Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 171/2021-T
Data da decisão: 2021-11-15  IVA  
Valor do pedido: € 18.340,95
Tema: IVA – Cálculo do pro rata-venda de imóveis.
Versão em PDF

 

SUMÁRIO:

 

1-            A determinação do imposto dedutível relativo a bens de utilização mista em sede de IVA está prevista no artº 23º do CIVA;

2-            A percentagem ali referida é específica à realidade a que vai ser aplicada, um coeficiente de imputação dentro do método de afetação real.

3 - O princípio da neutralidade fiscal em sede de IVA não estará a ser respeitado, por ser manifestamente desadequado e penalizador, se, no caso de um sujeito misto que tem como atividade principal a venda de imóveis, apenas for autorizado um pro rata baseado no volume de negócios.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – Relatório

A..., S.A., titular do NIPC..., com sede e na ..., n.º ..., ...-... Estoril, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral  tendo como objeto a declaração de ilegalidade dos atos tributários consubstanciados na decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra as seguintes liquidações adicionais de IVA nº2020 ... – 8.471,69€; da Liquidação adicional de IVA nº2020 ... – 8.360,98€; da Liquidação de juros compensatórios nº2020 ... – 892,55€: e da Liquidação de juros compensatórios nº2020 ... – 615,73€.

A Requerente prescindiu de nomear árbitro pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente previsto.

As partes, notificadas da nomeação em 12/05/2021, não manifestaram qualquer oposição à nomeação.

O Tribunal foi constituído em 1/06/2021 de conformidade com o previsto na alínea c) do nº 1 do artº 11º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) constante do Decreto-Lei nº 20/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.

A entidade Requerida depois de notificada para o efeito, apresentou Resposta em 2021/07/05 na qual se defende por impugnação, juntando em simultâneo o processo administrativo.

E, porque foi requerida a produção de prova adicional, realizou-se em 20/09/2021 a reunião do artº 18º do RJAT com a inquirição de apenas uma testemunha, por a Requerente ter prescindido da outra, tendo as partes sido convidadas a apresentar alegações por escrito em 10 dias.

As Partes apresentaram alegações onde reiteraram os argumentos que já tinham invocado no requerimento de pedido de constituição do tribunal e na Resposta.

II - Do pedido e da posição das partes

 

A ora Requerente é uma sociedade anónima que exerce a atividade de compra e venda de imóveis a título principal e que presta serviços de contabilidade e de consultoria, a título secundário;

Na sequência de uma ação inspetiva externa quanto aos exercícios de 2016 e 2017, foram propostas correções em sede de IVA, sustentando a AT que a ora Requerente terá deduzido IVA, indevidamente, no montante de € 16.832,67€, por, supostamente, não ter respeitado o devido pro-rata a que deveria ter sujeitado tal dedução, na medida em que exerce atividades isentas (compra e venda de imóveis) e não isentas de IVA (os serviços de contabilidade e consultoria), em que naquelas datas corresponde a 3% e 14% do volume de negócios, respetivamente.

Em consequência, foi a Requerente notificada da liquidação de IVA, respetivos acertos de contas e liquidação de juros compensatórios no montante total a pagar de € 18.340,95.

Por não concordar com as liquidações resultantes das correções apresentou reclamação graciosa cuja decisão de indeferimento, segundo a Requerente, se encontra ferida de vício de violação de lei.

No exercício da sua atividade de contabilidade e consultoria, a Requerente liquida IVA, o que lhe confere direito à dedução do IVA suportado na aquisição dos bens e serviços relacionados com essa atividade, nos termos do artigo 19.º do Código do IVA.

A Requerente procedeu à afetação real do IVA suportado relativamente à atividade isenta, não deduzindo o IVA suportado relacionado com a sua atividade imobiliária; porém, como se refere no Relatório junto à presente P.I., tendo em conta que a maioria dos custos incorridos em tais períodos (consumos de água, luz, gás, telecomunicações, etc.) teve maior conexão com a atividade de prestação de serviços de contabilidade e consultoria, que se manteve em curso durante cada um dos anos, deduziu na totalidade o IVA suportado no desenvolvimento dessa atividade

Os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que a Requerente não conseguiu demostrar que a aquisição de “outros bens e serviços” se encontra direta e exclusivamente relacionada com a atividade (sujeita e não isenta de IVA) de prestação de serviços de contabilidade e de consultoria, pelo que, entende que tais aquisições de bens e serviços deviam reputar-se como custos comuns uma vez que os referidos bens e serviços foram utilizados, indistintamente, nas atividades isentas e nas não isentas;

Pelo que, segundo os Serviços, o IVA suportado pela Requerente nas referidas aquisições não podia ter sido integralmente deduzido, devendo, ao invés, ser deduzido apenas na proporção (pro-rata) do volume de negócios imputável à atividade não isenta, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 23.º do Código do IVA, como consta dos quadros seguintes retirados do Relatório junto aos autos:

 

Quadro 6 - Apuramento da % de IVA dedutível no ano de 2016, sem alienação de ativos fixos (pag.15 do Rel.)

Contas  Conta/Descritivo             Valor     Ativ sujeita         Ativ. isenta         Dennominador Numerador

71114    Venda imóveis (isentas))             1 203 000,00                      1 203 000,00      1 203 000,00     

72112    Venda Taxa Normal        35 568,00            35 568,00                            35 568,00            35.568,00

78712    Alienação ativos fixos tangíveis 365 773,68                          265.773,68          0.00      

7888      Outros não especificados (*)      49 413,04                            49.413,04            0,00      

                               1 553 754,72      35 568,00            1 518 186,72      1 238 568,00      35 568,00

 

 

Quadro 8 - Apuramento da % de IVA dedutível no ano de 2017

Contas  Conta/Descritivo

                Valor

                Ativ. sujeita        Ativ. isenta         Fora campo aplicação    Denominador   Numerador

71114    Vendas de imóveis (isentas)       2.085.000,00                      2.085.000,00                      2.085 000,00     

72112    Venda Taxa normal         334.7 1 8,00       334.7 l 8.00                                        334.7 1 8,00       334.7 l 6.00

7888      Outros não especificados(*)                                                      99.097, 13           0.00      

                               2.419.718,00       334.7 18,00        2.085.000,00                      2.419.718,00      334.718, 00

 

No que respeita à atividade de compra e venda de imóveis, como se vê, a Requerente apenas procedeu à venda de cinco imóveis: três durante o ano de 2016 no valor total de € 1.203,000,00 e dois durante o ano de 2017 no valor total de € 2.085.000,00;

Quanto à prestação de serviços de contabilidade e consultoria, o montante da faturação anual do ano de 2016 foi de 35 568,00€ e de 334 718,00€ em 2017.

