DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 10 de Dezembro de 2020, a sociedade A...- UNIPESSOAL, LDA. apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), para impugnação das liquidações de IRC referentes aos períodos de 2016 e 2017, com os números, respectivamente, 2019... - de 16/10/2019 - e 2019... - de 20/11/2019 - e respectivas demonstrações de liquidação de juros e acerto de contas, estas efectuadas pela Exma. Senhora Directora Geral da AT, no valor, respectivamente, de € 8.559,87 e de € 34.692,88.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.
3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1. Vem o presente pedido de pronúncia arbitral da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela ora Requerente, quanto às liquidações de IRC referentes aos períodos de 2016 e 2017, com os números, respectivamente, 2019... - de 16/10/2019 - e 2019... - de 20/11/2019 - e respectivas demonstrações de liquidação de juros e acerto de contas, no valor, respectivamente, de € 6.175,33 e de € 34.692,88.
4.2. De tal decisão a Requerente foi notificada em 11/09/2020, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 39º do CPPT, donde o presente pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
4.3. Constitui assim objecto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Requerente, onde a AT se pronuncia expressamente quanto à legalidade das liquidações reclamadas, objecto mediato, as próprias liquidações, cuja anulação, a final, aqui igualmente se requer.
4.4. No relatório de inspecção tributária, a AT conclui pela correcção da matéria tributável em IRC do ano 2016 e 2017, nos termos que melhor quantifica no Capítulo I do RIT, sob o título Conclusões da Acção Inspectiva.
4.5. Essas correcções prendem-se exclusivamente com gastos não aceites fiscalmente e cujo resumo se encontra no final do número III.2 do Relatório de Inspecção.
4.6. Quanto aos fundamentos e discriminação completa de tais correcções, os mesmos encontram-se no capítulo III e, no essencial, quanto ao ano de 2016, nos números 2.1.1. a 2.1.9. e, quanto ao ano de 2017, nos números 2.2.1 a 2.2.16.
4.7. Uma análise detalhada sobre os fundamentos das correcções efectuadas pela AT permite-nos verificar que, com excepção das correcções intituladas gastos sem suporte documental – 2.1.4. e 2.2.4. -, donativos – 2.1.6. e 2.2.6. embora com manifesta confusão, contradição até, na respectiva fundamentação - e gastos com obras – 2.2.10., todas as demais correcções têm por fundamento único e exclusivo a falta de demonstração de que tais gastos foram para garantir rendimento sujeitos a IRC de acordo com o artigo 23.º do CIRC, pelo que não são aceites fiscalmente.
4.8. Não se conformando com as correcções efectuadas pela AT, nos termos da fundamentação constante do RIT, a Requerente deduziu reclamação, que veio a ser totalmente indeferida, tendo a AT se limitado, quanto a todos os pontos, a enunciar, transcrevendo literalmente, os fundamentos do RIT, concluindo invariavelmente com a repetição textual das conclusões do RIT, sem uma efectiva apreciação dos fundamentos deduzidos pelo SP, que ignorou absolutamente.
4.9. Pelo que, ao omitir a apreciação dos fundamentos de facto e de direito aduzidos pelo SP, a AT não cumpriu sequer com o seu dever de fundamentação formal da decisão de indeferimento daquela reclamação.
4.10. À face da redacção do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, a dedutibilidade de gastos não depende da indispensabilidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, bastando que os gastos tenham sido suportados no interesse da empresa, nem da existência de uma relação de causalidade directa entre os gastos e ganhos, como exigiu a AT.
4.11. Para além disso, decorre do artigo 74.º da LGT que é sobre a AT que recai o ónus de suscitar e comprovar a dispensabilidade de um custo visado, em ordem a exercer o seu direito de corrigir as pretendidas deduções dos montantes respectivos a título de custos fiscais.
4.12. Incumbindo, por isso, à AT o ónus de alegar factos concretos, suficientes para admitir uma dúvida razoável e legítima sobre o enquadramento da despesa no escopo societário, o que não pode fazer sem realizar todas as diligências necessárias, em respeito pelo princípio do inquisitório e da verdade material, que preside à sua actuação.
4.13. Ora, do RIT, e por maioria de razão da decisão de indeferimento da decisão graciosa, não consta a fundamentação factual suficiente que admita as correcções efectuadas, porquanto os factos relatados são em si mesmos absolutamente insuficientes para suscitar a dúvida da relação dos gastos com a actividade da sociedade.
4.14. Mais, se algo resulta dos (poucos) factos relatados pela AT é que tais despesas se enquadram, necessariamente, na actividade da sociedade, questionando-se tão-só o respectivo mérito.
4.15. Em relação às rendas, a AT fundamenta a correcção proposta com a falta de demonstração de que os gastos incorridos com rendas do imóvel sito na Rua ... n.º ..., em Angra do Heroísmo foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC, invocando como fundamentos (i) a análise feita no ponto 2, do número II.3.12. do RIT, (ii) as declarações da sócia-gerente e (iii) a ausência de contrato.
4.16. Não obstante a aparência de um conjunto de fundamentos, trata-se em rigor de um único e o mesmo fundamento de facto – ausência de contrato – absolutamente insuficiente e inadequado para justificar as correcções nos termos e com os fundamentos com que o faz a AT no RIT.
4.17. Ora, a Requerente explicou, no quadro das questões que lhe foram remetidas pela AT, que o imóvel arrendado se destinava à pernoita dos seus funcionários, alguns dos quais, como reconhece a AT, não residiam nos Açores, não obstante ali se deslocassem todas as semanas.
4.18. A Requerente desenvolve a sua actividade a partir do escritório da empresa em Segadães, Aveiro, mas tem a maioria dos seus clientes nos Açores, onde os seus funcionários e representantes se deslocam com frequência semanal, pelo que, tendo necessariamente de pernoitar, fizeram-no naquelas instalações, sendo assim notória a relação de tal gasto com a actividade da Requerente.
4.19. Soçobra assim necessariamente a pretensão da AT de não aceitação de tais gastos para efeitos fiscais, havendo manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito que enformam as correcções nos termos e com os fundamentos constantes do RIT.
4.20. Em relação às refeições, ao longo do procedimento inspectivo a AT notificou o SP para identificar, de entre os gastos com refeições, aqueles que se integravam no âmbito da actividade e os que não tinham tal conexão, o que o SP fez enviando "quadro com as despesas identificadas no ofício que foram realizadas por funcionários, realizadas no âmbito e decurso normal da actividade da sociedade e como tal essenciais para garantir ou obter os rendimentos sujeitos a IRC. Quanto às demais, e pela profusão de documentos cuja descrição não é absolutamente clara, não foi ainda possível identificar e estabelecer uma relação directa e estabelecer um nexo causal com a actividade, mas conta-se poder fazê-lo no decurso do procedimento inspectivo".
4.21. Foi com manifesta surpresa que a Requerente foi notificada do PRIT, onde não obstante os esclarecimentos prestados e a ausência de dúvidas quanto a tais esclarecimentos, a AT considerou (praticamente todas!!) as despesas com refeições como não tendo conexão com a actividade do SP e como tal não as aceitou como gasto fiscal.
