DECISÃO ARBITRAL
A Signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 21 de maio de 2021.
I. RELATÓRIO
1. A..., e mulher B..., respetivamente titulares do NIF ... e do NIF..., casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residentes na Av. ..., ..., ..., ..., Sintra, (doravante, Requerentes), apresentaram no dia 7 de janeiro de 2021 pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).
No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes pedem:
(a) a anulação da liquidação de IMT n.º...— relativa ao ano de 2019 — no valor de € 731,22, datada de 23-10-2019, com fundamento em ilegalidade decorrente do ato subjacente — partilha, com renúncia ao recebimento das tornas, não se tratar de uma aquisição onerosa de bens, por violação do artigo 2.º n.º 5 alínea c), do CIMT (doravante, ato impugnado);
(b) Em consequência, ser determinado o reembolso do imposto já pago em 13/11/2019, acrescida dos respetivos juros à taxa legal.
2. O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 8 de janeiro de 2021, e foi automaticamente notificado à Requerida.
3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, em 3 de maio de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 2 alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 3 de maio de 2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21 de maio de 2021.
6. Em 27 de maio de 2021, o Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo, e solicitar, querendo, a produção de prova adicional. Deste despacho foi a Requerida notificada na mesma data.
7. A Requerida veio aos autos (i) em 30 de junho de 2021 apresentar Resposta (tempestivamente), e (ii) em 2 de julho de 2021 juntar o processo administrativo.
8. Em 2 de julho de 2021, foi proferido despacho arbitral (notificado às partes na mesma data) com o seguinte teor:
“Uma vez que a Requerida não alegou matéria de exceção (na Resposta) e os Requerentes não requereram a produção de prova testemunhal (na Petição Inicial), ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, o Tribunal:
i) Dispensa a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT;
ii) Faculta às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, sucessivas, no prazo de 10 dias; e
iii) Comunica que decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT (até dia 22 de novembro 2021 — segunda-feira), devendo os Requerentes, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente.”.
9. As partes não apresentaram alegações. Em 15 de novembro de 2021, os Requerentes vieram juntar aos autos o comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.
10. No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes fundamentam o seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos: Os Requerentes consideram que o ato de partilha realizado em 2 de outubro de 2019 (descrito na matéria de facto) não configura transmissão onerosa de bens (nos termos do artigo 2.º n.º 5 alínea c) do CIMT). Consideram os Requerentes que “pese embora resulte das operações que os Reclamantes levaram a mais — excesso de quota parte — o valor de € 66.991,99, sendo o seu quinhão de apenas € 13.398,33, o cônjuge sobrevivo — o seu pai — prescindiu das tornas, nada recebendo”. “No caso, o pai do Reclamante fez-lhe atribuições patrimoniais sem qualquer contrapartida, o que configura uma doação, nos termos do artigo 940.º, n.º 1, do Código Civil, por nessa adjudicação de bens ter havido mero espírito de liberalidade, sendo-lhes aplicável o regime das transmissões gratuitas de bens entre descendentes e consequentemente, sujeita a Imposto do Selo, embora dele isenta, nos termos do artigo 6.º, alínea e) do Código do Imposto do Selo”.
11. Na sua Resposta, sumariamente, a Requerida reitera a legalidade do ato impugnado, defendendo que “a partilha de bens imóveis gerará imposto, na medida em que uma das partes fique com bens em valor superior ao da respetiva quota-parte na totalidade dos imóveis objecto da partilha”, “E, nos termos da alínea c) do n.º 5 do art.º 2.º do CIMT que o IMT incide sobre o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas. Existe, pois, uma transmissão a título oneroso relativamente à diferença entre a quota do herdeiro, passível de imposto do selo das transmissões gratuitas, e o valor que a ele acabe por receber, na partilha, dos bens imóveis. Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte e a sujeitar a IMT. Não obstante os restantes herdeiros renunciarem às tornas, nos termos do n.º 2 do artigo 863.º do Código Civil, esse facto apenas tem relevância para a sujeição no âmbito do imposto do selo, em conformidade com o n.º 3 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, por se tratar de uma transmissão a título gratuito”. “Estamos assim perante dois factos tributários distintos: a) O excesso de quota-parte que leva a mais em resultado da partilha constitui um facto tributário sujeito a IMT, b) A renúncia a tornas constitui um outro facto tributário, sujeito a IS (conforme Informação Vinculativa proferida no Processo 2015001598 – IVE n.º 9114). Para efeitos de incidência de IS e/ou IMT, entende-se que se opera uma transmissão a título gratuito quando ocorrer um facto suscetível de servir de base de incidência a IS, E opera-se uma transmissão a título oneroso quando ocorrer um facto suscetível de servir de base de incidência a IMT, independentemente do imposto ser, no caso concreto, devido”.