Por entender que é sujeito passivo misto em sede de IVA, e dada a limitada atividade verificada no sector imobiliário que se estendeu por 2016 e 2017, a Requerente optou por proceder, durante os anos de 2016 e 2017, à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços segundo o método de afetação real, de conformidade com a previsão do nº 2 do artº 23º do CIVA,

Porque, para além de ter agido no exercício de um direito que legalmente lhe assiste, usou critérios objetivos para determinar a afetação real dos custos incorridos e inerentes ao IVA suportado com a venda de imóveis, não tendo deduzido a totalidade do IVA suportado com essa sua atividade Imobiliária.

A conformidade com a lei deste método de dedução do IVA pode ser aferida através de análise documental e contabilística, pelo que a dedução por si calculada foi efetuada com base nos mencionados critérios objetivos que permitem determinar o grau de utilização dos bens e serviços adquiridos em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito.

Entende, pois, nesta conformidade, que o IVA deduzido nas declarações periódicas relativas aos anos de 2016 e 2017 corresponde à aquisição de bens e serviços que foram utilizados exclusivamente na prestação de serviços de contabilidade e de consultoria, como sejam a aquisição de serviços jurídicos, de serviços de telecomunicações e de serviços de manutenção do edifício da sede.

Por outro lado, o montante do IVA suportado em 2016 e 2017, relativamente à atividade isenta, não foi deduzido nas suas declarações periódicas, como é o caso do IVA inerente aos serviços de construção civil adquiridos para a sua atividade de compra e venda, cujo imposto suportado foi devidamente liquidado nas suas declarações periódicas.

Enfatiza ainda a Requerente o facto de que a venda de imóveis apenas ocorreu quanto aos três indicados imóveis no ano de 2016 e dois no ano de 2017, o que evidencia que os custos comuns incorridos durante o ano foram utilizados para a prática de operações tributáveis, i.e., serviços de consultoria e de contabilidade que prestou com recorrência e regularidade durante todo o exercício fiscal.

Ademais, entende ainda a Requerente que inexiste qualquer fundamentação para as liquidações adicionais impugnadas, porquanto a que consta a fls. 12 do Relatório é manifestamente insuficiente.

Efetivamente é sobre a Administração Tributária que impende o dever legal de não só indicar todos os factos, de forma clara e coerente, mas também, de indicar o porquê de a sua liquidação de IVA estar a ser corrigida.

No caso concreto, a fundamentação não se revela apta a satisfazer as preocupações que orientaram o legislador tributário, porquanto não permite à Requerente inteirar-se das razões que motivaram tal aplicação.

Ao questionar-se o porquê das várias liquidações em crise não encontra resposta e a ter-se como tal o transcrito no Relatório, a mesma, é contraditória.

Deste modo, além dos vícios invocados, as liquidações em crise estão inquinadas de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anuladas em conformidade.

Suscita também a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios porque, igualmente, inexiste fundamentação para a respetiva liquidação, já que que a Administração Tributária omite qualquer menção à liquidação de juros compensatórios, ou seja, não comprova, por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito nem qual a culpa da Requerente para a respetiva liquidação.

Complementarmente solicita a Requerente a condenação da AT no reembolso das quantias pagas e no pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa utilizada no cálculo juros compensatórios, uma vez que procedeu ao pagamento do imposto e porque esse pagamento resultou de erro imputável aos serviços dado que as liquidações e o despacho de indeferimento se encontram inquinados de diversos vícios materiais, que não relativos à forma ou competência.

Em resumo, pede ao tribunal:

A anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA, respetivos juros compensatórios e de mora, notificadas à Requerente, relativas ao quarto trimestre do exercício de 2016 e de 2017; a anulação das liquidações adicionais de IVA supra identificadas, que deram origem às correspondentes demonstrações de acertos de contas; a anulação das liquidações de juros compensatórios (e respetivos acertos de contas) supra identificadas; a devolução de todos os montantes pagos a este título pela Requerente; e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, à taxa anual fixada, com fundamento em pagamento indevido da prestação tributária.

*

Respondendo, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio dizer o seguinte:

A Requerente impugnou as liquidações deduzindo reclamação graciosa, a qual foi indeferida.

Nos termos do n.º1 do artigo 23.º do CIVA: “quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte dos quais não confira o direito a dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução”, tendo o referido artigo o seu âmbito de aplicação restrito à determinação do imposto dedutível relativo aos bens de utilização mista, ou seja, aos bens e/ou serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem direito a dedução e em atividades que não conferem esse direito.

Uma vez que estão em causa bens ou serviços parcialmente afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA estabelece que o imposto dedutível seja determinado mediante a utilização de uma percentagem de dedução, apurada nos termos do nº 4 do mesmo artigo, sem prejuízo de o sujeito passivo poder optar pela afetação real, nos termos do n.º 2 da mesma norma.

Decorrente de análise documental e contabilística, verifica-se que a Requerente procedeu à afetação real do IVA suportado relativamente à atividade isenta, não tendo deduzido o imposto suportado relacionado com a atividade imobiliária, isenta nos termos do artigo 9.º do CIVA.

Contudo, relativamente à prestação de serviços de contabilidade, faturados pela Requerente, verifica-se que estes serviços são realizados pelos próprios trabalhadores da empresa, não tendo sido identificado nem demonstrado que tenha suportado IVA direta e exclusivamente relacionado com a atividade sujeita e não isenta de IVA da prestação de serviços e consultoria, porém, imputou todo o IVA suportado a esta atividade.

Tendo por base os elementos contabilísticos da Requerente, os Serviços de Inspeção Tributária apuraram para o ano 2016, uma percentagem de dedução do IVA suportado da utilização mista de 3% (pro rata) calculada de acordo com os parâmetros descritos nos artigos20.º e 23.º do CIVA e as regras de arredondamentos previstas no nº 8 do artigo 23.º do mesmo diploma e para o ano 2017, uma percentagem para dedução do IVA de 14%, nos termos do nº 8 do artigo 23.º do CIVA.