4.22. A AT fundamentou as correcções afirmando que muitas das refeições ocorreram na zona de Águeda, outras em Lisboa, Porto Salvo e Caparica, enquanto a maior parte dos clientes reside nos Açores, mas a verdade é que o SP tem sede em ..., assim como muitos dos seus funcionários, e se deslocam aos Açores a partir do Porto e Lisboa, sendo assim razoável que façam refeições nesses locais, como ocorreu, com periodicidade pelo menos semanal, nomeadamente pelos seus funcionários B..., C... e D... .
4.23. Relativamente às correcções com gastos incorrido com ofertas de viagens e rappel nos montantes de € 9.775,00 em 2016 e € 20.938,50 e € 28.750,00 para o ano de 2017, ao E..., gastos relacionados com ofertas de viagens, descontos ou rappel são gastos que têm indiscutível e estreita relação com o núcleo essencial da actividade da Requerente e, indiscutivelmente, são incorridos para garantir rendimentos sujeitos a IRC.
4.24. A AT pretende a não aceitação desses gastos, invocando que não existe qualquer documento, um contrato, um mail ou outro, entre a empresa e o E..., que especifique as condições a cumprir pelo cliente para usufruir das ofertas e do rappel, é efectuado um tratamento diferenciado dos clientes, e existe um email interno da empresa, trocado entre a gerente e o funcionário responsável pelas vendas, com as condições e valores referentes às ofertas de viagens e rappel para o cliente E... .
4.25. Só que tal não constitui fundamento para a não aceitação dos custos, uma vez que as condições podem diferir de cliente para cliente, em função da capacidade negocial, do momento e circunstâncias da negociação entre fornecedor e cliente, do volume de vendas e peso do cliente em relação ao volume de negócios da Requerente.
4.26. A AT não tem legitimidade para sindicar, sem mais, as diferentes condições comerciais estabelecidas entre diferentes entidades (a menos que o fizesse no quadro do regime dos preços de transferência, cujos pressupostos, é notório, in casu não se verificam), sempre que tal diferenciação se encontra suficientemente justificada.
4.27. Improcedem, por isso, as correções efectuadas, devendo anular as liquidações impugnadas, nesta parte.
4.28. No que respeita às comissões, a AT corrigiu o valor de € 5.000,00, pago a título de comissões à sociedade G..., Unipessoal, Lda. no ano de 2017, invocando que a mesma não declara como actividade principal e secundária a prestação de serviços de comissionista, que o seu sócio é o pai do ex-marido da sócia gerente do SP, e que a AT notificou algumas das empresas objecto da angariação por parte da G... para indicarem o nome da pessoa com quem habitualmente contactam na aquisição de viagens, tendo recebido respostas do Município de ... e do ..., tendo ambos indicado como contacto o Sr. B..., não fazendo qualquer referência à empresa G... .
4.29. Ora, é indiscutível que gastos relacionados com comissões de angariação de clientes e serviços são gastos que têm indiscutível e estreita relação com o núcleo essencial da actividade da Requerente e, indiscutivelmente, são incorridos para garantir rendimentos sujeitos a IRC, sendo que o sócio único e gerente da sociedade G..., em 2016 e 2017, era B... .
4.30. E a circunstância de a Requerente ter funcionários dedicados às vendas não impede que tenha outros canais ou fontes de angariação
4.31. Pelo que, nesta parte, o acto tributário é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito ou, quando assim não se entender, por manifesta falta de fundamentação.
4.32. Relativamente aos donativos, considerou a AT não se ter demonstrado que os donativos de € 5.500 feitos ao E... em 2017 o sejam efectivamente, uma vez que a Requerente alegou que eram realizados para manutenção das relações comerciais e o E... não cumpre os requisitos para ser beneficiário de donativos nem os declarou.
4.33. Só que o E... é uma associação sem fins lucrativos dotada do estatuto de utilidade pública, cujo objecto é o fomento e a prática de actividade desportivas e não participa em competições desportivas de natureza profissional, pelo que cumpre os requisitos do art. 62º, nº6 e) do EBF.
4.34. E o art. 61º do EBF apenas afasta a qualificação como donativos no caso de haver contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, o que neste caso não ocorre.
4.35. Quanto à falta de cumprimento das obrigações declarativas por parte do E..., naturalmente que se trata de questão a que a Requerente é alheia e pela qual jamais pode ser penalizada ou onerada.
4.36. Quanto aos gastos com a reparação de viaturas e obras, no montante de € 4.742,19, considerou a AT não ter sido demonstrado que os mesmos foram incorridos para garantir os rendimentos sujeitos a IRC, uma vez que as despesas com a viatura ocorreram em data anterior e a substituição de pneus não se justificava.
4.37. No entanto, embora a data do registo seja de 05/05/2017, a verdade é que o SP a adquiriu antes, ainda em Abril, só tendo apresentado o requerimento de registo na referida data, uma vez que dispunha de um prazo de 60 dias para a ele proceder.
4.38. E a substituição de pneus não decorre apenas de desgaste, mas também de furos, e, tendo tal substituição ocorrido em viatura de que o SP era proprietário e que utilizava na sua actividade, é manifesto que os fundamentos das correcções soçobram necessariamente.
4.39. Quanto aos gastos com roupas desportivas, no montante de € 4.553,31, considerou a AT não se ter comprovado que os mesmos estão relacionados com publicidade prestada pelo E..., pelo que não os aceitou fiscalmente.
4.40. Considera, no entanto, o Requerente ter efectuado essa prova através da estampagem nos referidos equipamentos do logótipo e marca comercial do Requerente "H...", a qual foi demonstrada através de fotografias.
4.41. Relativamente aos gastos com móveis e decoração, no montante de € 3.560,74, os mesmos abrangem móveis adquiridos nos meses de Agosto e Setembro na Praia da ..., piscina e cobertura, marcadores de mesa, não podendo estar relacionados com a actividade, sendo que o seu escritório só abriu ao público em Janeiro de 2018.
4.42. A Requerente considera, porém, que previamente à abertura do estabelecimento foi necessário realizar obras, mobilar e preparar a sua abertura, o que demorou alguns meses, fruto também da necessidade e maior de dificuldade de transporte de materiais do continente para a região autónoma, não havendo, por isso razão para não serem aceites esses custos.
4.43. Relativamente às obras em edifício alheio, no montante de € 16.472,92, considera a AT que, em virtude do princípio da especialização dos exercícios, tais gastos não são de aceitar num único período, devendo ser capitalizado e depreciado durante o período de utilidade esperada.
4.44. Considera, no entanto, a Requerente que a rigidez do princípio da especialização de exercícios tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa situação de injustiça não justificada para o administrado.
4.45. Não havendo igualmente indícios de intenção deliberada de fraude ou de abuso na contabilização feita pela Requerente dos gastos objecto de correcção, impõe-se concluir, aqui com ali, pela anulabilidade dos actos tributários correctivos, com fundamento em vício de violação de lei, designadamente do princípio da justiça ínsito nos artigos 266.º, n.º2 da CRP e 55.º da LGT.