II. SANEAMENTO
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1 FACTOS PROVADOS
1. Os Requerentes outorgaram, em 2 de outubro de 2019, documento particular autenticado de partilha, lavrado a fls. 113 do Livro 1-I do Balcão Único de C..., solicitadora portadora da CP...;
2. Após, procederam participação da aludida partilha à AT, tendo em vista a liquidação de IMT e Imposto do Selo devidos por tal transmissão, considerando a exigibilidade do respetivo comprovativo para efeitos de submissão da transmissão a registo predial (ex vi Art.º 8.º-C Código do Registo Predial);
3. A massa patrimonial hereditária é exclusivamente constituída pelo imóvel misto sito na Rua ..., n.º..., na ..., inscrito na matriz sob os artigos U ... e R-..., da União de Freguesias da ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número .../..., com o VPT global para efeitos de IMI, de € 78 613,95, e para efeitos de IMT, de € 80.389,99, cabendo € 78.550,85 à parte urbana e € 1839,14 à parte rústica, valor que igualmente atribuíram para efeitos de partilha;
4. A adjudicação do excesso do bem imóvel em relação ao seu quinhão hereditário, constituído por € 66.991,99, motivou as tornas no valor de € 13.398,33 pagas ao seu sobrinho, e € 53.593,33, ao seu pai, que delas prescindiu;
5. A partilha foi outorgada por óbito de D..., mãe do Requerente, sendo ainda nela intervenientes E...— cônjuge sobrevivo e pai do aqui Requerente, e F...— neto da falecida (filho de filho pré-falecido), e sobrinho do Requerente;
6. Na aludida partilha, para preenchimento do quinhão hereditário do Requerente foi adjudicado ao Requerente marido o único bem imóvel a partilhar, no valor total de € 80.389,99;
7. Pelo que o Requerente levou a mais, o valor de € 66.991,99, tendo ficado constituído no dever de pagar esse valor em tornas;
8. O Requerente repôs, a título de tornas, a quantia de € 13.398,33, que pagou ao seu sobrinho F...;
9. Porém, nada repôs a título de tornas a seu pai —E...— mormente o valor que lhe caberia de € 53.593,33, por as mesmas terem sido prescindidas;
10. Foi então emitida a liquidação de IMT..., no valor de € 731,22, e Imposto do Selo..., no valor de € 535,93, ambas com data de limite de pagamento até 23/10/2019, por lhe terem sido adjudicados bens imóveis em valor superior ao da meação nesses bens nos termos do artigo 2º n.º5 alínea c) do CIMT;
11. Em 21.02.2020, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação de IMT ora impugnada;
12. Tendo-se formado indeferimento tácito da Reclamação Graciosa, os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral.
III.2 FACTOS NÃO PROVADOS
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.
III.3 FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e no processo administrativo.
IV. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA
A única questão de fundo em causa nos autos, é o enquadramento da transmissão em causa nos autos (partilha de bens, em que o titular do direito a tornas prescinde das mesmas) como transmissão sujeita a IMT.
A norma de incidência está prevista no artigo 2.º n.º 1 do Código do IMT (CIMT), que prevê: “O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional”. O número 5 do artigo 1.º prevê: “Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente: c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário”.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Novembro de 2011, proferido no processo 0701/10:
“I - Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.
II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
III - O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
IV - O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.
A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.”