Atendendo ao n.º 6 do artigo23.º do CIVA, concluiu a Requerida, por uma única regularização do IVA apurado a favor do Estado no último período de cada ano (12T):

             Período 2016-12T: 8 089,06€ (total do IVA deduzido durante o ano 2016) * 97% = 7 846,39€

             Período 2017-12T: 9 722,07€ (total do IVA deduzido durante o ano 2017) * 86% = 8 360,98€

Mais alega a AT que, no que respeita aos critérios de dedução do imposto suportado com bens e serviços de utilização comum ao sector isento e ao tributado, embora a Requerente faça referência aos indicadores que considera mais justos e proporcionais para a dedução do imposto, não demonstra, contudo, a materialização dos gastos comuns efetivamente correspondentes a cada sector de atividade.

Por outro lado, não sendo possível a determinação de um pro-rata genérico por ter ficado vedada essa possibilidade com a alteração legislativa clarificada através do Ofício Circulado n.º 30103 de 23-04-2008, por ter a natureza de sujeito passivo misto, ficam assim desprovidos de conteúdo os indicadores enunciados pela Requerente.

Em conclusão, tendo em consideração o exposto e após análise dos elementos recebidos, a Requerida conclui que a Requerente não carreou para o processo dados relevantes e fidedignos que permitam afastar as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária.

Quanto à falta de fundamentação das liquidações referentes aos anos controvertidos, considera a Requerida que, tendo em causa o contexto em que os atos tributários em causa foram proferidos, o seu conteúdo, e a posição do seu destinatário concreto, é de concluir que foram atingidos os fins visados pelo dever de fundamentação, tendo aquele ficado a conhecer, efetivamente, as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação, o que fez, de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato, o que também acontece.

 

III - MATÉRIA DE FACTO

 

A.           Factos provados

 

Do probatório documental junto aos autos, do processo administrativo e da inquirição da testemunha arrolada, consideram-se provados os seguintes factos:

1.            A Requerente é uma empresa que tem como atividade principal “a compra e venda de imóveis e venda de adquiridos para esse fim”, portanto isenta nos termos do nº 30 do artº 9 do CIVA, pelo que não pode beneficiar do direito à dedução do imposto suportado.

2.            Como atividade secundária, a Requerente presta serviços de contabilidade e consultoria, atividade em que liquida IVA com direito à dedução do imposto suportado, que beneficia do direito à dedução.

3.            Mais concretamente, em 2016 e 2017, constatou-se que a Requerente aplicou o método de afetação real relativamente à atividade isenta (venda e compra de imóveis), não deduzindo o IVA suportado no âmbito desta atividade, mantendo contabilização separada da restante atividade;

4.            Pelo contrário, em relação à outra atividade de prestação de serviços de contabilidade deduziu todo o restante IVA suportado pela empresa em cada um dos exercícios em causa.

5.            Durante o ano de 2016, a par do desenvolvimento normal da atividade de prestação de serviços de contabilidade, a Requerente vendeu três imóveis, respetivamente em 31/08/2016, 30/09/2016 e 30/09/2016, com o valor global de 1 203 000,00€; e

6.            Em 2017 a Requerente alienou dois imóveis em 29/08/2017 e 11/10/2017, respetivamente nos valores de 1 320 000,00€ e 765 000,00€, respetivamente, no valor global de 2 085 000,00€.

7.            No tocante à atividade não isenta, a Requerente faturou em 2016 o montante de 35 568,00€ e em 2017 a importância de 334 718,00€.

8.            A Requerente em sede de IVA adotou o método de afetação real previsto no nº 2 do art 23º do CIVA quanto ao imposto suportado na atividade de compra e venda de imóveis, que não deduziu nas declarações periódicas apresentadas junto da AT, como é o caso do IVA suportado na aquisição de trabalhos de construção civil pela Requerente no âmbito da sua atividade principal de compra e venda.

9.            Ao contrário (vide Relatório, pág. 9 - matéria não contestada), deduziu, no todo, o restante IVA que suportou, a montante, na atividade secundária – serviços de contabilidade e consultoria – porque no seu entendimento esse IVA incorrido dizia respeito, nomeadamente, a custos de água, eletricidade, telecomunicações, serviços jurídicos e manutenção do edifício da sede, ou seja, gastos essencialmente decorrentes do exercício da atividade secundária.

10.          Por seu turno, a Autoridade Tributária, como se infere do Relatório, teve um entendimento diverso, considerando que “o restante IVA suportado é de utilização mista e indistinta na atividade do sujeito passivo” e que ao proceder à dedução global do IVA não está a dar cumprimento ao que dispõe o artº 23º do CIVA.

11.          A AT não apresentou qualquer dado fundamentador da sua decisão, salvo a sua constatação de que a Requerente não apresentou prova de que os inputs relacionados com a atividade tributada diziam respeito exclusivamente a esta.

12.          A AT constatou, no que não foi contrariada, que a prestação dos serviços de contabilidade é efetuada pelos próprios funcionários da empresa;

13.          Não foi posto em causa, nem o montante do IVA liquidado nas faturas analisadas nem a sua dedutibilidade à luz do CIVA, mas tão só o montante do IVA deduzido pela Requerente que, segundo a AT, não podia deduzir todo o IVA que deduziu.

14.          Na sequência, a AT considerou como não provado que o sujeito passivo tenha suportado IVA direta e exclusivamente relacionado com a atividade sujeita e não isenta de prestação de serviços de contabilidade e consultoria, ou seja, considerou que o IVA suportado é de utilização mista e indistinta na atividade do sujeito passivo e que a Requerente procedeu à sua total dedução, o que contraria o artº 23º do CIVA.

15.          Em face deste entendimento, a AT procedeu a correções tendo em conta que “a parte do IVA suportado e deduzido através da rubrica “Outros bens e serviços” não poderá corresponde à totalidade do IVA suportado, mas sim à percentagem calculada de acordo com o mecanismo de dedução previsto no artº 23º do CIVA, visto tratar-se de um sujeito passivo misto”, pelo que foi necessário apurar a percentagem de dedução para cada um dos exercícios:

 

Volume de negócios de 2016:      Atividade sujeita     – 35 568,00€

                                                                 Atividade isenta – 1 518 186,73€           

              Numerador              =        35 568,00  (atividade sujeita)        = 3%

              Denominador                        1 238 568,00 (atividade isenta)

 

Volume de negócios de 2017      Atividade sujeita         334 718,00€

 Atividade isenta –       2 419 718,00€

              Numerador   =       334 718,00  (atividade sujeita)        = 14%

         Denominador             2 419 718,00 (atividade isenta)

 

16.          Assim, a AT apurou para o ano 2016, uma percentagem de dedução do IVA suportado na utilização mista de 3% (pro rata), e, para o ano 2017, uma percentagem para dedução do IVA de 14%, o que originou o recálculo do imposto a deduzir na atividade tributada para valores de 7 846,39€ e 8 360,98€, respetivamente.