4.46. A Requerente foi notificada da liquidação do IRC do ano de 2016, no valor de € 8.559,27, que pagou.
4.47. Quanto à liquidação de IRC do ano de 2017, a Requerente foi citada para o respectivo processo de execução fiscal, no valor de € 35.014,32, tendo requerido o pagamento em prestações, que foi deferido.
4.48. No referido PEF, a que corresponde o n.º ...2020..., pagou, até à presente data, 7 prestações, no valor total de € 6.821,26.
4.49. Nos termos do disposto no artigo 53º. da LGT, a Requerente tem direito a indemnização pela prestação da garantida indevida, correspondente ao valor dos prejuízos resultantes com a respectiva prestação.
4.50. Em consequência, a Requerente solicita que seja declarada nula ou pelo menos anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que constitui objecto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral, e, em consequência, sejam declaradas nulas ou pelo menos anuladas as liquidações de IRC e respectivas de liquidações de juros compensatórios, que constituem objecto mediato do presente pedido de pronúncia arbitral, tudo assim com as legais consequências, incluindo o reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios, bem como indemnização pela prestação da garantida indevida.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
5.1. A Requerente é uma sociedade por quotas, a qual exerce as seguintes atividades, estando enquadrada no regime normal trimestral de IVA e no regime geral de IRC aos presentes autos.
5.2. Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI2018... e OI2018..., datadas de 11/3/2019, da Direcção de Finanças de Aveiro, a Requerente foi sujeita a procedimento de inspecção externa de âmbito parcial em sede de IRC e de IVA, com referência aos exercícios de 2016 e 2017, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
5.3. O qual teve como fundamento informação remetida pela Direcção de Finanças de Angra do Heroísmo – 102-15, na sequência de procedimento inspectivo efectuado ao sujeito passivo E... (E...), NIF ... (vide pontos II.1, II.2 e II.3.7 do relatório de inspecção).
5.4. Os Serviços de Inspecção Tributária (SIT), a partir da consulta e análise dos valores declarados para os exercícios de 2016 e 2017, em relação a algumas rubricas contabilísticas, elaboraram mapas das demonstrações de resultados, dos apuramentos do lucro tributável e balanço (vide ponto II.3.5 do relatório de inspecção).
5.5 Verificou-se que os valores declarados de fornecimentos e serviços externos eram muito elevados, dado que incluíam os gastos com as passagens aéreas que a requerente adquiriu para vender (conta SNC 625110 – Deslocações e Estadas – MN – Isento de IVA).
5.6. Por outro lado, nos FSE, essencialmente na conta SNC 625114 - Deslocações e Estadas- MN- c/ IVA Não Dedutível, contabilizaram-se valores elevados de gastos suportados que não foram para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
5.7. Os outros gastos e perdas respeitavam a donativos e publicidade de clubes desportivos. O benefício fiscal no ano de 2017 respeitava a donativos.
5.8. O saldo de clientes era elevado e respeitava no ano de 2016 essencialmente aos clubes E... e I... e no ano de 2017 aos clubes E..., I... e J... .
5.9. O saldo credor das outras contas a pagar era elevado e respeitava na sua maior parte à conta da sócia, conta SNC 26801 – K... .
5.10. Analisada a contabilidade da requerente, os Serviços de Inspeção Tributária verificaram que a requerente efetuou lançamentos que correspondiam à soma de vários documentos de suporte, que respeitavam a gastos diferentes, sem qualquer relação entre eles (vide ponto II.3.6 do relatório de inspecção).
5.11. A Requerente registou na conta SNC 625114 – Deslocações e Estadas, almoços, gasóleo, gasolina, estacionamentos, portagens, rent-a-car, alojamentos, bilhetes de comboio, táxis, rendas, férias, transportes marítimos, sem qualquer separação de gastos por subcontas.
5.12. A Requerente declarou gastos de € 14.852,57 e € 70.580,07, respetivamente nos anos de 2016 e 2017.
5.13. A acção inspectiva foi realizada na sequência da informação remetida pela Direção de Finanças de Angra do Heroísmo em Agosto de 2018, após procedimento inspectivo efetuado ao sujeito passivo E... (E...), NIF ... (vide ponto II.3.7 do relatório de inspeção).
5.14. Apesar de ter a sua sede em Aveiro, a Requerente, enquanto agência de viagens, tinha como principais clientes grupos da Região Autónoma dos Açores, sendo o seu público alvo maioritariamente beneficiário do subsídio social de mobilidade, ao abrigo do consignado no Decreto-Lei n.º 41/2015, de 24 de março e alínea a) do artigo 2º da Portaria n.º 95-A/2015.
5.15. A requerente foi notificada para apresentação de elementos/esclarecimentos, no que respeita a: relação das viagens efetuadas pelos funcionários; contratos de arrendamento; contrato de trabalho dos funcionários; despesas de deslocações e estadas; lançamentos efetuados; junção dos documentos de suporte dos gastos contabilizados nas contas SNC 625114, 625110, e 626814, do período de 2017, em relação aos que não existem documentos de suporte arquivados; lançamentos contabilizados na conta SNC 717110-Devoluções de Vendas, com a descrição de ofertas de viagens e rappel ao clube E..., nos montantes de 9.775,00 € (relativas a deslocações de 2016), 20.938,50 € (rappel época 2016/2017) e 28.750,00 € (relativas a deslocações de 2017); gastos contabilizados na conta SNC 6882 – Donativos, efetuados ao E... no período de 2016, ao E..., aos ... e F... no período de 2017; gastos contabilizados nas contas SNC 6225124 – Comissões, 623114 – Ferramentas e Utensílios, 623314 – Material de escritório, 622614 – Conservação e reparação; extratos de conta bancários dos períodos de 2016 e 2017, a partir dos quais os Serviços de Inspeção Tributária verificaram a existências de várias entradas e saídas de dinheiro da conta bancária que eram provenientes e que destinavam respectivamente à conta bancária da empresa L..., Lda., cuja sócia gerente da requerente é também gerente.
5.16. Os Serviços de Inspecção Tributária solicitaram que procedesse à justificação daquelas situações e da sua relação com a formação do rendimento sujeito a IRC, atento o consignado no n.º 1, artigo 23.º do CIRC (vide ponto II.3.12. do relatório de inspecção).