Sobre a mesma questão em causa nos autos, numa situação com factualidade semelhante, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 8 de setembro de 2021 (posição que transcrevemos, uma vez que acompanhamos integralmente a mesma), no processo n.º 01391/12.6BESNT:
“2.2.3 DA INCIDÊNCIA OBJECTIVA
A Recorrente discorda da sentença recorrida na parte em que esta considerou que não era devido IMT pelo excesso de bens imóveis recebidos pela ora Recorrida, relativamente à sua quota-parte (quota ideal) na herança aberta por óbito do seu pai.
Se bem interpretamos a sentença recorrida, nela se considerou, em síntese, que a partilha não tem carácter meramente declarativo, antes deve ser vista «como um verdadeiro acto modificativo ou de conversão», mas que a parte dos bens da herança recebidos por um dos herdeiros e que exceda a sua quota ideal não pode considerar-se um efeito da sucessão, mas «uma verdadeira aquisição a título oneroso, uma autêntica compra, sendo que, recaindo sobre bens imóveis pode sobre a mesma incidir imposto»; que esse excesso fica sujeito a tornas, o que «concretiza a onerosidade da transmissão nesta parte», devendo esta aquisição reportar-se, não à data da abertura da sucessão (como acontece com os bens que integram a quota ideal), mas, no caso, à data da celebração da escritura de partilhas; assim sendo, e porque, nos termos do n.º 1 do art. 2.º do CIMT, para que haja sujeição a imposto se exige que a transmissão seja efectuada a título oneroso, no caso sub judice, porque na escritura de partilhas foi incluída a declaração de renúncia a tornas por parte do herdeiro que havia de as receber (o cônjuge sobrevivo do de cujus e mãe da ora Recorrida), é de considerar que «o excesso de quota parte de imóveis na partilha [tem] a natureza de jurídica de doação, ou seja, negócio jurídico de natureza gratuita» e, por isso, que «o valor adjudicado à Impugnante, na parte excedente à sua quota parte na herança, não configura uma transmissão onerosa e, como tal, não está sujeita a IMT».
A Recorrente não se conforma com este entendimento da sentença e que determinou a anulação da liquidação oficiosa de IMT respeitante à tributação do excesso da quota ideal, alicerçando a sua discordância nos termos das conclusões que deixámos transcritas em 1.2. Vejamos:
Prevê o CIMT, no art. 2.º, em que estabelece as regras da incidência objectiva do imposto, que é sujeito a imposto «o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas» [n.º 5, alínea c)]. Ou seja, fica sujeito a IMT quem, no âmbito de uma partilha, receber bens imóveis que excedam a sua quota-parte ideal no conjunto de bens imóveis objecto da partilha.
A sentença, na interpretação da citada norma, arranca de um pressuposto que, salvo o devido respeito, temos como errado, qual seja o de que a tributação em IMT do «excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas» fica dependente do “carácter oneroso” dessa transmissão. Dito de outo modo, para a sentença, a incidência de IMT sobre o fenómeno em causa não se bastaria com o facto de o sujeito passivo ter recebido bens imóveis que excedam a sua quota-parte ideal no conjunto de bens imóveis objecto da partilha, exigindo-se ainda, cumulativamente, que esse excesso fosse resultante de um negócio jurídico oneroso.
A nosso ver, nada permite concluir que assim seja; antes pelo contrário: o que resulta da melhor interpretação da norma, como recentemente afirmou este Supremo Tribunal, «é apenas que, havendo excesso da quota-parte para um dos sujeitos da partilha (fenómeno em que o legislador se enquista precisamente para desconsiderar a natureza do acto de partilha) esse excesso também fica sujeito a IMT, abstraindo da questão de saber se a operação em que se insere tem natureza translativa ou onerosa» (() Cf. o acórdão de 12 de Fevereiro de 2020, proferido no processo com o n.º 360/12.0BECBR (449/18), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/563f82bb8495040b802585140050d4da. Apesar de a questão aí dirimida ser outra, nele se ponderou, em ordem a refutar a argumentação aduzida no recurso, se «deriva da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT que o acto de divisão ou partilhas de que derive excesso da quota-parte para o adjudicante e o direito a tornas para o outro constitui transmissão a título oneroso para efeitos daquele imposto».) e que «[a] alínea c) do n.º 2 daquele artigo 5.º alberga, por isso, situações em que, por vontade expressa do legislador, se entendeu estender o âmbito de incidência de IMT ao efeito que uma operação da partilha gera na esfera patrimonial de um dos seus sujeitos. Abstraindo da natureza da partilha, em vez de a definir».
