Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 661/2020-T
Data da decisão: 2021-10-03  IRC  
Valor do pedido: € 471.239,80
Tema: IRC – Faturas falsas. Falta de fundamentação. Direito de participação.
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DECISÃO ARBITRAL

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor José Campos Amorim e Prof.ª Doutora Carla Castelo Trindade, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:

            

                1. Relatório

 

                A...S.A., com sede na Rua ..., ..., ...-... Porto, NIPC..., doravante designada como “Requerente” ou “A...”, veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das seguintes liquidações de IRC e juros compensatórios e respectivas demonstrações de acerto de contas:

– liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2013, no montante de € 178.503,92, em que se inclui o montante de € 32.379,55 de juros compensatórios, apurado na liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., a que se seguiu a demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020...;

– liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2014, no valor de € 187.657,26, em que se inclui o valor de € 30.743,92 respeitante a juros compensatórios, apurado nas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 ... (€ 2.250,00) e 2020 ... (€ 28.493,92), a que se seguiu a demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020 ...;

– liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2015, no valor de € 192.333,15, em que se inclui o valor de € 11.444,13 respeitante a juros compensatórios, apurado na liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., a que se seguiu a demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020... .

 

A Requerente pede ainda a devolução das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 25-11-2020.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 03-05-2021, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

A AT apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 06-09-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.

Na reunião, o Tribunal Arbitral ordenou a junção das demonstrações de liquidação relativas aos exercícios de 2013 e 2014 e deferiu o requerimento da Requerente de junção de dois documentos.

As Partes apresentaram alegações.

Nas suas alegações, a Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão da inadmissibilidade de junção de documentos pela Requerente em 06-09-2021.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Importa apreciar o requerimento da Autoridade Tributária e Aduaneira em que se opõe à junção dos documentos apresentados pela Requerente em 06-09-2021, o que consubstancia arguição de uma nulidade processual («prática de um ato que a lei não admita», nos ternos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC).

 

 2. Questão da junção de documentos em 06-09-2021

 

                Como se refere na acta da reunião em que foi produzida prova testemunhal, o Tribunal Arbitral deferiu o requerimento do Sujeito Passivo de junção de dois documentos.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira não se opôs à junção dos documentos quer na reunião, quer no prazo geral supletivo de 10 dias, vindo opor-se nas alegações.

                Como se referiu, esta oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira configura arguição de uma nulidade processual («prática de um ato que a lei não admita», nos ternos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC).

                Por força do disposto no artigo 16.º, alíneas c) e e), e 29.º, n.º 2, do RJAT, o processo arbitral rege-se pelos princípios da «autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas», da «livre determinação das diligências de prova necessárias».

                Significam estes princípios que ao Tribunal Arbitral é atribuído o poder de ordenar as diligências que entender necessárias sem qualquer limitação pelas regras do processo civil, mas apenas com observância dos princípios da igualdade e do contraditório.

                A esse poder é associado o dever de o Tribunal Arbitral realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer (artigo 13.º, n.º 1, do CPPT).

                Na mesma linha de que há liberdade do Tribunal Arbitral na determinação dos actos necessários para a produção de prova aponta, sem os condicionalismos impostos no processo civil, o facto de no processo arbitral apenas se preverem como nulidades processuais, no artigo 28.º do RJAT, a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das Partes (as outras nulidades são de decisão e não de processo).

                A esta luz, tendo o Tribunal Arbitral deferido a junção dos documentos referidos e tendo sido proporcionada à Autoridade Tributária e Aduaneira a possibilidade de se pronunciar no prazo supletivo de 10 dias, foi assegurado adequadamente o princípio do contraditório.

                Por outro lado, não foi requerida na reunião a junção pela Autoridade Tributária e Aduaneira de quaisquer documentos, pelo que não se equaciona a inobservância do princípio da igualdade.

                Nestas condições, a admissão da junção dos documentos referidos não tem potencialidade para configurar, no processo arbitral, «prática de uma acto que a lei não admita» e, por isso, não constitui nulidade processual.

