Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 288/2020-T
Data da decisão: 2021-11-12  IVA  
Valor do pedido: € 168.516,59
Tema: IVA – Pro-rata; Direito à dedução.
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SUMÁRIO:

I. Apenas poderão concorrer para o cálculo do numerador do pro-rata os outputs conexionados com o preço das operações tributáveis.

II. Não é esse o caso do simples redébito de facturas de água e electricidade, se a operação de redébito não for remunerada, caso em que, apenas o valor desta, e não o total da operação de redébito, deverá ser incluído no numerador do pro rata.

III. Também não estão, em princípio, conexionados com o preço das operações tributáveis de um Município, os outputs relacionados com actividades de natureza pública exercidas no âmbito de poderes de autoridade.

IV. Recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do IVA.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 03 de Junho de 2020, o Município A..., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ...- ... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos tributários, bem como da decisão do Recurso Hierárquico n.º ...2018..., deduzido contra as Reclamações Graciosas nº ...2018..., ...2018... e ...2018..., que tiveram tais actos como objecto:

i.             liquidações adicionais de IVA n.º..., referente a período de Dezembro de 2011, no valor de € 22.489,39 e n.º..., referente ao período de Dezembro de 2012, no valor € 37.787,09;

ii.            liquidações adicionais de IVA n.º..., referente ao período de Dezembro de 2013, no valor de € 27.288,11, n.º..., referente ao período de Dezembro de 2014, no valor de € 36.715,59, e n.º..., referente ao período de Dezembro de 2015, no valor de € 40.539,50;

iii.           demonstração de liquidação de IVA n.º 2017..., referente ao período de Dezembro de 2015, cujo valor a pagar ascende a € 10.150,07, bem como as liquidações de juros n.º 2017..., referente a juros compensatórios do período de Dezembro de 2015, no valor de € 724,13;

iv.           demonstração de liquidação de IVA n.º 2017..., referente ao período de Outubro de 2016, que tem por efeito reduzir o crédito de imposto apurado naquele período para € 14.480,14, e subsequente demonstração de acerto de contas n.º 2017..., da qual resulta um acerto ao crédito apurado no valor de € 57.689,50;

v.            demonstração de liquidação de IVA n.º 2017..., referente ao mesmo período (Outubro de 2016), no qual se procede à correcção dos valores da correspondente Declaração Periódica, que resulta na redução do crédito de imposto para o montante de € 11.507,36 (onze mil, quinhentos e sete euros e trinta e seis cêntimos), e demonstração de acerto de contas n.º 2017..., da qual resulta uma liquidação adicional de IVA no valor de € 2.972,78.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que:

a.            As operações de redébito de consumos de electricidade e águas refacturadas aos terceiros consumidores devem ser consideradas no numerador subjacente ao cálculo do pro rata, uma vez que o universo de custos suportados pela Requerente naquelas operações não se esgota nas despesas diretamente imputadas no momento da refacturação;

b.            A redução que a AT opera ao universo de inputs cujo IVA é susceptível de recuperação por pro rata não encontra objectivamente respaldo na realidade da actividade económica do Requerente, na medida em que tais inputs são afectos, simultaneamente e indiscriminadamente, a operações que conferem direito à dedução e a operações que não conferem este direito, devendo ser aceite a sua inclusão para efeitos de dedução por via do método do pro rata.

c.            O método da afectação real é utilizado, para além das situações obrigatórias referidas no artigo 23.º do Código do IVA, para a dedução do imposto incorrido nas aquisições de bens e serviços onde é exequível a afectação ou imputação, com recurso a critérios objectivos, de tais bens e serviços a operações activas realizadas pelo Requerente que conferem o direito à dedução (permitindo a recuperação da totalidade do IVA) ou que não conferem tal direito (não permitindo a recuperação de qualquer montante de imposto).

d.            Quando a referida afectação de bens e serviços a operações que conferem e não conferem o direito à dedução não é possível, atendendo a que estão em causa bens e serviços indistintamente utilizados na realização de ambos os tipos de operações, comummente designados recursos comuns ou de utilização mista, o método do pro rata, constitui o mecanismo adequado a determinar o imposto incorrido susceptível de dedução.

e.            Ainda neste âmbito, o Requerente vê-se na posição de não conhecer adequadamente o exercício realizado pelos SIT e que se consubstanciou nas correcções produzidas ao universo de inputs sujeitos ao pro rata apurado para efeitos de dedução de imposto.

f.             Entende, assim, o Requerente que os actos tributários em apreciação, pelo menos na parte que compete às correcções efetuadas quanto ao universo de inputs aos quais foi aplicado o pro rata, são ilegais por ausência da adequada prova.

g.            Os outputs relacionados com impostos indiretos, reembolsos e restituições e transferências e subsídios obtidos não devem ser incluídos no denominador do pro rata, por constituírem proveitos que não decorrem do exercício de uma actividade económica.

