Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 387/2020-T
Data da decisão: 2021-11-19  IRC  
Valor do pedido: € 48.539,99
Tema: IRC; Perdas por Imparidade em Créditos; Provas de Imparidade; Reconhecimento da Imparidade.
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A.           SUMÁRIO

 

I.             As provas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento de créditos de cobrança duvidosa não têm de ter natureza documental, pelo que se aceitam contactos telefónicos, bem como contactos através de meios informáticos ou de visitas pessoais aos devedores.

II.            As perdas por imparidade em créditos em mora há mais de seis meses podem, excecionalmente, ser consideradas, para efeitos fiscais, num exercício fiscal diferente ao exercício em que foi identificado o risco de incobrabilidade, desde que não se prove que o registo em exercício subsequente resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

 

Decisão Arbitral

 

B.            RELATÓRIO

 

A..., LDA., com sede em ..., ...-... ..., ..., pessoa coletiva n.º..., (doravante, a "Requerente"), apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo da al. a), do n.º 1, do artigo 2.º, do n.º 2, do artigo 5.º, al. a), dos n.ºs 1 e 2, do artigo 10.º ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”), tendo em vista a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2018..., de 2018-09-17, resultante da declaração de substituição da Modelo 22, relativa ao exercício de 2015, com imposto (adicional) a pagar no montante de € 44.431,75 acrescido de juros compensatórios de € 4.021,98, num total a pagar de € 48.539,99.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, “AT” ou “Requerida”).

1.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 30-07-2020.

2.            Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da al. a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

3.            Em 30-07-2020, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4.            Em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15-10-2020.

5.            A AT apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em 23-11-2020.

6.            As Partes apresentaram alegações.

7.            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

8.            As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias.

9.            O processo não enferma de nulidades.

10.          A Requerente alegou, em síntese, que:

10.1.      Atendendo a que o processo se refere a um pedido de anulação de autoliquidação de IRC, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação para o diretor de finanças competente, tendo esta sido apresentada junto do Diretor Distrital de Finanças de Aveiro em 22/02/2019;

10.2.      A Reclamação Graciosa (n.º ...2019...) foi indeferida por despacho de 18-07-2019, e notificado à Contribuinte com data de 19-07-2019;

10.3.      Interpôs, em 21-08-2019, recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, que também veio a ser indeferido por despacho de 10-03-2020 notificado à contribuinte por Via CTT elaborada em 11-03-2020;

10.4.      Foi objeto de um procedimento inspetivo externo relativo ao IRC do exercício de 2015, realizada ao abrigo da Ordem de Serviço OI2018.../DI2018...;

10.5.      No âmbito dessa ação inspetiva foi informada pelo Inspetor Tributário que iria ser proposto o acréscimo ao lucro tributável de um montante global de € 197.474,42 relativo a perdas por imparidade que, no entender da Inspeção Tributária, não seriam aceites como fiscalmente dedutíveis nos termos dos artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC;

10.6.      Foi ainda informada que, caso não fizesse a regularização voluntária, com o acréscimo dos valores não aceites ao resultado tributável, seria desencadeado procedimento para correção por via do procedimento inspetivo;

10.7.      Neste contexto, apresentou em 04-09-2018 uma declaração de substituição Mod. 22 de IRC para o exercício de 2015, acrescentando à matéria coletável o valor de € 197.474,42;

10.8.      Essa declaração de substituição deu origem à autoliquidação ora impugnada de que resultou IRC, e juros compensatórios, que foram pagos em 24/09/2018 e 24/10/2018, respetivamente;

10.9.      Se dedica, entre outras atividades, ao comércio de materiais de construção, ferramentas e outros artigos similares, concedendo, neste contexto, crédito a clientes, diferindo os prazos de vencimento das suas faturas, como é habitual no comércio;

10.10.    Vários dos créditos concedidos a clientes não foram pagos pontualmente nas datas de vencimento;

10.11.    No exercício de 2015 constituiu imparidades por créditos a receber de terceiros por motivo de cobrança duvidosa, uma vez que os mesmos eram créditos resultantes da sua atividade normal;

10.12.    A inspeção tributária entendeu que as imparidades relativas aos créditos constantes da lista (anexa como Doc. 7 à Petição Inicial ou “PI”, elaborada pelo inspetor tributário), no montante de €197.474,427 não poderiam ser aceites como perdas dedutíveis à matéria coletável, nos termos do 28.º-B do Código IRC;

10.13.    A AT entendeu que tais imparidades não poderiam ser aceites alegando dois motivos:

(i)           Não existia prova documental inequívoca das diligências tomadas para cobrança do crédito;

(ii)          O risco de incobrabilidade, nos termos do artigo 28.º-B do Código do IRC ter-se-ia verificado em exercício anterior ou posterior a 2015;

10.14.    Do cotejo da lista de imparidades constata-se que, em relação a cada devedor e crédito específico, é mencionado: o n.º de cliente; o nome do cliente; as diligências efetuadas para cobrança, ou outro evento de suporte; as percentagens de imparidade constituída em função da antiguidade do crédito e o valor total do crédito;

10.15.    Muitas das imparidades estão justificadas por diligências de cobrança efetuadas por contacto telefónico com o devedor (24 casos); outras por carta registada de advogado (15 casos); outras sem alegada junção de diligências (21 casos); outras pela entrada de processos de injunção, de execução e insolvência (46 casos), registando-se ainda 1 caso de processo de injunção referente a outra dívida e carta de interpelação de advogado com data de 2018;  1 caso de consumidor final não identificado; 1 caso justificado por visita pessoal em Janeiro de 2013; e 1 caso justificado por email de Maio de 2014 e carta sem registo de Janeiro de 2015;

10.16.    Por um lado, a AT entendeu nas decisões administrativas impugnadas que as imparidades, para serem aceites como perdas, e subsumíveis ao disposto no artigo 28.º-B do Código do IRC, nomeadamente quanto ao pressuposto constante da al. c), do seu n.º 1, as provas objetivas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento do crédito têm que ser de natureza documental (devem existir provas documentais que comprovem que foram efetuadas diligências para obtenção do recebimento dos créditos em mora e que esses documentos deverão ser acompanhados de documento comprovativo da receção das mensagens (pelo devedor));

10.17.    A AT manifestara entendimento através da Saída Geral n.º 040645, no Processo n.º 1333/95, de 23-10-95, da Direção de Serviços do IRC, que diz textualmente o seguinte: “Relativamente à questão das diligências necessárias para o recebimento do crédito, a prova pode ser feita por qualquer documento que evidencie a realização das mesmas, ou por qualquer outro meio legalmente admitido, nomeadamente o testemunhal.”. Este entendimento administrativo da AT vincula-a e serve de orientação aos Contribuintes, sob pena de estarmos perante uma clara violação do princípio da confiança (para já não referir o princípio da isenção e imparcialidade que a AT deve prosseguir);

