Sumário
I. A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que, enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou, praticadas no âmbito da liquidação da massa insolvente.
II. A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, é um benefício que emerge automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos. A sua aplicação, após a caducidade da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código do IMT, constitui um momento idóneo para verificação e declaração de benefício fiscal cujos pressupostos se verifiquem no momento da aquisição do imóvel e com força jurídica bastante para impedir a liquidação do imposto nos termos gerais.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
Partes: A..., LDA. com o número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º..., ...‐... Lisboa, doravante designada de Requerente ou Sujeito Passivo, e AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.
No dia 21-06-2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 23-06-2021, conforme consta da respetiva ata.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como arbitro o Exmo. Dr. Paulo Ferreira Alves, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.
Em 05-08-2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Deste modo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 24-08-2021.
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa do Imóvel (“IMT”) n.º..., no montante total de €35.880,00, o seguinte:
a. A Requerente é uma sociedade cujo objeto social inclui a prestação de serviços de consultoria para a aquisição e gestão de carteiras de crédito ou quaisquer direitos reais, bem como a aquisição e gestão de carteiras de crédito, da titularidade de instituições de crédito.
b. Nos termos dos Estatutos da Sociedade, a Requerente, dedica‐se ainda «à compra e venda de imóveis, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis pertencentes à sociedade ou a terceiros, ao arrendamento e a outras formas de exploração de bens imóveis», entre outras atividades».
c. No âmbito da sua atividade, a Requerente, no dia 19 de Dezembro de 2014, adquiriu o imóvel U‐...‐D, no âmbito de processo de insolvência n.º .../13...TYVNG.
d. Defende, que a aquisição em análise beneficiou da isenção (provisória ou condicionada) de IMT prevista no artigo 7.º do Código deste imposto, i.e. isenção pela aquisição de prédios para revenda.
e. Mais alega que se verificou, entretanto, a caducidade da isenção de IMT aplicada.
f. Entende a Requerente que o ato de liquidação de IMT é ilegal, porque emitido pela AT com base em manifesto erro na interpretação e aplicação in casu das regras de Direito aplicáveis.
g. Alega a Requerente, que a operação de aquisição do imóvel aqui em apreço deveria ter beneficiado da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, uma isenção definitiva – e não da isenção de IMT estabelecida no artigo 7.º do Código do IMT. E, como tal, nunca esta operação deveria ter gerado qualquer liquidação de IMT.
h. Sustenta que à data da realização da operação em análise, defendia a AT – em sentido contrário à jurisprudência e à doutrina – que aquela isenção de IMT consagrada no CIRE tinha um âmbito de aplicação deveras limitado, podendo a mesma ser aplicada única e exclusivamente nas situações em que estivesse em causa a aquisição da “universalidade dos bens”.
i. Mais defende, que resulta evidente que o ato tributário de liquidação de IMT em análise padece de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, por erro dos serviços.
j. Pelo que, não podendo a Requerente concordar com aquele entendimento da AT e (logo) com o ato tributário de liquidação de IMT sub júdice, vem apresentar o presente pedido face a tal ato, requerendo a sua anulação e o reembolso do imposto em causa.
A Autoridade Tributária, devidamente notificada em 01-09-2021, nos termos do artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, na qual em suma, sustentou o seguinte:
a) Alega, que o motivo subjacente ao pedido não reside em quaisquer questões sobre o alcance da isenção do IMT prevista no artigo 7.º n.º 1 do CIMT, ou do fundamento legal das liquidações de IMT ora controvertidas, mas apenas e tão somente, o objetivo da Requerente, é o de ser aplicado aos factos tributários ocorridos em 2014, a isenção prevista no art.º 270.º n.º 2, do CIRE, dado tal isenção não se encontrar sujeita a qualquer condição resolutiva de caducidade, ao invés do que acontece com a isenção de IMT prevista no artigo 7.º n.º 1 do CIMT.
b) Que relativamente a esta questão, tal como se retira dos documentos juntos aos autos e dos factos supra identificados, a isenção do IMT - n.º 1 artigo 7.º do CIMT – de que beneficiou a aquisição dos prédios em questão, resultou da própria declaração Mod.1 apresentada pela Requerente, por ser uma isenção criada especificamente em sede de IMT, de carácter estrutural, específica, para beneficiar as aquisições efetuadas por empresas que exercem a atividade de compra para revenda.
c) Diz, tratar-se de uma isenção automática que depende da declaração Mod 1 apresentada pela Requerente e, não estava na disposição da Entidade Requerida “escolher” qual a isenção que melhor serviria os interesses da Requerente.
