SUMÁRIO:
1. Na jurisdição arbitral a instância só se inicia com a constituição do Tribunal Arbitral e não com a entrega do pedido arbitral, sendo a fase precedente de índole procedimental e não processual.
2. Se o procedimento cessar antes de ser constituído o Tribunal Arbitral, nomeadamente pela anulação do ato tributário objeto do litígio, a Requerente é reembolsada da taxa de arbitragem paga (cf. artigo 3.º-A do RCPAT), o que significa que a fixação do valor da causa e a determinação das correspondentes custas a suportar são influenciadas se a anulação (também parcial) dos atos em crise produzir efeitos antes da constituição do Tribunal, i.e., antes do início da instância.
3. Um sujeito passivo, dito “médio”, atendendo à falta de enquadramento legal de que padece a decisão, não está em condições de compreender o iter cognoscitivo que presidiu às correções efetuadas, no momento da emissão do ato de liquidação.
4. Quando esteja em causa a anulação do ato tributário por vício de falta de fundamentação, e não de qualquer ilegalidade, à luz das normas substantivas, que expresse o carácter indevido da prestação tributária, não pode concluir-se, de acordo com o artigo 43.º da LGT, que se encontram reunidos os requisitos para a concessão de juros indemnizatórios.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro designado para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído em 13 de janeiro de 2021, Rui Miguel Zeferino Ferreira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., adiante “Requerente”, sociedade anónima, pessoa coletiva com o número de identificação de pessoa coletiva (NIPC)..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
A Requerente, no âmbito do identificado pedido de pronúncia arbitral, pretendia, a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC n.º 2020..., no montante global de € 18.619,23, datada de 03.06.2020, e correspondentes juros compensatórios, relativos ao período de 2018 e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2020..., datada de 05.06.2020.
No âmbito de um procedimento inspetivo a Requerente foi sujeita a uma correção à matéria coletável de IRC, no valor global de € 71.275,66, sustentadas no facto de não deverem ser dedutíveis, para efeitos da determinação da matéria tributável, os gastos e perdas contabilizados pela Requerente, no período de exercício em causa, decorrentes de um conjunto de operações. Em causa estavam as seguintes operações: (a) Menos valia fiscal relacionada com a operação de venda de três prédios urbanos, compostos de lote de terreno para construção; (b) Menos valia fiscal relacionada com a operação de venda de parte dos bens adquiridos à sociedade B..., LDA.; (c) Gastos contabilizados pela reparação do veículo com a matrícula...; (d) Gastos financeiros incorridos com operação de financiamento.
A Requerente não se conformando com o ato praticado, nem com os seus fundamentos, veio impugnar a liquidação supra identificada, assim como a consequente nota de demonstração e acerto de contas, pretendendo obter a sua anulação.
Como fundamento da sua pretensão, a Requerente invoca, em síntese:
a) Quanto à menos-valia relacionada com a operação de venda de três prédios urbanos, compostos de lote de terreno para construção, que, em 23.05.2016, comprou três lotes de terreno destinados a construção urbana, sitos na união de freguesias de... e ..., concelho de Fão, inscritos na matriz predial urbana, respetivamente, sob os artigos ..., ... e ..., pelo preço global de € 150.000,00, correspondente ao valor de venda de € 50.000 de cada um dos referidos lotes de terreno, a que acresceram os custos de IMT e IS, no valor global de € 10.950,00.
b) Que, em 24.10.2018, os referidos lotes de terreno foram vendidos pela à sociedade C..., LDA., pelo preço global de € 150.000,00, correspondente ao valor de venda de € 50.000,00 de cada um dos referidos lotes, que haviam sido previamente avaliados, em 15.10.2018.
c) Que, a Requerente atribuiu, aos referidos três lotes para construção, o valor de venda de € 150.816,00, correspondente ao valor de € 50.272,00 de cada destes lotes, o que conduziu à contabilização de uma menos-valia fiscal de € 10.950,00, resultante dos custos relacionados com a compra dos imóveis que não os valorizaram.
d) Que, tal alienação mereceu o parecer favorável da Revisora Oficial de Contas, com fundamento que no respetivo negócio de compra e venda ter ficado previsto o pagamento do preço do negócio no prazo máximo de sessenta dias.
e) Que, a elaboração e preparação de um processo de documentação de preços transferência não é mais do que um meio de compilação e de articulação dos diversos estudos, análises e informação que o contribuinte obteve e que foram usados para suportar a decisão sobre a determinação dos termos e condições das operações vinculadas que praticou, pelo que o facto de um contribuinte não preparar esse processo de documentação não legitima a AT a desconsiderar eventuais menos valias que possam ser geradas no âmbito de negócios mantidos com entidades especialmente relacionadas.
f) Que, a mera constatação da existência de relações especiais não legitima a conclusão de que entre estas duas entidades se estabeleceram, efetivamente, condições negociais diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes, bem como cabe à AT provar os pressupostos em que assentam as correções de preços de transferência, ónus que abrange a identificação e prova de relações especiais, de que o preço praticado não é o de mercado, e de qual o preço de mercado aplicável.
g) Que, a Requerida não demonstrou, não apresentou qualquer indício, nem fundamentou em que termos as relações especiais entre as partes do negócio levaram ao estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que a perda apurada na contabilidade fosse diverso do que se apuraria na ausência dessas relações.
h) Que, a requerida não fundamentou o ato tributário, porquanto não demonstrou a verificação dos pressupostos que permitem a correção da matéria coletável, através da aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência.
i) Que, efetuou uma análise económica dos termos e condições da operação, determinante para que o preço do negócio contratualizado se enquadrasse no valor que seria aplicado no mercado livre, em conformidade com o princípio de plena concorrência, pelo que o preço praticado na transação aqui discutida, correspondia ao valor de mercado dos imoveis objeto do negócio, praticado em termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, em cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 63.º do CIRC.
j) Quanto à menos-valia relacionada com a operação de venda de parte dos bens adquiridos à sociedade B..., LDA., que compunham o estabelecimento industrial desta sociedade, que ocorreu com a intenção de reforçar a capacidade produtiva, mediante a aquisição de maquinaria afeta à sua atividade industrial.
k) Que, a referida sociedade exigiu para o negócio a transmissão de todos os equipamentos que integravam o seu estabelecimento industrial, que aceitou, por parte substancial do conjunto de equipamentos que compunham a unidade industrial daquela entidade, serem necessários à sua atividade produtiva, os quais se encontravam-se em bom estado de conservação e com considerável atualização tecnológica.
