SUMÁRIO:
I. As perdas atuariais com a população de reformados e pensionistas e as perdas atuariais com ex-trabalhadores, se não foram contabilizados em gastos, e de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, concorrem para a formação do lucro tributável, dependendo o seu reconhecimento do cumprimento do ónus da prova por parte do contribuinte.
II – Para efeito da dedutibilidade de gastos suportados com contribuições para fundos de pensões e equiparáveis, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRC, cabe à Autoridade Tributária ter em consideração a contabilidade revelada pelo contribuinte, nomeadamente o Balancete, as contas respectivas e os valores nelas inscritos, sob pena de se pôr em causa a presunção de veracidade dos registos contabilísticos.
III – Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 12, do CIRC, a imputabilidade do gasto com a reforma antecipada de um trabalhador está dependente do efectivo pagamento ou da colocação à disposição da importância em causa, não sendo exigível qualquer outro requisito adicional.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros do Tribunal Colectivo, Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha como Presidente, Dr. António Pragal Colaço e Dra Rita Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 21/5/2021, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A... S.A., sociedade com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ... (doravante “Requerente”), veio em 15.12.2020, requerer a constituição de tribunal arbitral, com pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º ..., de 25 de maio de 2017, referente ao período de tributação de 2016 e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada a 25 de maio de 2019, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do DL n.° 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação conferida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), emanado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 15.12.2020.
3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Colectivo, o Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha como Presidente, Dr. António Pragal Colaço e Dra Rita Guerra Alves, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 3/5/2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 21/5/2021.
6. A Requerida, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, veio em 16/6/2021 impetrar requerimento onde face à suspensão de prazos motivado pela pandemia, requereu que,”… atenta a natureza do processo, atento o disposto no nº 5 do art. 569º do CPC, bem como, o princípio da livre condução do processo pelo Tribunal Arbitral, cfr. nº 2 do art. 19º do RJAT, a prorrogação do prazo para juntar Resposta por mais 30 dias e o Processo Administrativo por mais 20 dias, tendo lhe sido concedido por mais 15 dias.
7. A Requerida deduziu Resposta introduzida no sistema electrónico da CAAD no dia 13/07/2021, onde por excepção arguiu a incompetência do Tribunal Arbitral para o reconhecimento da dedutibilidade de gastos, sustentando ainda a improcedência da pretensão da Requerente remetendo para a fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa.
8. Cumprindo o princípio do contraditório por despacho arbitral 17/07/2021 foi determinada a notificação da Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a matéria de excepção suscitada, na resposta, pela Autoridade Tributária, tendo a mesma vindo a exercer esse direito por requerimento impetrado no dia 23/7/2021.
9. Por despacho arbitral de 23/7/2021, foi notificada a Requerida para proceder à junção do Processo Administrativo, não tendo no entanto, procedido à sua junção.
10. Por despacho arbitral de 22/09/2021, foi determinado que “O processo não se mostra ser especialmente complexo no plano da tramitação processual, nem há irregularidades a suprir. Foi suscitada a excepção da incompetência do tribunal sobre qual a Requerente já exerceu o direito do contraditório e cuja apreciação se relega para final.
Notificada para apresentar o processo administrativo, a Autoridade Tributária não o juntou no prazo cominado, havendo lugar à aplicação subsidiária do disposto no artigo 84.º, n.º 6, do CPTA, se a falta do envio determinar impossibilidade ou considerável dificuldade para a prova dos factos alegados pela Requerente, não se justificando a realização de outras diligências instrutórias face à prova documental junta com o pedido.
Assim, e em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime e determina-se o prosseguimento do processo para alegações escritas facultativas pelo prazo sucessivo de dez dias.”
11. Apenas a Requerente veio a deduzir alegações por requerimento impetrado no dia 7/10/2021.
II. DA RESPOSTA DA REQUERIDA
Na sua resposta, a Requerida AT deduziu excepção de incompetência do Tribunal Arbitral para o reconhecimento da dedutibilidade de gastos, sustentando ainda a improcedência da pretensão da Requerente remetendo para a fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa, a qual essencialmente indeferiu a mesma reclamação com fundamento “a Reclamante não comprovou nos autos…”, o que configura falta de cumprimento do ónus da prova, devendo em consequência o acto impugnado ser mantido na ordem jurídica por entender que o mesmo consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos.
III. DO SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legitimas e encontram-se regularmente representadas, (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III. DA EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
Incompetência material do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária, defendendo-se por exceção, suscita a questão da incompetência material do tribunal arbitral para conhecer do pedido, na medida em que requer que se reconheça a dedutibilidade de gastos e a efetivação de ajustamentos quanto à declaração de modelo 22, considerando que se trata de matéria atinente à execução do julgado que, em primeira linha, incumbe à Administração, em caso de procedência do pedido de declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação.