5.17. Pese embora tenha a Requerente apresentado resposta, não demostrou que os gastos incorridos foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC de acordo com o artigo 23º do CIRC, nomeadamente, quanto aos períodos de tributação de 2016 (vide ponto III.2.1 do relatório de inspeção) e 2017 (vide ponto III.2.2 do relatório de inspeção) no que respeita a gastos com rendas (vide pontos III.2.1.1 e III.2.2.1 do relatório de inspeção), refeições (vide ponto III.2.1.2 e III.2.2.2 do relatório de inspeção), alojamentos (vide ponto III.2.1.3 e III.2.2.3 do relatório de inspeção), gastos sem suporte documental (vide pontos III.2.1.4 e III.2.2.4.do relatório de inspecção), gastos com ofertas de viagens (vide pontos III.2.1.5 e III.2.2.5.do relatório de inspecção), e “rappel” (vide ponto III.2.2.5 do relatório de inspeção), donativos (vide pontos III.2.1.6 e III.2.2.6 do relatório de inspecção), gasóleo, gasolina e portagens (vide pontos III.2.1.7 e III.2.2.11 do relatório de inspeção), transporte de atletas (vide pontos III.2.1.8 e III.2.2.12 do relatório de inspecção), roupas desportivas e acessórios (vide pontos III.2.1.9 e III.2.2.15 do relatório de inspecção), comissões (vide ponto III.2.2.7 do relatório de inspeção), móveis e decoração – conta SNC 623314 – material de escritório (vide ponto III.2.2.8 do relatório de inspeção), reparação viaturas e obras – conta SNC 622614 – Conservação e Reparação (vide ponto III.2.2.9 do relatório de inspecção), obras (vide ponto III.2.2.10 do relatório de inspecção), gastos pessoais com férias (vide ponto III.2.2.13 do relatório de inspecção), gastos pessoais com viagem à Alemanha (vide ponto III.2.2.14 do relatório de inspecção).
5.18. Não obstante a Requerente ter sido notificada para o efeito, não apresentou os documentos de suporte em falta, concluindo os Serviços de Inspeção Tributária pela existência de despesas não documentadas tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, de acordo com n.º 1 do artigo 88º do CIRC, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A, sendo o valor da tributação autónoma de € 96,43 e de € 1.074,98 nos períodos de 2016 e 2017, respectivamente (vide ponto III.3 do relatório de inspecção).
5.19. Assim, os Serviços de Inspeção Tributária concluíram pela desconsideração dos valores em questão como gastos aceites fiscalmente, por não terem cumprido, quer os pressupostos para a sua aceitação, contrariando o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, ou seja, a comprovação da necessidade do gasto, para garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
5.20. Foram propostas correcções em sede de IRC, nos valores de € 39.534,51 e de € 140.613,11 nos exercícios de 2016 e 2017, respetivamente (vide pontos I e III.2.2.16. do relatório de inspeção).
5.21. Pelo ofício nº..., de 2019-08-30 a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto de conclusões do relatório de inspecção, tendo sido exercido tal direito em 2019-10-01.
5.22. A requerente foi notificada, nos termos do art.º 62º do RCPIT, do relatório de inspeção, do qual resultou a seguinte determinação do lucro tributável de IRC, para os exercícios de 2016 e 2017, conforme quadro infra (vide pontos I e III.2.2.16 do relatório de inspeção):
5.23. Assim, foram emitidas as liquidações ora impugnadas.
5.24. Inconformada, a Requerente apresentou reclamação graciosa a qual foi instaurada sob o n.º ...2020... e que por despacho de 2020-09-04 foi indeferida nos termos e com os fundamentos que aqui se consideram reproduzidos.
5.25. Em causa nos presentes autos, discute-se portanto a dedutibilidade de gastos apresentados pela Requerente e não aceites fiscalmente pela entidade Requerida, com fundamento no artigo 23.º do Código do IRC.
5.26. Nos termos desta norma, os gastos têm de respeitar dois princípios: a) encontrarem-se devidamente documentados (nos termos dos n.º 3, 4 e 6 do art.º 23 .º do CIRC na redação de 2014), tendo no entanto presente que nem todos os gastos têm de estar suportados atendendo à sua própria natureza (exemplos: gastos com as depreciações e amortizações dos ativos não correntes em que existirá apenas documentação de origem interna, gastos com remunerações tituladas pelos próprios documentos relativos ao processamento dos vencimentos, entre outros); b) que sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
5.27. Sobre a temática da indispensabilidade dos gastos, sempre se dirá que, sendo certo que a administração fiscal não se deve intrometer na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, não se pode aceitar que esse princípio possa impedir a administração fiscal de questionar fundadamente a indispensabilidade de um determinado custo ou gasto, à luz do direito fiscal vigente.
5.28. A relevância fiscal de um gasto depende da prova da sua necessidade, adequação. normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.
5.29. No que se refere aos gastos com rendas, nos períodos de tributação de 2016 e 2017, relativas ao imóvel sito na Rua ... n.º..., Angra do Heroísmo, segundo declarações da sócia gerente, o sujeito passivo não tinha qualquer imóvel arrendado no ano de 2016, nem apresentou qualquer contrato de arrendamento do mesmo após ter sido notificado, e relativamente ao período de tributação de 2017, de acordo com declarações da sócia gerente, a Requerente arrendou um escritório, em Maio, sito na Rua ..., sendo que, em sede de reclamação graciosa não juntou qualquer contrato nem se pronunciou sobre ele, tendo, por esta razão as correções em relação aos gastos com rendas nos montantes de € 1.050,00 e € 910,00, nos anos de 2016 e 2017, respetivamente, sido mantidas.
5.30. No que se refere aos gastos com refeições o sujeito passivo não demonstrou que, nos períodos de tributação de 2016 e 2017, os mesmos foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC já que, conforme consta do Relatório de Inspecção, “… analisando os documentos, verificamos que a maior parte respeita a gastos na zona de Águeda, muitas vezes os mesmos restaurantes, muitos jantares, muitos almoços ao domingo e feriados, incluindo compras de bolos de aniversário e outros, leitões assados e a maior parte efetuados em datas coincidentes com épocas festivas e domingos”
5.31. “Além disso existem documentos emitidos em nome do E... mas com o número de contribuinte do S.P. A... . Os gastos em causa são uma amálgama de gastos pessoais e gastos dos clientes (clubes) que foram contabilizados como gastos fiscais do S.P., sendo que a própria sócia gerente reconhece, em sede de procedimento de inspeção, que a sociedade suportou gastos relacionados com jogadores e dirigentes do E... que não estão relacionados com a atividade desenvolvida pela sociedade".
5.32. Em sede de reclamação graciosa a sociedade “… não identificou os funcionários, nem justificou quais os motivos dessas deslocações, nem juntou quaisquer documentos comprovativos” e particularmente em relação às refeições “… não justificou, nem demonstrou que os gastos incorridos ou suportados foram para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC…”, o que determinou que as correcções efectuadas em sede inspetiva se tivessem mantido nos montantes de € 5.579,03 e € 12.259,90, respetivamente, nos exercícios de 2016 e 2017.
5.33. No que se refere aos gastos com ofertas de viagens e rappel, a Requerente não demonstrou que, nos períodos de tributação de 2016 e 2017, os mesmos foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC, uma vez que da que análise aos documentos de suporte dos lançamentos contabilizados na conta SNC 717110 - Devolução de vendas, com a descrição de ofertas de viagens e rappel ao clube E..., os SIT concluíram que o sujeito passivo não junta qualquer documento, seja um contrato, um mail, ou outro, que especifique as condições a cumprir pelo cliente para usufruir das ofertas e do rappel.
5.34. Após notificado para o efeito, a Requerente “…menciona que é prática habitual… a oferta de viagens pontuais e sem expressão relevante face ao volume de negócios e para confirmar estas afirmações, apenas anexou e-mails trocados entre a sócia gerente e o seu ex-marido B..., onde é referido que “a cada 10 viagens 1 viagem de oferta”, pelo que no ano de 2016, faturaram 167 viagens e ofereceram 17 viagens.