l) Que, após a transmissão, a Requerente integrou os equipamentos objeto do negócio na sua unidade industrial, tendo verificado que alguns dos equipamentos transmitidos encontravam-se obsoletos, e/ou que não estavam aptos a aumentar a sua capacidade produtiva, tendo-os colocado no mercado, sob o melhor preço possível, sendo que o melhor preço foi oferecido pela sociedade D... UNIPESSOAL, LDA.
m) Que, vendeu a esta sociedade os equipamentos por um valor global de € 1.845,00 (IVA incluído), bem como, vendeu à sociedade E..., LDA. a viatura com a matrícula ... pelo valor de € 1.016,26, pelas melhores propostas que consegui obter, mas que ainda assim geraram uma menos-valia fiscal de € 44.033,74.
n) Que, a fundamentação da Requerida não consegue justificar a legalidade da decisão de desconsideração da menos valia fiscal, nem as subsequentes correções aritméticas, não dando cumprimento, ao dever de fundamentação dos atos administrativos, imposto pelo artigo 268º, nº 3, da CRP, bem como pelo artigo 77.º, n.º 1, da LGT.
o) Que, a fundamentação de um ato deve permitir ao seu destinatário reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo percorrido pelo seu autor, devendo a fundamentação ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente (de modo direto ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o autor do ato e, bem assim, esclarecer o seu destinatário acerca das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, pois só deste modo poderá o destinatário da atuação administrativa conformar-se, ou não, com a mesma e, em caso de discordância, reagir de modo adequado e consciente.
p) Que, a fundamentação do ato tributário aqui impugnado, não é claro, pois não permite que se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, não é suficiente, pois não possibilita ao seu destinatário um conhecimento concreto da motivação do ato, isto é, as razões de facto e de direito que determinaram a Administração Tributária a atuar como atuou, e não é congruente, pois não constitui a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
q) Que, em suma, o ato tributário aqui impugnado padece de vício de falta de fundamentação, bem como o mesmo não deu sequer ao cumprimento do ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos de tributação, pois a mera constatação de uma abrupta perda de valor dos bens transacionados não constitui um indício sério e sólido que possa conduzir à correção da matéria tributável.
r) Que, o custo subjacente a essas vendas representa um custo económico e contabilístico, mas é, também, um custo fiscal, pelo que não existe qualquer norma tributária específica que impeça ou restrinja o efeito fiscal da perda verificada, não podendo as regras da dedutibilidade de gastos e perdas incorridos, redundar na permissão de um controlo da AT sobre a atividade da empresa, sindicando todo e qualquer ato de gestão, numa ótica de ingerência casuística e discricionária sobre as opções económicas da empresa, sob pena de violação da proibição ou limitação de ingerência, pelo Estado, na gestão das empresas privadas,
s) Que, assim não estão verificados os pressupostos de facto e de direito para a desconsideração da perda contabilizada no valor de € 44.033,74, pelo que a liquidação de IRC, por violação de lei e errada aplicação dos artigos 23.º e 46.º do CIRC
t) Quanto aos gastos contabilizados pela reparação do veículo com a matrícula..., que a mesma a mesma foi adquirida no estado de usada em junho de 2016, pelo preço de € 22.000,00 e que em julho de 2108 necessitou de uma substituição do seu motor, pelo qual despendeu o montante de € 11.711,45.
u) Que, por não ser expectável a existência de benefícios económicos futuros, essa reparação foi contabilizada como custo do respetivo exercício de 2018.
v) Que, o referido automóvel é reconhecido como elemento individual no ativo, englobando todas as suas componentes, designadamente o seu motor, mas como o mesmo é composto por várias peças e componentes, a substituição de uma peça (ainda que relevante para o seu funcionamento) não permite concluir, sem mais, que irá proporcionar aumentos de utilidade em relação ao período de vida útil.
w) Que, com essa intervenção não se promoveu um aumento do período de vida útil do veículo, apenas se tendo desejado colocar o veículo a funcionar e a circular, para repor o tempo de vida útil esperado (4 anos), pelo que não podia ser vista como uma grande reparação.
x) Que, um eventual reconhecimento do gasto como ativo, levaria à sobrevalorização do respetivo veículo, em comparação com o seu preço de mercado, que no futuro iria originar menos-valias consideráveis, pelo que não estão verificados os pressupostos de facto e de direito para a desconsideração do valor da reparação deste veículo como um custo do exercício de 2018.
y) Quanto aos Gastos financeiros incorridos com operação de financiamento, que os encargos financeiros relacionados com uma operação de financiamento obtida junto do F..., S.A., destinada ao apoio à tesouraria, a Requerida não indicou os elementos que lhe permitem estabelecer uma conexão e ligação causal direta entre o financiamento bancário e o investimento efetuado na aquisição de participações sociais, não demonstrando, assim, os pressupostos da sua atuação, como lhe competia.
z) Que, a operação de financiamento, conforme resulta da própria finalidade contratualizada (apoio à tesouraria) destinou-se, em primeira linha, a suprir as necessidades de fundo de maneio e, numa segunda linha a financiar investimentos em curso, não apenas relacionados com a compra de ações da G... .
aa) Que, o artigo 23.º do CIRC e o respetivo conceito de indispensabilidade foi o único fundamento legal invocado pela AT para a correção efetuada, mas esses gastos devem considerar-se indispensáveis sempre que tenham em vista a obtenção de lucro por parte do contribuinte, isto é, sempre que, em termos abstratos, sejam suscetíveis de potenciar o lucro da empresa.
bb) Que, a decisão económica de aquisição das mencionadas participações sociais foi tomada com base em expetativas futuras de obter rendimento com este investimento, pelo que obteve um incremento do seu ativo, com potencial de geração de rendimentos, quer através da obtenção de futuros dividendos, quer através de potenciais mais-valias através de uma futura alienação.
cc) Que, a atividade empresarial que tem relação com os custos indispensáveis estende-se a todos os atos de gestão que visem o interesse das empresas, pelo que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.
dd) Que, entender de outro modo, consubstancia uma intolerável intromissão da Requerida na autonomia e na liberdade de gestão da Requerente, proibida pelo artigo 86.º n.º 2 da CRP e, por outro, de violação do princípio constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva, consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP.
ee) Que, quanto aos juros compensatórios, não são devidos compensatórios, até porque não teve participação na formação da decisão, existindo, por isso, no seu entender a preterição de uma formalidade legal.
É demandada a AT, doravante também designada por “Requerida”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi efetuado em 15 de outubro de 2020, e aceite em 16 de outubro de 2020 pelo Exmo. Presidente do CAAD em 16 de outubro de 2020 e, de seguida, notificado à AT.
Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 2, do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou o árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo.
Em 10 de dezembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em 10 de dezembro de 2020, a Requerida comunicou ao Exmo. Presidente do CAAD, para efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, que por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária - Impostos sobre o Rendimento do IR, datado de 24 de novembro de 2020, a qual decidiu anular as correções relativas à desconsideração da menos-valia fiscal no valor de €10 950,00, por inobservância das regras enunciadas no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC, e à desconsideração do montante de €10 367,50, respeitante a juros de capitais alheios considerados como gasto, com a consequente anulação dos juros compensatórios e dos juros indemnizatórios correspondentes, bem como determinou a notificação da decisão ao mandatário da Requerente.
Na sequência de despacho, de 10 de dezembro de 2020, do Exmo. Presidente do CAAD, convidando a Requerente a informar sobre o interesse no prosseguimento do procedimento de arbitragem, a mesma veio responder em 23 de dezembro de 2020, sobre a sua vontade que o procedimento continuasse quanto às questões que não foram abrangidos pelo deferimento parcial.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 13 de janeiro de 2021.
Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.
Em 13 de abril de 2021, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma veio apresentá-la, na qual se defende por impugnação, pugnando, pela improcedência, por não provado, e, consequentemente, pedindo a absolvição de todos os pedidos.
A Requerida alega, em resumo:
a) Que, quanto à desconsideração da menos-valia fiscal, no montante de €44.033,74, apuradas com a alienação de diversos ativos fixos tangíveis, a aplicação das disposições constantes nas normas contabilísticas e de relato financeiro é imperativa e a sua não aplicação traduz-se na prática de um ato ilícito sujeito à coima prevista no nº 1 do art.14º, do D.L. 158/2009, de 13 de julho.
b) Que, nos termos nos termos do §6 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 7 Ativos Fixos Tangíveis são itens tangíveis os que: «a) Sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e b) Se espera que sejam usados durante mais do que um período e, bem assim que, o § 10 da NCRF 7 refere que «uma entidade avalia segundo este princípio de reconhecimento todos os seus ativos fixos tangíveis e custos de equipamento no momento em que eles sejam incorridos. Estes custos incluem custos incorridos inicialmente para adquirir ou construir um item do ativo fixo tangível e os custos incorridos posteriormente para adicionar a, substituir parte de, ou dar assistência ao mesmo.»
c) Que, é a própria Requerente vem confirmar que os itens em apreço não reuniam sequer as condições para serem reconhecidos como ativos, e muito menos ativos fixos tangíveis, porquanto não passavam na apreciação que deve ser efetuada ab initio e item a item, dos requisitos exigidos pela NCRF 7, isto é, que nunca deveriam ter sido considerados contabilisticamente como ativos fixos tangíveis pois, tal como a Requerente assume, «alguns dos equipamentos transmitidos encontravam-se obsoletos, e/ou que não estavam aptos a aumentar a sua capacidade produtiva».
d) Que, não era legítimo o enquadramento dos itens em causa como ativos, e muito menos como ativos fixos tangíveis, pelo que a transmissão dos referidos bens não poderá ser considerada como uma menos-valia, para os efeitos do previsto no artigo 46.º do IRC.
e) Que, assim não só se encontram preenchidos os fundamentos para a correção, inexistindo a alegada violação de lei ou errada aplicação dos artigos 23.º e 46.º do CIRC, bem como, em igual medida, se comprova a não verificação do alegado vício de falta de fundamentação.
f) Que, atenta a jurisprudência maioritária, a fundamentação é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra, e possa optar pela adoção dos meios de defesa, administrativos ou contenciosos, com vista à impugnação do ato.
g) Que, tem de se considerar o ato devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos, pelo que a argumentação da Requerente revela que esta não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do mesmo, pelo que vício da falta de fundamentação não procede.
h) Que, quanto à invocada, «liberdade de gestão fiscal», sufraga a posição do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão n.º 197/2016, de 23 de maio, que, entre o mais, sustentou que “...É também muito evidente que, por efeito de uma medida de política fiscal, não é posta em causa a liberdade de iniciativa económica, seja esta entendida no sentido da liberdade de iniciativa ou da liberdade de organização empresarial”, bem como, que “... O ponto é que a atividade das empresas, como a de quaisquer outros contribuintes, se encontra subordinada a critérios de fiscalidade que estão legalmente definidos. E, desse modo, os atos de gestão empresarial que adotem, no quadro de liberdade de iniciativa económica, poderão originar o pagamento de imposto quando preencham os correspondentes requisitos de incidência tributária.”.
i) Que, não foi apresentada documentação corroborativa para tão avultada perda, bem como que não foram cumpridas as regras contabilísticas atinentes ao reconhecimento da operação aquando da aquisição dos bens, pelo que entende demonstrada a prova que se verificam dos pressupostos legais que legitimam as alterações aos rendimentos declarados, cumprindo o ónus probatório imposto pelo artigo 74.º da LGT.
j) Que, os especiais deveres de escrituração e documentação não foram cumpridos, em violação das disposições conjugadas dos artigos 17.º, 98.º e 123.º, do CIRC, uma vez que só conhecendo os valores inscritos na contabilidade, os documentos que lhe servem de suporte e a sua forma de contabilização é possível aferir da regularidade da situação fiscal.
k) Que, quanto à correção relativa a encargos com a substituição do motor do veículo, no montante de € 5.924,42, foi aceite a pretensão da Requerente em considerar como gasto do período, o valor correspondente a 25% dos encargos suportados com a substituição do motor do veículo, tendo reduzido a correção proposta em sede do projeto de relatório de € 7.899,23 para €5.924,42, mas que o §13 Custos subsequentes da NCRF 7 estabelece que, «segundo o princípio de reconhecimento do parágrafo 7, uma entidade não reconhece na quantia escriturada de um item do ativo fixo tangível os custos da assistência diária ao item. Pelo contrário, estes custos são reconhecidos nos resultados quando incorridos. Os custos da assistência diária são primordialmente os custos da mão-de-obra e dos consumíveis, e podem incluir o custo de pequenas peças. A finalidade destes dispêndios é muitas vezes descrita como sendo para “reparações e manutenção” de um item do ativo fixo tangível.»