 

3.            No dia 04-06-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 31-07-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 01-09-2020.

 

7.            No dia 06-10-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelo Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            O Requerente é um organismo de direito público que exerce as atribuições/competências que lhe são designadas por lei (regime jurídico das autarquias locais, estatuto das entidades intermunicipais, regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais).

2-            Em matéria de IVA, o Requerente assume a natureza de sujeito passivo misto, uma vez que realiza simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem tal direito.

3-            Para efeitos de tratamento do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços necessários à realização da sua actividade, o Requerente utilizava genericamente, no passado, o método do pro rata de dedução.

4-            Tendo efectuado uma revisão aos procedimentos adoptados em IVA nos anos 2009 e 2010, cujas conclusões viriam a ser replicadas para os anos seguintes (e.g., de 2011 a 2016), o Requerente considerou que não exerceu o direito à dedução do valor do IVA que lhe assistiria.

5-            O Requerente considerou que a metodologia por si adoptada em sede de dedução do IVA incorrido se apresentava desadequada em face da realidade económica da actividade que prossegue.

6-            Subsequentemente, o Requerente exerceu o direito à dedução de todo o imposto que lhe era consentido por não ter, até então, aplicado o método da afectação real no tratamento do IVA que entendeu incorrido na aquisição de recursos identificados como exclusivamente afectos a operações que conferem o direito à dedução.

7-            No âmbito da revisão efectuada aos procedimentos por si adoptados em sede de dedução de IVA, o Requerente considerou que, relativamente ao período compreendido entre 2013 e 2016, na determinação do cálculo do respectivo pro rata não procedeu à exclusão, do denominador da fração de determinados montantes respeitantes a impostos directos (registados na conta # 72.1) e outros proveitos e ganhos extraordinários (registados na conta # 79).

8-            Em resultado dos procedimentos adoptados após a referida revisão de procedimentos, o Requerente procedeu à substituição das declarações periódicas de IVA relativas a Dezembro de 2011 e Dezembro de 2012, das quais resultou um montante de IVA a pagar inferior ao inicialmente apurado, originando um excesso de pagamento a favor do Requerente no total de € 96.922,79.

9-            O Requerente procedeu ao pedido de confirmação de crédito apresentado junto da Direção de Finanças de ..., com o intuito de promover a restituição do valor supra mencionado, sendo notificado pelos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”), a 18 de Maio de 2017, da abertura do procedimento de inspecção tributária externa de âmbito parcial e com extensão aos exercícios de 2011 e 2012.

10-         Em momento subsequente, o Requerente foi notificado da decisão final do procedimento de inspecção tributária do qual resultaram correções que ascenderam a € 60.276,48 consubstanciadas nas liquidações adicionais de IVA referentes a 2011 e 2012 respectivamente.

11-         Quanto aos restantes períodos de IVA, em resultado das alterações operadas no que respeita à metodologia de dedução por parte do Requerente, a partir de Dezembro de 2013, aquele passou a encontrar-se sucessivamente em situação de crédito de imposto, do qual viria a solicitar o correspondente reembolso em Outubro de 2016.

12-         A 23 de Junho de 2017, o Requerente foi notificado pelos SIT da abertura do procedimento de inspecção tributária externa de âmbito geral com referência aos exercícios de 2014 e 2015, sendo notificado, também a 18 de Julho de 2017, da abertura do procedimento de inspecção tributária externa de âmbito geral com referência ao exercício de 2013.

13-         O Requerente veio a ser alvo de correcção no âmbito do referido procedimento de inspecção tributária (aos anos de 2013, 2014 e 2015 em conjunto), no montante total de € 104.543,20, a qual se materializou nas liquidações adicionais de IVA objecto da presente acção arbitral.