                De resto, se se considerasse nulidade processual a admissão dos documentos referidos, ela estaria sanada, pois, estando a Autoridade Tributária e Aduaneira presente na reunião em que foi admitida a junção, a arguição da nulidade teria de ser efectuada «enquanto o acto não terminar», por força do preceituado no artigo 199.º, n.º 1, do CPC. De resto, nem posteriormente, no prazo supletivo de 10 dias, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio arguir qualquer nulidade, pelo que é inquestionável que teria ficado extinto por falta de arguição tempestiva (artigo 139.º, n.º 3, do CPC) o direito de Autoridade Tributária e Aduaneira arguir a hipotética nulidade.

                Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidade referida.

 

 

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           Ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2018..., OI2018... e OI2018..., foi efectuada uma inspecção à Requerente relativa aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, em sede de IVA e IRC, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

II - OBJETIVOS, ÂMBITO, E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

II.1) CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A AÇÃO

 Credenciais: OI2018... OI2018... e 012018...

Início do Procedimento Externo: O procedimento inspetivo foi iniciado em 24 de julho de 2018 com a assinatura das Ordens de Serviço por parte do sócio-gerente à data dos factos, na qualidade de atual secretário B..., NIF..., nos termos do nº 3 do artigo 51º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária (RCPITA), tendo ficado ciente da obrigação de entrega das referidas Ordens de Serviço aos administradores da empresa.

No mesmo dia, foi designado como representante com a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nos termos do artigo 52º do RCPITA, C..., NIF..., na qualidade de contabilista certificado.

Em 24 de setembro de 2018, notificou-se o sujeito passivo, na pessoa de D..., na qualidade de administrador, nos termos do n.º 6 do artigo 36.º do RCPITA, que o prazo para conclusão do procedimento de inspeção, iniciado em 24 de julho de 2018, ao abrigo das Ordens de Serviço nº OI2018..., OI2018... e OI2018..., se encontra suspenso desde 24 de julho de 2018, por se encontrar instaurado o processo de inquérito nº .../17...T9PRT-0601 constituindo fundamento, previsto na alínea c) do n.º 5 do artigo 36-º do mesmo diploma legal, para essa suspensão.

Assim, o início da ação ocorreu no dia 24 de julho de 2018, nos termos do artigo 51º do RCPITA e o prazo para a conclusão encontra-se suspenso nos termos do nº5 do artigo 36º do RCPITA, desde esse dia. O direito à liquidação está garantido nos termos do disposto no número 5 do artigo 45.º da LGT.

II.2) MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

Motivo: A ação inspetiva tem na base o processo de inquérito nº .../17...T9PRT-0601, instaurado na sequência dos indícios recolhidos pela Direção de Finanças de Braga sobre a falta de realidade das operações faturadas pela entidade E..., SA, NIF... .

Âmbito: Parcial - Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e Imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

Incidência Temporal: 2013, 2014 e 2015

(...)

II.3.3.2) ELEMENTOS CONTABILÍSTICOS RELEVANTES

Nos anos em análise, as demonstrações de resultados constantes das declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES) evidenciam os seguintes valores.

 

Estes valores contabilísticos deram origem ao apuramento do Lucro Tributável e Matéria Coletável de, respetivamente, €252.319,12, €183.109,01 e€173.068,58.

Numa breve apreciação, destaca-se a oscilação das Vendas e Prestação de Serviços. Contudo, tendo em conta a variação nos inventários de produção, apura-se um valor para a "Produção Anual" mais estável, conforme se apresenta:

 

Verifica-se também que as principais componentes de gastos são o Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas (CMVMC), os Fornecimentos e Serviços Externos (FSE) e os Gastos com o Pessoal. No entanto, observa-se que o nível dos FSE se apresenta significativamente elevado, evidenciando valores superiores ao somatório das duas outras rubricas com carácter de gastos diretos (CMVMC + Gastos com o Pessoal) e representam 53%, 55% e 45% da Produção Anual calculada, em cada um dos anos analisados.

Ao nível da rentabilidade da atividade, quer em termos de resultado contabilístico quer em termos fiscais, verifica-se um decréscimo no triénio em análise, conforme se apresenta:

 

(...)