5.35. Relativamente ao período de tributação de 2017 a justificação do sujeito passivo para os lançamentos efetuados na conta SNC 717110 – Devolução de vendas, com a descrição de ofertas de viagens e rappel ao clube E... é semelhante, juntando os e-mails trocados entre a sócia gerente e o seu ex-marido B..., trabalhador do sujeito passivo, onde é referido: “caso atinjam as 300 viagens oferecemos 20; caso atinjam as 400 viagens oferecemos 35, caso atinjam as 500 viagens oferecemos 50”, pelo que no ano de 2017, faturaram 559 viagens e ofereceram 50 viagens”.
5.36. No que respeita ao rappel época 2016/2017, a sócia gerente escreveu manualmente no email apresentado que “não aceita as condições mencionadas” e escreve novas condições, acrescentando que “receberam um email do cliente a pedir 20.938,50 € e que foi o que fizeram”, no entanto não apresentam este email”.
5.37. Os proveitos da Requerente estão suportados em facturas, emitidas aos seus clientes, e nomeadamente os proveitos relacionados com a venda de viagens, seria, pois, natural que, qualquer desconto aos clientes, quer sob a forma de rappel quer sob a forma de oferta de viagens, tivesse como documento de suporte uma nota de crédito, mas tal não se verificou, e estes valores, contabilizados como devolução de vendas, não têm qualquer documento de suporte, o que implica terem tido como efeito a redução dos proveitos da Requerente e nenhum efeito na contabilidade dos seus clientes.
5.38. Em matéria de gastos com comissões, o sujeito passivo não demonstrou que os gastos incorridos com comissões, no montante de € 5.000,00, no exercício de 2017, foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
5.39. Da análise aos documentos de suporte os SIT referem que o sujeito passivo se limitou a anexar um email trocado com a entidade a quem diz ter pago comissões, detalhando o seu cálculo numa folha em branco e que a entidade em questão, G..., Lda., NIF..., com sede em ..., Aveiro, declara como atividade principal CAE 46390 – Com. por Grosso não Especificado Produtos Alimentares, Bebidas e Tabaco e como atividade secundária CAE 46732 – Com. Grosso Mat. Construção e Equip. Sanitário, não sendo assim um prestador de serviços que que se dedica a angariar clientes no Arquipélago dos Açores (comissionista), sendo que o sócio gerente desta sociedade é pai do ex-marido da sócia gerente das A..., e funcionário desta.
5.40. Para além disso, a Requerente não exibiu nenhum contrato firmado com a G..., nem apresenta qualquer documento desta empresa que demonstre quais os clientes angariados e quando ocorreu essa angariação. O email apresentado apenas contém as condições acordadas e trata-se de fotocópia, sendo que o email original não foi apresentado.
5.41. Os Serviços de Inspeção Tributária notificaram os clientes com sede nas ilhas para indicar o nome da pessoa com quem habitualmente contatam na aquisição de bilhetes de viagens, tendo apenas respondido à notificação o Município da ... e o Clube ..., tendo ambos indicado como contato o Sr. B..., e não a empresa ou alguém da empresa G... .
5.42. Não pode aceitar-se a dedução de gastos tendo como documento de suporte cópia de um suposto e-mail trocado com a entidade a quem diz ter pago comissões, ainda para mais quando não identifica os rendimentos associados a tais comissões e o “prestador do serviço” declara como objeto social uma atividade que nada tem a ver com angariação de clientes.
5.43. Relativamente aos gastos com donativos, o relatório de inspecção refere que o sujeito passivo contabilizou como donativos os montantes de € 10.000,00 e € 5.500,00, nos exercícios de 2016 e 2017, respectivamente, os quais foram efectuados ao E... e contabilizados como pagos a dinheiro, referindo os SIT que o sujeito passivo juntou cópias dos documentos de suporte tendo mencionando que tal prática é essencial para a manutenção das relações comerciais.
5.44. Observam ainda que nos documentos de suporte está omisso o enquadramento da entidade beneficiária (E...) para efeitos do artigo 62.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), desconhecendo-se se esta entidade obteve junto do membro do Governo da tutela o reconhecimento da atividade prosseguida, condição necessária, entre outras, para que os donativos possam ser deduzidos para efeitos da determinação do lucro tributável.
5.45. Concluem os SIT que os donativos em causa não preenchem as condições previstas no EBF para que a sua dedução possa ser aceite para efeitos fiscais, pelas razões já expostas em relação à entidade beneficiária, mas também porque, nos termos do artigo 61.º do EBF, é condição que os donativos sejam concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, situação que não se verifica, pois a própria sócia gerente reconhece que “… tal prática além de comum é essencial para a manutenção das relações comerciais”.
5.46. A dedução para efeitos fiscais dos donativos concedidos deve observar, nomeadamente, as condições previstas nos artigos 61.º do EBF, situação que não parece verificar-se no presente caso já que o beneficiário dos donativos é tão só um dos principais clientes da Requerente, o que afasta a condição de o donativo ser concedido sem contrapartidas.
5.47. Acresce que a entidade beneficiária também não observou as obrigações acessórias a que estava obrigada nos termos do artigo 66.º do EBF, nomeadamente a obrigação de entregar à Autoridade Tributária uma declaração referente aos donativos recebidos.
5.48. E a Requerente apesar de juntar como elementos de prova os dois documentos emitidos pela entidade beneficiária, E..., comprovativos dos montantes recebidos, respectivamente € 10.000,00 para o exercício de 2016 e € 5.500,00 para o exercício de 2016, não fez prova de que o donativo foi efetuado através de meio de pagamento que permita a identificação do mecenas, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto, como impõe o n.º 3 do artigo 66.º do EBF.
5.49. Relativamente aos gastos com reparação de viaturas e obras, segundo o relatório de inspecção o sujeito passivo não demonstrou que os gastos incorridos com reparação de viaturas e obras, no montante de € 4.742,19, no exercício de 2017, foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
5.50. Da análise aos documentos de suporte os SIT referem que o sujeito passivo “… só tem uma viatura a partir de maio de 2017, matrícula ..., no entanto contabilizou gastos com manutenção de viaturas com datas anteriores e para além disso tem três faturas de gastos com pneus no mesmo ano” e “em relação a outros gastos, nomeadamente, tintas, obras, cama e colchão adquiridos nos meses de Março e Outubro na Praia ... o S.P. não demonstrou que foram incorridos para garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
5.51. Em sede de audição prévia, perante as faturas de revisão e reparação do veículo, apresentados pelo sujeito passivo, os SIT observam que: “…umas têm data anterior a maio de 2017 e outras apesar da data ser posterior pode-se comprovar o que foi mencionado neste relatório da existência de 3 faturas de aquisição de pneus, para uma só viatura adquirida em maio. Além disso, analisando as faturas, verificamos através da descrição dos pneus, que falamos de viaturas diferentes uma vez que as dimensões são diferentes (por exemplo: pneu novo 195/70R 15 C e pneu novo 255/35R20 ...)".