Em resposta à matéria de exceção, a Requerente refere que o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e por objeto mediato a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2016, e assenta em erros declarativos imputáveis à autoliquidação por falta de inscrição de perdas atuariais, custos de serviços correntes e pagamentos de reformas antecipadas. E, na prática, solicita a inscrição desses montantes na sua declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC por considerar ter direito à respetiva dedução para efeitos fiscais.
Encontrando-se a competência dos tribunais arbitrais definida, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, entre o mais, pela declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, e não existindo qualquer limitação quanto aos fundamentos concretos que possam constituir a causa de pedir da impugnação judicial, é manifesta a improcedência da exceção dilatória.
Se bem se entende, a alegada incompetência material do tribunal arbitral resulta de a Requerente ter especificado, no pedido de impugnação, os ajustamentos a efetuar na declaração modelo 22 e os montantes que se torna necessário deduzir em caso de procedência da ação.
Ora, no pedido arbitral, a Requerente limitou-se a solicitar, no preâmbulo, a declaração de ilegalidade e consequente anulação da autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2016 e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra essa autoliquidação, e na conclusão, insiste em considerar que pretende a constituição de tribunal arbitral para a emissão de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade desses atos tributários.
E um tal pedido enquadra-se no âmbito da competência definida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, visto que se refere à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, que se entende abrangerem os atos de segundo grau – como é o caso das decisões de indeferimento de reclamação graciosa – quando estas tenham por objeto a apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação ou de autoliquidação.
Ao referir, na petição inicial, que se pretende o reconhecimento do direito à dedutibilidade de certos montantes e ao consequente ajustamento da declaração modelo 22, a Requerente não está a deduzir um pedido de reconhecimento de direitos ou a requerer que seja proferida uma declaração judicial sobre os atos e operações que devam ser praticados pela Administração no caso de um eventual julgado anulatório, mas unicamente a especificar a causa de pedir da ação, indicando os aspetos em que o ato de autoliquidação se encontra eivado de erro suscetível de determinar a sua ilegalidade.
E, assim sendo, não há uma qualquer violação das regras de competência contenciosa do tribunal arbitral, sendo a arguição necessariamente improcedente.
IV. Matéria de facto:
I. Factos provados
Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
1. A Requerente é uma sociedade anónima cuja atividade principal consiste na gestão de fundos de investimento mobiliário.
2. De forma a garantir o pagamento de benefícios de reforma a título de velhice, invalidez e sobrevivência, nos termos do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (“ACTV”), a Requerente constituiu um fundo de pensões de benefício definido a favor dos seus trabalhadores.
3. No exercício de 2016, o referido fundo de pensões abrangia um total de 12 pessoas, compreendendo 7 trabalhadores ativos, 4 ex-trabalhadores e 1 reformado.
4. Para efeitos fiscais, a Requerente segue, regra geral, o regime previsto no artigo 43.º do Código do IRC, que enquadra as contribuições para fundos de pensões enquanto realizações de utilidade social, e nesse âmbito, efectua anualmente uma avaliação atuarial das responsabilidades a cargo do fundo de pensões, a qual serve de base às perdas e/ou ganhos reconhecidos por parte da Requerente.
5. No exercício de 2016, a Requerente registou uma perda atuarial líquida estimada no montante de € 607.542,87.
6. A perda líquida relativa às alterações verificadas nos pressupostos atuariais pode ser desagregada pelas várias classes populacionais, da seguinte forma:
Desvios atuariais
Ativos EUR 481.911,00
Ex-trabalhadores (direitos adquiridos) EUR 92.212,00
Reformados / Pensionistas EUR 68.794,00
Desvios atuarias líquidos EUR 642.917,00
7. A Requerente, por referência ao exercício de 2015, efetuou contribuições para o fundo de pensões no montante de € 1.025.126,09, das quais foi deduzido, nesse exercício, o montante de € 138.269,63, tendo transitado para os anos seguintes um saldo de contribuições não deduzidas de € 886.856,46 (€ 1.025.126,09 - EUR 138.269,63).
8. Na declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2015, a Requerente deduziu no campo 704 do quadro 07 o montante de € 867.738,11: (i) € 91.993,05 relativos ao ajustamento resultante da aplicação do regime transitório para a IAS 19; (ii) € 775.745,06 relativos à perda atuarial com o fundo de pensões verificada no exercício.
9. Adicionalmente, a Requerente acresceu no campo 723 do quadro 07 o montante de € 871.171,03: (i) € 775.745,06 relativos à perda atuarial com o fundo de pensões verificada no exercício; e (ii) € 95.425,97 relativos ao excesso de custo de serviço corrente registado no exercício quando comparado com o limite de 15% da massa salarial do ano.