Em sede de IVA, o sujeito passivo declarou os valores constantes dos quadros seguintes:

 

 

 

 

Conforme anteriormente exposto, a análise cruzada dos valores declarados na IES como "Vendas e Prestações de Serviços" com os valores declarados em sede de IVA ao nível da "Base Tributável" permite observar uma grande discrepância, conforme a seguir se resume:

 

 

Essa diferença é explicada pela contabilização dos adiantamentos efetuados por alguns clientes, por força dos negócios contratados com duração plurianual. Estas encomendas têm subjacentes adiantamentos a efetuar pelos clientes, contabilizados a débito da respetiva conta de clientes, em contrapartida da conta "27-Outras conta a receber e a pagar - Adiantamentos por conta do vendas" e da conta "2433 - Iva Liquidado". Apenas no término da obra, o SP reconhece numa conta de rendimentos o valor total da obra, procedendo também à regularização de IVA já liquidado por via dos adiantamentos.

O procedimento adotado pelo sujeito passivo viola a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 19, constante do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), assim como o determinado na alínea c) do nº 3 do artigo 18ºenonº 1 do artigo 19º do Código do IRC (CIRC).

De facto, tratando-se de contratos de construção plurianual de acordo com os nºs 3 e 4 do NCRF nº 19, a determinação dos resultados deve ser efetuada com referência à fase de acabamento do contrato à data do balanço.

Contrariamente à norma aplicável, e conforme já referido, o sujeito passivo reconhece os trabalhos em curso, associados à fase de acabamento, em inventários de produção, cuja variação concorre para a determinação do resultado tributável de cada período.

II.3.3.3) QUADRO DE PESSOAL

De acordo com as DMR's (Declaração Mensal de Remuneração) entregues, nos anos em apreço, o SP tinha o seguinte quadro de trabalhadores.

 

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

 III.1) - SUBCONTRATOS

Como evidenciado na apreciação preliminar exposta no ponto II.3.3.2), a rubrica contabilística de Fornecimentos e Serviços Externos representa uma parcela substancial dos gastos contabilizados, sendo a componente com maior peso a de "Subcontratos", conforme se apresenta:

 

Consultados os anexos P1 das respetivas IES da A..., verifica-se que, em todos os anos em análise, se destaca como entidade fornecedora a E..., SA - NIPC:..., conforme se apresenta:

 

 

 

De facto, confirma-se que de acordo com a contabilidade, nos anos de 2013, 2014 e 2015, a E..., NIF..., emitiu faturas à A... nos seguintes valores, contabilizados na conta "62III - Fse - Subcont, nac. c/IVA ded. s/ret lrs"e na conta do IVA Dedutível "2432313 - IVA dedut. (OBS), nacional, Tx normal".

 

 

III.2) E..., SA

No âmbito do procedimento inspetivo realizado ao sujeito passivo E..., SA. NIPC:..., com sede no distrito de Braga, relativo aos anos de 2013, 2014 e 2015, a Direção de Finanças de Braga (DF Braga) apurou que aquela entidade contabilizou faturas de gastos emitidas por:

• "F... Unipessoal, Lda, NIPC: ...", doravante F...

• "G..., Lda, NIPC; ...", doravante G...

• "H... Unipessoal, Lda, NIPC: ...", doravante H...

 

Estas entidades, todas com sede na área do Distrito do Porto, apresentavam um comportamento incumpridor das suas obrigações tributárias, nomeadamente ao nível declarativo, pelo que foram solicitadas as respetivas inspeções à Direção de Finanças do Porto (DF Porto), decorrentes das quais se concluiu que entidades em causa não tinham a estrutura produtiva necessária para a prestação dos serviços faturados à E... . Assim, a DF Braga, no âmbito do processo de inquérito nº .../16... IDBRG instaurado em nome da E..., realizou diligências de buscas, apreendendo documentos em papel e suporte informático, alguns dos quais relacionados com o sujeito passivo A... .

Também no âmbito das ações inspetivas desenvolvidas pela DF Braga, foi apurado que a E... não tinha estrutura produtiva suficiente para prestar os serviços faturados à A..., pelos motivos que a seguir se resumem:

• A E... declarou o início da sua atividade em 16 de agosto de 2012 e, de acordo com os elementos recolhidos na diligência de buscas efetuada, tinha a seguinte estrutura acionista:

 

Esta estrutura apresenta alguns elementos comuns ou relacionados com as entidades acima identificadas e objeto de inspeção pela DF Porto, nomeadamente:

- A acionista da E..., NIF ... consta, na base de dados da AT, como gerente da G... entre 5 de julho de 2011 e 6 de novembro de 2014.