14-         As correcções em causa tiveram, em suma, os seguintes fundamentos:

 

15-         As referidas correcções deram origem ao recálculo das declarações periódicas submetidas pelo Requerente com referência aos períodos de 2013 a 2015 e, subsequentemente, à emissão de liquidações adicionais de IVA relativamente aos períodos em que a Requerente se encontrou numa posição de pagamento.

16-         O Requerente solicitou reembolso de IVA no período de Outubro de 2016, no montante total de € 72.169,64, tendo no seguimento de informação/esclarecimentos adicionalmente prestados, sido notificado da demonstração de liquidação de IVA 2017..., que viria a resultar no pagamento do valor total do reembolso de IVA solicitado.

17-         Na sequência das conclusões dos SIT no âmbito do procedimento de inspecção aos anos de 2013 a 2015, o Requerente foi notificado para novo procedimento de inspecção externa ao período de Outubro de 2016, com o objectivo de reflectir o efeito das correcções de IVA efectuadas aos anos de 2013 a 2015 no período em apreço, tendo os SIT concluído que “relativamente ao valor de reporte dos períodos anteriores: verifica-se que o montante de correções apuradas a favor do Estado nas ações inspetivas, supera o montante de reporte de imposto de períodos anteriores”.

18-         Atendendo às correcções efectuadas pelos SIT a períodos de reporte anterior (i.e., 2013/12, 2014/12, 2015/12), as quais totalizam € 104.543,20, estes indeferiram totalmente o pedido de reembolso, visto que o montante em causa (€ 72.169,64) é inferior às correcções aos períodos anteriores, não se tendo considerado a posição em IVA do Requerente correcta – a qual, no entender dos SIT, acabaria por reflectir uma dedução em excesso na declaração periódica de IVA com referência a Outubro de 2016, num total de € 2.972,78.

19-         O Requerente contestou administrativamente os actos de liquidação objecto da presente acção arbitral, pelos seguintes meios:

i.             Reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos de Dezembro de 2013, Dezembro de 2014, Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016.

ii.            Reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos de Novembro de 2012 e de Dezembro de 2012.

iii.           Reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada contra a liquidação adicional de IVA referente ao período de Outubro de 2016.

iv.           Recurso Hierárquico n.º ...2018..., apresentado contra o indeferimento das reclamações graciosas acima referidas.

20-         O Recurso Hierárquico foi igualmente indeferido por despacho de 10/02/2020.

21-         Os Recursos Hierárquicos n.ºs ...2018... e ...2018... foram apensos ao Recurso Hierárquico aqui em apreço (...2018...), por pedido do então reclamante e aceite pelos Serviços da AT (DSIVA),

22-         O Requerente apresentou garantia bancária junto da AT com vista a suspender o processo de execução fiscal que foi instaurado, após ter sido ultrapassado o prazo voluntário de pagamento das liquidações aqui objecto da presente acção arbitral.

23-         O Requerente suportou despesas com a prestação da referida garantia, no montante de € 1.509,66.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

                No presente processo arbitral, cumpre apurar a legalidade das seguintes correcções operadas pela AT e contestadas pelo Requerente:

a)            exclusão do numerador do pro rata de IVA, das operações de redébito de consumos de eletricidade e águas refacturadas aos terceiros consumidores;

b)           redução do universo de inputs susceptível de recuperação no pro rata de IVA;

c)            inclusão no denominador dos outputs relacionados com impostos directos, reembolsos e restituições, transferências e subsídios obtidos.

Vejamos cada uma delas.

 

*

a)

                No que diz respeito à exclusão do numerador do pro rata de IVA, das operações de redébito de consumos de eletricidade e águas refacturadas aos terceiros consumidores, o Requerente reconhece imputou um conjunto de despesas a estas operações de forma directa e deduzido integralmente o IVA incorrido na aquisição de eletricidade e água, em nome próprio e por conta de terceiros, considerando, todavia, que o universo de custos que o Município imputa a estas operações não se esgota naquele conjunto de despesas directamente imputado, já que aquando da refaturação das despesas em causa, outros recursos comuns são consumidos, designadamente administrativos (por exemplo, consumíveis para emissão de faturas), cujo IVA incorrido é dedutível por pro rata, porquanto respeitam tanto a operações decorrentes da actividade do Município que conferem direito à dedução como a operações que não conferem tal direito.

                Mais alega o Requerente que no caso das operações de redébito, liquida e deduz o IVA subjacente a tal operação.