10.18.    Requereu em sede de Reclamação Graciosa a produção de prova testemunhal, tendo esta sido indeferida, o que, só por si, é motivo de anulação da decisão de reclamação graciosa;

10.19.    A decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico assume outro fundamento para continuar a rejeitar a prova testemunhal, recorrendo ao argumento que “a Saída Geral n.º ... (…) não configura uma instrução geral sobre a matéria em apreço, pelo que não constitui uma instrução doutrinal e, consequentemente, não tem carácter de aplicação geral.”;

10.20.    Ao não aceitar a prova testemunhal da imparidade e das diligências efetuadas para o seu recebimento e ao indeferir a inquirição da testemunha apresentada, a AT violou, não só a alínea c), do n.º 1 do artigo 28.º-B do Código do IRC, como violou também o princípio do inquisitório estipulado no artigo 58.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), que a obriga a realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, bem como o princípio da utilização no procedimento tributário de todos os meios de prova admitidos em direito, como estipula o artigo 72.º da LGT. Foi, também, violado o artigo 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) que determina que no “procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos, podendo designadamente (…) tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas …”;

10.21.    As decisões impugnadas devem ser anuladas por terem sido violadas as regras básicas do procedimento tributário, anulando-se consequentemente a liquidação impugnada;

10.22.    Sempre haveria imparidades que se encontram devidamente justificadas por documentos (aquelas cuja tentativa de cobrança se demonstrou por carta registada de advogado, ou por processo de injunção, ou em processo de insolvência), mas, quanto a estas, a AT também não as aceitou porque entende que as imparidades não deveriam ter sido registadas no exercício de 2015, mas sim em exercícios anteriores ou posteriores a este;

10.23.    Não se conforma com o entendimento da AT, que refere, sem fundamentar, que as perdas por incobrabilidade deveriam ser registadas em exercícios diferentes do de 2015, já que só nesse ano que a gerência da empresa teve a perceção objetiva do risco de incobrabilidade, não por qualquer outra razão;

10.24.    A NCRF 27 – invocada no projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa  – não estabelece imperativamente qual o específico evento que determina a obrigatoriedade de reconhecimento da perda, nem estabelece entre os eventos qualquer hierarquia e, de igual modo, o Código do IRC limita-se a identificar os eventos que constituem uma “evidência objetiva de imparidade”, não determinando a constituição automática de perdas por imparidade, pela mera verificação das identificadas evidências objetivas, mas sim associando tal verificação objetiva à necessidade de avaliação (subjetiva) feita pelo sujeito passivo;

10.25.    A AT reconhece que, na saída Geral n.º 040645, referente ao Processo n.º 1333/95, de 23 de outubro de 1995, da Direção de Serviços do IRC, afirma que: “o facto de um crédito se encontrar em mora há mais de 6 meses não é, por si só, um fator determinante para o considerar de cobrança duvidosa. Assim, deve ser aceite como custo, a constituição da provisão no exercício em que se considerem os créditos como de cobrança duvidosa, atendendo ao limite que compete a esse mesmo exercício. Caso o crédito seja reconhecido como de cobrança duvidosa apenas ao fim de 24 meses em mora, deverá ser registado como tal na contabilidade e constituir a provisão a 100%, sendo a mesma aceite como custo fiscal”; 

10.26.    Acresce que há um conjunto de imparidades que se demonstram devidamente justificadas por documento;

10.27.    Tal representa uma clara violação do princípio da presunção da boa-fé na atuação da Contribuinte, estatuído no n.º 2, do artigo 59.º e no n.º 1, do artigo 75.º, ambos da LGT, pelo que se conclui que as imparidades registadas deveriam ter sido fiscalmente aceites;

10.28.    Os clientes devedores em causa foram devidamente interpelados por contacto telefónico, (quanto aos primeiros 25 casos), por carta registada (quanto aos 15 casos seguintes), novamente por contacto telefónico e por contacto pessoal (quanto aos subsequentes 21 casos), tendo-se constatado em 2015 que havia risco sério de incobrabilidade dos valores em causa. Além disso, os 46 casos seguintes foram objeto de processos de injunção, de execução, de insolvência ou de PER, tendo também sido constatado no ano de 2015 que a cobrança seria de todo inviável;

10.29.    O cliente B... foi interpelado várias vezes telefonicamente e por carta de advogado, o cliente C... foi alvo de visitas pessoais e diversos contactos telefónicos e o cliente D... foi interpelado por carta e email, não tendo nenhum deles procedido ao pagamento devido;

10.30.    Não sendo devida a liquidação, não ocorre qualquer retardamento no pagamento da mesma, razão pela qual, não se encontram preenchidos os requisitos previstos nos n.ºs 1 e 6 do artigo 35.º da LGT para a liquidação de juros compensatórios, o que determina igualmente a anulação dos juros compensatórios;

10.31.    O valor da autoliquidação de imposto foi pago em 24/09/2018 e os juros compensatórios em 24/10/2018, contudo, a autoliquidação foi efetuada por imposição dos serviços tributários, manifestada em ação de inspeção tributária sendo, portanto, devida a erro imputável aos serviços, pelo que, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 137.º do CIRC, são devidos juros indemnizatórios desde as datas do pagamento, até à data da restituição efetiva das quantias indevidamente pagas.

11.          A Requerida alegou, em síntese, que:

11.1.      Os atos tributários controvertidos consubstanciam uma correta aplicação do direito aos factos devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica;

11.2.      No período 2015, o sujeito passivo reconheceu contabilisticamente perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa no montante total de € 256.258,25;

11.3.      O sujeito passivo não acresceu qualquer valor no campo 718 do Quadro 07 da modelo 22 de IRC relativa ao período 2015, pelo que considerou que todas as perdas por imparidade reconhecidas no período eram fiscalmente aceites;

11.4.      No âmbito do Despacho n.º DI2018... de 28-2-2018, foi solicitado ao sujeito passivo a documentação suporte ao reconhecimento daquelas perdas por imparidade, tendo sido constatado, na resposta enviada em 13-3-2018 que o cálculo daquele valor teve por base o mapa de antiguidade de saldos de créditos de clientes reportado a 31-12-2015;

11.5.      Foi ainda junto pelo sujeito passivo, naquela data, 163 folhas (anexo 2) com documentação suporte comprovativa da efetividade da dívida, nomeadamente extratos contabilísticos de conta-corrente dos clientes, menção às diligências efetuadas para cobrança da dívida e documentos relativos a processos judiciais em curso contra o devedor, e que, em seu entender, dariam cobertura fiscal ao reconhecimento da respetiva perda por imparidade;

11.6.      Em 2-5-2018 e 2-7-2018 fez juntar ainda documentação adicional relativa ao suporte às perdas por imparidade reconhecidas;

11.7.      Os créditos listados reportam-se a dívidas em mora constituídas desde o ano 2006. Relativamente a parte desses créditos o sujeito passivo logrou comprovar os requisitos necessários ao reconhecimento e aceitação fiscal da perda por imparidade no período 2015;

11.8.      Foram identificadas diversas situações em que:

(i)           Não existe prova documental inequívoca das diligências tomadas para cobrança do crédito;

(ii)          O risco de incobrabilidade, nos termos do artigo 28.º-B do Código do IRC, verificou-se em período anterior ou posterior a 2015;

(iii)         Os créditos são insuscetíveis de serem considerados de cobrança duvidosa, e outras situações especificidades particulares.

