Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 40/2021-T
Data da decisão: 2021-11-09  IMI  
Valor do pedido: € 48.597,12
Tema: IMI – Terrenos para construção – Valor Patrimonial Tributário.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.            Relatório       

A..., S.A., contribuinte número..., com sede social na ..., ..., ..., ...-... Lisboa (doravante a “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentou e das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.º 2015..., nº 2015... e nº 2015..., de 27.02.2016, por referência ao ano de 2015, as quais foram objecto do referido pedido de revisão oficiosa.

A Requerente pretende ainda o reembolso do montante de IMI que considera indevidamente pago (€48.597,12), acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado em 20-01-2021. Em 03-05-2021, foram as partes notificadas da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21-05-2021.

A AT apresentou resposta em que suscitou as exceções de inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário e da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar sobre os vícios da fixação desse mesmo valor patrimonial tributário.

Defendeu-se a AT ainda, por impugnação, referindo, em suma, que do artigo 45º do CIMI decorre que na avaliação dos terrenos para construção, como é o caso sub judice, o legislador não afastou liminarmente a metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo ter em consideração os coeficientes constantes no artigo 38º do CIMI, designadamente os que dizem respeito ao valor das edificações previstas ou autorizadas.

Por despacho de 25-08-2021 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido chamadas, o que ocorreu, a apresentar as suas alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2.            Matéria de facto

 

a.            Factos provados

                 Consideram-se provados os seguintes factos:

- A Requerente é proprietária de diversos prédios urbanos, designadamente, terrenos para construção, os quais se encontram inscritos na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob os artigos matriciais ..., ... e ... (conforme cadernetas prediais juntas ao pedido de pronúncia arbitral como documento nº 3 e que se dão por integralmente reproduzidas);

- A Requerente recebeu, em 2016, as notas de liquidação de IMI referentes ao ano de 2015, com o n.º 2015..., nº 2015... e nº 2015..., de 27.02.2016 (conforme documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

- A Requerente pagou a quantia liquidada (conforme documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

- A Requerente entendeu que tais liquidações de IMI de 2015 tiveram por base um valor patrimonial tributário (VPT) incorrectamente determinado, o que levou a que o imposto liquidado fosse superior ao devido no montante de €48.597,12, pelo que, em 27-02-2020, requereu a revisão dos actos tributários de liquidação do IMI, nos termos que constam dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

- O pedido de revisão oficiosa foi indeferido em 19-10-2020, tendo a Requerente apresentado o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

- A Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT considerado, em 31 de dezembro de 2015, como sendo o aplicável aos três artigos matriciais em questão.

b. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais trazidos para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada.

 

3.Excepções de inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário e da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar sobre os vícios de fixação desse mesmo valor patrimonial tributário

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação do seguinte:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

Para além da apreciação direta da legalidade de tais actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação de actos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daquela natureza.

No entanto, resulta do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não tem competência quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas. Por fim, é claro também que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial.

Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto da utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, da qual se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários».

No caso em apreço, a Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, pedido esse que viu indeferido, vindo agora solicitar a sua anulação, assim como das liquidações de IMI que lhe estão subjacentes.

Ora, vem a Requerente impugnar tais actos de liquidação de IMI com fundamento em erro nos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios sobre que incidiu o imposto. Assim, antes de mais, é realmente necessário esclarecer se os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais tributários podem ser invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que os têm como pressuposto.

A Requerida defende que a Requerente não imputa qualquer vício às liquidações de IMI, questionando, apenas, o seu VPT. E, assim sendo, que a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.

De facto, estabelece o n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, a avaliação é directa; e no n.º 1 do artigo 86º da LGT refere-se que a avaliação directa é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa, referindo também o artigo 134.º do CPPT que os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

Ou seja, os actos de fixação dos valores patrimoniais tributários, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa. E, nessa medida, os vícios de VPT não são susceptíveis de serem impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base nos mesmos.

Em conclusão, não há assim possibilidade de apreciação da correcção do acto de fixação do VPT através da impugnação do acto de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.

E, no caso em apreço, a Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT que estava vigente a 31 de dezembro de 2015 relativamente aos terrenos em construção sub judice. Veio a fazê-lo mais tarde, mas relativamente ao VPT que resultou em 2018 de uma modelo 1 apresentada e que despoletou nova avaliação.

Ora, era precisamente este procedimento que deveria ter sido seguido aquando da fixação do VPT vigente em 31 de dezembro de 2015, mas tal não ocorreu.

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade dessa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os em apreço, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações de IMI, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação dos valores patrimoniais. Não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita”.

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta de diversos acórdãos.

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI, pelo que improcede necessariamente o pedido de pronúncia arbitral.

Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2021, actos de avaliação praticados até 2015, quer muito depois do prazo legal de impugnação de três meses acima referido, quer do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).

Por isso, e em suma, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

Questão da admissibilidade de revisão oficiosa da liquidação

A Requerente invoca a certa altura o fundamento de revisão oficiosa, referindo a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI, que estabelece o seguinte:

 Artigo 115.º - Revisão oficiosa da liquidação e anulação

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:  (...)

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

Como resulta do teor expresso deste artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI e não a actos de avaliação de valores patrimoniais.

Para além disso, como estas normas especiais são aplicáveis “sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efectuada se existir erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, os actos de liquidação de IMI não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”.

Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 31-12-2015, não há erro da Administração Tributária ao efectuar a liquidação e, por isso, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade.

Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos de avaliação de valores patrimoniais

Outro tema ainda, é a possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais, a qual não está prevista no CIMI.

Assim, só aplicando o previsto no artigo 78.º da LGT, se pode analisar essa possibilidade de revisão.

O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte:

Artigo 78.º - Revisão dos actos tributários

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as referidas nos n.ºs 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 se referem a actos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais.

Ora, analisando estas normas, é manifesto que não foi observado pela Requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º.

Na verdade, todas a liquidações de IMI se baseiam nos valores inscritos as respectivas matrizes em 31-12-2015, pelo que todos os actos de fixação de valores patrimoniais são anteriores a essa data.

Por isso, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, em 27-02-2020, já havia necessariamente expirado o prazo em que podia ser autorizada a revisão dos actos de fixação de valores patrimoniais.

Pelo exposto, por intempestividade está afastada esta possibilidade de revisão oficiosa.

Em conclusão, e conforme acima exposto, as liquidações de IMI impugnadas pela Requerente não podem ser anuladas, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral de anulação do indeferimento e daquelas liquidações.

Improcedendo o pedido de anulação, mantêm-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas, pelo que improcedem necessariamente os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios que têm como pressuposto a sua anulação.

 

4.Decisão         

De harmonia com o exposto acorda este Tribunal Arbitral em:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e à anulação das liquidações de IMI respeitantes ao período de tributação de 2015;

b) Julgar, consequentemente, também improcedentes os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios;    

 

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 48.597,12.

 

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142 , nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Porto, 09-11-2021

 

O Árbitro

Maria Antónia Torres