5.52. A Requerente não deu qualquer justificação para os factos relatados em sede de procedimento de inspeção, nomeadamente a compra de diferentes pneus para a mesma viatura ou o registo de despesas com viatura matriculada em nome de outra empresa.
5.53. Relativamente aos gastos com roupas desportivas e acessórios, segundo o relatório de inspecção a Requerente não demonstrou que os gastos incorridos com roupas e acessórios desportivos, no montante de € 5.347,43 e € 4.553,31, nos exercícios de 2016 e 2017, respetivamente, foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
5.54. Referem os SIT que a sócia gerente, questionada sobre o destino dessas roupas e acessórios, respondeu que as mesmas se destinaram ao E..., tendo enviado 3 fotografias de jogadores de ... do E... .
5.55. Não conseguindo, no entanto, estabelecer a ligação com os equipamentos constantes nas faturas emitidas pelo fornecedor M..., Lda.
5.56. Mencionam ainda os SIT que “Por outro lado, na descrição das faturas que suportam estes gastos, constam diversas peças de roupas desportivas e acessórios, nomeadamente, polos, camisolas basket, camisolas personalizadas, casaco de fecho inteiro, calça de treino, kispos, tshirts, coletes rugby diversos, sacos e saco médico, calções, meias de hóquei e trolays”.
5.57. E que, “no que respeita às estampagens e emblemas nada é referido sobre o tipo de estampagem ou emblemas apostos pelo que não forneceram elementos que comprovem que os gastos estão relacionados com publicidade prestada pelo E...”.
5.58. O sujeito passivo limita-se a referir que os equipamentos que adquiriu e fez estampar a sua marca, foram oferecidos a um clube e a uma região onde tem a maior parte da sua atividade e dos seus clientes, mas, se é verdade que o grosso dos proveitos do sujeito passivo estão associados a clientes da região autónoma dos Açores, ficou por esclarecer a razão de apenas o cliente E... ser beneficiário de ofertas de roupas e acessórios desportivos.
5.59. Relativamente aos gastos com móveis e decoração, de acordo com os SIT o sujeito passivo não demonstrou que os gastos incorridos com móveis e decoração, no montante de € 3.560,74, no exercício de 2017, foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC, sendo que estão em causa gastos com móveis adquiridos nos meses de Agosto e Setembro na Praia ..., piscina e cobertura, marcadores de mesa, entre outros.
5.60. Situação que causa alguma estranheza, uma vez que o sujeito passivo apenas declara como afecto à atividade o escritório que está arrendado desde Maio, mas que só abriu as portas ao público em janeiro de 2018, devido a obras.
5.61. A Direção de Finanças de Aveiro, após análise efectuada em sede de procedimento de reclamação graciosa, entendeu que os gastos com imóveis foram qualificados como gastos pessoais, não tendo a Requerente apresentado argumentos que pudessem alterar as propostas do procedimento de inspeção.
5.62. Não é de acolher o argumento do sujeito passivo de que que foi necessário realizar obras, mobilar e preparar a abertura do escritório, o que demorou alguns meses, uma vez que a compra de secretárias, cadeiras, mesa, cama, etc, teve lugar seis meses antes da abertura do escritório, quando o mesmo estava a ser sujeito a obras.
5.63. Relativamente aos gastos com obras, segundo o relatório de inspecção as obras realizadas na loja arrendada, no montante de €16.472,92, no exercício de 2017, deveriam ser tratadas como activo fixo tangível (obras em edifícios alheios) e o seu custo depreciado durante o período de utilidade esperada, em conformidade com o disposto no decreto regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.
5.64. Referem os SIT que, segundo declarações da sócia gerente, as obras na loja só ficaram concluídas no final de 2017, tendo a abertura ao público ocorrido em Janeiro de 2018, pelo que, no exercício de 2017 não poderão ser aceites perdas por depreciações e amortizações, pois, nos termos do artigo 1.º do referido decreto-regulamentar, os elementos do activo fixo tangível só podem ser objeto de depreciação ou amortização a partir da sua entrada em funcionamento ou utilização, o que no caso presente ocorreu em Janeiro de 2018.
5.65. Na correcção proposta pela Inspeção Tributária não estão em causa os gastos realizados com as obras na loja, mas apenas a impossibilidade de os mesmos poderem vir a ser aceites para efeitos fiscais no exercício de 2017, face às suas características que os levam a ser considerados como activo fixo tangível.
5.66. Deste modo, deverão manter-se as correcções encetadas pela Requerida, em plena conformidade e estrita aplicação da lei.
5.67. Acrescenta-se, por fim que, por não se verificarem no presente caso os pressupostos dos artigos 43.º e 53.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios e compensação por garantia indevida.
6. A 5 de Junho de 2020 foi designada para dia 7 de Julho de 2020 a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, a qual efectivamente teve lugar nessa data, tendo sido inquiridas através de plataforma informática as testemunhas B... e D..., tendo a Requerente prescindido da inquirição da testemunha C..., por si arrolada.
7. Tanto a Requerente como a Requerida apresentaram alegações onde apreciaram a prova testemunhal produzida nestes autos.
II – Factos provados
8. Com interesse para a discussão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:
8.1. A Requerente é uma sociedade por quotas, estando enquadrada no regime normal trimestral de IVA e no regime geral de IRC.
8.2. Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI2018... e OI2018..., datadas de 2019-03-11, da Direcção de Finanças de Aveiro, a Requerente foi sujeita a procedimento de inspecção externa de âmbito parcial em sede de IRC e de IVA, com referência aos exercícios de 2016 e 2017, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
8.3. A acção inspectiva foi realizada na sequência da informação remetida pela Direção de Finanças de Angra do Heroísmo em Agosto de 2018, após procedimento inspectivo efetuado ao sujeito passivo E..., NIF....
8.4. A requerente foi notificada para apresentação de elementos/esclarecimentos, no que respeita a: relação das viagens efetuadas pelos funcionários; contratos de arrendamento; contrato de trabalho dos funcionários; despesas de deslocações e estadas; lançamentos efetuados; junção dos documentos de suporte dos gastos contabilizados nas contas SNC 625114, 625110, e 626814, do período de 2017, em relação aos que não existem documentos de suporte arquivados; lançamentos contabilizados na conta SNC 717110-Devoluções de Vendas, com a descrição de ofertas de viagens e rappel ao E..., nos montantes de 9.775,00 € (relativas a deslocações de 2016), 20.938,50 € (rappel época 2016/2017) e 28.750,00 € (relativas a deslocações de 2017); gastos contabilizados na conta SNC 6882 – Donativos, efetuados ao E... no período de 2016, ao E..., aos ... e F... no período de 2017; gastos contabilizados nas contas SNC 6225124 – Comissões, 623114 – Ferramentas e Utensílios, 623314 – Material de escritório, 622614 – Conservação e reparação; extratos de conta bancários dos períodos de 2016 e 2017, a partir dos quais os Serviços de Inspeção Tributária verificaram a existências de várias entradas e saídas de dinheiro da conta bancária que eram provenientes e que destinavam respectivamente à conta bancária da empresa L..., Lda., cuja sócia gerente da requerente é também gerente.