17.          O imposto e juros compensatórios resultantes das correções foram pagos pela Requerente.

18.          A Requerente apresentou reclamação graciosa que foi indeferida.

 

B.            Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Foi ouvida apenas uma das testemunhas arroladas, por se ter prescindido da outra, que se apresentou a depor com isenção e com conhecimento dos factos.

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, no que tange à matéria de facto, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, consideraram-se provados, com relevo para a decisão à luz do artigo 110º, nº 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

IV - SANEAMENTO

 

a)            O Tribunal é materialmente competente e foi regularmente constituído de acordo com os artº 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 2, alínea a), todos do RJAT.

b)           As partes têm personalidade jurídica, gozam de capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos do artº 4º e 10º do RJAT e artº 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

c)            O processo também não enferma de nulidades, pelo que não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

V - MATÉRIA DE DIREITO

 

1.            Da falta de fundamentação das liquidações em 2016 e 2017

 

Determina o artº 124º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) o seguinte:     1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação; 2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

A determinação constante desta norma quanto à ordem de conhecimento dos vícios tem como pressuposto que conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento.

Assim sendo, tendo em conta o disposto neste artº 124º, são vícios de conhecimento prioritário aqueles que implicam a inexistência ou nulidade do ato tributário e também o vício de forma no procedimento por falta de fundamentação.

Nestes termos, cumpre conhecer de imediato o vício alegado de falta de fundamentação dos ato de liquidação adicional de IVA   referentes aos anos de 2016 e 2017.

*

A fundamentação dos atos é uma exigência legal que se impõe para qualquer ato administrativo ou tributário, sendo a liquidação de imposto um tipo de ato tributário em relação ao qual esta exigência se impõe com máximo rigor, atendendo aos efeitos que produz na esfera jurídica do sujeito passivo.

Trata-se, aliás, de uma imposição constitucional por força do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), reafirmada no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Deste normativo decorre, também que, embora o dever de fundamentação não se restrinja apenas aos atos desfavoráveis ao contribuinte, em relação a estes é exigida uma maior densidade.

O dever de fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa ou tributária a agir ou a decidir de modo a convencer o seu destinatário da legalidade que lhe está subjacente, permitindo-lhe entender a sua razão de ser e que possa, conscientemente, aferir sobre a sua a aceitação ou a sua impugnação.

Isso mesmo tem sido afirmado incessantemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, reiterando que a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que praticou o ato, de forma a revelar claramente as razões que a conduziram àquela decisão concreta.

Esta exigência de fundamentação, com define a jurisprudência do STA, considera-se cumprida quando dela conste a exposição, ainda que sucinta e clara dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, podendo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (fundamentação per relationem ou per remissionem), desde que estes integrem a decisão final, devidamente notificada ao destinatário.

Alega a Requerente que não lhe foi dado conhecimento e inexiste qualquer fundamentação credível, quer no Relatório de Inspeção quer nas notificações da referidas liquidações, isto porque a AT se limitou a corrigir as autoliquidações constantes das declarações periódicas com base na afirmação de que tratando-se de bens ou serviços afetos à realização de operações decorrentes do exercício de um atividade económica, parte das quais não conferem o direito à dedução, havia que ter sido aplicada a alínea b) do nº 1 do artº 23º do CIVA, ou seja, a dedução devia ter sido efetuado pelo método de pro rata e não por dedução completa -  o que é manifestamente insuficiente para conhecer das razões pelas quais esse entendimento deveria ter sido seguido pela impugnante.

Afigura-se-nos que não assiste razão à Requerente atentas as razões emergentes do Relatório que lhe foi devidamente notificado e é do seu conhecimento, nomeadamente do entendimento da AT dee que o sujeito passivo não conseguiu provar que os custos comuns são imputáveis exclusivamente à atividade tributada.

A par disso, in casu, não existiam especiais deveres de fundamentação uma vez que é conhecida desde há longo tempo a posição da AT sobre a matéria através das instruções que vem produzindo, permitindo aferir o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração Tributária, tendo em conta o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação.

Ademais, na situação controvertida, tendo em causa o contexto em que os atos tributários em causa foram proferidos, o seu conteúdo e a posição do seu destinatário concreto, a Requerente pôde conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na génese das liquidações em apreço de forma a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou a respetiva impugnação, o que pode ser conseguido com a leitura do Relatório. Este desiderato foi atingido como se deduz da petição impugnatória onde a Requerente explicita cabalmente as razões de facto e de direito porque discorda das correções às autoliquidações do IVA aqui em causa e tenta fundamentar o seu direito à dedução.

Nesta conformidade, improcede o alegado vício de forma por falta ou insuficiência de fundamentação.

 

2.            Do pedido principal

 

A Requerente tem como atividade principal a compra e venda de imóveis e como atividade secundária presta serviços de contabilidade e de consultoria. Trata-se, portanto, de um sujeito passivo misto, ou seja, aqueles que, em simultâneo, praticam operações que conferem direito à dedução de IVA e operações que não conferem tal direito e utilizam bens e serviços de forma mista em ambas as operações, como é o caso da ora Requerente.

Para efeitos do direito à dedução podem optar pela aplicação do designado método do pro rata ou pelo método da afetação real.

Sabe-se que a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral contra as liquidações de IVA relativas ao último trimestre de 2014, a parte de 2015, a parte de 2016 e a parte de 2017, que correu termos no Proc.º - 183/2020-T, com objeto similar e cuja fundamentação de facto e de direito é precisamente a mesma.

Porque consideramos que a decisão tomada em sede desse tribunal arbitral coletivo se encontra extensa e aprofundadamente explanada, nomeadamente quanto à matéria de direito, permitimo-nos, com a devida vénia, seguir o entendimento dessa douta decisão por com ela estarmos de pleno acordo.

Resulta o pedido arbitral da discordância em relação a liquidações adicionais decorrentes do método da dedução do montante do IVA suportado, defendendo da Requerente que o IVA deduzido nas declarações periódicas relativamente aos anos de 2016 e 2017 corresponde ao que determina o CIVA quanto ao exercício do direito à dedução, ao passo que a AT considera que a Requerente excedeu o valor da dedução do IVA que legalmente podia deduzir ao imposto suportado por se tratar de um sujeito passivo misto.