l) Que, do teor do §14 da citada NCRF resulta que «Partes de alguns itens do ativo fixo tangível poderão necessitar de substituições a intervalos regulares. Por exemplo, um forno pode exigir ser restaurado (com tijolos refratários) após uma quantidade de horas de uso ou os interiores dos aviões tal como assentos e cozinhas de bordo podem exigir substituição algumas vezes durante a vida da estrutura. Itens do ativo fixo tangível também podem ser adquiridos para efetuar uma substituição recorrente menos frequente, tal como a substituição das paredes interiores de um edifício, ou para efetuar uma substituição não recorrente. Segundo o princípio de reconhecimento do parágrafo 7, uma entidade reconhece na quantia escriturada de um item do ativo fixo tangível o custo da peça de substituição desse item quando o custo for incorrido se os critérios de reconhecimento forem cumpridos. A quantia escriturada das peças que são substituídas é desreconhecida de acordo com as disposições de desreconhecimento desta Norma”.
m) Que, durante a vida útil, do ativo, em cada período económico deve ser reconhecido nos resultados o gasto de depreciação, devendo essa depreciação iniciar quando estiver disponível para uso e nas condições apropriadas para o seu uso, e deve cessar quando for desreconhecido ou quando o ativo for classificado como detido para venda, na data que ocorrer mais cedo.
n) Que, nos termos do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, só podem ser objeto de depreciação ou amortização os elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando se como tais os ativos fixos tangíveis, os ativos intangíveis, os ativos biológicos que não sejam consumíveis e as propriedades de investimento contabilizados ao custo histórico que, com caráter sistemático, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo.
o) Que, são igualmente depreciáveis as grandes reparações e beneficiações e as benfeitorias necessárias ou úteis reconhecidas como elementos do ativo sujeitos a deperecimento durante o período de utilidade esperada, conforme prevê n.º 2 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009.
p) Que, é de admitir como plausível que futuros benefícios económicos associados à aquisição e instalação de um novo motor, naquela viatura, venham fluir para a Requerente, viatura que, caso não fosse intervencionada, ficaria inutilizada, sendo o seu custo mensurável fiavelmente e sendo ainda expetável que motor seja usado na viatura durante mais do que um período, pelo que estarão reunidas as características para o reconhecimento como um item do ativo fixo tangível, e não como gasto do período.
q) Que, a reparação em questão cabe dentro do conceito de grande reparação, para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 5, do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14/09, na medida em que a mesma vem claramente a aumentar a duração provável – a vida útil – da referida viatura.
r) Que, se encontram preenchidos os pressupostos de facto e de direito para a desconsideração do valor da reparação deste veículo como um custo do exercício e, bem assim, que esta correção, se encontra devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação da Requerente, revela, em igual medida, que não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à decisão.
s) Que, quanto aos juros compensatórios, vem alegar que os juros compensatórios constituem, pois, um regime específico de indemnização civil do Estado pelos danos causados pela falta de cobrança do imposto resultante do incumprimento por parte do contribuinte dos seus deveres acessórios, constituindo um agravamento “ex lege” proveniente da omissão de declarações ou de apresentação de documentos, ou da falta de autoliquidação ou insuficiente liquidação, bem como da falta de participação em qualquer ocorrência, situações que tiveram como consequência o atraso da liquidação.
t) Que, a responsabilidade da Requerente no atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido advém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária e das consequentes inexatidões e omissões praticadas no preenchimento da declaração Modelo 22.
u) Que, a Requerente teve perfeito conhecimento do procedimento de que foi alvo, até porque, conforme consta dos autos, nele teve intervenção, pronunciando-se sobre o projeto de correções e sendo, consequentemente, notificada da decisão final, pelo que a Requerente foi perfeitamente informada dos atos de liquidação de imposto e de juros.
v) Que, tendo facultado o direito de audição antes da conclusão do relatório de inspeção tributária, está dispensada de efetuar nova e autónoma notificação antes da emissão da liquidação de juros compensatórios, pelo que a liquidação não padece de tal vício.
w) Quanto aos juros indemnizatórios, que não foi demonstrado no processo que o ato tributário está afetado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido
x) Que, as liquidações não padecem de qualquer ilegalidade que pudesse conduzir à sua anulação, inexistindo, por isso, qualquer erro, quer de facto, quer de direito, imputável aos serviços, bem como não sofrem de qualquer dos vícios de forma que lhe vêm apontados, pelo que não há fundamento que legitime a condenação no pagamento de quaisquer montantes, a título de juros indemnizatórios.
Em 30 de setembro de 2021, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, fez-se uso da possibilidade aí prevista, e determinou-se a prorrogação do prazo acima identificado por um período de 2 (dois) meses, indicando-se o dia 30 de novembro de 2021 como data previsível para prolação da decisão arbitral.
Em 3 de novembro de 2021, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e foi concedido o prazo de 10 dias para alegações. A Requerente apresentou alegações, enquanto a Requerida não apresentou alegações no prazo concedido.
II. DO SANEAMENTO DO PROCESSO
O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
O processo não enferma de nulidades
III. DA FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. FACTOS PROVADOS
Com relevo para a decisão do processo arbitral, importa atender à seguinte factualidade, que se julga provada:
A. A Requerente é uma sociedade de responsabilidade limitada, por ações.
B. A Requerente exerce a atividade principal de confeção de outro vestuário exterior em série (CAE 14131) e a atividade secundária de comércio por grosso de vestuário e acessórios (CAE 46421).
C. A Requerente encontra-se registada em sede de IRC no regime geral de tributação.
D. A administração da Requerente foi exercida entre 07.10.2008 até 15.11.2018 por H... .
E. A Requerente, a partir de 15.11.2018, passou a ser detida a 100% pela sociedade I... UNIPESSOAL, LDA, titular do NIPC ..., com a aquisição das ações ao acionista administrador H... .
F. A Requerente foi sujeita a uma ação de inspeção de âmbito parcial, ao IRC do exercício de 2018, credenciada pela Ordem de Serviço n.º 2019..., de 2019-09-26.
G. No âmbito da ação inspetiva foram efetuadas correções no valor de € 71.275,66 que resultaram na alteração do resultado fiscal da Requerente para o montante de € 2.665.237,34, no âmbito do qual, entre o mais, resultaram as conclusões seguintes:
- A sociedade (...) registou na contabilidade a fatura FAC 2/13 de 2018-03-20 emitida pela B... LDA, (...) no valor total de 150.000,00 EUR mais IVA de 34.500,00 EUR, (...). Esta fatura é relativa à aquisição do estabelecimento industrial daquela sociedade em ..., que inclui três viaturas e diversas máquinas. Designadamente a título exemplificativo o veículo com matrícula ... pelo preço de 5.000,00 EUR, cinco máquinas de recobrimento ... pelo preço de 2.400,00 EUR cada, cinco caldeiras pelo preço unitário de 1.500,00 EUR, e uma máquina de pregar molas manual pelo preço de 1.600,00 EUR, todos os valores antes de IVA.