8.5. Os Serviços de Inspecção Tributária solicitaram que a Requerente procedesse à justificação daquelas situações e da sua relação com a formação do rendimento sujeito a IRC (vide ponto II.3.12. do relatório de inspecção).
11.6. Os Serviços de Inspecção Tributária consideraram que, embora a Requerente tenha apresentado resposta, não demostrou que os gastos incorridos foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC de acordo com o artigo 23º do CIRC, nomeadamente, quanto aos períodos de tributação de 2016 (vide ponto III.2.1 do relatório de inspeção) e 2017 (vide ponto III.2.2 do relatório de inspeção) no que respeita a gastos com rendas (vide pontos III.2.1.1 e III.2.2.1 do relatório de inspeção), refeições (vide ponto III.2.1.2 e III.2.2.2 do relatório de inspeção), alojamentos (vide ponto III.2.1.3 e III.2.2.3 do relatório de inspecção), gastos sem suporte documental (vide pontos III.2.1.4 e III.2.2.4.do relatório de inspecção), gastos com ofertas de viagens (vide pontos III.2.1.5 e III.2.2.5.do relatório de inspecção), e “rappel” (vide ponto III.2.2.5 do relatório de inspeção), donativos (vide pontos III.2.1.6 e III.2.2.6 do relatório de inspeção), gasóleo, gasolina e portagens (vide pontos III.2.1.7 e III.2.2.11 do relatório de inspecção), transporte de atletas (vide pontos III.2.1.8 e III.2.2.12 do relatório de inspecção), roupas desportivas e acessórios (vide pontos III.2.1.9 e III.2.2.15 do relatório de inspeção), comissões (vide ponto III.2.2.7 do relatório de inspeção), móveis e decoração – conta SNC 623314 – material de escritório (vide ponto III.2.2.8 do relatório de inspeção), reparação viaturas e obras – conta SNC 622614 – Conservação e Reparação (vide ponto III.2.2.9 do relatório de inspeção), obras (vide ponto III.2.2.10 do relatório de inspeção), gastos pessoais com férias (vide ponto III.2.2.13 do relatório de inspeção), gastos pessoais com viagem à Alemanha (vide ponto III.2.2.14 do relatório de inspeção).
8.7. Não obstante a requerente ter sido notificada para o efeito, não apresentou os documentos de suporte em falta, concluindo os Serviços de Inspeção Tributária pela existência de despesas não documentadas tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, de acordo com n.º 1 do artigo 88º do CIRC, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A, sendo o valor da tributação autónoma de € 96,43 e de € 1.074,98 nos períodos de 2016 e 2017, respetivamente (vide ponto III.3 do relatório de inspeção).
8.8. Assim, os Serviços de Inspeção Tributária concluíram pela desconsideração dos valores em questão como gastos aceites fiscalmente, por não terem comprovado a necessidade do gasto, para garantir os rendimentos sujeitos a IRC, pelo que propuseram correcções em sede de IRC, nos valores de € 39.534,51 e de € 140.613,11 nos exercícios de 2016 e 2017, respetivamente (vide pontos I e III.2.2.16. do relatório de inspeção).
8.9. Pelo ofício nº ..., de 30 de Agosto de 2019 a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto de conclusões do relatório de inspecção, tendo sido exercido tal direito em 1 de Outubro de 2019.
8.10. A Requerente foi notificada, nos termos do art.º 62º do RCPIT, do relatório de inspeção, do qual resultou a seguinte determinação do lucro tributável de IRC, para os exercícios de 2016 e 2017, conforme quadro infra (pontos I e III.2.2.16 do relatório de inspeção):
8.11. Assim, foram emitidas as liquidações de IRC referentes aos períodos de 2016 e 2017, com os números, respectivamente, 2019... - de 16/10/2019 - e 2019... - de 20/11/2019 - e respectivas demonstrações de liquidação de juros e acerto de contas, no valor, respectivamente, de € 6.175,33 e de € 34.692,88.
8.12. A Requerente apresentou reclamação graciosa, a qual foi instaurada sob o n.º ...2020..., tendo sido indeferida por despacho de 2020-09-04.
III - Factos não provados
9. Por não haver evidência nesse sentido nos documentos que se encontram juntos aos autos, e não ter sido considerado suficiente para essa prova os depoimentos das duas testemunhas inquiridas, não se consideram provados os seguintes factos:
9.1. Os gastos foram incorridos pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos ou IRC.
9.2. A Requerente arrendou um imóvel na Rua ... n.º ..., em Angra do Heroísmo, destinado à pernoita dos seus funcionários, que não residiam nos Açores, embora ali se deslocassem todas as semanas.
9.3. A aquisição de móveis resultou da necessidade de instalação de uma loja e estúdio na Rua ... .
9.4. As refeições realizadas foram-no para acompanhamento a grupos ou refeições de funcionários fora do local de trabalho.
9.5. A sociedade G..., Lda, era comissionista da Requerente para as ilhas dos Açores.
9.6. As ofertas de viagens e rappel foram realizadas no quadro das condições comerciais da Requerente.
9.7. As importâncias pagas ao E... em 2017 foram a título de donativo.
A não consideração como provada da existência de arrendamento resulta do facto de não ter sido exibido qualquer contrato e de a sócia-gerente ter afirmado a sua inexistência perante os Serviços de Inspecção Tributária. A não consideração como provada da ligação dos móveis à loja resulta de não fazer sentido a aquisição dos mesmos antes da disponibilização do espaço. Em relação às refeições, não existe evidência de que as mesmas tenham qualquer relação com o acompanhamento a grupos ou a deslocação de funcionários, uma vez que ocorrem ou na sede da empresa ou nas cidades de Lisboa e Porto. Quanto às comissões à sociedade G..., Lda., não se pode manifestamente considerar como comissionista uma empresa que não tem essa actividade registada na AT, e que cujo sócio é o pai do ex-marido da sócia gerente. Quanto às correcções resultantes da oferta de viagens e rappel, não existe qualquer documento que explique as mesmas, sendo que teria que haver notas de crédito para que as mesmas pudessem ser adequadamente contabilizadas. Também quanto aos gastos com reparações de viaturas, não se demonstrou que as mesmas tivessem relação com o veículo. Também em relação à aquisição de roupas desportivas, não se vê justificação para que a mesma tenha sido efectuada, não se tendo demonstrado a sua ligação a publicidade da Requerente. Finalmente em relação aos donativos, não se comprovou o espírito de liberalidade que é essencial aos mesmos, antes resultando esses pagamentos da relação comercial com um cliente, existindo por isso uma contrapartida de carácter comercial, sendo que não foram cumpridos em qualquer caso os requisitos formais relativos à identificação do mecenas, previstos no art. 66º EBF, incluindo na forma de pagamento. O depoimento das testemunhas não permitiu afastar todas as dúvidas que os Serviços de Inspecção Tributária colocaram em relação a estes custos e gastos, sendo que caberia ao contribuinte, nos termos do art. 74º, nº1, da LGT fazer essa prova, uma vez que se trata de deduções.