11.9.      Os referidos casos foram agrupados, de forma homogénea, nos seguintes grupos:

11.9.1.  Inexistência de prova documental inequívoca das diligências efetuadas:

(i)           Diligência apresentada: apenas contactos telefónicos: nestes casos, o único documento apresentado que alegadamente comprovaria as diligências tomadas para cobrança da dívida resume-se a uma listagem com eventuais registos de chamadas telefónicas efetuadas com esse fim.

A mera indicação de contacto telefónico não constitui, para estes fins, prova documental inequívoca que comprove que tenham sido efetuadas diligências para obtenção do recebimento dos créditos em mora. Em alguns dos casos, nas datas em que alegadamente ocorreram as chamadas telefónicas, o sujeito passivo continuava a fornecer materiais para aqueles devedores, pelo que, nada se pode concluir relativamente ao efetivo fim da eventual chamada telefónica efetuada, já que poderia estar relacionada com aspetos inerentes ao fornecimento em curso, pelo que não se mostra cumprido um dos requisitos da al. c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do Código IRC, ou seja, a prova das diligências efetuadas para recebimento do crédito, para que se justifique claramente o risco de incobrabilidade, e se considerem aqueles créditos de cobrança duvidosa para que as inerentes perdas por imparidade reconhecidas contabilisticamente no período 2015 sejam fiscalmente aceites.

(ii)          Diligência apresentada: contactos telefónicos complementados com envio de cartas e/ou emails, sem confirmação de envio e receção: nestes casos, o SP apresentou listagem com eventuais registos de chamadas telefónicas efetuadas com esse fim, complementadas com cópias de cartas e mensagens de correio eletrónico enviados aos devedores. No entanto, as cartas não vêm acompanhadas de qualquer prova de envio (registo e aviso de receção); também quanto às mensagens de correio eletrónico, não faz prova da confirmação da receção dos mesmos pelo devedor, nem existem respostas deste, pelo que não se mostra cumprido um dos requisitos da al. c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do Código do IRC, ou seja, a prova das diligências efetuadas para recebimento do crédito, para que se justifique claramente o risco de incobrabilidade, e se considerem aqueles créditos de cobrança duvidosa, para que as perdas por imparidade reconhecidas contabilisticamente sejam fiscalmente aceites.

(iii)         Diligência apresentada: não juntou qualquer diligência: nestes casos, o sujeito passivo não juntou qualquer comprovativo de eventuais diligências tomadas para cobrança das dívidas. Não se mostra assim cumprido um dos requisitos da al. c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do Código do IRC, ou seja, a prova das diligências efetuadas para recebimento do crédito, para que se justifique claramente o risco de incobrabilidade, e que se considere aqueles créditos de cobrança duvidosa, e para que as perdas por imparidade reconhecidas contabilisticamente no período 2015 sejam fiscalmente aceites.

11.9.2.  Risco de incobrabilidade verificado em período(s) anterior(es) ou posterior(es) a 2015

(iv)         Diligência apresentada: envio de cartas aos devedores nos anos 2011 e 2012: relativamente a estas situações o sujeito passivo fez juntar para comprovar as diligências tomadas para cobrança da dívida, cópias de cartas enviadas em 2011 e 2012, tendo em vista esse fim, acompanhadas das cópias dos respetivos registos dos CTT comprovativos do envio.

Algumas dessas cartas foram, no entanto, devolvidas ao remetente. Poderão considerar-se estas diligências válidas para efeitos da al. c) do n.º 1 do art.º 28.º-B do Código do IRC, pelo que, à data do envio daquelas cartas constatou-se o risco de incobrabilidade, o que motivou o envio das mesmas. Os restantes requisitos para que o crédito fosse considerado de cobrança duvidosa estavam também reunidos.

Contudo, as perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa devem ser reconhecidas no período em que o risco de incobrabilidade é constatado, pelo que se num dado período um crédito se enquadra em alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 28.º-B do Código do IRC (nestes casos a al.c)), o contribuinte deverá reconhecer a correspondente perda por imparidade de imediato, mesmo que posteriormente esse crédito possa ser enquadrado noutra alínea desse artigo. Assim, para aqueles créditos em mora, a perda por imparidade deveria ter sido reconhecida dentro dos limites que a lei estabelece (n.º 2 do referido artigo), iniciando–se o seu reconhecimento nos períodos de 2011 e 2012, logo que constatado o risco de incobrabilidade, e não na sua totalidade em período de tributação posterior – período 2015, influenciando negativamente o resultado tributável desse período.

(v)          Diligência apresentada: procedimento de injunção apresentado em anos anteriores a 2015: nestas situações tendo em vista comprovar as diligências tomadas para cobrança das dívidas em mora, juntou documentação relacionada com procedimentos de injunção deduzidos contra os devedores. A injunção é um procedimento que antecede a execução, e permite ao credor seguir posteriormente pela via judicial para a cobrança da dívida, pelo que se poderá considerar o procedimento de injunção uma diligência concreta e comprovada que visa o posterior recebimento do crédito, e que, inegavelmente, evidencia o risco de incobrabilidade dessa dívida àquela data, suscetível de ser considerada diligência para efeitos da al. c) do artigo 28.º-B do Código do IRC.

Os procedimentos de injunção reportam-se aos anos 2011 e 2012, com exceção do procedimento aberto contra o cliente ‘1861 – Construções E..., Lda.’ que, embora se reporte a 2013, diz respeito a créditos em mora vencidos em 2012. Contudo, para estes créditos em mora, a perda por imparidade deveria ter sido reconhecida dentro dos limites que a lei estabelece (n.º 2 do referido artigo), iniciando–se o seu reconhecimento nos períodos 2011, 2012 e 2013, logo que constatado o risco de incobrabilidade, e não na sua totalidade em período de tributação posterior – período 2015, influenciando negativamente o resultado tributável desse período. As perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa devem ser reconhecidas no período em que o risco de incobrabilidade é constatado.

(vi)         Diligência apresentada: existência de ação executiva contra o devedor, processo de insolvência ou processo especial de revitalização (PER) do devedor, anterior a 2015: nestas situações, o sujeito passivo suportou o reconhecimento de perdas por imparidade nas percentagens que constam indicadas para cada um dos devedores, com base numa das seguintes condições: - pela existência de execuções movidas pelo sujeito passivo contra aqueles por mora de pagamento; pela existência de processo de insolvência do devedor; - pelo facto de o devedor se encontrar em processo especial de revitalização (PER).