Na verdade, o legislador, ciente das divergências doutrinárias em torno da natureza jurídica da partilha e da qualificação do negócio por que um dos intervenientes na partilha recebe bens imóveis em excesso sobre a sua quota ideal (() As alegações de recurso são bem reveladoras dessas divergências.), querendo tributar esse fenómeno – que, na medida em que se traduz no ingresso de um imóvel no património do sujeito passivo, constitui inequivocamente uma manifestação de capacidade contributiva susceptível de tributação em sede de impostos sobre o património (haja ou não lugar ao pagamento de tornas) –, criou uma norma em que, pondo-se à margem dessa querela doutrinária, o consagrou como objecto da incidência de IMT.
Nesta regra, a nosso ver, o legislador visa tributar a aquisição de bens imóveis (rectius, as transmissões do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional) na parte em que constitui excesso sobre a quota ideal do sujeito passivo nos bens a partilhar, abstraindo da questão de saber se esse fenómeno, em concreto, tem natureza meramente translativa ou aquisitiva e, neste último caso, tem natureza gratuita ou onerosa.
A sentença recorrida, na parte em que, com entendimento diverso do que aqui sustentamos, julgou procedente a impugnação judicial, será, pois, revogada.
2.2.5 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O recurso versa exclusivamente matéria de direito quando as questões que nele se colocam se resolverem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, sendo que, nesse caso, cabe ao Supremo Tribunal Administrativo a competência para dele conhecer [cf. arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT].
II - Para efeitos da tributação em IMT do «excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas», não há que indagar do carácter oneroso ou gratuito da aquisição desse excesso (designadamente por o herdeiro que havia de receber tornas do sujeito passivo ter prescindido das mesmas), nem sequer da natureza aquisitiva ou declarativa da partilha, sendo precisamente para afastar a discussão doutrinária sobre a natureza desse fenómeno e da sua subsunção, ou não, às demais regras de incidência objectiva, que o legislador, querendo tributá-lo, consagrou expressamente a sujeição do mesmo ao IMT, na previsão da alínea c) do n.º 5 do art. 2.º do Código desse imposto.
* * *
3. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e determinar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a fim de aí ser conhecida a questão que a sentença considerou prejudicada”.
Assim, tendo em consideração o exposto no Acórdão citado (que reflete a mais atual jurisprudência do STA relativamente a esta matéria), o Tribunal conclui que “Nesta regra, a nosso ver, o legislador visa tributar a aquisição de bens imóveis (rectius, as transmissões do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional) na parte em que constitui excesso sobre a quota ideal do sujeito passivo nos bens a partilhar, abstraindo da questão de saber se esse fenómeno, em concreto, tem natureza meramente translativa ou aquisitiva e, neste último caso, tem natureza gratuita ou onerosa”, tendo por conseguinte sido liquidado corretamente IMT sobre o excesso da quota parte que pertenceu aos Requerentes em bens imóveis, sendo o pedido de pronúncia arbitral julgado improcedente.
Neste sentido, sendo o pedido de pronúncia arbitral julgado improcedente, é também julgado improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, por não estar preenchido o requisito essencial que é a decisão de declaração de ilegalidade do ato tributário praticado.
V. DECISÃO
Termos em que se decide julgar totalmente IMPROCEDENTE o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se o ato impugnado.
VI. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 731,22.
VII. CUSTAS
O montante das custas — a cargo dos Requerentes — é fixado em EUR 306,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).
Notifique-se.
Lisboa, 20 de novembro de 2021.
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso
(Árbitro Singular)