                A Requerida, por seu lado, entendeu, em suma, no RIT, que “no seu numerador as operações de redébito de consumos de eletricidade e água refaturadas aos terceiros consumidores que não constituem uma atividade do Município (...) – são mero redébito de consumos de terceiros (...) não constituindo um centro de gastos próprio do SP ou centro de consumo de recursos – portanto constituem operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica (...)”.

                Relativamente a esta matéria, afigura-se, de maneira clara, não ser de acolher a pretensão do Requerente.

                Efectivamente, o Requerente reconhece ter deduzido integralmente o IVA incorrido na aquisição de eletricidade e água, em nome próprio e por conta de terceiros, pretendendo, adicionalmente, que o valor de tais operações concorra para o numerador do pro rata, por as mesmas consumirem recursos mistos.

                Todavia, como a AT apontou, apenas poderá concorrer dessa forma o produto do exercício de uma actividade económica. Ora, o IVA redebitado, bem como o correspondente valor base, não têm, notoriamente, subjacente qualquer actividade económica do requerido.

                É certo que a prestação de serviços de redébito, poderá constituir em si uma actividade económica, se remunerada.

                A ser esse o caso, o Requerente deveria facturar autonomamente, ou autonomizar na factura, o valor dessa prestação de serviços, acrescendo-lhe IVA, valores esses que se somariam ao valor redebitado, sendo que apenas o primeiro daqueles seria susceptível de concorrer para o numerador do pro rata, dado ser a expressão económica da actividade de redébito, ao contrário dos valores redebitados, em si, que não correspondem, como bem concluiu a AT, a qualquer actividade económica.

                No caso, evidenciando-se que, conforme consta do RIT – e não foi contestado pelo Requerente – que este apenas procede ao simples redébito dos consumos de eletricidade e águas, não se remunerando por tal actividade, naturalmente que se terá concluir, como no RIT, que não é exercida, nesse campo, qualquer actividade económica, pelo que deverá, nesta parte, improceder o pedido arbitral.

 

*

b)

                No que diz respeito à redução do universo de inputs susceptível de recuperação no pro rata de IVA, o Requerente alega que que os inputs identificados pela AT não são afectos exclusivamente às actividades por aquela referidas (escolas, redes pluviais e de saneamento, bem como iluminação pública e manutenção de espaços verdes), sendo utilizados, simultaneamente e indiscriminadamente, em actividades que conferem direito à dedução e em operações que não conferem este direito, advindo daí a necessidade da inclusão destes inputs para efeitos do cálculo do pro rata, dada a impossibilidade de proceder à correcta discriminação de tais consumos em conformidade com a qualidade de informação contabilística de que dispõe.

                Para o Requerente, os consumos relativamente aos quais aplicou o pro rata consistem em despesas de carácter geral, porquanto se encontram indiscriminadamente associadas ao quadro geral de actividades do Município, razão pela qual deduziu o imposto incorrido com tais despesas por intermédio daquele método de dedução.

                Mais considera o Requerente que a AT não demonstrou o itinerário cognoscitivo que percorreu e que se materializou nos actos tributários cuja legalidade é contestada na presente sede.

                Começando por esta última questão, que não obstante a falta de invocação de fundamento legal, pode ser considerada a invocação de vício de falta de fundamentação, note-se que o Requerente demonstra ter percebido correctamente quais os motivos de facto e de direito que motivaram as correcções que contesta.

                Como se explica no Acórdão do TCA-Sul de 28-01-2021, proferido no processo 2790/10.3BELRS:

“1. O dever de fundamentação tem um alcance eminentemente prático – trata-se de saber se, com a informação prestada, um bonus pater familiae ficou em condições de conhecer o iter cognoscitivo seguido pela AT.

2. A questão é muito simples e resulta da resposta que se der à seguinte pergunta: com os elementos fornecidos pela AT o contribuinte pode efetuar uma opção consciente e esclarecida entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa?”.

                Ora, no caso será manifesto que o Requerente pode efectuar uma opção consciente e esclarecida entre a aceitação da legalidade do acto e a impugnação, pela qual optou.

                Efectivamente, o cerne da argumentação do Requerente, nesta matéria, está em que a AT não terá identificado quaisquer facturas cujo IVA foi por si corrigido, nem forneceu exemplos concretos, o que impossibilitaria o Requerente de conseguir demonstrar a sua defesa de forma eficaz, designadamente por não conhecer dos documentos que serviram de suporte às correcções efectuadas.