10. Assim, considerando que no exercício de 2015 a Requerente registou um total de custos de serviços correntes de € 233.695,60 – conforme rubrica contabilística NCA #7021 –, a mesma apenas deduziu fiscalmente o total de contribuições de € 138.269,63 (€ 233.695,60 - EUR 95.425,97).
11. Por referência ao exercício de 2016, a Requerente reconheceu o montante de € 230.359,14 na conta NCA #7021 a título de custo dos serviços correntes do fundo de pensões.
12. Ainda por referência ao exercício de 2016, a Requerente apurou um limite de massa salarial de € 128.727,42 [€ 858.182,78 (NCA #700 + #701) * 15%)].
13. No exercício de 2016, um dos trabalhadores da Requerente passou à situação de reforma antecipada, da qual resultou um gasto extraordinário no montante de € 186.327,22, (por alteração dos pressupostos que serviram de base ao cálculo das responsabilidades) e um pagamento ao beneficiário no montante de € 55.544,00.
14. Nesse mesmo exercício, no âmbito da sua atividade, a Requerente apurou um resultado líquido contabilístico negativo de € 1.682.985,60.
15. Em 25 de maio de 2017, a Requerente procedeu à entrega da Modelo 22 de IRC do período de tributação de 2016, em que registou o referido resultado líquido contabilístico negativo de € 1.682.985,60.
16. Por força dos ajustamentos que efetuou, a Requerente apurou e registou prejuízos fiscais no montante global de € 1.458.520,00.
17. Por outro lado, a Requerente apurou e autoliquidou imposto a pagar no montante global de € 22.838,45, correspondente à diferença entre as tributações autónomas apuradas (€ 23.017,62) e as retenções na fonte de IRC por si realizadas (€ 179,17).
18. No campo 704, do quadro 07, da declaração Modelo 22 de IRC, a Requerente registou o montante global de € 699.535,92, o qual decompõe-se nas seguintes parcelas: € 607.542,87, a título de variação patrimonial negativa registada em capitais próprios; € 91.993,05, a título de ajustamento resultante da aplicação do regime transitório para a Norma Internacional de Contabilidade n.º 19 – Benefícios dos empregados (“IAS 19”).
19. Por sua vez, no campo 723, do quadro 07, da mesma declaração periódica de rendimentos, a Requerente registou o montante global de € 1.024.229,23, o qual decompõem-se nas seguintes parcelas: € 607.542,87, a título de variação patrimonial negativa registada em capitais próprios; € 416.686,36, a título de custo gerado pelo fundo de pensões e registado contabilisticamente em resultados, o qual se subdivide nas seguintes componentes: € 230.359,14, a título de custos dos serviços correntes; € 186.327,22, a título de perdas por reformas antecipadas.
20. Em 27 de maio de 2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IRC relativa ao exercício, em que peticionou os seguintes ajustamentos à declaração Modelo 22 de IRC:
Por referência ao campo 704 do quadro 07 (€ 699.535,92):
a) Eliminação do montante de € 607.542,87 (correspondente a uma variação patrimonial negativa registada em capitais próprios);
b) Adição do montante de € 155.938,56 (correspondente a uma perda atuarial com a população de reformados e pensionistas e, bem assim, com a população de ex-trabalhadores).
Por referência ao campo 723 do quadro 07 (€ 1.024.229,23):
a) Eliminação do montante de € 607.542,87 (correspondente a uma variação patrimonial negativa registada em capitais próprios);
b) Eliminação do montante de € 128.727,42 (correspondente a custos de serviços correntes), face ao limite de 15% da massa salarial do exercício.
Por referência ao campo 761 do quadro 07 (€ 0,00):
Adição do montante de € 55.544,00 (correspondente a pagamentos de reformas antecipadas), face ao regime ínsito no artigo 18.º, n.º 12, do CIRC.
21. Por ofício de 21 de julho de 2020 da Unidade dos Grandes Contribuintes, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa que havia interposto em 27/5/2019.
22. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão do Serviço Central, de 28 de agosto de 2020, notificado em 14 de setembro de 2020.
23. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa baseou-se na informação n.º 2019-AIR/2020, que constitui o documento n.º 2 junto ao pedido arbitral e que aqui se dá como reproduzida.
II. Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
III. Fundamentação da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificadamente e no acervo probatório carreado para os autos, os quais foram objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
IV. Do Direito
A questão a dirimir nos presentes autos respeita à avaliação anual atuarial das responsabilidades a cargo do fundo de pensões, a qual serve de base às perdas e/ou ganhos reconhecidos por parte da Requerente, pretendendo-se que fossem inscritos no quadro 07 da Modelo 22 do ano de 2016, campo 704 a titulo de variação patrimonial negativa o valor de 155.938,56€, decompostos em 65.281,73€, a título de perda atuarial com a população de reformados e pensionistas e 90.656,83, a título de perda atuarial com a população de ex-trabalhadores, que fosse acrescido no campo 723 a titulo de realizações de utilidade social (dedução de gastos com serviços correntes) o valor de 101,631,72€, eliminando-se o valor de 12
8.727,42€ resultante da auto-liquidação e por último que fosse deduzido no campo 775, do quadro 07 da mesma modelo, o montante de 55.544,00€ a título de pagamento com reforma antecipada?