d) Razão pela qual, a Administração Fiscal, na sequência da Mod 1 apresentada, a Requerente beneficiou da isenção nos termos do n.º1 do artigo 7º do CIMT.
e) Posteriormente, a requerimento da Requerente foi emitida a liquidação ora controvertida, em razão da verificação da condição resolutiva de caducidade prevista no artigo 11.º n.º 5 do CIMT, pelo que se mostra devida porque emitida de acordo com o quadro legal constante do CIMT, não padecendo, por isso, das ilegalidades que vêm assacadas.
f) E pela mesma razão, não se vê como pode ter ocorrido qualquer erro dos serviços nem na verificação dos pressupostos, nem na atribuição da isenção, que simplesmente foi concedida de acordo com o requerido.
g) E não se diga, como faz a Requerente, que a isenção prevista no nº 2 do artigo 270º do CIRE não foi aplicada por ser outro, o entendimento da Administração Fiscal, à data, sobre a interpretação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.
h) É que, ao ter beneficiado da isenção nos termos do artigo 7.º n.º 1 do IMT, tal benefício tornou-se eficaz no momento do nascimento da obrigação tributária, que, ao impedir a tributação, inviabilizaria a possibilidade – ainda que hipotética – de funcionar, relativamente à mesma situação, a previsão contida na norma que estabelece uma outra isenção.
i) Assim, cabendo ao interessado a iniciativa de solicitar a isenção através da declaração Modelo 1 de IMT, tem-se por certo que a Requerente, concordou com a isenção atribuída nos termos do artigo 7.º n.º 1 do IMT, e em tempo, não reagiu socorrendo-se de quaisquer dos meios de defesa que a lei lhe conferia, fazendo prova dos factos constitutivos do direito à isenção que agora pretende ver ser-lhe atribuída.
j) Importa voltar a referir, que as condições para usufruir de uma isenção de IMT têm de ser aferidos no momento em que ocorre o facto gerador de imposto que a isenção visa impedir na medida em que a obrigação tributária em sede de IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão (cf. n.º 2 do art.º 5.º do CIMT), pelo que perante uma factualidade hipoteticamente enquadrável em ambas as previsões, n.º 1 do art.º 7.º do CIMT/ n.º 1 do art.º 270.º do CIRE, não se mostra legalmente possível qualquer tipo de aplicação cumulativa ou sucessiva de benefícios fiscais.
k) Desse modo, a usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduz-se na verificação de um facto impeditivo da tributação e invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.
l) Conclui-se, pois, que na precisa e concreta situação em apreço a liquidação de IMT emitida em razão de os imóveis em questão não terem sido alienados no prazo de três anos a contar da data de aquisição, mostra-se emitida em conformidade com o quadro legal suprarreferido, não sendo aplicável aos factos tributários em causa a isenção a que se refere o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, tal como vem defendendo.
m) Decorre de todo o exposto que a liquidação de IMT em crise assenta numa interpretação correta das normas de isenção fiscal e que nenhuma censura merecem, devendo manter-se por não padecer de qualquer ilegalidade.
Ambas as partes concordaram com a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
II. Matéria de facto
i. Factos provados
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, consideram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os seguintes factos:
a) A Requerente adquiriu, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TYVNG, no dia 19 de dezembro de 2014, o imóvel U...-D, destinado a comércio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... (...), concelho de Gondomar.
b) A Requerente requereu e beneficiou de isenção de IMT prevista no art. 7º nº 1 destinada a aquisições para revenda, conforme declaração Modelo 1, submetida pela Requerente junto da AT.
c) A Requerente não vendeu o imóvel adquirido, no prazo de 3 anos previsto no art. 7º, nº 1, pelo que nº 5 do artigo 11º do CIMT, pelo que caducou a respetiva isenção.
d) A Requerente solicitou, por mail, a liquidação do IMT, o que gerou a correspondente liquidação em 05-04-2021.
e) Em 06-04-2021 a Requerente efetuou o pagamento da liquidação identificada sob o DUC n.º..., no valor de € 35.880,00.
f) Em 20/06/2021 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
ii. Factos não provados
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
Não existe controvérsia sobre os factos relevantes para a decisão da causa.
III. Questões Decidendas
Atenta as posições assumidas pelas partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas as seguintes, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
(i) Declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa do Imóvel (“IMT”) n.º...;
(ii) Do direito a juros indemnizatórios.
IV. Matéria de direito
a. Legalidade do ato de liquidação
No caso vertente, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa do Imóvel (“IMT”) n.º..., designadamente apreciar a aplicação da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
Vejamos a posição das partes sobre esta matéria.