- Em 2018-12-06 a A... emitiu a fatura FT X018/193 à sociedade D... UNIPESSOAL, LDA (...), no valor de 1.500,00 EUR mais IVA de 345,00 EUR (...). Desta fatura constam 30 itens, todas ao preço unitário de 50,00 EUR, todos adquiridos à B... e constantes daquela fatura FAC 2/13 de 2018-03-20, nomeadamente os acima identificados a título exemplificativo.
- Esta venda implicou uma perda de 40.500,00 EUR como menos valia fiscal. Esta perda atinge no caso da máquina de recobrimento um valor unitário de 2.350,00 EUR em 2.400,00 EUR representando uma percentagem de 98%. Foram solicitadas justificações e documento corroborativo desta perda em tão curto espaço de tempo nada nos tendo sido justificado nem documentado.
- Ainda quanto às menos valias em ativos fixos tangíveis há a perda com a transmissão do veículo de matrícula ..., (...), foi adquirido à B... pelo preço de 5.000,00 EUR + IVA, (...), e transmitido à sociedade E... LDA (...) por 1.016,26 EUR + IVA. Trata-se de uma perda de 3.983,74 representativa de 79%. Foi solicitada justificação e documentação corroborativa desta perda em tão curto espaço de tempo nada nos tendo sido justificado nem documentado.
- Temos em que, não tendo sido demonstrado o motivo de tão abrupta e elevada perda de valor do veículo, não é de aceitar a perda de 3.983,74 EUR com a menos valia fiscal.
- A sociedade (...)registou na contabilidade a fatura n.º 8740014486 de 2018-08-10 emitida pela J... S.A. (...). Esta fatura é relativa ao veículo com matrícula ... que consta do mapa de depreciações. Nesta fatura é mencionada a troca de unidade do motor no valor de 7.242,14 EUR (componente) mais 657,09 EUR (serviço). Ora, trata-se de uma grande reparação de elevado valor que aumentou a vida útil do bem pelo que deveria o sujeito passivo ter efetuado o competente registo contabilístico no balanço e procedido às devidas depreciações com base no desgaste. Não o tendo efetuado, registou em gastos do período de 2018, com fornecimentos e serviços, o valor de 7.899,23 EUR, valor que deveria ter sido registado no ativo e sujeito a depreciação numa base sistemática.
- Nestes termos, por desrespeito às regras de normalização contabilísticas e ao princípio de especialização, não é de aceitar o gasto de € 7.899,23 EUR.
- (...) Em suma, correções em sede de IRC: ponto 1: (...); ponto 2: 44.034,74 EUR; ponto 3: 7.899,23 Eur; (...). Pelas situações descritas, em desrespeito pelo disposto na alínea a) n.º 3 do artigo 17.º, no n.º 1 do artigo 23.º, e no n.º 6 do artigo 63.º, todos do IRC, incorre o sujeito passivo nas contraordenações (...).
H. A Requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral, contestando a legalidade das correções que lhe foram efetuadas, no valor de € 71.275,66, respeitantes: a) à menos-valia fiscal apurada com a alienação de propriedades de investimento, no valor de € 10.950,00; b) à menos-valia fiscal apuradas com a alienação de diversos ativos fixos tangíveis, no valor de € 44.033,74; c) aos gastos do período, relativos aos encargos com a substituição do motor do veículo com a matrícula..., no valor de € 5.924,42; d) aos gastos referentes a juros de capitais alheios, respeitantes ao financiamento obtido em agosto de 2018, junto do F..., no valor de 10.367,50.
I. A Requerida, por via do despacho proferido pela Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, de 24-11-2020, determinou a revogação parcial do ato contestado, decidindo-se: (i) Deferir o pedido de anulação das correções aos gastos à desconsideração da menos-valia fiscal no valor de €10.950,00, por inobservância das regras enunciadas no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC e à desconsideração do montante de €10.367,50, respeitante a juros de capitais alheios considerados como gasto, com a consequente anulação dos juros compensatórios e dos juros indemnizatórios correspondentes; (ii) Indeferir o pedido de anulação da correção às menos-valias fiscais apuradas com a alienação de diversos ativos fixos tangíveis, no valor de € 44.033,74 e aos gastos do período, relativos aos encargos com a substituição do motor do veículo com a matrícula ..., no valor de € 5.924,42.
A.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
A.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
B. DO DIREITO
B.1. DA ANULAÇÃO PARCIAL DO ATO IMPUGNADO E REDUÇÃO DO VALOR DA CAUSA
Em 24 de novembro de 2020, por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária – Impostos sobre o Rendimento IR, a AT procedeu à anulação administrativa, parcial, relativamente à desconsideração da menos-valia fiscal no valor de € 10.950,00, por inobservância das regras enunciadas no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC, e à desconsideração do montante de €10.367,50, respeitante a juros de capitais alheios considerados como gasto, com a consequente anulação dos juros compensatórios e dos juros indemnizatórios correspondente.
Esta anulação parcial teve lugar no decurso do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT.
A Requerente, notificada para o efeito, comunicou ao Tribunal Arbitral a intenção do prosseguimento do processo, com vista à apreciação da ilegalidade do ato tributário, na parte em que materializou as correções fundamentadas no procedimento de inspeção tributário que correu em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2019..., e que não foram posteriormente anuladas pelo despacho de anulação parcial do ato, datado de 24.11.2020.
Além disso, sustentou, e formulou pedido nesse sentido, de operar-se a redução do pedido, assim como do valor do presente processo arbitral e proceder-se à devolução, a favor da Requerente, da taxa arbitragem que, ao abrigo do ato de revogação parcial, se encontrará liquidada em excesso, bem como, a título subsidiário, no caso de se considerar não estarem verificados os pressupostos para a redução do valor do presente processo arbitral, pediu a imputação de responsabilidade da Requerida pelas custas relacionadas com a parte do pedido entretanto satisfeito.
Relativamente à redução do pedido, com a referida anulação administrativa parcial o objeto dos autos ficou restringido à apreciação de duas questões: a desconsideração da menos-valia fiscal, no montante de €44.033,74, apuradas com a alienação de diversos ativos fixos tangíveis; e a correção relativa a encargos com a substituição do motor do veículo, no montante de € 5.924,42, e respetivos juros compensatórios aplicáveis.