A al. a) do n.º 1 do artigo 28.º-B do Código do IRC é clara ao considerar créditos de cobrança duvidosa e o risco de incobrabilidade das dívidas existentes contra devedores que tenham pendentes processos daquele tipo. Aliás, nestes casos, a lei não estabelece limite à perda por imparidade que pode ser reconhecida em créditos nestas condições, pelo que é fiscalmente aceite na totalidade. O problema coloca-se novamente na determinação do momento em que deve ser reconhecida essa perda, ou seja, qual o período em que o resultado tributável irá ser influenciado.

Relativamente aos créditos existentes à data do balanço suscetíveis de serem enquadrados na alínea a), do n.º 1, do art.º 28º-B do CIRC, a comprovação do seu risco de incobrabilidade emerge diretamente da existência desses processos judiciais em curso, pelo que, será suficiente documentação comprovativa da existência desses processos, nomeadamente que ateste a sentença de declaração de insolvência do devedor, ou a entrada em PER, ou documento comprovativo em que conste reclamação judicial de créditos ou execução de dívida, para que a perda por imparidade constitua custo fiscal.

São aceites para efeitos fiscais as perdas por imparidade dos créditos de cobrança duvidosa que reúnam estes requisitos documentalmente comprovados (alínea a) e que deverá ser reconhecida na sua totalidade no período em que se verificam os pressupostos daquelas alíneas, ou seja, para cada devedor, no período em que se tenha verificado umas das situações: - recurso a processo judicial de execução; - sentença de declaração de insolvência do devedor; - entrada do devedor em processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial; - reclamação de créditos em processo judicial /tribunal arbitral.

Assim, relativamente a um dado crédito, a perda por imparidade deverá ser desde logo reconhecida na totalidade do valor, no período em que se verifique qualquer uma das situações indicadas na al. a), do n.º 1, do art.º 28º-B do CIRC (atente-se ao referido anteriormente, relativamente à periodicidade dos gastos, conforme disposto no n.º 1, do art. 18.º do CIRC, e à normalização contabilística vigente considerando a especialização dos exercícios um dos pressupostos subjacentes à imagem verdadeira e apropriada das demonstrações financeiras (§§22 da Estrutura Conceptual SNC).

(vii)        Diligência apresentada: existência de ação executiva contra o devedor, processo de insolvência ou processo especial de revitalização (PER) do devedor, posterior a 2015: Relativamente a estes casos, para reconhecimento de perdas por imparidade nas percentagens que constam indicadas para cada um dos devedores, o SP apresentou como documentos de suporte a indicação da existência de processos de execução, insolvência ou procedimentos de injunção instaurados nos anos 2016 e 2017 contra os devedores.

Não juntou o sujeito passivo comprovativos das diligências tomadas até 2015 para cobrança das dívidas, pelo que, não logrou provar documentalmente e inequivocamente que à data de encerramento das contas do período 2015 existia risco de incobrabilidade que sustentasse a classificação desses créditos como de cobrança duvidosa, e daí, reconhecer as perdas por imparidade aplicáveis em cada caso. Por esse facto, a perda por imparidade reconhecida no período 2015, não se encontra suportada por documentação reportada àquela data, mas apenas posterior, não sendo por esse motivo considerado gasto para efeitos de determinação do resultado tributável do período em questão, conforme define o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC.

11.9.3.  Créditos insuscetíveis de serem considerados de cobrança duvidosa e outras situações. Diligência apresentada: outras situações. Nestes casos, a análise deverá ser casuística

a.            Cliente 124 –B...– €552,99: A dívida reporta-se a outubro/2014; juntou cópia de notificação do procedimento de injunção n.º .../11...YIPRT. Em 2014 o sujeito passivo já tinha conhecimento do historial de mora no pagamento em situações anteriores ocorridas até 2011, daí ter recorrido a procedimento de injunção, ou seja, o risco de incobrabilidade era já conhecido desde essa data. Ainda assim, apresenta cópia de carta com registo enviada apenas em abril/2018, não provando diligências tomadas entre a data do vencimento da dívida e o encerramento de contas do período 2015;

b.            Cliente 700 – Consumidor final – €548,84: Os alegados devedores nem sequer estão identificados pelo que a perda por imparidade reconhecida não faz qualquer sentido;

c.            Cliente 1220 –C...– €6,37: Indica como diligência tomada a alegada visita pessoal ao cliente em janeiro/2013. Não existem elementos de prova inequívoca dessa ocorrência.

d.            Cliente 1372 – D... – Empreit.Obras – €9.781,63: Relativamente a este devedor, a data do vencimento das dívidas ocorreu em 22-11-2013. Juntou mensagem de correio eletrónico de 16-5-2014, comprovativa da diligência tomada, com resposta do devedor na mesma data. Juntou ainda cópia de carta sem registo postal, datada de 15-1-2015 solicitando o pagamento integral da dívida.  Ou seja, antes do encerramento de contas do período 2014 (março/2015) era conhecido o risco de incobrabilidade desta dívida, pelo que, prudentemente deveria ter desde logo reconhecido perda por imparidade naquele período. Assim, dada a antiguidade do saldo, e nos termos do n.º 2 do artigo 28.º-B do Código do IRC, o sujeito passivo, para efeitos fiscais, deveria ter reconhecido perdas por imparidade de:

                - 50% no período 2014 (mora entre 12 e 18 meses – 50%);

                - 50% no período 2015 (mora há mais de 24 meses – 100%)

                               Uma vez que o SP reconheceu em 2015 a perda por imparidade em 100% do valor daquela dívida, conclui-se que apenas 50% será considerado gasto para efeitos de determinação do resultado tributável do período 2015, conforme define o n.º 1 do art.º 23º do CIRC, e n.º 1 do art.º 18.º do mesmo código.

11.10.    Face a tudo quanto já exposto, apuram-se perdas por imparidade reconhecidas contabilisticamente no período 2015 e que não constituem gasto para efeitos de determinação do resultado tributável do período 2015, conforme define o n.º 1 e al. h) do n.º 2 do artigo 23º do Código do IRC, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 18.º e artigo 28.º-A e 28.º-B, todos do Código do IRC, num total de €197.474,42.

11.11.    A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC subsequente à entrega da referida declaração de substituição, a qual foi indeferida mantendo o enquadramento contabilístico e fiscal relativamente à parte que se encontra documentada e na parte que carece de justificação objetiva, considerando que a mesma não prescinde de prova documental.