- A partir de novembro de 2014, por ausência de nomeação de gerência, esta passou a competir aos sócios: I..., NIF; ... e J..., NIF: ...;

- I... é sócio-gerente da empresa F... e tinha, nos anos em análise, domicílio fiscal coincidente com a sede fiscal desta mesma empresa e com K... .

- I... faz parte da estrutura acionista da E... .

 

Assim, fica patente que, a partir de novembro de 2014, I..., consta como representante e/ou com poderes de decisão nas três entidades E..., G... e F..., sendo que, em 2013 e 2014 (até novembro), a gerência da entidade G... estava a cargo de K..., NIF ..., acionista da E...,

• Nos anos em análise, a maioria do volume de negócios declarado pela E... correspondeu a faturas emitidas à A..., como a seguir se evidencia:

 

 

 

No âmbito da já referida ação inspetiva à E..., a DF Braga apurou que o seu quadro de pessoal era insuficiente para a prestação dos serviços faturados, os quais estariam, alegadamente, suportados por subcontratos das entidades F..., G... e H..., entidades relativamente às quais, conforme já referido foram desenvolvidas ações inspetivas pela DF Porto que concluíram que estas empresas não dispunham de estrutura produtiva e administrativa capaz de sustentar a emissão de faturas titulando prestações de serviço de montagem e reparações sobre estruturas metálicas à empresa E... . Essa conclusão resulta dos factos apurados, que a seguir se apresentam de forma resumida:

A G..., com sede fiscal na travessa da rua de ... nº..., ..., Vila do Conde, declarou o início de atividade em 27 de dezembro de 2010, e registou-se no CAE principal 43210- Instalação Elétrica e CAE secundário 46430 - Comércio grosso de eletrodomésticos, aparelhos rádio e televisão.

Nos anos de 2013, 2014 e 2015 a G... emitiu à E... as faturas, com os descritivos constantes dos quadros seguintes:

(...)

No que toca às referidas faturas, importa salientar o seguinte:

- Por regra, a descrição dos serviços faturados não permite determinar onde e que serviços foram alegadamente prestados nem como foi determinado o valor faturado, nomeadamente os trabalhadores envolvidos, as horas imputadas e o custo de cada hora.

- A numeração das faturas recolhidas evidencia que a maioria foi emitida para a E... uma vez que a sequência numérica apresenta poucas falhas.

- O formato e a numeração das faturas foram alterados a partir de maio de 2013

Por outro lado, as diligências efetuadas permitiram concluir que as faturas emitidas pela G... não tinham subjacentes efetivas prestações de serviços, porquanto:

- Entre 2013 e 2015, a G... não cumpriu qualquer das suas obrigações fiscais, nomeadamente em termos declarativos, estando em falta todas as declarações fiscais, nomeadamente de IVA e IRC, eventualmente DMR's e declarações de retenção de IRS.

- Não tinha responsável pela contabilidade, nem evidências da existência da mesma.

- Os sócios e gerentes furtaram-se a todas as tentativas de contacto encetadas.

Relativamente ao período em apreço, na base de dados da AT, consta como gerente, entre 5 de julho de 2011 e 6 de novembro de 2014, a acionista da E..., K..., e, por ausência de nomeação de gerência, a partir de novembro de 2014, esta passou a competir aos sócios: I... e J..., NIF:..., sendo que o primeiro é sócio-gerente da empresa F... e faz parte da estrutura acionista da E... .

-A empresa não possuía instalações compatíveis com a atividade para que estava registada, uma vez que o local correspondente à sua sede fiscal se encontrava devoluto, não sendo a G... conhecida no local. No entanto, apurou-se que existiu outra empresa com sede fiscal naquele lugar, cujo gerente, L..., também é acionista da E... .

- Não são conhecidos trabalhadores que tenham estado ao serviço da G... para a realização dos serviços faturados entre 2013 e 2015, nem existem evidências de subcontratação dos serviços faturados.