Em suma, a Requerente invoca, a seu favor, que a ilegalidade da liquidação, porquanto a operação de aquisição do imóvel, aqui em apreço, deveria ter beneficiado da isenção definitiva de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, e não da isenção de IMT estabelecida no artigo 7.º do Código do IMT. Defende, que nunca esta operação deveria ter gerado qualquer liquidação de IMT. E que à data da realização da operação em análise, defendia a AT, em sentido contrário à jurisprudência e à doutrina, que aquela isenção de IMT consagrada no CIRE tinha um âmbito de aplicação deveras limitado, podendo a mesma ser aplicada única e exclusivamente nas situações em que estivesse em causa a aquisição da “universalidade dos bens.
Em oposição, a Requerida sustenta que não existe qualquer erro dos serviços, ou na verificação dos pressupostos, nem na atribuição da isenção, porquanto foi concedida de acordo com o requerido. E defende, que as condições para usufruir de uma isenção de IMT têm de ser aferidas no momento em que ocorre o facto gerador de imposto que a isenção visa impedir na medida em que a obrigação tributária em sede de IMT constitui-se no momento em que ocorre a transmissão (cf. n.º 2 do art.º 5.º do CIMT), pelo que, perante uma factualidade hipoteticamente enquadrável em ambas as previsões, n.º 1 do art.º 7.º do CIMT, n.º 1 do art.º 270.º do CIRE, não se mostra legalmente possível qualquer tipo de aplicação cumulativa ou sucessiva de benefícios fiscais.
Prosseguindo a análise da questão controvertida, a Requerente peticiona a ilegalidade da liquidação, por entender que a isenção aplicável não é a prevista no art. 7º nº 1 do CIMT, mas sim, a isenção definitiva prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
Dos autos resulta que a Requerente, adquiriu um imóvel em 19-12-2014, no âmbito de um processo de insolvência, e à data solicitou a isenção pela aquisição de prédio para revenda, nos termos do disposto no art. 7º nº 1 do CIMT, com uma isenção temporária de IMT de 3 anos para revenda do imóvel. Findo esse prazo de 3 anos, a Requerente não procedeu à revenda do imóvel, e voluntariamente, solicitou à Autoridade Tributaria, a emissão da liquidação do IMT, ora em apreço, gerada em 05-04-2021, por caducidade da isenção referida.
Assim, a liquidação em sede de IMT, foi emitida com base nas declarações do sujeito passivo, quer no momento da aquisição e aplicação da isenção, quer, no momento da caducidade e solicitação da liquidação.
E como o imóvel não foi revendido dentro do prazo de três anos, deixou de beneficiar da isenção, conforme se encontra estipulado no artigo 11.º, n.º 5, do CIMT, nos termos do qual “a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique (...) que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos (...)”.
A Requerente, não demonstrou ter solicitado à Autoridade Tributaria, a aplicação de isenção nos termos do n.º 1 do art.º 270.º do CIRE. A Autoridade Tributaria, procedeu à emissão da liquidação sub judice com base nas instruções e informações fornecidas pelo sujeito passivo.
Por conseguinte, resulta do probatório, aquando do preenchimento da Modelo 1 do IMT, o sujeito passivo fez constar da declaração, que o prédio em causa se destinava a revenda, não tendo requerido à AT, a aplicação da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE. Foi aplicada nos termos do disposto no artigo 7.º do CIMT, e nesse momento, a liquidação não foi sujeita a contestação graciosa ou contenciosa por parte da Requerente.
A Requerente, em sede administrativa, no momento da atribuição da isenção, e ou no momento da emissão da presente liquidação, não peticionou correção ou substituição do ato tributário.
Retomando a apreciação do mérito da causa, vejamos se o benefício fiscal consubstanciado na isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imoveis, prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, pode ser concedido à Requerente, produzindo os consequentes efeitos legais.
Iniciaremos por analisar num primeiro momento, se a Requerente preenche os requisitos legais da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, e num segundo momento, se essa isenção lhe pode ser concedida.
vejamos,
Quanto ao momento da constituição do direito à isenção em sede de IMT, estipula o n.º 2 do artigo 5.º do Código do IMT, que “A obrigação tributária constitui-se no momento em que ocorrer a transmissão”,
O momento da transmissão, da aquisição por parte da Requerente ocorreu em 13-12-2014, constituindo-se nessa data a obrigação tributaria, cuja liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, ou, é promovida oficiosamente pelos serviços de finanças sempre que os interessados não tomem a iniciativa de o fazerem dentro dos prazos legais, nos termos do disposto no art.º 19.º do CIMT.