Diz a AT que, estando em causa “… bens ou serviços parcialmente afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA estabelece que o imposto dedutível seja determinado mediante a utilização de uma percentagem de dedução, apurada nos termos do nº 4 do mesmo artigo, sem prejuízo de o sujeito passivo poder optar pela afetação real, nos termos do n.º 2 da mesma norma.

Decorrente de análise documental e contabilística, verifica-se que a Requerente procedeu à afetação real do IVA suportado relativamente à atividade isenta, não tendo deduzido o imposto suportado relacionado com a atividade imobiliária, isenta nos termos do artigo 9.º do CIVA.

Todavia, a Requerente deduziu todo o IVA cobrado nas faturas conexionadas com a atividade de contabilidade e consultoria, o que não podia fazer, no entendimento da AT.

 

a)            O direito à dedução do IVA e respetivos requisitos

 

De acordo com o previsto o Código do IVA e na Diretiva IVA, determina-se, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos e que só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pelas normas de direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade (vide Procº 183/2020-T do CAAD).

O direito à dedução consubstancia-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado”, assentando no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas. De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do CIVA, através de uma operação aritmética de subtração, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respetivas faturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Diretiva IVA (de ora em diante DIVA)2, “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”. O mecanismo do exercício do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o refletindo assim como custo operacional da sua atividade, retirando, desta forma, o efeito cumulativo ou de cascata, propiciando a neutralidade económica do imposto.

O critério determinante para a dedutibilidade do IVA pago a montante é a utilização dos bens ou dos serviços para a realização de operações tributáveis.

Com efeito, decorre dos artigos 168.º e 169.º da Diretiva IVA que o sujeito passivo apenas pode deduzir o imposto suportado na medida em que os bens e serviços sejam utilizados para efeitos das próprias operações tributadas, ou isentas que concedam tal direito. Por sua vez, o imposto suportado em inputs destinados à realização de operações não sujeitas ou isentas sem direito à dedução do IVA suportado, como é o caso das operações de venda de imóveis, não é suscetível de vir a ser deduzido, salvaguardando-se, contudo, as operações localizadas no estrangeiro (não sujeitas no território nacional), mas que seriam tributáveis concedendo direito a dedução se localizadas no território nacional.

Quer dos princípios gerais do imposto, quer dos objetivos de neutralidade e de não distorção da concorrência que lhes estão subjacentes, decorre que só na exata medida em que os inputs das atividades desenvolvidas forem atribuíveis à prossecução de operações abrangidas pela incidência do IVA, que possibilitem a dedução do imposto suportado a montante, é que o IVA contido nesses inputs pode ser deduzido.

Ou seja, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, exige-se que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja suscetível de ser dedutível.

É reconhecido de forma unânime pela jurisprudência do TJUE que o mecanismo do direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do IVA tal como foi desenhado nas Diretivas IVA, assumindo um papel fundamental de garantia da neutralidade do imposto e da igualdade de tratamento fiscal.

Assim, é jurisprudência constante do TJUE que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela DIVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo.

 

 

b)           Do regime legal nacional

 

O Código do IVA, na estrita observância do previsto na Diretiva IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na Diretiva IVA, em função do tipo de despesas em causa.

As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjetivos, relativos ao sujeito passivo e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.

Como requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do imposto temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no artigo 36.º, n.º5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do IVA (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA).

De acordo com o disposto no artigo 19.º, n.º 2, alínea a), do CIVA, “[s]ó confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: Em faturas passadas na forma legal”.

 

c)            Do exercício do direito à dedução do imposto pelos sujeitos passivos mistos

 

Como se encontra provado, a Requerente tem como atividade principal a compra e venda de imóveis e, como atividade secundária, a prestação de serviços de contabilidade e de consultoria.

Uma das atividades encontra-se isenta de IVA e a outra é devidamente tributada.

Trata-se, portanto, de um sujeito passivo misto, ou seja, aquele que, em simultâneo, pratica operações que conferem direito à dedução de IVA e operações que não conferem tal direito e utiliza bens e serviços de forma mista em ambas as operações, como é o caso da Requerente.,

Em conformidade com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva IVA, para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA suportado, os sujeitos passivos mistos podem optar pela aplicação do designado método do pro rata ou pelo método da afetação real.

Convém, todavia, relevar que “A condição de sujeito passivo misto em sede de IVA, abrangida pelo disposto no artigo 23.º do CIVA, não resulta propriamente do exercício simultâneo de operações que conferem o direito à dedução e de operações que não conferem esse direito, mas sim, da utilização “mista” dos seus inputs, isto é, pela afetação simultânea dos inputs em que foi suportado IVA aos dois tipos de operações.

Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços parte das quais não confira direito à dedução é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, ou seja, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que conferem direito a dedução.

O TJUE, em reiterada jurisprudência, tem entendido que, para efeitos do exercício do direito à dedução, deverá atender-se ao tipo de operações praticadas pelo sujeito passivo em que os bens ou serviços são utilizados. Se tais bens e serviços são afetos exclusivamente à prática de operações que permitem a dedução do imposto, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações e incorporando-se, em princípio, no custo das mesmas, o respetivo IVA pode ser deduzido integralmente.

Diversamente, caso os bens ou serviços adquiridos sejam afetos exclusivamente à prossecução de operações que não possibilitam a dedução do IVA suportado, tendo uma relação direta e imediata com essas operações e incorporando-se, em princípio, no custo das mesmas, então o respetivo imposto não pode ser objeto de dedução.

Nestes termos, a aplicação do método do pro rata restringe-se à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista, isto é, aos bens e serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem o direito à dedução e em atividades que não conferem esse direito.

Assim, caso um sujeito passivo suporte IVA em aquisições de bens ou serviços e os utilize numa atividade não tributada, por se encontrar isenta (isenção simples, do tipo consignado nos artigos 9.º ou 53.º do CIVA), como é o caso da atividade de compra e venda de imóveis ora em apreço, não obstante estar sujeita ou simplesmente não se encontrar sujeita, o IVA suportado não será, consequentemente, dedutível, dado que o custo dos bens ou serviços não será repercutido no preço praticado em operações efetivamente tributadas.