- O registo contabilístico através da conta Caixa traduz que as faturas emitidas à E..., foram pagas em numerário. Por outro lado, as contas bancárias da G... a que se teve acesso, não evidenciaram quaisquer movimentos relacionados com as faturas emitidas à E... .

- Existe coincidência entre os decisores da E... e da G..., assim como evidências que a faturação desta última era emitida em função das necessidades da primeira. De facto, a título de exemplo e, no âmbito das diligências de buscas efetuadas à E..., foi recolhida uma folha na qual, à esquerda, estão descritas as faturas nº 1, 3 e 4 emitidas pela E... à A... e, à direita, as faturas nº 1, 2 e 4 emitidas pela G... à E..., conforme se reproduz.

 

 

 

•             F...

A F... declarou o início de atividade em 27 de maio de 2014 e registou-se no CAE 25110 - Fabricação de estruturas de construções metálicas.

Na base de dados da AT, consta como gerente, desde o início de atividade, I..., NIF..., cujo domicílio fiscal é coincidente com a morada da sede da empresa. Esta é uma fração autónoma destinada a habitação e corresponde ao prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., concelho de Valongo, sob o artigo..., fração autónoma l, descrito como habitação com quatro divisões.

Eram co-proprietários desta fração em parles iguais: M..., NIF; ... e N..., NIF..., este último, acionista da E... .

Nos anos de 2014 e 2015 a F... emitiu à E..., as seguintes faturas, com descrição dos serviços que a seguir se apresentam:

(...)

As faturas acima identificadas, timbradas em nome da F..., apresentam idênticas características às emitidas em nome da G... .

De facto:

- Foram faturados serviços de cedência de mão-de-obra e de prestação de serviços, sem que a F... tivesse registado qualquer trabalhador ao seu serviço, nem haja evidências que tenha procedido a subcontratação.

- Por regra, a descrição dos serviços faturados não permite determinar onde e que serviços foram alegadamente prestados e como foi determinado o valor faturado, nomeadamente os trabalhadores envolvidos, as horas imputadas e o custo de cada hora.

- A numeração das faturas recolhidas evidencia que a maioria foi emitida para a E... uma vez que a sequência numérica apresenta poucas falhas.

 

Também as diligências efetuadas permitiram concluir que as faturas emitidas pela F... não tinham subjacentes efetivas prestações de serviços, porquanto:

- A F... não apresentou nenhuma das declarações fiscais a que estava obrigada.

- Não tinha responsável pela contabilidade, nem existe evidência da existência da mesma.

- O sócio-gerente furtou-se a todas as tentativas de contacto encetadas.

- A empresa não possuía instalações compatíveis com a atividade para que estava registada.

- Foram faturados serviços de cedência de mão-de-obra e de prestação de serviços, não sendo conhecidos trabalhadores ao serviço da empresa que tivessem efetuado os serviços faturados em 2014 e 2015 nem existindo evidências que a empresa tenha adquirido quaisquer bens ou serviços, nomeadamente subcontratação dos serviços faturados.

- Não existem evidências do pagamento das referidas faturas, uma vez que as contas bancárias da F... apenas apresentam um movimento materialmente relevante: um depósito de 22.350 euros, efetuado em 2014-06-18, seguido de um levantamento em numerário no mesmo dia no montante de 22.400 euros. De resto, apenas têm alguma relevância quatro transferências bancárias, com valores entre 400 e 2.000 euros, provenientes de O..., administrador da E... .

- Existe coincidência entre os decisores da E..., F... e G... .

- Existem fortes indícios que as faturas da F... e da G... foram emitidas pelo mesmo programa informático, sendo que o número de telefone mencionado nas faturas das duas empresas é o mesmo.

-As duas entidades, aparentemente, foram utilizadas alternadamente para a emissão de faturas à E... . De facto, no ano de 2013, verifica-se que a faturação foi emitida pela G..., sendo que em 2014, após a constituição e registo da F..., em 27 de maio, a faturação foi concentrada nesta. Relativamente a 2015, observa-se que até 31 de março de 2015, as faturas foram emitidas pela F... e contabilizadas pela E... na respetiva conta corrente. Após essa data, as faturas passaram a ser emitidas pela G... até ao fim de agosto, data em que foi registada a fatura nº 16. A partir da fatura nº 17, as faturas e os recibos, embora registados na conta corrente da G..., passaram a ostentar o cabeçalho da F... mantendo, porém, a sequência numérica e o número fiscal da G... . Independentemente da entidade emissora, todas as faturas ostentam o mesmo erro na denominação do seu cliente: P... em vez de E... .