Vejamos o que dispõe o artigo 270.º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004:
1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;
b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;
c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores;
2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
A questão decidenda não é uma questão nova, tendo sido já amplamente debatida em Tribunais, judiciais e arbitrais, que se seguirá de perto, temos presente, em particular, o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2017, de 2017-05-29: “Uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Desta forma, conforme factualidade assente, a Requerente adquiriu no dia 19 de dezembro de 2014, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TYVNG, o imóvel U...-D, destinado a comércio, preenchendo assim, os requisitos para beneficiar da isenção de IMT prevista pelo artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.
Compete agora, proceder à análise da segunda questão, se a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, lhe pode ser concedida, designadamente, se pode ser solicitada e aplicada essa isenção em momento posterior à liquidação do imposto efetuada nos termos do artigo 34.º do CIMT, e, após ter caducado a isenção declarada e concedida nos termos do artigo 7.º e nº 5 do art.º 11.º, ambos do CIMT.
O benefício da isenção de IMT, previsto no art.º 270.º do CIRE, é de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no nº 1 do art. 19.º do CIMT, conforme decorre da al. d) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT.
Sobre o direito aos benefícios fiscais dispõe no artigo 12.º do EBF, “reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos”, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo por parte da administração.
Pelo que a caducidade da isenção, atribuída nos termos do artigo 7.º do CIMT, não acarreta a extinção do benefício fiscal previsto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição do imóvel em causa.
Sobre esta problemática, já se pronunciou igualmente jurisprudência arbitral, em concreto no processo nº 20/2018-T de 16 de julho de 2018 do CAAD, de relevo para o presente processo, onde foi decidido, no seguinte sentido:
Um dos problemas a resolver prende-se com a questão de saber se existe, na matéria extrafiscal em causa, algum princípio jurídico, no caso de carácter transpositivo, que impeça a cumulação de benefícios fiscais diversos e distintos ou o seu reconhecimento e/ou atribuição em momentos sucessivos da vida de um determinado imposto.
Ora, sem prejuízo da discricionariedade constitutiva do legislador, poder estabelecer critério legal diferente – cf. v.g. o artigo 41.º B, n.º 3, do EBF –, a verdade é que não é verdadeiramente possível identificar neste domínio da extrafiscalidade qualquer limitação axiológica ou petição dos princípios que afaste a possibilidade de ponderar, relativamente a um determinado sujeito ou a uma certa situação de facto, a aplicabilidade de diversos benefícios fiscais “concorrentes” entre si, e de, inclusivamente, se poder equacionar a possibilidade de “convolação” de isenções (cf. a Circular 16/88, junta pela Requerida).
Esclarecida esta dimensão propedêutica, pode entrar-se com maior propriedade na análise do regime legal, sempre tendo presente o caso concreto como prius analítico.
Tanto a isenção de prédios para revenda como a isenção constante do artigo 270.º, do CIRE, são isenções de carácter automático, como resulta do artigo 10.º, n.º 8, alíneas a) e b), do CIMT. Dessa natureza resulta, em aplicação do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do EBF, que em ambos os casos estamos perante benefícios que resultam direta e imediatamente da lei, não pressupondo qualquer ato administrativo em matéria tributária de reconhecimento. Mais. Estamos perante benefícios fiscais cujo direito é reportado à data da verificação dos pressupostos, o que pressupõe, para a isenção prevista no artigo 7.º, que o prédio tenha sido adquirido para revenda, e, no caso da isenção prevista no 270.º, n.º 2 do CIRE, que o imóvel tenha sido, por exemplo, adquirido no âmbito de um plano de insolvência ou no âmbito da liquidação da massa insolvente.
No caso, foi declarado pelo adquirente que o prédio tinha sido adquirido para revenda, pelo que, verificando-se o direito a esse benefício fiscal, foi o mesmo declarado, tendo a liquidação do imposto sido realizada com base nesse pressuposto, pelo que, o sujeito passivo beneficiou de tal isenção durante o período de três anos. Findo esse período, a caducidade ou perda de eficácia da isenção opera, também automaticamente, ou seja ipso iure e produz efeitos ex tunc, cabendo ao sujeito passivo solicitar uma nova liquidação do imposto.
Ao solicitar essa liquidação, a Requerente admite a extinção desse concreto benefício fiscal, solicitando, porém, que seja verificada e declarada a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, atenta a verificação dos respetivos pressupostos.
Estando em causa um benefício que emerge automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a administração não poderá deixar de apreciar a subsistência dessa isenção previamente à liquidação oficiosa que haja novamente de efetuar, porquanto a sua verificação positiva impede que o facto tributário readquira a sua força obrigatória, razão pela qual a reposição do regime regra de tributação fica dependente não apenas da extinção do benefício fiscal condicionado pela revenda do imóvel, mas também pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração verifique e declare em momento prévio à liquidação do imposto que seja de efetuar.