Caso se constate não ser possível estabelecer um nexo objetivo entre a operação a montante e a operação a jusante “(…) por respeitar a bens e serviços que são ou serão usados tanto em operações do primeiro como do segundo tipo, esse qualificar-se-á como “residual” e será então objeto de “repartição” (apportionment) (…)

Mas pode suceder que o sujeito passivo tenha despesas de IVA afetas conjunta ou simultaneamente a atividades económicas (sujeitas a imposto) e a atividades não económicas (não sujeitas a imposto), ou mesmo na esfera das atividades económicas, afetos conjuntamente a operações tributadas e não tributadas

Nesse caso a dedução será parcial se tais inputs forem mistos, isto é, se forem imputados pelos sujeitos passivos (sujeitos passivos mistos), simultaneamente, a atividades que conferem direito a dedução a par de atividades que não o conferem por se encontrarem isentas de IVA ou, simplesmente, fora do seu campo de incidência

Num primeiro momento, tendo por base a possibilidade de se efetuar um nexo objetivo entre a operação a montante e a operação a jusante, de tal forma em que o custo da primeira seja integralmente refletido no preço da segunda (“direct attribution of the input tax” na terminologia britânica), o IVA suportado ou será deduzido na íntegra ou totalmente excluído do direito à dedução. Num segundo momento, caso se verifique imposto suportado em que não seja possível a imputação direta e exclusiva nos termos anteriormente enunciados “(…) por respeitar a bens e serviços que são ou serão usados tanto em operações do primeiro como do segundo tipo, esse qualificar-se-á como “residual” e será então objeto de “repartição” (apportionment) (…).

Esta regra geral, normalmente conhecida por método de percentagem de dedução (pro rata), poderá ser afastada por aplicação, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA, do chamado método de afetação real, que consistirá na possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados a atividades que deem lugar à dedução, mas impedindo, ao mesmo tempo, a dedução do imposto suportado em operações que não conferem esse direito.

Por um lado, a Diretiva, no nº 1 do seu artº 173º, permite aferir sobre aquela proporção em função do método de percentagem de dedução ou pro rata, tendo por referência o peso do volume de negócios referente às operações que conferem direito a dedução em relação à globalidade das operações. Por outro lado, de acordo com o n.º 2 daquele preceito, determina-se que os Estados-membros podem autorizar o sujeito passivo a determinar (i) um pro rata para cada sector da respetiva atividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores, (ii) obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores, (iii) autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, (iv) autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas, e estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o montante respetivo for insignificante.

Por sua vez, o artigo 174.º, n.º 1, da Diretiva IVA, estabelece as modalidades de cálculo do pro rata de dedução, determinando que resulta de uma fração que inclui, no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e, no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução

Sendo assim, o pro rata de dedução conforme refere a epígrafe do capítulo 2 da Diretiva IVA poderá, em síntese, ser aferido em função do método da percentagem de dedução, o denominado pro rata (que poderá ser geral ou sectorizado), determinado em função do volume de negócios e o regime alternativo, denominado por afetação real, que terá por base a utilização efetiva dos inputs.

Concluindo pela primazia na aplicação do método da afetação real, Xavier de Basto e Odete Oliveira referem que ”(…) a leitura correta destas normas obriga a considerar esses procedimentos previstos na diretiva por ordem crescente de “finura” em termos de resultado a obter, constituindo a regra do pro rata, portanto, segundo esta leitura, a que conduz ao resultado menos rigoroso – e por isso ela é a regra aplicável sempre que não seja possível outro procedimento com resultado mais adequado.” Como adequadamente notam os autores, a Directiva IVA “ (…) deixa aos Estados membros a possibilidade de aceitar ou mesmo impor os procedimentos mais rigorosos, reservando o pro rata como sistema residual e supletivo.

Na realidade apenas a afetação do bem, tendo por base critérios objetivos, poderá traduzir a real proporção do IVA suscetível de ser deduzido.

Existem duas hipóteses de atuação no âmbito da determinação dos limites do direito à dedução por parte de um “sujeito passivo misto”, a saber: uma separação ex ante ou uma separação ex post entre atividades que conferem direito à dedução e atividades que não conferem esse direito.

No plano da separação ex ante encontra-se o método da afetação real, de acordo com o qual a autonomização do IVA dedutível no âmbito do IVA suportado pelo sujeito passivo misto deverá efetuar-se por via de uma proporção, em que se pondera a afetação dos inputs a cada uma das atividades (conferidoras ou não do direito à dedução), por forma a refletir a real utilização de cada umas das despesas, tendo por base a utilização de chaves de repartição (cost drivers na terminologia contabilística) determinadas em função de indicadores ajustados.

Em contrapartida, no plano da separação ex post, o grau de utilização dos inputs em função de cada tipo de operação será aferido por via de um rácio ponderado em função dos outputs da atividade, nomeadamente em função do volume de negócios, vulgarmente denominado como “método de percentagem de dedução” (pro rata), previsto na al. b), do n.º 1, do artigo 23.º do CIVA.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, que transpôs o artº 173º da DIVA, quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

No contexto da separação ex post, em conformidade com o método da percentagem de dedução ou pro rata, previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 23.º do CIVA, toma-se como referência, no seu numerador, o montante anual das operações que conferem direito a dedução, ponderado em função da totalidade das operações que se insiram no conceito de atividade económica. Refere assim o n.º 4, do artigo 23.º do CIVA, que “A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”

O método da afetação real encontra-se previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, tendo a Lei do OE para 2008 aditado à redação daquele articulado a expressão “(…) com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Este método tem por base a dedução do IVA consoante a efetiva utilização de bens ou serviços mistos, o que pressupõe a autonomização do IVA dedutível, no âmbito do IVA total suportado pelo sujeito passivo, através da afetação dos inputs a cada uma das atividades (atividades que conferem direito a dedução e atividades que não conferem esse direito), não necessariamente numa correspondência individualizada com determinado output, mas em qualquer caso, com outputs específicos agrupados por sectores, e tendo por base a utilização de critérios objetivos, nos termos previstos no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA.

Nestes termos, este método de dedução coloca como premissa a existência de uma conexão direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução.

Justamente porque o método da afetação real impõe maiores exigências na informação contabilística de suporte, mas também porque permite um maior nível de rigor quanto ao montante de IVA que o sujeito passivo tem direito a deduzir, entende a doutrina maioritária acompanhada pela jurisprudência dos tribunais superiores que seria desejável que todos os sujeitos passivos optassem por esta via, sempre que possível, em detrimento do método do pro rata. Este método, apesar da maior simplicidade aplicativa, não deixa de constituir uma forma de cálculo indiciário.

A Diretiva IVA consigna a possibilidade/obrigatoriedade de utilização deste método na alínea c), do n.º 2, do artigo 173.º, de acordo com o qual o Estado-membro pode: “(…) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (…)”.

