ( €526.011, 77), bem como referentes aos custos não devidamente documentados no valor de €1 142 599, 48 (Conta #7113199), com a consequente manutenção da liquidação adicional nesta parte, incluindo no que se refere às tributações autónomas aplicadas;
  2. Julgar procedente o pedido no que se refere às correções relativas aos custos identificados na Conta #7113199 (€43.774, 92) e Conta # 711820 (€100.000, 00), com a consequente anulação da liquidação adicional nesta parte, incluindo no que se refere às tributações autónomas aplicadas;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido relativo ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico, no que se refere às correções relativas aos custos identificados na Conta #72889 (€343, 095, 73), com a consequente anulação da liquidação adicional nesta parte, incluindo no que se refere à tributação autónoma;
  4. Na sequência do disposto na alínea anterior, manter na ordem jurídica a liquidação adicional, incluindo a tributação autónoma na parte restante;
  5.  Julgar procedente o pedido relativo ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativamente às correções que incidiram sobre os custos com indemnizações da responsabilidade dos colaboradores do banco no montante de € 23.306,74, com a consequente anulação da liquidação adicional nesta parte;
  6. Julgar improcedente o pedido relativo às perdas por imparidade no valor de €             153.091,72;
  7. Julgar improcedente o pedido relativo ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativamente às correções que incidiram sobre a imputação de encargos decorrentes de serviços informáticos e de utilização de linhas informáticas para a transmissão e aquisição de informação diversa no montante total de € 2.788.286,76, com a consequente manutenção da liquidação adicional nesta parte;
  8. Julgar procedente o pedido relativo ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativamente às correções que incidiram sobre a imputação de encargos gerais de administração, no valor de € 3.064.482,16;
  9. Julgar procedente o pedido relativo ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativamente às correções que incidiram sobre preços de transferência, no valor de € 5.024.087,00;
  10. Condenar a Requerida na devolução o imposto indevidamente pago, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios, na proporção do respetivo vencimento da Requerente, contados desde a data do pagamento até à data da sua efetiva e total restituição.

 

 

 

V. VALOR DA CAUSA

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €  4.023.128,44.

Notifique-se.

 

 

 Lisboa, 2 de Novembro de 2021

 

Os Árbitros

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

 

António Martins

 

 

 

Diogo Feio

 



[1] Cfr. o Acórdão de 27/9/2000, recurso nº 25033.

[2] Cfr. “Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 365, 1992, pp. 346 ss.

[3] Ver Ana Maria Rodrigues [Coord.] “2016) "SNC - Sistema de Normalização Contabilística"
Coimbra, Almedina; João Rodrigues, (2016) "SNC - Sistema de Normalização Contabilística Explicado" Porto, Porto Editora e Avelino Antão, Cristina Gonçalves, Rui de Sousa, António Pereira, Amadeu Figueiredo, Adelino Sismeiro e Guilhermina Freitas (2007), "O sistema de normalização contabilística", Revista TOC, 92, p. 22-35.

 

 

[4] Veja-se António Martins (2017), “A evolução da tributação das pessoas coletivas: a propósito da relação normativa entre o resultado contabilístico e o resultado tributável desde a Contribuição Industrial até à atualidade”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, vol. IX, 4, p. 75-142

 

[5] Veja-se a tradução portuguesa do relatório de 1995 OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais. Lisboa: Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 189; bem como OECD (2010) Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations.

 De salientar que, em julho de 2017, foi publicada uma nova versão das Guidelines. Esta versão surge no âmbito do Plano de Ação relativo à Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting - BEPS.

[6] Veja-se, sobre este tema, Xavier, Alberto (2011) Direito Tributário Internacional. 2ª Edição. Coimbra: Almedina; Silva, Rosa M. F da (2006) “O papel da comparabilidade na determinação dos preços de transferência” Revisores & Auditores. Out/Dez, p.36 - 49; Pereira, Manuel Freitas (2014) Fiscalidade. 5ª Edição. Coimbra: Almedina; Andrade, Fernando R. (2002). “Preços de transferência e Tributação de Empresas Multinacionais: As evoluções recentes e o novo enquadramento jurídico português.” Boletim de Ciências Económicas. XLV-A, 307-348.

 

 

 

 

 

[7] Veja-se, no site do Banco de Portugal:

 “Risk-weighted exposures represent a measure of the risks of the activity carried out by the institution, including credit risk, market risks (comprising foreign exchange risk and trading book risks) and operational risk, which are calculated according to decree-laws No. 103/2007 and no 104/2007 of 3 April, and other related regulations.”, disponivel  em : https://www.bportugal.pt/en/comunicado/notice-banco-de-portugal-core-tier-1-capital-ratio-0

[8] Veja-se Ross,  S., Westerfield, R., Jaffe J., and MJordan M.(2010) Corporate finance, New York, McGraw Hill; Damodaran. A (2011) Applied Corporate finance. , New York, Wiley.

 

[9] ver, em espcial, p. 160-164.

[10] Ver Neves, João  C. (2012) Análise e Relato Financeiro, Lisboa, Texto. No mesmo sentido, ver Cohen, E. (1996), Análise Financeira, Lisboa, Presença.