 

•             H...

 

A H... declarou o início de atividade em 29 de outubro de 2012, e registou-se no CAE 82990 -

Outras atividades serviços apoio prestados às empresas, N.E.

O seu único trabalhador era o seu gerente Q..., NIF... .

Em 2013, a H... emitiu as seguintes faturas à E..., todas consideradas pagas em numerário.

 

As diligências efetuadas permitiram concluir que estas faturas não tinham subjacentes efetivas prestações de serviços, porquanto:

- A H... não apresentou nenhuma das declarações fiscais a que estava obrigada,

- Não tinha contabilidade, documentos ou registos contabilísticos.

- O gerente declarou não ter emitido as faturas atrás elencadas, nem conhecer a E... ou O... . -Os "hash" das faturas são iguais para todas as faturas, quando deveriam ser irrepetíveis, o que denota manipulação na sua emissão.

 

•             Conclusão

Assim, conclui-se que os serviços descritos, relacionados com cedência de pessoal, tituladas pelas faturas emitidas pelas entidades atrás caracterizadas não correspondem a operações efetivamente realizadas, constituindo, no entanto, a quase totalidade dos subcontratos contabilizados pela E..., conforme se demonstra:

 

Assim, nos anos em análise, a capacidade produtiva da E..., que permitiu a faturação à A... assentou, em grande parte, nas operações de subcontratos faturadas pelas entidades referidas, como se pode deduzir pela análise dos valores declarados nas suas IES.

 

 

Esta asserção pode também ser observada e confirmada nas faturas emitidas pela F... e pela G... à E... .

De facto, diversas dessas faturas têm descritivos com menção de serviços realizados sobre caldeiras. Ora, analisando todos os clientes da E... entre 2013 e 2015, verifica-se que apenas a A... tem atividade relacionada com caldeiras. Assim, por exemplo:

•             A fatura nº 1400/000001 de 14-01-2014 da G... e tem o descritivo "Serviços efetuados montagens de electricidade em caldeira".

•             A fatura nº 1500/000028 de 16-12-2015 da G... tem como descritivo "Reparação de caldeira - Obra  ...".

•             A fatura nº 1300/000034 de 29-11-2013 da G... refere "Serviço executado na instalações do vosso cliente  ..." e a fatura nº 1400/000009 de 23-07-2014, emitida pela F..., refere "Serviços de montagens de soldadura e serralharia Local da obra  ...". Ambos são locais onde a A... tinha clientes à data.

 

Ora, uma vez que estas empresas subcontratadas pela E... não tinham estrutura que lhes permitisse prestar qualquer tipo de serviço e que, na prática, os decisores das três (E..., F... e G...) se confundiam, é evidente que a faturação da F... e G..., apenas foi emitida para suportar documentalmente as faturas emitidas pela E... à A... .

 

III.3) RELAÇÃO ENTRE FATURAS DA E... E OS CLIENTES DA A...

Pelos motivos atrás expostos, através de notificação para o efeito, foi solicitada à A... informação sobre as obras nas quais foram utilizados os serviços faturados pela E... .

Em resposta, o SP informou que os referidos serviços tiveram por base os orçamentos elaborados pela E...  em resposta aos pedidos e com base nos desenhos técnicos fornecidos pela A... . A análise dos orçamentos apresentados pelo SP permite concluir que o seu objeto é a cedência de mão de obra por parte da E..., com exclusão expressa do fornecimento dos materiais necessários à prestação de serviços.

Uma vez que as faturas emitidas pela E... não referem o orçamento (a montante) nem a obra da A... (a jusante) a que correspondem, foi solicitado ao SP que relacionasse orçamentos, faturas e obras. Em resposta, este estabeleceu a relação solicitada que se ordenou por cliente.

(...)