11.12.    A Requerente reagiu daquele indeferimento interpondo recurso hierárquico, o qual manteve a decisão anterior por inexistir factualidade ou novos meios de prova a considerar;

11.13.    As invalidades eventualmente verificadas em sede de contencioso administrativo, porque posteriores à prática do ato tributário em causa nos autos, não são suscetíveis de afetar a sua validade;

11.14.    A prova das imparidades controvertidas não admite outro meio de prova que não a prova documental, o que resulta quer diretamente da lei, quer da jurisprudência que se tem pronunciado sobre esta matéria;

11.15.    A informação da AT referida pela Requerente na sua não é uma instrução doutrinal, a que acresce o facto de ser anterior à introdução do artigo 28.º-B do Código do IRC pela Lei n.º 2/2014, de 16/01;

11.16.    No que respeita aos juros indemnizatórios peticionados ao abrigo do artigo 43.º da LGT, caso o Tribunal considere que existiu erro imputável à AT em sede das conclusões alcançadas pela inspeção tributária, por entender que a prova documental a que a inspeção tributária teve acesso no decurso da ação inspetiva era suficiente para justificar objetivamente as imparidades controvertidas, então os juros indemnizatórios serão devidos desde a data do pagamento da liquidação adicional nos termos do nº 1 do artigo 43.º da LGT. Já se o Tribunal entender que a AT estava vinculada a produzir a prova testemunhal requerida com a reclamação graciosa e que a mesma era suscetível de comprovar objetivamente a matéria de facto controvertida, então os juros indemnizatórios são devidos a partir de 1 ano após a apresentação da reclamação graciosa, nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 43.º da LGT, uma vez que a prova testemunhal só foi requerida nessa instância de contencioso administrativo.

12.          A Requerente apresentou alegações finais em 14-07-2021, tendo Requerente reiterado os argumentos apresentados na petição inicial.

13.          A Requerida apresentou alegações finais em 16-07-2021, tendo, no essencial, reiterado os argumentos antes apresentados.

 

C.            MATÉRIA DE FACTO

 

C.1. Factos provados

 

14.          A Requerente foi alvo de uma ação ao inspetiva externa, onde foi proposto um acréscimo ao lucro tributável no montante global de €197.474,42, relativo a perdas por imparidade nos termos dos artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC;

15.          Na sequência da referida ação inspetiva apresentou declaração de substituição da Modelo 22 da qual resultou a liquidação n.º 2018..., de 2018-09-17, que deu origem à emissão da nota de cobrança n.º 2018...;

16.          A nota de cobrança n.º 2018... tinha o montante de €48.539,99;

17.          O imposto de IRC (no montante de €44.431,71), e os juros compensatórios (no montante de €4.108,25), foram pagos em 24/09/2018 e 24/10/2018, respetivamente;

18.          A Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa da liquidação acima identificada, que foi indeferida, tendo apresentado, igualmente, Recurso Hierárquico, que também veio a ser indeferido;

19.          Foram feitas diligências de cobrança através de contactos telefónicos relativamente aos devedores identificados na lista junta à PI como Documento 7, com os números: 13, 16, 131, 907, 1292, 1484, 1767, 1991, 3091, 3910, 4177, 6747, 6798, 9048, 12137, 30, 175, 200, 285, 1180, 2080, 2824, 16147 e 19002;

20.          Foram feitas diligências de cobrança através de cartas enviadas por Advogado relativamente aos devedores identificados na lista junta à PI como Documento 7, com os números: 290, 353, 360, 391, 396, 402, 421, 431, 445, 698, 709, 836, 1181, 1352, 1992.

21.          Foram feitas diligências de cobrança através processos de insolvência, PER, injunções relativamente aos devedores identificados na lista junta à PI como Documento 7, com os números: 125, 596, 616, 749, 787, 831, 884, 1005, 1056, 1078, 1232, 1433, 1861, 8734, 185, 323, 348, 372, 524, 588, 608, 623, 731, 746, 774, 801, 948, 975, 990, 1059, 1162, 1166, 1254, 1271, 1288, 1548, 1620, 1673, 1825, 2069, 725, 1351, 3030, 4214, 6192, 18788, 124 (neste último caso também através de contacto telefónico);

22.          Foi feita diligência de cobrança através de visita pessoal relativamente ao devedor identificado na lista junta à PI como Documento 7, com o número:1220;

23.          Foi feita diligência de cobrança através de carta e e-mail relativamente ao devedor identificado na lista junta à PI como Documento 7, com o número:1372;

24.          Não foram feitas diligências de cobrança relativamente aos devedores identificados na lista junta à PI como Documento 7, com o número: 1341, 24, 51, 380, 411, 520, 582, 820, 1183, 1193, 1279, 1367, 1422, 1511, 1585, 1828, 1840, 6529, 9697, 11558, 11605, 12294 e 700.

 

C.2. Factos não provados

 

25.          Não foi provado que o não registo da perda por imparidade no exercício em que se identificou o risco de incobrabilidade resultou de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

 

C.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

26.          Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (Cfr. n.º 2, do artigo 123.º, do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi als. a) e e) do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT);

27.          Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (Cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do al. e) do n.º 1, do artigo 29.ºdo RJAT);

28.          Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7, do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados;

29.          Importa salientar que foi tido em conta, e considerado de elevada relevância, o depoimento prestado pela testemunha inquirida, F..., que revelou conhecimento dos factos tal como se consideraram provados, e depôs de forma lógica e coerente com a prova documental disponível, evidenciando credibilidade;

30.          Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente de direito ou conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

D.           DO DIREITO

 

31.          Sem prejuízo da forma como os casos e questões foram agrupadas quer pelo Requerente, quer pela Requerida, considera este Tribunal que, no essencial, são quatro as questões jurídicas em análise no presente processo, que serão analisadas autonomamente nos próximos pontos:

(i)           Se a prova das diligências adotadas para cobrança do crédito apresentada pela Requerente, nomeadamente, a prova testemunhal é suficiente ao abrigo do artigo 28.º-B, n.º 1, al. c) do Código do IRC;

(ii)          Se a Requerente registou a imparidade no exercício adequado e se, caso não o tenha feito, a perda não deverá ser, ainda assim, aceite, noutro exercício;

(iii)         Se a recusa da prova testemunhal na Reclamação Graciosa é suscetível de afetar a validade da liquidação; e

(iv)         Se houve alguma violação do princípio da boa-fé por parte da AT.

 

(i)           Da prova das diligências de cobrança

 

32.          No que respeita à suficiência da prova da incobrabilidade, começamos por reiterar que a matéria se encontra prevista nos 28.º-A e B do Código do IRC que, nos segmentos que são mais relevantes para a presente decisão, no exercício de 2015 dispunham o seguinte:

Artigo 28.º-A

Perdas por imparidade em dívidas a receber

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; (…).”

 

Artigo 28.º-B

Perdas por imparidade em créditos

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.

3 - Não são considerados de cobrança duvidosa:

a) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;

b) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;

c) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas que detenham, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, mais de 10 % do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1;

d) Os créditos sobre empresas participadas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.