IV - Do Direito
13. São as seguintes as questões a decidir neste processo:
- Da ilegalidade das liquidações de IRC referentes aos exercícios de 2016 e 2017, com os números 2019..., de 16/10/2019, e 2019..., de 20/11/2019
- Do direito a juros indemnizatórios e a indemnização pela prestação de garantia.
Examinar-se-ão assim sucessivamente estas questões:
DA ILEGALIDADE DAS DEMONSTRAÇÕES DE IRC REFERENTES AOS EXERCÍCIOS DE 2016 E 2017 COM OS NÚMEROS 2019..., DE 16/10/2019, 2019..., E 2019..., DE 20/11/2019.
16. Invoca a Requerente a ilegalidade das correcções, uma vez deverão ser considerados os gastos e perdas invocados e deduzidos os mesmos na determinação do lucro tributável, ao abrigo do artigo 23º do Código do IRC, uma vez que correspondem à sua decisão de gestão empresarial, que apenas a si compete.
Invoca a Requerida a falta de elementos probatórios que permitam confirmar que os gastos foram efectuados no interesse da sociedade, não se encontrando cumprido o requisito previsto no artigo 23º do CIRC, que exige que a demonstração da necessidade desses gastos e perdas para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Cumpre decidir.
Antes de mais, veja-se se estão cumpridos os requisitos para a dedução, em sede de IRC.
Refere o artigo 23º do CIRC, na redacção da Lei 82-C/2014, de 31 de Dezembro:
“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;
e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento
f) De natureza fiscal e parafiscal;
g) Depreciações e amortizações;
h) Perdas por imparidade;
i) Provisões;
j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;
k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;
l) Menos-valias realizadas;
m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
5 — (Revogado).
6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.
7 - Os gastos respeitantes a ações preferenciais sem voto classificadas como passivo financeiro de acordo com a normalização contabilística em vigor, incluindo os gastos com a emissão destes títulos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da entidade emitente” (sublinhados nossos).
Refere o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 2 de Fevereiro de 2010, Proc. Nº 03669/09:
“A Jurisprudência tem entendido que na questão atinente à dedutibilidade de custos cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora (Vide Acórdãos do TCA Sul de 18/01/2005 e de 05/05/2005. processo 00452/04), resultando a comprovação e indispensabilidade dos custos das circunstâncias de cada caso, de acordo com as práticas geralmente aceites, as provas existentes e os critérios de razoabilidade, dependendo a relevância fiscal de um custo da sua afectação à exploração, atendendo às normais circunstâncias do mercado, ao risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados”.
Dispondo ainda o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Março de 2012, Proc. Nº 05312/12:
“Ora, crê-se inquestionável que, quer a AF, num primeiro momento, quer a decisão recorrida, na medida em que deu cobertura à actuação daquela, vieram a entender que não se encontrava demonstrado, - cabendo o respectivo ónus à impugnante -, que as importâncias aqui em causa e não aceites como custos fiscais relevantes foram indispensáveis à obtenção de proveitos da recorrente, em juízos de valor que se prendem com a bondade e oportunidade de tais despesas, segundo critérios de (boa) gestão, uma vez que não questionam, em concreto, nem a realização de tais despesas pela recorrente, nos montantes indicados, nem que elas fossem adequadas à concretização do seu escopo societário. »
Sobre a matéria em discussão, na esteira do Ac. TCAN de 14.2.2007, proc. 291/04, perfilhamos, a título de premissa, só não serem indispensáveis “os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”, isto é, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se “como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte” (5). Por outro lado, também, é seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus provatório da indispensabilidade dos seus custos. Contudo, se a AT, atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação (6), a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusão de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT”.
No caso concreto, verifica-se que não foi minimamente demonstrada a justificação para a realização de toda a série de gastos que a Requerente pretendeu deduzir ao seu rendimento tributável, muitos deles relacionados apenas com o E... ou com a sociedade G..., detida por uma pessoa próxima da Requerente. Também não se consegue conceber que uma sociedade comercial celebre contratos de arrendamento comercial sem ser por escrito, até porque à data o contrato seria inválido se fosse celebrado por essa forma. E finalmente também não se compreende a oferta de viagens e donativos a um clube sem os adequados comprovativos, respectivamente as notas de crédito e a comprovação do mecenas.
Verifica-se, para além disso, que a documentação que serve de suporte a grande parte dos gastos não cumpre os requisitos previstos no artigo 23º, nºs 3, 4, e 6, do CIRC, e é manifestamente insuficiente para percepcionar o tipo exacto de gasto e em que termos é que o mesmo se encontra relacionado com a actividade da sociedade.
Tenha-se ainda em conta que, nos termos do artigo 17º, nº 3, e 123º do CIRC, a contabilidade tem de estar assente em documentação que possibilite aferir da relevância fiscal dos registos contabilísticos para a determinação do lucro tributário.
Como tal, e considerando também que a Requerente não cumpriu o seu dever de esclarecimento da sua situação tributária, não se considera aplicável a presunção prevista no artigo 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária, nos termos do nº 2 b) do mesmo artigo.
Nesses termos, considera-se que a Requerente não cumpriu o disposto no artigo 23º do CIRC, pelo que não estão reunidos os requisitos para a dedução das despesas alegadas pela mesma, sendo integralmente legais as liquidações efectuadas pela Autoridade Tributária.
Efectivamente, verificando-se que, no que se reporta à matéria de facto, não logrou a Requerente fazer prova de que os gastos invocados foram efectuados no estrito interesse da sociedade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, naturalmente que caberia à Autoridade Tributária corrigir o rendimento declarado excluindo esses gastos, como legitimamente o fez.
Já relativamente às obras em edifício alheio, no montante de € 16.472,92, é também manifesto que, em virtude do princípio da especialização dos exercícios, tais gastos não são de aceitar num único período, devendo esse montante ser capitalizado e depreciado durante o período de utilidade esperada, conforme resulta claramente do Decreto Regulamentar 25/2009, de 14 de Setembro, que a Requerente tem que respeitar na organização da sua contabilidade.
Nada há assim a censurar às liquidações efectuadas pela Autoridade Tributária.
DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS E A INDEMNIZAÇÃO PELA PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
Uma vez que não se considerou procedente o pedido de declaração de ilegalidade das demonstrações de liquidação de IRC, é consequentemente igualmente improcedente o pedido de juros indemnizatórios e de indemnização pela prestação de garantia.
V - Decisão
Nestes termos e consequentemente:
Julgam-se improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de IRC referentes aos períodos de 2016 e 2017, com os números, respectivamente, 2019... - de 16/10/2019 - e 2019... - de 20/11/2019 - e respectivas demonstrações de liquidação de juros e acerto de contas, no valor, respectivamente, de € 8.559,87 e de € 34.692,88. e consequente restituição de imposto, deles se absolvendo a Requerida.
Julgam-se igualmente improcedentes os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios e de prestação de garantia indevida, deles também se absolvendo a Requerida.
Fixa-se ao processo o valor de € 43.252,15 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas pela entidade requerente.
Lisboa, 28 de Outubro de 2021
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)