Importa em especial salientar que o Código do IVA consigna que a dedução com recurso ao método da afetação real deverá ter por base critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito (área ocupada, número de elementos do pessoal afeto, massa salarial, horas-máquina, horas-homem).

A este respeito interessa referir que o legislador nacional nunca especifica a técnica adequada à utilização do método da afetação real remetendo para a opção do sujeito passivo, o qual, regra geral, estará em melhores condições de decidir quanto à forma mais adequada de proceder à autonomização das suas atividades, à identificação dos custos que incorre e à repartição contabilística segundo as operações que pratica. Contudo, através do Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de Abril de 2008, da Área de Gestão. Tributária – IVA, a AT fornece alguns elementos para uma melhor aplicação da afetação real, indicando a título exemplificativo, critérios objetivos assentes em pressupostos físicos, tais como a área ocupada, o número de elementos de pessoal afeto e a massa salarial, entre outros.

Assim, "os critérios mais indicados para pôr em prática o método da afetação real (...) deverão levar em consideração, nomeadamente, os recursos em bens e serviços que sejam sempre necessários ao normal desempenho da atividade principal, caso as referidas sociedades optassem por não praticar complementarmente operações tributadas.

Para o efeito, vem o Ofício-Circulado referir que "no caso dos bens ou dos serviços de utilização mista parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes de uma atividade económica, a determinação do montante de IVA não dedutível relativo a estas não pode ter por base o método de pro rata (. ..), devendo ser obrigatoriamente utilizada a afetação real em função da efetiva utilização (...) através de critérios objetivos (...) (…). Em consequência, deve determinar-se o grau, proporção ou intensidade da utilização de cada bem ou serviço em operações que decorrem de atividade económica sujeita a IVA e de operações que não decorrem, através de critérios objetivos…”.

No Caso Securenta o TJUE foi chamado pronunciar-se sobre o critério de repartição adequado quando os inputs são simultaneamente afetos a uma atividade económica e a uma atividade não económica, tendo salientado que “a Sexta Diretiva não contêm qualquer disposição relativa aos métodos ou aos critérios que os Estados-Membros devem utilizar na separação dos montantes de imposto a montante relativos à atividade económica dos relativos à atividade não económica.”. No entanto, alerta que os Estados-membros no exercício desse poder devem assegurar os objetivos prosseguidos pela Diretiva, não podendo contrariar o princípio da neutralidade fiscal.

A Autoridade Tributária entendeu sempre a aplicação prioritária do pro rata em detrimento da afetação real, contudo, esta posição foi invertida na sequência da alteração introduzida no artigo 23.º do CIVA. Efetivamente, pro rata e afetação real são agora percecionados pela Administração Fiscal, no âmbito do exercício de uma atividade económica, num plano de igualdade, de utilização facultativa, ambos norteados pelo magnum princípio da neutralidade económica do imposto e da tradução da objetiva afetação de cada input.

 

 

 

 

d)           O concreto exercício do direito à dedução do IVA suportado

 

Foi dado como provado que a Requerente exerce a título principal, a atividade de compra e venda de imóveis, isenta de IVA nos termos do artigo 9.º, n.º 30 do Código do IVA, configurando-se como uma isenção incompleta, pelo que não confere direito à dedução do IVA suportado nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do mesmo diploma.

A título secundário, presta serviços de contabilidade e de consultoria liquidando IVA, tendo direito à dedução do IVA suportado nos bens e serviços relacionados com essa atividade, nos termos do previsto no artigo 19.º do Código do IVA.

Trata-se, portanto de um sujeito passivo que procedeu à afetação real do IVA suportado relativamente à atividade isenta, não tendo deduzido o IVA suportado relacionado com a atividade imobiliária, mas deduziu na sua totalidade montantes de IVA afetas indistintamente a ambas as atividades, como é o caso das despesas de eletricidade e de água do edifício onde se desenvolvem tais atividades porque a Requerente entendeu que “a maioria das despesas” (consumos de água, luz, gás, telecomunicações, etc.) (e não a totalidade) teve maior conexão com a atividade secundária de prestação de serviços de contabilidade e consultoria.

Porém, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram que a Requerente não conseguiu demonstrar que a aquisição de outros bens e serviços se encontra direta e exclusivamente relacionada com a atividade (sujeita e não isenta de IVA) de prestação de serviços de contabilidade e de consultoria (vide pág. 9 do Relatório), devendo reputar-se como custos comuns, dado terem sido utilizados, indistintamente, nas atividades isentas e nas não isentas, pelo que o IVA suportado nas referidas aquisições não podia ter sido integralmente deduzido, devendo apenas ser deduzido apenas na proporção (pro rata) do volume de negócios imputável à atividade não isenta.

Todavia, resulta provado que a Requerente, no referente à atividade de compra e venda de imóveis, apenas procedeu à venda de cinco imóveis: três durante o ano de 2016 – um em agosto e dois em setembro; e dois durante o ano de 2017 – um em agosto e outro em outubro, pelo que, é evidente, que a maioria dos custos incorridos em tais períodos (consumos de água, luz, gás, telecomunicações, de manutenção do edifício da sede, etc.) teve maior conexão com a atividade tributada.

O que não resulta provado, atentos os factos dados como provados, é que a Requerente usou critérios objetivos para determinar a afetação real dos custos incorridos e inerentes ao IVA suportado, quando deduziu todo o IVA inerente à atividade tributada e não deduziu o IVA inerente à atividade isenta.

Na verdade, se é possível aferir, através da análise documental e contabilística que em determinadas situações a dedução calculada pela Requerente foi levada a cabo tendo por base critérios objetivos que permitem determinar o grau de utilização dos bens e serviços adquiridos em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, outras situações existem em que isso não é possível, como será o caso dos consumos de água, luz, gás, telecomunicações e de manutenção do edifício da sede.

A própria Requerente admite que “… a maioria dos custos incorridos em tais períodos (consumos de água, lua, gás, telecomunicações, etc.) teve maior conexão com a atividade – prestação de serviços de consultoria – que se manteve em curso em cada um dos anos”.

A par disso, há montantes de IVA suportado em 2016 e 2017, relativamente à atividade isenta, que sabemos não terem sido deduzidos nas suas declarações periódicas, como é o caso dos serviços de construção civil adquiridos pela Requerente (artigo 36 a 38 da PI) para a atividade de compra e venda e de arrendamento de imóveis.