No que se refere às consequências da redução do pedido no valor da causa (de que depende a solicitada “devolução de taxas de arbitragem”), interessa notar que, de acordo com o artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, aquele deve ser determinado nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, ou seja, estando em discussão um ato de liquidação, deve corresponder à importância cuja anulação se pretende. Com a anulação parcial das liquidações, essa importância passou a ser a do imposto [IRC] incidente sobre as correções resultantes da desconsideração da menos-valia fiscal, no montante de €44.033,74, apuradas com a alienação de diversos ativos fixos tangíveis; e a correção relativa a encargos com a substituição do motor do veículo, no montante de € 5.924,42, e respetivos juros compensatórios, que subsistem como questões a serem apreciadas.
Neste âmbito, suscita-se a dúvida sobre o momento relevante a considerar para a determinação do valor da causa, em virtude da regra geral expressa pelo artigo 299.º do CPC, segundo a qual, “deve atender-se ao momento em que a ação é proposta”, dispondo o artigo 259.º, n.º 1 do CPC que a ação se considera proposta e a instância se inicia com o recebimento “na secretaria” da respetiva petição inicial (normas convocáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT e artigo 2.º, alínea e) do CPPT). De salientar ainda que o artigo 13.º, n.º 5 do RJAT estabelece que, “salvo quando a lei dispuser de outro modo, são atribuídos à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial”.
Todavia, como dispõe o artigo 15.º do RJAT, na jurisdição arbitral a instância só se inicia com a constituição do Tribunal Arbitral e não com a entrega do pedido arbitral, sendo a fase precedente de índole procedimental e não processual. Acresce que se o procedimento cessar antes de ser constituído o Tribunal Arbitral, nomeadamente pela anulação do ato tributário objeto do litígio, a Requerente é reembolsada da taxa de arbitragem paga (cf. artigo 3.º-A do RCPAT), o que significa que a fixação do valor da causa e a determinação das correspondentes custas a suportar são influenciadas se a anulação (também parcial) dos atos em crise produzir efeitos antes da constituição do Tribunal, i.e., antes do início da instância.
In casu, tendo a anulação parcial dos atos impugnados ocorrido e sido notificada à Requerente em momento prévio ao da constituição do Tribunal Arbitral Coletivo, que se verificou em 13 de janeiro de 2021, o valor da causa (correspondente à liquidação) deve ser expurgado da importância anulada, ou seja, do IRC e juros compensatórios imputados à matéria tributável de € 71.275,66, que se estima em cerca de € 21.317,50. Assim, ao valor da causa inicialmente indicado pela Requerente, de € 18.619,23, deverá passar para o montante aqui estimado, fixando-se na importância de € 13.050,49, sem prejuízo dos cálculos que em sede de execução do presente aresto caiba à AT levar a efeito no âmbito das suas atribuições e competências.
A alteração do valor da causa será tida em conta na fixação das custas arbitrais, nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4 do RJAT e 3.º e 4.º do RCPAT, e para os demais efeitos que a lei associe ou faça depender do mesmo.
B.2. DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
A primeira questão que cumpre apreciar respeita à falta de fundamentação que subjaz ao ato e sobre a qual a Requerida se pronunciou em sentido contrário à impugnação da Requerente. A este respeito importa ter presente o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
O artigo 268.º, n.º 3, da CRP estabelece que:
“os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por seu lado, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT prevê que a
“(…) decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
Na anotação ao artigo 77.º, da LGT, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, afirmam:
“Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.” (vd., Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 675).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sustentado que:
“(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do acto, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.” (vd., Acórdão do STA, de 11-11-1998, processo n.º 31339).
Posto isto, a fundamentação deve consistir numa exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão. As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claros e entendíveis para o contribuinte. O contribuinte poderá obviamente discordar do sentido da decisão da Autoridade Tributária, mas terá é de perceber cabalmente o sentido da mesma e que esta não é uma pura demonstração de arbítrio. Nesse sentido, importa salientar que a fundamentação apresentada com o ato tributário em discussão é manifestamente insuficiente equivale a falta de fundamentação para todos os efeitos legais.
Portanto, perante um ato tributário concreto a fundamentação exigível é aquela que se revele necessária e adequada para um contribuinte normal, com um conhecimento comum e normalmente diligente, compreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela Autoridade Tributária para chegar a tal decisão (Decisão Arbitral, de 29-12-2017, proferida no proc. n.º 336/2016-T).
Conforme referido, a jurisprudência tem desde sempre sufragado o entendimento de que o ato administrativo – aqui se incluindo o ato em matéria tributária - se encontra suficientemente fundamentado quando do mesmo é possível extrair o respetivo percurso cognoscitivo. É também isso que resulta do disposto nos artigos 63.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 153.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Pelo que, nas palavras do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferidas no Acórdão de 11.12.2007, proferido no recurso n.º 615/04:
“o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte”.
Ainda de acordo com o mesmo STA, no Acórdão de 10.02.2010, proferido no processo nº 01122/09, considerou-se que:
“a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é; quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”.
Posto isto, o dever de fundamentação dos atos administrativos ou tributários visa essencialmente, por um lado, inteirar o respetivo destinatário das razões ou dos motivos que conduziram à tomada de decisão em determinado sentido e, por outro lado, permitir o controlo sobre a legalidade da decisão e sobre a validade dos motivos que subjazem a determina decisão concreta.
Por isso, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE refere que:
“(…) o imperativo de fundamentação expressa (...) desempenha, assim, tipicamente, um papel de garantia funcional, com a pretensão de assegurar a racionalidade e a controlabilidade dos momentos característicos da função administrativa, daqueles em que os órgãos da Administração tomam decisões de autoridade que produzem modificações jurídicas no mundo externo (…)” (in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Coimbra, 1992, p. 215).
Ora, in casu, a Requerida apresenta como fundamentos, quanto às questões que se mantêm em discussão, o seguinte:
A sociedade (...) registou na contabilidade a fatura FAC 2/13 de 2018-03-20 emitida pela B... LDA, (...) no valor total de 150.000,00 EUR mais IVA de 34.500,00 EUR, (...). Esta fatura é relativa à aquisição do estabelecimento industrial daquela sociedade em ..., que inclui três viaturas e diversas máquinas. Designadamente a título exemplificativo o veículo com matrícula ... pelo preço de 5.000,00 EUR, cinco máquinas de recobrimento ... pelo preço de 2.400,00 EUR cada, cinco caldeiras pelo preço unitário de 1.500,00 EUR, e uma máquina de pregar molas manual pelo preço de 1.600,00 EUR, todos os valores antes de IVA.