4 - As percentagens previstas no n.º 2 aplicam-se, igualmente, aos juros pelo atraso no cumprimento das obrigações, em função da mora dos créditos a que correspondam”.

33.          Da leitura da al. c) do n.º 1, do artigo 28.º-B do Código do IRC, podemos, desde já, tomar posição quanto à desnecessidade de existir um documento comprovativo da receção das comunicações/diligências efetuadas tendentes ao recebimento do crédito, já que este requisito não se encontra previsto na lei. Esta posição está, aliás, em linha com jurisprudência anterior deste Centro de Arbitragem (Cfr. Acórdão Arbitral, processo n.º 553/2019-T, de 2020-02-03).

34.          Por outro lado, na interpretação da al. c) do n.º 1, do artigo 28.º-B, do Código do IRC, importa determinar o que deve ser demonstrado através de provas objetivas: a imparidade, ou a imparidade e as diligências para o recebimento dos créditos.

35.          Consideramos, a este respeito, que apenas a prova da imparidade deve ser objetiva e não a prova das diligências para o recebimento do crédito.

36.          Neste sentido já se pronunciou, igualmente, o Acórdão Arbitral, processo n.º 553/2019-T, de 2020-02-03, já identificado acima e cuja argumentação, no essencial, acompanhamos:

“Na verdade, se é certo que quanto à imparidade se justifica a referência a «provas objectivas», por ser um conceito definido nas normas contabilísticas (   ), também não haverá qualquer justificação aceitável para uma limitação dos meios de prova da realização de diligências de cobrança.

(…)

Com efeito, a realização de diligências de cobrança é um requisito de reconhecimento de perdas por imparidade de natureza manifestamente secundária (a perda, que é o facto tributário relevante, não deixa de ser suportada pelo facto de não existirem diligências de cobrança) que, à face das regras da experiência comum, só excepcionalmente não se verificará, pois é de presumir que os credores actuem tendo em vista a satisfação do seu próprio interesse, diligenciando no sentido de procurarem cobrar os seus créditos em mora.

Aliás, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, a propósito da expressão semelhante que consta da alínea a) do n.º 2 do artigo 78.º-A do CIVA (na redacção da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro), publicitou uma orientação genérica no sentido de que a exigência de objectividade das provas se reportar apenas à imparidade e não às diligências.”

37.          Decorre, igualmente, do Acórdão Arbitral n.º 609/2017, de 2018-10-30 que:

“A exigência de provas objectivas de imparidade que se faz na alínea c) do n.º 1 do artigo 36.º foi introduzida no CIRC pela redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, não existindo na correspondente redacção anterior do artigo 35.º que, na alínea c) do n.º 1, referia quanto a este requisito da provisão para créditos de cobrança duvidosa apenas que «os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento».

O Decreto-Lei n.º 159/2009 concretizou a adaptação das «regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela União Europeia, bem como aos normativos contabilísticos nacionais que visam adaptar a contabilidade a essas normas» (…).

Assim, não sendo incluído no CIRC qualquer conceito próprio de «provas objectivas de imparidade», a introdução deste conceito, utilizado nas normas contabilísticas sobre imparidade e incobrabilidade de activos financeiros, visou aplicar no âmbito das perdas por imparidade de créditos para efeitos de determinação do lucro tributável o conceito contabilístico, que é utilizado, nomeadamente, na IAS 39 e na NCRF 27.

De resto, por força do disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 3, do CIRC, as regras de normalização contabilística são aplicáveis na determinação do lucro tributável, quando não há regras especiais deste Código que as afastem, pelo que também por esta via se conclui é de fazer apelo aquelas normas”.

38.          Assim, considerando que as provas “objetivas” apenas se referem à imparidade e não às diligências de recuperação dos créditos, ou seja, não havendo uma alteração relativa aos requisitos de prova das diligências de recuperação dos créditos face a redações anteriores do  regime, sempre será de referir que a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a defender que a “lei apenas exige que o credor efectue diligências no sentido de obter a boa cobrança dos seus créditos, para que, em face da respectiva inconsequência e verificados que sejam os restantes requisitos legais, lhe seja admitida constituição para créditos de cobrança duvidosa relevante em sede de apuramento do lucro tributável, pelo que, demonstrada a realização das mesmas, quaisquer que elas sejam, desde que integráveis no conceito, não é possível recusar a verificação de tal requisito, por “insuficiente””. (Cfr., Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 03976/10 de 06/15/2010).

39.          Resulta ainda do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 01095/06 de 19.07.2006, que “o contribuinte se poderá socorrer de todas as provas que, atento o circunstancialismo a demonstrar, lhe sejam facultadas pelo ordenamento jurídico, o que vale por dizer não ser questionável «(...) que a prova da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade possa ser feita (...)» , designadamente , (...) por via testemunhal.".

40.          Sobretudo no contexto de uma arbitragem tributária, entendemos que não se pode colocar em causa a validade da prova testemunhal para demonstrar quer a imparidade quer a realização de diligências tendentes ao recebimento.

41.          Tal como resulta, uma vez mais, do Acórdão Arbitral, processo n.º 553/2019-T, de 2020-02-03, “se se interpretasse a referência a «provas objectivas», que consta daquela alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, como proibindo aos Tribunais a utilização de prova testemunhal e através de presunções para prova da realização de diligências de cobrança, esta norma seria materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do direito à tutela judicial efectiva e da proporcionalidade (   ), já que não se pode afastar a possibilidade de existirem situações em que não seja possível prova documental (   ) e, por outro lado, nesta específica situação, nem sequer se trata de matéria que assuma relevância essencial a nível da definição dos direitos tributários que reclame especiais cautelas probatórias”.

42.          Importa não esquecer, que o reconhecimento das perdas por imparidade assenta num princípio nevrálgico do sistema fiscal nacional, o princípio da capacidade contributiva. Desta feita, desde que se demonstre que o crédito não foi recebido e que foram feitas diligências para a cobrança, não devem ser estabelecidos requisitos adicionais para o reconhecimento de que o crédito é de cobrança duvidosa, de forma a se poder reconhecer a perda por imparidade e, consequente, determinar como maior rigor a capacidade contributiva do sujeito passivo.

43.          Decorre da prova testemunhal, que em muitos casos é difícil registar as moradas dos devedores ou utilizar meios escritos de contacto.

44.          Com efeito, o contacto telefónico é frequentemente o meio mais expedito para diligenciar a recuperação do crédito, pelo que não aceitar estas diligências - e a sua consequente comprovação através de prova testemunhal - seria, no essencial, ignorar o objetivo da norma, i.e., garantir que o sujeito passivo tentou cobrar o seu crédito.

45.          Naturalmente, não se ignora a letra da lei, que requer, efetivamente, que tenham sido realizadas diligências tendentes ao recebimento do crédito. Mas uma interpretação da norma conforme a Constituição da República Portuguesa exige que não sejam introduzidas restrições à forma como as diligências são efetuadas.