                Ora, tal alegação não tem qualquer sustentação, uma vez que, como o próprio Requerente reconhece, o AT enunciou as contas cujos valores registados estiveram na base das correcções ora em apreço, sendo que, naturalmente, o Requerente, como titular da contabilidade, conhece os documentos de suporte dos movimentos registados naquelas contas.

                No mais, e como o Requerente acaba por reconhecer, ao alegar que “cabe à AT o ónus de provar que os gastos incorridos e registados nas subcontas supra (e as demais referenciadas no relatório de inspeção tributária) respeitam a consumos cuja "(...) utilização, não tiveram como destino a realização de operações tributáveis em sede de IVA”,”, a questão decidenda reconduz-se à aplicação das regras do ónus da prova.

                Ora, como se explica no acórdão do TCA-Sul de 29-04-2021, proferido no processo 372/10.9BELLE:

“I. O exercício do direito à dedução em sede de IVA abrange o imposto suportado relativo aos atos preparatórios de uma atividade económica.

II. Cabe ao sujeito passivo provar que as condições para beneficiar dessa dedução estão preenchidas.”.

                Também no Ac. do TCA-Norte de 07-05-2020, proferido no processo 02077/15.5BEPRT, se julgou que “Recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do IVA.”.

                Também o STA tem entendido que:

“Foi ali convocado o entendimento segundo o qual, quando o ato de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.

Caberia, por isso, ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização os bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.” .

                Deste modo, e em suma, pretendendo o Requerente exercer o seu direito à dedução, competir-lhe-ia alegar e demonstrar os factos constitutivos do seu direito (art.º 74.º da LGT), designadamente, e no caso, que os consumos relativamente aos quais aplicou o pro rata, e que foram desconsiderados pela AT, consistem em despesas de carácter geral, porquanto se encontram indiscriminadamente associadas ao quadro geral de actividades do Município.

                No caso, isso não foi feito, tendo o Requerente se limitado a alegar que os consumos relativamente aos quais aplicou o pro rata, e que foram desconsiderados pela AT, consistem em despesas de carácter geral, porquanto se encontram indiscriminadamente associadas ao quadro geral de actividades do Município, mas não tendo produzido qualquer prova nesse sentido, não se poderá acolher a sua pretensão relativa ao exercício à dedução de imposto.

                Deverá, pelo exposto, improceder também nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

c)

                No que concerne à inclusão no denominador dos outputs relacionados com impostos directos, reembolsos e restituições, transferências e subsídios obtidos, alega o Requerente que as receitas referentes a impostos directos e outros proveitos e ganhos extraordinários não decorrem do exercício de uma actividade económica, não devendo, consequentemente, ser incluídos no denominador do cálculo do pro rata, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

                Para o Requerente, os montantes provenientes do Orçamento de Estado não correspondem a contraprestações destinadas a remunerar operações realizadas pelo Município, não podem ser enquadradas no conceito de actividade económica, pelo que não deverão ser incluídos no denominador para efeitos do cálculo do pro rata, em conformidade com o n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, não obstante a respectiva proporção ou medida de intensidade no conjunto geral de actividades desenvolvidas pelo sujeito passivo.

                Relativamente aos reembolsos e restituições (nos quais se incluem os juros de mora) entende o Requerente que os mesmos não são de incluir no cálculo do pro rata, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, porquanto estes proveitos não decorrem igualmente do exercício de uma actividade económica, por constituírem ganhos nos quais o Requerente não efectuou qualquer actividade ou esforço para a sua obtenção, não afectando recursos aos mesmos (pelo que não devem tais proveitos influenciar um cálculo que se aplicará à dedução de IVA de recursos não conexos com tais proveitos), o mesmo, para o Requerente, se aplicando aos valores respeitantes às transferências e subsídios obtidos, incluindo os que respeitam aos do Fundo de Equilíbrio Financeiro, porquanto aquelas receitas não correspondem à contraprestação de qualquer actividade por parte do Município, não correspondendo inerentemente a uma actividade económica.

                Nesta matéria, não se poderá concluir de outra forma, julga-se, que não assiste razão ao Requerente, não deixando de ser significativo que a própria Requerida, em sede arbitral, se absteve de contestar esta parte da pretensão daquele.