Em 2018-12-06 a A... emitiu a fatura FT X018/193 à sociedade D... UNIPESSOAL, LDA (...), no valor de 1.500,00 EUR mais IVA de 345,00 EUR (...). Desta fatura constam 30 itens, todas ao preço unitário de 50,00 EUR, todos adquiridos à B... e constantes daquela fatura FAC 2/13 de 2018-03-20, nomeadamente os acima identificados a título exemplificativo.
Esta venda implicou uma perda de 40.500,00 EUR como menos valia fiscal. Esta perda atinge no caso da máquina de recobrimento um valor unitário de 2.350,00 EUR em 2.400,00 EUR representando uma percentagem de 98%. Foram solicitadas justificações e documento corroborativa desta perda em tão curto espaço de tempo nada nos tendo sido justificado nem documentado.
Ainda quanto às menos valias em ativos fixos tangíveis há a perda com a transmissão do veículo de matrícula..., (...), foi adquirido à B... pelo preço de 5.000,00 EUR + IVA, (...), e transmitido à sociedade E... LDA (...) por 1.016,26 EUR + IVA. Trata-se de uma perda de 3.983,74 representativa de 79%. Foi solicitada justificação e documentação corroborativa desta perda em tão curto espaço de tempo nada nos tendo sido justificado nem documentado.
Temos em que, não tendo sido demonstrado o motivo de tão abrupta e elevada perda de valor do veículo, não é de aceitar a perda de 3.983,74 EUR com a menos valia fiscal.
A sociedade (...)registou na contabilidade a fatura n.º 8740014486 de 2018-08-10 emitida pela J... S.A. (...). Esta fatura é relativa ao veículo com matrícula ... que consta do mapa de depreciações. Nesta fatura é mencionada a troca de unidade do motor no valor de 7.242,14 EUR (componente) mais 657,09 EUR (serviço). Ora, trata-se de uma grande reparação de elevado valor que aumentou a vida útil do bem pelo que deveria o sujeito passivo ter efetuado o competente registo contabilístico no balanço e procedido às devidas depreciações com base no desgaste. Não o tendo efetuado, registou em gastos do período de 2018, com fornecimentos e serviços, o valor de 7.899,23 EUR, valor que deveria ter sido registado no ativo e sujeito a depreciação numa base sistemática.
Nestes termos, por desrespeito às regras de normalização contabilísticas e ao princípio de especialização, não é de aceitar o gasto de € 7.899,23 EUR.
(...) Em suma, correções em sede de IRC: ponto 1: (...); ponto 2: 44.034,74 EUR; ponto 3: 7.899,23 Eur; (...). Pelas situações descritas, em desrespeito pelo disposto na alínea a) n.º 3 do artigo 17.º, no n.º 1 do artigo 23.º, e no n.º 6 do artigo 63.º, todos do IRC, incorre o sujeito passivo nas contraordenações (...).
Assim sendo, de tudo que se deixa dito, parece evidente para este Tribunal arbitral que o ato de liquidação ora impugnado, não cumpre com os requisitos legalmente definidos, nomeadamente, no que concerne à fundamentação de direito. O Relatório de Inspeção no qual se encontram plasmadas as correções que estiveram na origem da sua emissão não está, devida e suficientemente, fundamentado no entender deste Tribunal arbitral.
Aliás, mesmo após a audiência prévia, a situação não foi ultrapassada, nem a Requerida apresentou uma fundamentação clara, congruente e esclarecedora, uma vez que não apresenta qualquer fundamentação de direito para as considerações que apresenta, limitando-se a referir que:
Ora, o exposto pelo sujeito passivo no exercício do direito de audição faz cair por terra a solicitação de documentação corroborativa para tão avultada perda ocorrida em tão curto espaço de temporal, como se fosse o caso um acidente / incêndio / defeito.
Com efeito, o exposto pelo sujeito passivo no exercício do direito de audição vem corroborar que não ocorreu qualquer perda quando afirma que vendeu ao preço de mercado, implicitamente diz o que a perda era já conhecida na compra. Tratar-se-á não de uma menos valia em ativos fixos tangíveis, mas outro sim de um contabilisticamente designado badwill, que deveria, portanto, ter sido alvo de reconhecimento contabilístico aquando da aquisição.
(...)
Não se vislumbra que se possa considerar este investimento (unidade motora) que indiscutivelmente aumenta a vida útil do bem, como sendo de reconhecer como uma mera reparação, pelo que não será de derrogar as normas contabilísticas e acolher a argumentação.
(...).
Ora, a Requerida na resposta sustenta a sua posição num conjunto de normas/regras contabilísticas, mas não as refere no procedimento tributário, nem sequer de normas fiscais, pois, limita-se de forma genérica e, portanto, não especificamente fundamentadas, por referir que “Pelas situações descritas, em desrespeito pelo disposto na alínea a) n.º 3 do artigo 17.º, no n.º 1 do artigo 23.º, e no n.º 6 do artigo 63.º, todos do IRC, incorre o sujeito passivo nas contraordenações (...)”.
É, pois, este tipo de fundamentação absolutamente insuficiente, designadamente, no que concerne à fundamentação de direito, não se podendo a mesma inferir pela fundamentação de facto, visto que a mesma carecia de ser indicada, de forma clara e congruente, e, bem assim, de forma individualizada para cada uma das correções fiscais decididas no procedimento inspetivo.
Na realidade, a Requerida implicitamente vem reconhecer a sua falha, quando na resposta ao pedido de pronúncia arbitral vem apresentar os fundamentos que deveria ter apresentado no dito relatório de inspeção tributária. Porém, não pode este Tribunal arbitral atender à fundamentação expedida após a prática do ato tributária objeto dos presentes autos.
Efetivamente, nos termos do Acórdão do STA de 19-05-2004, proferido no processo 0228/03, refere-se que:
“Não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à prática do acto, nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão, expressa ou implícita.”.
Como bem se decidiu no processo arbitral n.º 274/2016-T, em 9 de fevereiro de 2017, decisão em que foi relator o Conselheiro Lopes de Sousa:
“Num contencioso de mera legalidade, como é o previsto no RJAT para os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, em que se visa apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º, tem de se aferir da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações”.