E se foi feita prova pela Requerente dos valores que se pretendem deduzir e acrescer?
Para a determinação das realidades patrimoniais com relevância fiscal, podemos encontrar vários modelos teóricos.
Na verdade, a relação entre a Contabilidade e a Fiscalidade quanto ao apuramento do lucro tributável pode ser a de total dependência, sendo o lucro tributável tomado, sem alterações, do balanço comercial, pode ser o de total independência entre o balanço comercial e o balanço fiscal, sendo este exaustivamente regulado na lei fiscal, ou, finalmente, de dependência parcial, de acordo com a qual o resultado contabilístico é tomado como ponto de partida para a determinação do lucro tributável mas sujeito a ajustamentos contabilísticos.
É este último o modelo que vigora em Portugal.
Com a entrada em vigor do sistema de normalização contabilístico, e com a adaptação do CIRC a este normativo contabilístico, originaram-se profundas alterações em inúmeras declarações, integrantes das obrigações declarativas, previstas no art.º 117º do CIRC.
Em termos declarativos falamos da declaração Modelo 22, constante do art.º117, n.º1 alínea b), do CIRC pois é esta declaração que reflecte as divergências existentes entre a contabilidade e a fiscalidade, ou seja, a partir do Resultado Líquido contabilístico e acresce ou deduz categorias de valores em função da sua natureza. E é no quadro 07 da Modelo 22 que se consagram essas divergências.
Temos então que o conceito relevante para efeitos de determinação da matéria colectável, é o lucro tributável. Este é constituído pela soma algébrica do resultado líquido contabilístico do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do Código do IRC (os ajustamentos a acrescer e a deduzir).
Esquematicamente, na Figura temos:
Resultado Líquido do Período
+/- Variações Patrimoniais não reflectidas no resultado
+/- Ajustamentos ao Resultado Líquido do Período
= Lucro Tributável/ Prejuízo Fiscal do Período
As razões que levam a estas correcções provêm do facto do resultado contabilístico e o fiscal resultarem de realidades não totalmente coincidentes, ou seja, divergirem nas questões de aplicação territorial das regras fiscais ou, relativamente à necessidade de evitar duplas ou mais tributações, na expurgação de custos que face à sua natureza são confundíveis com despesas de natureza particular e à apreensão de se tributar rendimentos efectivamente realizados. Contudo, este conceito fiscal difere do conceito da contabilidade. É assim apodítico que o conceito deve ser interpretado fiscalmente numa primeira interpretação.
Outra justificação para a existência de algumas divergências acima mencionadas, originarem correcções nesta declaração, é o combate à fraude e evasão fiscal, daí a imposição de limites nas depreciações ou amortizações, provisões, imparidades e realizações de utilidade social, ou a não aceitação de determinados gastos quer sejam eles documentados ou não.
Daqui derivam as correcções positivas ou negativas ao resultado apurado previamente na contabilidade. Em suma, existem correcções negativas quando existem gastos contabilísticos que não são aceites fiscalmente, assim como, rendimentos contabilísticos que não são considerados rendimentos fiscais.
Variações patrimoniais negativas:
Perda atuarial com a população de reformados e pensionistas
No presente caso o Requerente na Modelo 22 de IRC referente ao ano de 2016 entregue, inscreveu no campo 704, do quadro 07 o valor de 607.542,87€ a acrescer, mas entende agora que deveria ter inscrito apenas o valor de 155.938,56€, o que influenciaria o lucro tributável a seu favor em 451.604,31€.
Na verdade, o mencionado valor corresponderia ao montante de 65.281,73€, a título de perda atuarial com a população de reformados e pensionistas e o valor de 90.656,83€, a título de perda atuarial com a população de ex-trabalhadores.
Campo 704 refere-se a variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido
do período, nos termos do art.º 24 do CIRC, que prescreve:
Artigo 24º - Variações patrimoniais negativas
Nas mesmas condições referidas para os gastos e perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:
a) As que consistam em liberalidades ou não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeita a IRC;
b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;
c)As saídas, em dinheiro ou em espécie, em favor dos titulares do capital, a título de remuneração ou de redução do mesmo, ou de partilha do património, bem como outras variações patrimoniais negativas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente ou da sua reclassificação;
d) As prestações do associante ao associado, no âmbito da associação em participação;
e) As relativas a impostos sobre o rendimento.
f) A diminuição do capital próprio da sociedade beneficiária decorrente de operações de fusão, cisão ou entrada de ativos, com exclusão da componente que corresponder à anulação das partes de capital detidas por esta nas sociedades fundidas ou cindidas.