Nessa medida, o disposto no artigo 14.º do EBF não pode deixar de ser interpretado sistematicamente tendo em consideração, entre o mais, o momento em que se deve considerar constituído, e, como tal, juridicamente vigente um determinado benefício fiscal, ainda que a sua declaração venha a ocorrer em momento subsequente ao caducidade de um outro benefício fiscal.
É que, no caso do benefício fiscal em causa, a administração é absolutamente vinculada, competindo-lhe uma tarefa meramente declarativa de verificação dos pressupostos legais, sendo que, no caso de se verificarem esses pressupostos, e, independentemente do momento em que essa decisão for proferida, sempre se considera que os efeitos reportam-se à data da aquisição do imóvel, bloqueando-se com isso a operatividade do facto tributário em sede de IMT.”
(…)
A existência desse direito não é afetada pela contingência de, no caso de se tratar de uma aquisição para revenda, lhe ser igualmente aplicável a disposição do artigo 7.º do CIMT, como resulta da jurisprudência do STA e deste CAAD onde se apreciaram liquidações de IMT que preteriram a aplicação do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, face à isenção prevista no artigo 7.º do CIMT.
Tendo sido declarada uma isenção sujeita a condição resolutiva que implique uma nova liquidação de imposto, essa liquidação constituirá ainda, de acordo com uma adequada interpretação da parte final do n.º 1 do artigo 10.º, conjugado com o regime do n.º 8, alínea d) e com o artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, momento idóneo para verificação e declaração de benefício fiscal cujos pressupostos se verifiquem no momento da aquisição do imóvel e com força jurídica bastante para impedir a liquidação do imposto nos termos gerais.”
Embora, situações, praticamente idênticas ao presente processo, diferenciando apenas, no facto de o sujeito passivo, ter requerido à AT após a liquidação com base no artigo 7.º do CIMT a aplicação da isenção do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, o que nos presentes caso não se verificou, em que a Requerente requereu diretamente no pedido de pronuncia arbitral.
Na referida decisão, entendeu de forma sucinta, que a legislação em vigor não impede ao sujeito passivo, requerer a isenção do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, inclusive após a aplicação da isenção do artigo 7.º do CIMT e a sua respetiva caducidade, uma vez que está em causa um benefício que emerge automaticamente da lei, e, cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, e que essa liquidação constituirá um momento idóneo para a verificação e declaração do benefício fiscal, cujos pressupostos, se verifiquem no momento da aquisição do imóvel, e, com força jurídica bastante para impedir a liquidação do imposto nos termos gerais.
Não se encontra razão ou normativo legal, para não se aplicar a mesma solução e acompanhar a jurisprudência nesta problemática.
Neste sentido, e seguindo, os normativos legais já identificados, a jurisprudência supracitada, a Requerente tem direito a requerer a aplicação da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, inclusive tendo solicitado previamente a isenção prevista no artigo 7.º do CIMT.
Por conseguinte do anteriormente exposto, procede o pedido efetuado pela Requerente.
b) Dos juros indemnizatórios
Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Sobre esta questão o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa exprimiu, em anotação ao artigo 61.º do CPPT, uma posição que merece o nosso total acordo, segundo a qual “... a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto, por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele. Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp. 531 e 532).
Esta é também a posição dominante da jurisprudência do STA (vd., Ac. STA, de 07-09-2011, recurso n.º 0416/11, disponível em www.dgsi.pt/jsta).
No caso vertente, pese embora se tenha decido pela ilegalidade da liquidação, verifica-se que a emissão da liquidação em sede de IMT, foi emitida com base nas declarações do sujeito passivo, quer no momento da aquisição e aplicação da isenção quer no momento da caducidade da mesma e solicitação da liquidação. Assim, não pode concluir-se, de acordo com o artigo 43.º da LGT, que se encontram reunidos os requisitos para a Requerente poder ser indemnizada, pelo que improcede o alegado pela Recorrente quanto aos juros indemnizatórios.
Improcede, assim o pedido da Requerente.
V. Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente os pedidos formulados e, em consequência:
i. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre a Transmissão Onerosa do Imóvel n.º ..., no valor total de €35.880,00;
ii. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
iii. Condenar a Requerida a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga no montante de 35.880,00 €.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 35.880,00 € (trinta e cinto mil oitocentos e oitenta euros), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1 836,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido principal foi procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 29 de Novembro de 2021.
O Arbitro
Paulo Renato Ferreira Alves