46.          Diga-se, até, que na vida normal de uma empresa estas tendem a diligenciar – e no caso em apreço foi confirmado que diligenciou – pela cobrança dos seus créditos, existindo um natural incentivo empresarial à maximização do lucro, que implica se tentem recuperar os créditos em mora. Mais, ainda, da prova testemunhal resultou até que a inexistência de diligências por parte dos funcionários da Requerente, implicaria alguma forma de responsabilização destes perante os órgãos de gestão da mesma.

47.          Reitera-se, até, pela sua importância, que o elemento central no reconhecimento de perdas por imparidade é a perda. Convém não esquecer, que o princípio da capacidade contributiva implica, mesmo na sua aplicação mais rudimentar, que os sujeitos passivos sejam tributados pelo rendimento que auferem. Ora, o que está em causa nos créditos de cobrança duvidosa é o reconhecimento de uma imparidade. Ou seja, o que está na génese deste procedimento, é reverter uma situação de tributação por um rendimento não recebido.

48.          Dito por outras palavras, pretende-se, apenas, ajustar o princípio da especialização dos exercícios ao princípio da capacidade contributiva e responder ao imperativo constitucional da tributação pelo lucro real (Constituição da República Portuguesa, artigo 104.º, n.º 2).

49.          Como resulta da Sentença n.º 485/2019-T, de 2020-03-23, “valerá recordar que a consideração de um crédito como “incobrável”, nos termos do artigo enunciado, depende da existência de créditos relativamente aos quais não se perspetive a esperança de vir a obter uma boa cobrança.

Reconhecendo tal vicissitude, o legislador previu que o contribuinte pudesse proceder ao desreconhecimento parcial ou total desse crédito, dito incobrável, na sua contabilidade, por contrapartida do reconhecimento de um gasto fiscal de igual montante. Por esta via, é conferida ao credor a faculdade de expurgar, da sua esfera jurídica, um rendimento que era expectável mas que não se efectivou, isto é, um rendimento meramente aparente porquanto nunca chegou a ser percebido.

A esta faculdade de desreconhecimento de um crédito, contabilisticamente inscrito como tal, pode associar-se singelamente “A proclamação constitucional do direito subjectivo do contribuinte a ser tributado de acordo com o seu lucro real”, conforme resulta do artigo 104.º, n.º 2 da CRP”.

50.          Em suma, as provas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento do crédito não têm, na opinião deste Tribunal, de ser de natureza documental, pelo que se aceitam os contactos telefónicos e, por maioria de razão, os casos em que contactos telefónicos são complementados com envio de cartas e/ou emails, ainda que sem confirmação de envio e receção, bem como os contactos através de outros meios informáticos ou de visitas pessoais aos devedores.

51.          Pelo exposto, a correção efetuada com o fundamento na não existência de prova de diligências de cobrança padece de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação da alínea c), do n.º 1, do artigo 28.º-B do Código do IRC, que justifica a sua anulação, nos termos do n.º 1, do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

52.          Acresce que, como referido, mais do que o procedimento de recuperação de créditos incobráveis, a testemunha confrontada com a lista de créditos incobráveis confirmou que foram feitas tentativas de cobrança relativamente a todos eles, a forma através da qual foram feitas as diligências (distinguindo os casos em que foram feitas chamadas telefónicas, quem fez os contactos telefónicos), e confirmando, além do mais, que todas as chamadas eram registadas informaticamente.

53.          Ou seja, da prova testemunhal não resultou, na opinião deste Tribunal, uma mera prova genérica, das diligências, mas uma confirmação autónoma dos créditos.

54.          Assim, em suma:

(a)          Considera-se que foram feitas diligências e que estas cumpriram com o disposto no artigo 28.º-B, n.º 1, al. c) do Código do IRC nos casos identificados na lista incluída como documento 7 à PI em que existem referências a “Contacto telefónico”;

(b)          Considera-se que foram feitas diligências e que estas cumpriram com o disposto no artigo 28.º-B, n.º 1, al. c) do Código do IRC nos casos em que na lista existem referências a “Carta registada advogado”, já que ficou demonstrado que foram enviadas as cartas tendo a testemunha confirmado que facultou a informação ao Advogado e que ficou com cópias das mesmas;

(c)          No caso do Cliente 1220 –C...– €6,37, tendo em consideração a argumentação acima apresentada relativamente a desnecessidade de a prova ser documental, tendo-se aceite - em linha com a jurisprudência dos Tribunais Superiores – os contactos telefónicos comprovados por prova testemunhal, por maioria de razão também se aceita que como diligência válida, para efeitos do artigo 28.º-B, n.º 1, al. c) do Código do IRC, uma visita pessoal ao cliente em janeiro/2013, cuja ocorrência também foi comprovada pela prova testemunhal.

(d)          Naturalmente, do que vai dito acima, nos casos em que não foram feitas quaisquer diligências (referência no Doc. 7 “Não juntou diligências”), a perda não pode ser aceite.

(e)          Relativamente ao Cliente 700 – Consumidor final – €548,84, vale a argumentação apresentada relativamente ao ponto anterior, ou seja, não tendo sido, sequer, possível, identificar o devedor, não se pode comprovar que tenham sido feitas diligências, pelo que, relativamente a este cliente, a perda não pode ser aceite.

 

(ii)          Exercício em que deve ser registada a imparidade

 

55.          Quanto à segunda questão, i.e. se a Requerente registou a imparidade no exercício adequado, importa relembrar que, como têm vindo a confirmar os Tribunais superiores, nomeadamente o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) que os “proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o principio da especialização dos exercícios. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (artº 18°, n.°s 1 e 2, do CIRC).” (Cfr., Acórdão do STA, processo 01463/12, de 06/18/2014).

56.          As regras que resultam do Código do IRC, artigo 18, n.ºs 1 e 2, são, assim, a não imputação de custos e outras componentes negativas do lucro tributável relativas a períodos anteriores.

57.          Contudo, da argumentação supra, nomeadamente no que respeita às exigências do princípio da capacidade contributiva, sempre se dirá que a regra geral prevista no artigo 18.º do Código do IRC, e confirmada pela jurisprudência, deverá comportar exceções. Caso contrário, estar-se-iam a criar as condições para tributar rendimentos que não foram recebidos.

58.          A relevância fiscal da perda, nos casos de créditos em mora, que nos termos da lei (artigo 28.º-B, n.º 2 do Código do IRC) opera de forma progressiva, funciona a favor do sujeito passivo. Ou seja, a lei permite ao sujeito passivo registar parte da imparidade quando considere que existe risco de incobrabilidade e mesmo antes de existir mora do devedor.

59.          Mas o facto de o sujeito passivo não registar a percentagem da perda no exercício em que considera existir risco de incobrabilidade não o poderá impedir, em certos casos, de registar a perda num exercício posterior.