O que se discute é se os gastos a título de perda atuarial com a população de reformados e pensionistas e os gastos com a perda atuarial respeitante à população de ex-trabalhadores no âmbito dos fundos de pensões, são variações patrimoniais negativas.
Já verificámos supra que o conceito relevante para efeitos de determinação da matéria colectável, é o lucro tributável. Também verificámos que este é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do Código do IRC (os ajustamentos a acrescer e a deduzir).
A noção de variação patrimonial liga-se então necessariamente com a ideia de balanço, principalmente na sua estrutura, composição e reflexos no valor do património, entendendo-se este na mesma acepção da situação líquida (Capital Próprio), ou seja, consistindo genericamente na diferença entre o activo e o passivo.
Assim, nesta perspectiva, qualquer variação positiva ou negativa num dos elementos do balanço deve reflectir-se no outro. É este o princípio do método digráfico, ou das partidas dobradas, já que uma ou mais modificações a débito obrigam, em contrapartida, a movimentações a crédito de igual montante, e vice-versa.
Daqui se pode inferir que o património de uma empresa não é uma realidade estática, mas sim dinâmica e susceptível de implicar permanentes alterações.
Estas alterações podem assumir duas variantes:
• de natureza normal ou voluntária
• de natureza extraordinária ou involuntária
No primeiro grupo incluem-se todas as operações normais da empresa, enquanto no segundo se reflectem as situações ocasionais, tais como roubos, quebras, incêndios, inundações, etc.
Ambas as situações referidas constituem aquilo que se designa por factos patrimoniais, considerando-se que os mesmos aparecem associados a tudo quanto na empresa implique variações no património.
Os factos patrimoniais podem assumir uma natureza permutativa, quando provocam alterações na
composição do património mas não alterem o seu valor (variações meramente qualitativas), ou uma natureza modificativa quando, para além de alterarem a composição do património, impliquem também alterações do seu valor. Neste último caso, tratam-se de variações quantitativas que serão positivas ou negativas, consoante impliquem o aumento ou diminuição do valor do património ou da situação líquida (Capital Próprio).
No entanto, existem factos patrimoniais que não têm imediato reflexo no resultado líquido.
O regime fiscal aplicado às variações patrimoniais não reflectidas no resultado líquido do exercício encontra-se previsto nos artº 21º (positivas) e 24.º (negativas), do CIRC. Legislou-se por excepção, isto é, contemplaram-se as situações que numa perspectiva fiscal, não são susceptíveis de influenciar resultados. Assim, se estivermos perante uma variação patrimonial negativa que não concorre para a formação do resultado líquido do período, mas que se encontra excepcionada nas alíneas do art.º 24.º, a mesma não concorre para a formação do lucro tributável.
A “ratio” deste não gasto, reside no facto das mesmas não fazerem parte da actividade normal da empresa.
Relativamente às menos-valias potenciais ou latentes, a exclusão verifica-se porque o seu abatimento iria contrariar o princípio da tributação do rendimento real uma vez que a mais-valia só ocorre com a transmissão dos respectivos elementos.
Temos então que as perdas atuariais com a população de reformados e pensionistas e as perdas atuariais com ex-trabalhadores, se não foram contabilizados em gastos, e de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, concorrem para a formação do lucro tributável.
Mas há quanto às perdas atuariais com a população de reformados um aspecto importante. Na verdade, a Requerida indeferiu a reclamação graciosa por falta de prova quanto ao direito à dedução destes valores.
Na verdade, no PPA a Requerente escreve que, “A este respeito importa não deixar de salientar que o relatório atuarial não permite à Requerente segregar as perdas do fundo de pensões pelas várias populações que o constituem.” e “Uma vez que no relatório atuarial não se afigura possível isolar as perdas por população – e por não existir nem ser sugerido pela Autoridade Tributária um método mais adequado para o efeito –, a Requerente procedeu à desagregação das perdas por população tendo por base o montante de responsabilidades de cada uma face à responsabilidade total, com referência a 31 de dezembro do ano anterior”.
Pareceria assim que o relatório atuarial não permitiria o isolamento das perdas por população, trazendo a discussão para aplicação de vários métodos abstractamente possíveis.
No entanto, a Requerente acrescenta que “Não obstante, no dia 7 de dezembro de 2020, a Requerente obteve uma declaração da atuária, a qual atesta as perdas atuariais por população”, o que implica o reconhecimento de que sendo possível não cumpriu devidamente o ónus da prova de um facto que lhe competia.