                De resto, os actos tributários objecto da presente acção arbitral, acabam por ser contraditórios nesta matéria (de resto, e inversamente, como as próprias pretensões correspectivas do Requerente), ao, como se viu no ponto anterior, excluir do numerador do pro rata inputs relacionados com actividades enquadráveis no exercício de poderes de autoridade (escolas, redes pluviais e de saneamento, bem como iluminação pública e manutenção de espaços verdes), e, ao mesmo tempo, incluir no denominador outputs que a própria AT reconhece como relacionados com actividades de natureza pública exercidas no âmbito de poderes de autoridade.

                Efectivamente, e como bem se explica no Pedido de Informação Vinculativa n.º 10101, datado de 21 de Junho de 2016 , o critério para inclusão de outputs no denominador do pro rata é o da sua conexão com o preço das operações tributáveis.

                Ora, estando em causa, como a própria AT reconhece, receitas relacionadas com actividades de natureza pública exercidas no âmbito de poderes de autoridade, naturalmente, e pelas mesmas razões pelas quais a própria AT procedeu à eliminação dos inputs com a mesma natureza do numerador do pro rata, não deverão aquelas concorrer para o cômputo do denominador do mesmo.

                Deverá, pelo exposto, proceder, nesta parte, o pedido arbitral.

 

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O Requerente formula ainda o pedido acessório de indemnização pela prestação de garantia bancária que apresentou indevidamente para suster o processo de execução fiscal.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito do pedido de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT].

Embora as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT utilizem a expressão declaração de ilegalidade, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, é entendimento pacífico e corrente que se enquadram nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que melhor se adequa com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, e onde se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade atrás reconhecida nos actos de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Tem, por isso, o Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, nos termos do artigo 53.º da LGT, tendo-se provado, até à data, encargos no montante de € 1.509,66.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular os seguintes actos tributários, bem como a decisão do Recurso Hierárquico n.º ...2018..., deduzido contra as Reclamações Graciosas nº ...2018..., ...2018... e ...2018..., que tiveram tais actos como objecto:

i.             liquidações adicionais de IVA n.º ..., referente a período de Dezembro de 2011, no valor de € 22.489,39 e n.º..., referente ao período de Dezembro de 2012, no valor € 37.787,09;

ii.            liquidações adicionais de IVA n.º..., referente ao período de Dezembro de 2013, no valor de € 27.288,11, n.º..., referente ao período de Dezembro de 2014, no valor de € 36.715,59, e n.º ..., referente ao período de Dezembro de 2015, no valor de € 40.539,50;

iii.           demonstração de liquidação de IVA n.º 2017..., referente ao período de Dezembro de 2015, cujo valor a pagar ascende a € 10.150,07, bem como as liquidações de juros n.º 2017..., referente a juros compensatórios do período de Dezembro de 2015, no valor de € 724,13;

iv.           demonstração de liquidação de IVA n.º 2017..., referente ao período de Outubro de 2016, que tem por efeito reduzir o crédito de imposto apurado naquele período para € 14.480,14, e subsequente demonstração de acerto de contas n.º 2017..., da qual resulta um acerto ao crédito apurado no valor de € 57.689,50;

v.            demonstração de liquidação de IVA n.º 2017..., referente ao mesmo período (Outubro de 2016), no qual se procede à correcção dos valores da correspondente Declaração Periódica, que resulta na redução do crédito de imposto para o montante de € 11.507,36 (onze mil, quinhentos e sete euros e trinta e seis cêntimos), e demonstração de acerto de contas n.º 2017..., da qual resulta uma liquidação adicional de IVA no valor de € 2.972,78;

na medida em que integram imposto decorrente das correcções que deteminaram a inclusão dos outputs relacionados com impostos directos, reembolsos e restituições, transferências e subsídios obtidos, no denominador do pro rata;

b)           Condenar a Requerida em indemnização por garantia indevida, nos termos acima indicados e no montante de € 1.509,66;

c)            Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral, absolvendo, nessa parte, a Requerida do pedido;

a)            Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 2.400,00, a cargo do Requerente, e de € 1.272,00, a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 168.516,59, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o montante de € 2.400,00, a cargo do Requerente, e de € 1.272,00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de Novembro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Maria do Rosário Anjos)

 

O Árbitro Vogal

(Marisa Isabel Almeida Araújo)