60.          Esta flexibilização do princípio da especialização dos exercícios, atendendo a princípios de justiça tem vindo a ser reiterada em diversos Acórdãos dos Tribunais superiores.

61.          Como tem defendido o STA, o princípio da especialização dos exercícios “deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios”. (Cfr., Acórdão do STA, processo 0807/07, de 04/02/2008).

62.          Também no Acórdão do STA processo 0291/08, de 06/25/2008, se reitera que em “matéria de custos, o princípio da especialização dos exercícios – artigo 18.º do CIRC – traduz-se na consideração, como custo de determinado exercício, dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis.”, mas que “[n]ão põe em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios”, sendo tal postulado  “exigido pelo princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT”.

63.          Resulta aliás do Acórdão do STA processo 0291/08, de 06/25/2008, “que erros humanos não são imprevisíveis nem podem ser manifestamente desconhecidos”, pelo que o artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC, “não pode cobrir erros contabilísticos ou actos do próprio contribuinte (…). Todavia, a predita rigidez ainda por outros caminhos deve ser atenuada.

O que tem tido eco tanto na doutrina como na jurisprudência e, até, na própria administração fiscal.

Na verdade e em idêntica matéria, ainda que respeitante à abolida Contribuição Industrial, onde vigoravam princípios e normas semelhantes, aquela rigidez foi flexibilizada, através do Ofício-Circular C-1/84, de 18 de Junho, consequência do parecer do Centro de Estudos Fiscais publicado in Ciência e Técnica Fiscal 307/309, p. 781 e ss., sobre que recaiu despacho de concordância do Secretário de Estado do Orçamento de 8 de Junho de 1984, acabando o fisco por adoptar, pois, posição mais flexível quanto ao problema.

E, bem assim, a jurisprudência deste STA – cfr. os acórdãos de 13 de Novembro de 1996 – recurso n.º 20.456, de 23 de Fevereiro de 2000 – rec. 24.039 e, mais recentemente, de 25 de Janeiro de 2006, recurso n.º 0830/05.

Assim, sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, permite-se a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, exemplificando-se com casos - em que tal se presumiria - como “quando está para acabar ou, para se iniciar um período de isenção, quando há interesse em reduzir os prejuízos de determinado exercício, para retirar benefícios do seu reporte e quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para reduzir a contribuição industrial” - Cfr. Ciência e Técnica Fiscal 349-84 e Manuel Henrique de Freitas Pereira, A periodização do lucro tributável, 1986.

Como, aliás, desenvolvidamente comentam Diogo Leite Campos, Benjamin Rodrigues e Jorge de Sousa, in Lei Geral Tributária anotada, 3.ª edição, pp. 242-243:

Transcorrido «o prazo em que podiam ser efectuadas correcções», «se a administração fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir» pois, em tal circunstância, «o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não teria direito».

“Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, e 50.º da Lei Geral Tributária, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.

Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga qualquer vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça.

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.

Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações injustas deste tipo”.

Pelo que é de aceitar, para efeitos fiscais, a contabilização efectuada pela contribuinte, já que não vem sequer alegada qualquer das preditas ressalvas.

Nem, assim, se posterga o dito princípio da especialização dos exercícios, que ficaria na disponibilidade do contribuinte, pois se trata de uma evolução positiva e que exclui as referidas omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.

Tanto mais que, em princípio, do diferimento da contabilização dos custos só resultaram prejuízos para o contribuinte, pois só viu o lucro tributável desonerado de tais custos em momento posterior àquele em que tal deveria ter ocorrido.”

64.          Desta feita aceita-se que as perdas por imparidade em créditos em mora há mais de seis meses sejam consideradas, para efeitos fiscais, num exercício fiscal diferente ao exercício em que foi identificado o risco de incobrabilidade.

 

(iii)         Recusa da prova testemunhal na Reclamação Graciosa e validade da liquidação

 

65.          No que respeita a uma eventual invalidade no processo decisório da reclamação graciosa por não ter sido aceite a prova testemunhal, considera este Tribunal que não assiste razão à Requerente, já que a AT se limitou a aplicar a regra geral de limitação dos meios probatórios à forma documental prevista na al. f) do artigo 69.º do CPPT.

 

(iv)         Se houve alguma violação do princípio da boa-fé por parte da AT

 

66.          No que respeita a uma eventual violação do princípio da boa-fé por parte da AT, considera este Tribunal que a análise deste ponto se encontra prejudicada face a decisão, favorável à Requerente, quanto à validade da prova testemunhal.

 

E.            DOS JUROS COMPENSATÓRIOS E INDEMNIZATÓRIOS

 

67.          A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IRC pelo que enferma dos mesmos vícios que afetam esta liquidação, justificando-se também a sua anulação (artigo 35.º, n.º 8, da LGT).

68.          Por outro lado, a justificação constitucional do referido regime acaba por impor à AT que considere, igualmente a prova testemunhal na fase inspetiva. Naturalmente, a AT faz a sua própria avaliação dos elementos recolhidos durante a inspeção. Em todo o caso, a AT deve tomar as declarações dos sujeitos passivos e demais pessoas quando o depoimento tenha interesse ao apuramento dos factos tributários (artigo 29.º, n.º 1, al. g) do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), tendente à descoberta da verdade material (artigo 6.º do RCPITA).

69.          Assim, considerando-se que as perdas por imparidade resultantes de créditos de cobrança duvidosa deveriam ter sido aceites, nos termos acima descritos, deve também considerar-se que os erros subjacentes à liquidação impugnada que justificam a das liquidações de IRC e juros compensatórios, nos termos descritos, são imputáveis à AT. Ou seja, consideram-se verificados os pressupostos previstos no artigo 43.º da LGT.

70.          Desta feita, deve a Requerida proceder ao pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento da liquidação n.º 2018..., de 2018-09-17, resultante da declaração de substituição da Modelo 22, relativa ao exercício de 2015, com imposto (adicional) a pagar no montante de € 44.431,75 acrescido de juros compensatórios de € 4.021,98, num total a pagar de € 48.539,99, na proporção do decaimento.

 

F.            DECISÃO

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2018..., de 2018-09-17, resultante da declaração de substituição da Modelo 22, relativa ao exercício de 2015, com imposto (adicional), no montante de € 4.431,75 acrescido de juros compensatórios de € 4.021,98, num total a pagar de €48.539,99, na proporção de 93% do valor do pedido (ou seja, julga-se procedente a presente ação com exceção da consideração fiscal das perdas deduzidas em que não foram efetuadas diligências tendentes ao recebimento do crédito em mora).

b)           Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre 93% da quantia paga de €48.539,99, até integral reembolso.

 

G.           VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, e 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de €48.539,99

 

H.           CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.142, de harmonia com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da 7% a cargo da Requerente e 93% a cargo da Requerida.

               

Lisboa, 19 de novembro de 2021

 

O Árbitro

(Leonardo Marques dos Santos)