Campo 704 – Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período (Art.º24 do CIRC)
Perda atuarial com ex-trabalhadores
Relativamente à dedução da perda atuarial respeitante à população de ex-trabalhadores no montante de 90.656,83€, entendeu a Requerida que: “a Reclamante não comprovou que a perda atuarial respeitava a esta população”. Adicionalmente, refere que é imperioso concluir no sentido de que é indispensável a demonstração de que a perda atuarial referente a responsabilidades passadas com ex-colaboradores, se traduza em rendimentos do trabalho dependente, previstos na alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º, do CIRC, para que as mesmas sejam dedutíveis ao abrigo desta norma, o que a Reclamante não logrou demonstrar”;
Diz-nos o número 2, alínea d) do art.º 23.º do CIRC, o seguinte:
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
(…)
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
Quanto a esta matéria a Requerida emitiu uma informação vinculativa, a qual teve duas redacções sucessivas. Vejamos a primeira:
“Código do IRC
Artigo: 43.º
Assunto: Contribuições para um Fundo de Pensões – Perdas atuariais
Processo: 3688/2016, sancionado por Despacho, de 27 de junho de 2017, da Subdiretora Geral.
Conteúdo: Foram suscitadas dúvidas sobre a aceitabilidade fiscal das perdas atuariais associadas com as responsabilidades com a população ativa, com os reformados/pensionistas e com os ex-colaboradores.
Quanto à perda atuarial associada a responsabilidades com a população ativa, a dedutibilidade fiscal tem por limite o valor acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 43.º do Código do IRC (CIRC) relativos ao período constituído pelos 10 períodos imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o período de tributação da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos atuariais e os valores das contribuições efetuadas e aceites como gastos em cada um desses períodos.
Quanto à perda atuarial associada a responsabilidades com pensionistas, não se aplica a limitação prevista na alínea b) do nº7 do artigo 43º do CIRC, o que significa que as contribuições efetuadas podem ser aceites na totalidade, no momento em que for efetuada a contribuição, não estando sujeita a qualquer limite.
No que respeita à perda atuarial associada a responsabilidades com ex-colaboradores, estando em causa responsabilidades passadas com os ex-trabalhadores com direitos adquiridos, podem estes gastos ser aceites, nos termos do artigo 23.º e não pelo artigo 43.º, ambos do CIRC, no momento em que se procede ao reconhecimento das alterações dos pressupostos atuariais e desde que a contribuição respetiva seja efetuada.”
A segunda no âmbito do mesmo processo veio a ter o seguinte conteúdo:
“Código do IRC
Artigo: 43.º
Assunto: Contribuições para um Fundo de Pensões – Perdas atuariais
Processo: 3688/2016, sancionado por Despacho, de 27 de junho de 2017, da Subdiretora Geral.
Conteúdo: Foram suscitadas dúvidas sobre a aceitabilidade fiscal das perdas atuariais associadas com as responsabilidades com a população ativa, com os reformados/pensionistas e com os ex-colaboradores.
Quanto à perda atuarial associada a responsabilidades com a população ativa, a dedutibilidade fiscal tem por limite o valor acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 43.º do Código do IRC (CIRC) relativos ao período constituído pelos 10 períodos imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o período de tributação da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos atuariais e os valores das contribuições efetuadas e aceites como gastos em cada um desses
períodos.
Quanto à perda atuarial associada a responsabilidades com pensionistas, não se aplica a limitação prevista na alínea b) do nº7 do artigo 43º do CIRC, o que significa que as contribuições efetuadas podem ser aceites na totalidade, no momento em que for efetuada a contribuição, não estando sujeita a qualquer limite.
No que respeita à perda atuarial associada a responsabilidades com ex-colaboradores, estando em causa responsabilidades passadas com os ex-trabalhadores com direitos adquiridos e individualizados, podem estes gastos ser aceites, nos termos do artigo 23.º e não pelo artigo 43.º, ambos do CIRC, no momento em que se procede ao reconhecimento das alterações dos pressupostos atuariais e desde que a contribuição respetiva seja efetuada.
Repare-se que, em IRS, são considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da alínea b) do nº3 do artigo 2.º do Código do IRS (CIRS): "As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente: (…)"
E, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, são considerados rendimentos do trabalho dependente, as importâncias despendidas, obrigatória ou
facultativamente, pela entidade patronal " i) Com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários".
Assim, na ótica do ex-trabalhador, considera-se que os direitos adquiridos constituem rendimentos do trabalho dependente (pois são auferidos em razão da prestação de trabalho àquela entidade), desde que esses direitos estejam individualizados e alocados a cada beneficiário, pelo montante das contribuições efetuadas para o Fundo, podendo, caso se mostrem cumpridos os requisitos do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, estar isentos de IRS, nesse momento.