Ademais, resulta dessa decisão do CAAD, que se acompanha, que
“(...) sendo o conhecimento da fundamentação necessário para assegurar com efectividade o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, assegurado pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP, para aferir da suficiência da fundamentação tem de se atender apenas ao teor do acto impugnado e às remissões que dele constem expressamente, como impõe o n.º 3 do mesmo artigo, em que se estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. Assim, como é jurisprudência pacífica, a fundamentação relevante é apenas a contemporânea do acto, que antecede ou acompanha o acto e que dele conste directamente ou por remissão, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, inclusivamente a que é invocada no processo de impugnação contenciosa. No caso em apreço, a fundamentação das liquidações impugnadas, para além do que delas próprias consta, é a que consta do Relatório da Inspecção Tributária”.
No caso em apreço, do relatório da inspeção tributária não se vislumbra que concretas regras contabilísticas e fiscais foram violadas, porque simplesmente a Requerida não as indica, nem sequer remete para o sistema de normalização contabilística, nem tão pouco menciona as normas do CIRC, nem do despacho Regulamentar 25/2009, que entende justificarem as conclusões a que chega no âmbito do correspondente relatório de inspeção tributária. Portanto, a fundamentação que apresenta não parece suficiente para que o ato tributário em questão se possa ver como devidamente fundamentado.
Efetivamente, da fundamentação não resulta, pelo menos a característica da plenitude, segundo a qual, deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é precisa uma valoração. Com efeito, não se encontra na fundamentação apresentada referência às normas legais aplicáveis, individualmente, a cada uma das correções.
Como se referiu, apenas no âmbito da resposta ao pedido de pronuncia arbitral veio a Requerida a desvendar um pouco mais dos fundamentos que, no seu entendimento, justificariam as correções em discussão nos presentes autos. Até então, um sujeito passivo, dito “médio”, não poderia compreender de forma suficiente o ato tributário, atendendo à falta de enquadramento legal de que padece a decisão da Requerida, e nessa medida, não estava em condições de compreender o iter cognoscitivo que presidiu às correções efetuadas, no momento da emissão do ato de liquidação.
Neste contexto, a Requerida sustenta, para afastar o vício de falta de fundamentação, que os Requerentes entenderam perfeitamente o sentido e alcance do ato tributário, porque isso resulta do exercício argumentativo que fizeram perante o Tribunal Arbitral. Contudo, não podemos acompanhar esta posição da Requerida, porque não é aceitável sob pena de se subverter todo o quadro de vinculação constitucional e legal em vigor nesta matéria, que perante insuficiências manifestas de fundamentação da exclusiva responsabilidade da Autoridade Tributária, se imponha ao contribuinte o ónus de detetar e suprir as referidas falhas de fundamentação.
Conforme resulta da jurisprudência do CAAD, que se acompanha:
“A fundamentação é um requisito do próprio ato e cabe ao seu autor a obrigação de o fundamentar de fato e de direito. O contribuinte não pode ficar adstrito a substituir-se ao autor do ato na busca do sentido da fundamentação para exercer de forma mais eficaz as suas garantias de defesa. No caso de existir um deficiente cumprimento do dever de fundamentação por parte da Autoridade Tributária não compete ao contribuinte fazer suposições e tentar descortinar a fundamentação completa para esse ato. Consequentemente, o cumprimento deficiente do dever de fundamentação, a cargo da Autoridade Tributária, não pode ser convalidado pela ação do contribuinte”. (Processo 556/2018-T).
Em face do exposto, verifica-se que os atos de liquidação de IRC e Juros Compensatórios ora contestados padecem ab initio do vício de falta de fundamentação, consubstanciada na insuficiência do Relatório de Inspeção, considerando o Tribunal que esse vício é insuscetível de ser suprido posteriormente à emissão dos próprios atos de liquidação.
Assim, declara-se a ilegalidade dos atos de liquidação em crise, referentes ao IRC de 2018, por violação do disposto nos artigos 77.º da Lei Geral Tributária, nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo, e por fim no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que da análise antecedente resulta que o ato tributário, objeto do pedido pronúncia arbitral, não preenche um teor mínimo de informação que permita considerar verificados os requisitos que, a nível constitucional, legal, jurisprudencial e doutrinal, são exigidos para a fundamentação dos atos tributários.
Em consequência, o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, pelo que é ilegal e deve ser anulado.
***
Em face disso, fica prejudicada a análise dos restantes vícios e ilegalidades apontados pela Requerente, conforme decorre do artigo 608.º, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
IV. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente finaliza o seu pedido no sentido da condenação das “(...) Requerida ser condenada no pagamento à Requerente dos juros indemnizatórios, contabilizados sobre o valor do imposto pago (€ 18.619,23), desde a data do respetivo pagamento (15.07.2020), por força da aplicação do art. 43º, n° 1 da LGT”.
Dispõe o artigo 43.º, n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) que:
“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Prevê ainda o artigo 100.º do indicado compêndio normativo que:
“A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
Com efeito, determinando o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT que“é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá o mesmo ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.
Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.
No caso concreto, está em causa um vício de forma do ato tributário.
Sobre esta questão o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa exprimiu, em anotação ao artigo 61.º do CPPT, uma posição que merece o nosso total acordo, segundo a qual:
“... a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto, por estar afectado de ilegalidade. Mas o reconhecimento de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele. Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp. 531 e 532).
Esta também é a posição reiterada na jurisprudência do STA, do qual é exemplo o Acórdão do STA, de 07-09-211, proferido no processo 0416/11.
Assim sendo, no presente caso a anulação do ato de liquidação adicional resulta do vício de falta de fundamentação e não de qualquer ilegalidade, à luz das normas substantivas, que expresse o carácter indevido da prestação tributária. Portanto, não pode concluir-se, de acordo com o artigo 43.º da LGT, que se encontram reunidos os requisitos para a Requerente ser indemnizada, pelo que improcede o pedido da Requerente quanto aos juros indemnizatórios.
V. DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Consequentemente, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada à Requerida em 99%, e à Requerente em 1%
VI. DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral Singular decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade da liquidação impugnada, por vício de falta de fundamentação, com todas as devidas e legais consequências;
b) Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios;
VII. VALOR DO PROCESSO
Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 13.050,49, nos termos expostos no ponto B.1.
Pelo que tendo a Requerente pago a taxa inicial de € 612,00, nos Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pela redução do valor do processo era devida o valor de € 459,00, pelo que é devido a título da taxa subsequente o valor de € 306,00.
VIII. CUSTAS
Custas no montante de € 918,00, a cargo da Requerida, na proporção de 99%, e da Requerente na proporção de 1%, em conformidade com Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT
Notifique-se.
Lisboa, 29 de novembro de 2021
O árbitro,
Rui Miguel Zeferino Ferreira