É, portanto, legítimo admitir que, na verdade, não é possível concluir que em todos os casos se constata que a Requerente deduziu nas declarações periódicas relativas aos anos de 2016 e 2017 apenas o IVA correspondente à aquisição de bens e serviços que, face à sua natureza, foram utilizados exclusivamente na prestação de serviços de contabilidade e de consultoria.”

Face a esta situação, a AT considerou que a imputação da totalidade dos custos comuns incorridos à prática de operações tributadas não se afigura correta, uma vez que a prestação de serviços de consultoria e de contabilidade à qual a Requerente imputa a totalidade dos custos comuns, não ser a atividade principal da Requerente.

Considera, face aos elementos contabilísticos analisados, que esses custos representam em 2016 – 3%, e em 2017 – 14% do volume de negócios da empresa, aplicando o método do pro rata.

Com se refere no Acórdão do CAAD que vimos acompanhando, esta interpretação da AT, desvirtua, de forma desproporcional, o exercício do direito à dedução da Requerente penalizando-a, pondo em causa o princípio da neutralidade do imposto.

Tal como alega a Requerente, ainda que se considerem estes custos como comuns e que se pretenda aplicar o método de percentagem (pro rata) de dedução de imposto, o cálculo da percentagem efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária, não se afigura conforme à lei por não ser proporcional face à realidade da atividade económica da Requerente.

De facto, se no âmbito do pro rata apenas se deverá identificar o volume de negócios associado a cada uma das atividades, no âmbito da afetação real, assente numa perspetiva ex ante, após a identificação e autonomização das atividades em referência, sucede-se a identificação dos inputs mistos e a sua repartição, de acordo com critérios objetivos que mais fielmente revelem a sua real utilização, por cada uma das atividades. Ora, no caso concreto, os valores fraturados na prestação de serviços de consultoria e de contabilidade não podem ser comparados com os valores fraturados com a venda dos imóveis, pelo que a aplicação do método do pro rata baseado exclusivamente no critério do volume de negócios, como afirmámos, resultaria numa penalização do sujeito passivo. Tal como vimos, de acordo com a doutrina da AT, relativamente aos bens e serviços cuja afetação não seja possível de concretizar, a dedução do imposto deverá “ser efetuada em proporção aos indicadores que se mostrarem mais justos e racionais: volume de negócios, espaço ocupado, número de horas das máquinas, etc.”.

Neste contexto e dado que as vendas dos imóveis ocorreram em agosto e em setembro de 2016 ( um dois meses do 2º trimestre) e em agosto e dezembro ( um mês do 3º trimestre e outro mês do 4º trimestre) de 2017, tem que se considerar, face à fundamentação exposta e seguindo a metodologia defendida no Acórdão citado que o critério mais objetivo e que aporta uma maior justiça, sem denegação do direito fundamental à dedução do imposto, com a qual estamos inteiramente de acordo,  será conceder o direito à dedução relativamente aos trimestres em que não houve venda de imóveis, mas também aos meses do trimestre em que não se verificou a venda de imóveis. A não ser assim, verificar-se-iam distorções significativas na tributação pois, como se disse, o volume de negócios da atividade secundária nada tem a ver com o volume de negócios da atividade principal.

Para o efeito, deverá ter-se em consideração o valor do IVA deduzido nos trimestres em que se verificou a venda de imóveis e não conceder, proporcionalmente, o direito à dedução integral do IVA relativamente ao mês em que ocorreu a venda.

Na verdade, ficando provado que a atividade principal foi exercida em escassos meses do ano e que relativamente aos inputs que lhe respeitam o imposto não foi deduzido, é legítimo considerar que os restantes custos, pela sua natureza, podem perfeitamente ser imputados unicamente à atividade secundária de serviços de contabilidade e consultoria.

Trata-se, em nosso entendimento, da forma mais cabal de dar cumprimento aos princípios que regem este imposto, mormente o da neutralidade, não penalizando a Requerente com a aplicação de um pro rata baseado no volume de negócios, manifestamente desadequado, dando-se assim cumprimento às regras do Direito da UE e à doutrina da AT, de acordo com a qual, “a determinação desses critérios objetivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviço adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de atividade económica relevantes”.

Assim, procede parcialmente o pedido arbitral de anulação parcial do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações referidas por se verificar vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito já que é conforme a lei e a doutrina da própria AT a consideração o total do valor do IVA deduzido nos trimestres em que se não verificou a venda de imóveis e não conceder, proporcionalmente, o direito à dedução do IVA relativamente aos meses em que ocorreu a venda.

 

3.            Do pedido de reembolso do imposto pago e dos juros indemnizatórios

 

Complementarmente, a Requerente cumula o pedido de decisão anulatória do imposto e respetivos juros compensatórios conjuntamente liquidados com o pedido de condenação da AT no reembolso das importâncias pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento da coleta até à data da respetiva restituição.

Dispõe a alínea b) do art. 24.º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

É isto que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, quando prevê que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Mesmo que o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, é pacífico na doutrina e jurisprudência que deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.

Aliás, é essa a interpretação que coincide com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, quando diz que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Portanto, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.

Ora, sobre esta matéria a jurisprudência tem sido pacífica, tendo em conta o artº 43.º da LGT, que prevê que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Considera-se o erro é imputável à administração quando o mesmo não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto ou de direito que não sejam da responsabilidade do contribuinte.

Como é bom de ver, resultou dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de um valor de imposto superior ao que seria devido sem o cometimento das ilegalidades apontadas.

Nesta conformidade, enfermando as liquidações impugnadas de vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito imputável à Autoridade Tributária, e tendo o imposto sido indevidamente pago, tem a Requerente direito ao à restituição dessas quantias e a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante, por se encontrarem verificados os requisitos do artº 43º da LGT, liquidados sobre o valor do imposto anulado.

 

VI - DECISÃO

 

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)            Julgar parcialmente procedente o pedido de revogação da decisão da reclamação graciosa, nos termos expostos;

b)           Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação adicional do IVA de 2016 e 2017.

c)            Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso das quantias indevidamente pagas;

d)           Julgar ainda procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a contar desde a data do pagamento do imposto a restituir até à data da emissão do reembolso;

e)           Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento proporcional da taxa arbitral na proporção do respetivo decaimento.

 

VII - VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em €18 340,95€, montante correspondente ao valor das liquidações impugnadas.

 

VIII - CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 87,60% daquele valor da responsabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira no proporção do se decaimento, ou seja, 1 072,22€ e 12,40% da responsabilidade da Requerente, ou seja 151,78€.

 

 Notifique.

 

Lisboa, 15/11/2021

 

O Árbitro Singular

José Ramos Alexandre