Nestes termos, os gastos associados a responsabilidades passadas com ex-trabalhadores com direitos adquiridos só podem ser aceites, na totalidade, nos termos do artigo 23.º do CIRC, desde que, na ótica do ex-trabalhador, seja considerado um rendimento perfeitamente individualizado.
Impõe-se assim responder às seguintes duas questões:
a. A Requerente demonstrou que a perda atuarial respeitava à população de ex-trabalhadores?
Em caso de resposta afirmativa,
b. É necessária a prova de que a perda atuarial referente a ex-trabalhadores se traduza em rendimentos do trabalho dependente previstos na alínea d) do n.º 2, do artigo 23.º do CIRC, para poder ser deduzida?
Quanto à primeira questão, a Requerente escreveu no art.º 62.º do seu PPA o seguinte:
“62.º
No que respeita ao primeiro dos fundamentos avançados pela Autoridade Tributária, relativo à comprovação do montante da perda atuarial de ex-trabalhadores, veio a atuária da Requerente atestar que o mesmo ascende a EUR 92.212,00, o qual excede o quantitativo estimado pela Requerente de EUR 90.656,83 – cfr. Documentos n.os 6 e 11.”
Compulsando os mencionados documentos n.ºs 6 e 11, o primeiro respeita a uma declaração emitida pela Atuaria do próprio A... Fundo de Pensões, que contêm uma subdivisão por grupos populacionais e o segundo respeita a um conjunto de cálculos de informação de acordo com relatórios atuariais e a análise fiscal, documento sem data e sem assinatura.
É assim novamente imperioso concluir que a Requerente reconhece não ter cumprido devidamente o ónus da prova de um facto que lhe competia, duvidando-se pelos termos expostos que mesmo agora o cumprisse.
Fica assim prejudicada a apreciação da segunda questão supra enunciada.
Limite da massa salarial no exercício de 2016
Nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRC, são dedutíveis como gastos do período de tributação, “até ao limite de 15 % das despesas com o pessoal contabilizadas a título de remunerações, (…) os suportados com contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”.
A Requerida fundamentou essencialmente a denegação da reclamação deduzida pela Requerente com base em que “…não ficou demonstrado nos autos que o gasto com o custo de serviço corrente (€ 230.359,14) tenha sido contribuído pela Reclamante, através da transferência dos necessários meios para o fundo de pensões por ela criado”.
Todavia, nem pode nem deve desvalorizar a contabilidade que lhe foi remetida, nomeadamente o Balancete com as contas respectivas e os valores nelas inscritos, sob pena de ultrapassar a presunção de veracidade da contabilidade, correctamente organizada (artº 78 do CPT).
A Requerida não colocou em crise que esse gasto não fosse gasto dedutível, nomeadamente por não gozar da natureza de indispensabilidade, mas sim que não tivessem existido transferências, colocando em crise, sem qualquer fundamentação substancial e probatória, o valor suportado com gastos de serviço corrente.
Diga-se também, que o montante aqui em causa em termos de diminuição do valor a acrescer no campo 723, do quadro 07 da Modelo 22 (128.727,42€) se refere a uma mera operação aritmética para efeitos da determinação do limite dos 15% que é aceite nos termos do art.º 43.º, nº 2, do CIRC.
Neste caso, o ónus era da Requerida que não o cumpriu.
Tal como decorre do facto dado como provado no número 11 da matéria de facto, no exercício de 2016, a Requerente reconheceu contabilisticamente custos dos serviços correntes no montante de EUR 230.359,14, conforme inscrição na conta NCA #7021 a título de custo dos serviços correntes do fundo de pensões.
Por seu turno, conforme facto dado como provado no número 12, a Requerente apurou um limite de massa salarial de EUR 128.727,42 (EUR 858.182,78 x15%), conforme contas (NCA #700 + #701) * 15%)].
Assim, o custo dos serviços correntes do fundo de pensões excede o limite da massa salarial em EUR 101.631,72 (EUR 230.359,14 – EUR 128.727,42).
Em conclusão, deverá este montante ser relevado no campo 723 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC (ao invés do montante de EUR 230.359,14), devendo proceder nesta parte o pedido que consiste na dedutibilidade do montante de EUR 128.727,42, a título de custos dos serviços correntes.
Pagamento da Reforma antecipada em 2016
A questão aqui controvertida diz respeito à inscrição no campo 761 do Quadro 07 da Modelo 22 a deduzir, do valor de 55.544,00€ resultante de pagamento de reforma antecipada.
É entendimento da Requerida vertido na informação que deu arrimo à decisão de indeferimento o seguinte:
A norma do número 12 do art.º 18.º do CIRC prevê que as importâncias relativas a benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, são imputáveis ao período de tributação em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos respectivos beneficiários, salvo se respeitarem a realizações de utilidade social nos termos do artigo 43.º do CIRC.
Entendendo que as reformas antecipadas não são realizações de utilidade social, as mesmas subsumem-se à previsão normativa do art.º 18.º, n.º 12, do CIRC.
Mas acaba por não aceitar a sua dedução pelo facto de o Requerente não ter comprovado que os custos com reformas antecipadas se encontram efetivamente contribuídos.
Mas a Requerida na mesma informação, considerou como provado no ponto G. que “Nos termos do Relatório Atuarial o valor dos benefícios pagos em 2016, ascendeu a 55.544,00€.
Não se compreende assim a afirmação que consta no ponto 76 da informação que deu suporte à decisão sobre a reclamação graciosa, quando “…a Reclamante não comprovou que os custos com reformas antecipadas se encontram efectivamente contribuídas.”
Na verdade, o art.º 18.º dá-nos a noção do que é um gasto ou um proveito. A regra a propósito da periodização do lucro tributável é que «Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica» n.º 1).
Esta é a regra de contabilização de réditos e gastos.
Especificamente no número 12 do mesmo inciso, diz-se:
12 — Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 43.º, os gastos relativos a benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, são imputáveis ao período de tributação em que as importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos respectivos beneficiários.
A imputabilidade depende assim do efectivo pagamento ou da colocação à disposição.
Foi considerado no ponto 13 da matéria de facto dada como provada que “13. No exercício de 2016, um dos trabalhadores da Requerente passou à situação de reforma antecipada, da qual resultou um gasto extraordinário no montante de € 186.327,22, (por alteração dos pressupostos que serviram de base ao cálculo das responsabilidades) e um pagamento ao beneficiário no montante de € 55.544,00.”
Se a possibilidade de dedução fiscal se contenta com a mera colocação à disposição o que parece ser logo evidente do próprio ponto dado como provado pela Requerida a verdade é que foi considerado provado (à semelhança do considerado provado na informação no ponto G), que o benefício foi pago e, por conseguinte, não é exigível qualquer requisito adicional, carecendo a posição perfilhada pela Autoridade Tributária de protecção normativa.
E é mesmo a própria interpretação da entidade Requerida prolatada no despacho n.º 183/2006-XVII, de 19 de janeiro de 2006, que refere que “A dedução, nos termos definidos pelo artigo 40.º [atual artigo 43.º do CIRC], está efetivamente condicionada à entrega das contribuições” (sublinhado e negrito nossos).
É pois, a própria Autoridade Tributária que entende que apenas os custos/perdas relacionados com pensões, mas que se enquadrem como realidades abrangidas pelo artigo 43.º do CIRC, estão sujeitas à realização de contribuições para que se possa efetivar a sua dedução fiscal.
Em conclusão, deverá este montante ser relevado a deduzir no campo 761 do quadro 07 da Modelo 22 de IRC, devendo proceder nesta parte o pedido que consiste na dedutibilidade do montante de 55.544,00€, a título de pagamento de reformas antecipadas.
Considera então este Tribunal que
O valor de 155.938,56€, decomposto em 65.281,73€, a título de perda atuarial com a população de reformados e pensionistas e 90.656,83, a título de perda atuarial com a população de ex-trabalhadores, não deve ser inscrito a título de variação patrimonial negativa, no quadro 07 da Modelo 22 do ano de 2016, campo 704, por improcedência do pedido;
O valor de 128.727,42€, seja eliminado nos valores a acrescer no campo 723 do quadro 07 da Modelo 22 a título de realizações de utilidade social (dedução de gastos com serviços correntes), sendo aceite o valor de 101,631,72€, por procedência do pedido;
O valor de 55.544,00€, a título de pagamento com reforma antecipada seja aceite a sua dedução no campo 775, do quadro 07 da Modelo 22, por procedência do pedido.
V. Decisão
Pelo exposto, decide este Tribunal o seguinte:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral e anular o acto de liquidação impugnado, bem como a decisão de reclamação graciosa, quanto a custos dos serviços correntes, havendo lugar a esse título, à dedução de valor de € 101,631,72;
b) Julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de liquidação impugnado, bem como a decisão de reclamação graciosa, quanto pagamento de reforma antecipada, havendo lugar dedução, a esse título, do valor de € 55.544,00;
c) Julgar improcedente o pedido arbitral e manter o acto de liquidação impugnado, bem como a decisão de reclamação graciosa, quanto à perda atuarial com a população de reformados e pensionistas, no valor de € 65.281,73€, e à perda atuarial com a população de ex-trabalhadores, no valor de € 90.656,83.
VI. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 340.209,98
VII. Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida, na percentagem de 53,50% e 46,50, respectivamente.
Lisboa, 22 de Novembro de 2021
O Árbitro Presidente
(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)
O Árbitro Vogal
(António Pragal Colaço)
O Árbitro Vogal
(Rita Guerra Alves)