•Análise do cliente R..., SA

No ano de 2012, a R..., SA, doravante designada por R..., concretizou uma encomenda à A..., cuja faturação se estendeu entre 2012 e fevereiro de 2014 por via dos adiantamentos faturados periodicamente.

O quadro seguinte, traduz o excerto do quadro anteriormente apresentado, no que respeita a este cliente, identificando as faturas emitidas pela E..., alegadamente relacionadas com as faturas emitidas pela A...  ao cliente R...:

(...)

Agrupando as faturas da E... por orçamento, como a seguir se apresenta, verifica-se que aquele ao qual foi atribuído o maior valor foi o orçamento n.º 30412, ao qual foram imputadas faturas durante todo o ano de 2014.

 

No entanto, considerando toda a faturação emitida pela A... ao cliente R... durante o ano de 2014, verifica-se que o valor do orçamento nº ... (e das faturas da E... a que deu origem) não se encontra nela refletido, mesmo considerando as faturas emitidas pela A... ao referido cliente em 2015, no valor de 16.192,72euros mais IVA,

Da análise da faturação emitida pela A... ao cliente R..., verifica-se que a última fatura de 2014 com valor compatível com os serviços faturados pela E... como respeitando àquele cliente, data de 28-02-2014, como se pode observar confrontando os quadros seguintes:

(...)

De facto, a faturação emitida pela A... à R... entre 07-05-2014 (FT2014A1/3G30) e 15-12-2014 (FT2014A1/373), acrescida da faturação emitida em 2015 (16.192,72 euros mais IVA), totaliza 53.351,92 euros mais IVA o que é incompatível com os gastos materializados nas faturas da E... que o SP relaciona com esse seu cliente, para o mesmo período (367.057 euros mais IVA). Fica assim invalidada a justificação da necessidade das faturas da E..., registadas como gastos na A... .

 

III.4) ELEMENTOS RECOLHIDOS NAS BUSCAS À E...

 III.4.1) FICHEIROS INFORMÁTICOS

Na diligência de buscas à E... e ao seu administrador, efetuada pela DF Braga foram recolhidos diversos ficheiros informáticos. Assim, no computador portátil de O..., administrador da E... foram localizados ficheiros em Excel onde constam a data, descrição e o valor de algumas faturas emitidas pela H..., G... e F... à E... . Nesses mesmos ficheiros constam também as faturas emitidas pela E... à A... cujo valor resulta da aplicação de diferentes percentagens ao valor base das faturas emitidas pelos subcontratados da E... .

Ora, uma vez que ficou demonstrado que as faturas emitidas pelas empresas H..., G... e F... não titulam operações reais, as faturas emitidas pela E... à A..., tendo por base essas faturas, também não têm subjacente um efetivo serviço prestado.

 

III. 4.2) AUTOS TÉCNICOS

Entre os documentos apreendidos na diligência de buscas atrás referida foram recolhidos ficheiros informáticos onde constam documentos denominados "Auto nº ... A..." nos quais estão elencados os trabalhadores, o número de horas trabalhadas, assim como o seu valor/hora unitário. Foi também apurado que os referidos "Autos" foram elaborados com base em documentos denominados "Folha de serviço", nos quais, para cada trabalhador, foram registadas as horas de trabalho diário. Várias "Folha de serviço" apreendidas têm a menção de terem sido enviadas por fax pela A... para a E..., o que evidencia que o controlo dos trabalhadores envolvidos era efetuado pela A... e que os serviços faturados pela E... se consubstanciavam na cedência de trabalhadores à A.... Com a exceção do período de agosto 2014, foi recolhido um auto por mês.

No entanto, apenas parte das faturas emitidas à A... são suportadas por "Autos": a maioria das faturas não se baseia em qualquer suporte técnico e, como foi demonstrado anteriormente, nos anos em apreço a E... não tinha estrutura produtiva para prestar todos os serviços faturados.

Nos Autos aos quais se teve acesso, verifica-se que os trabalhadores cedidos se dividiam em duas categorias distintas:

- Trabalhadores por conta de outrem e

- Trabalhadores por conta própria que faturam à E... (subcontratados)

Analisando a faturação emitida pelos quatro subcontratados identificados de seguida, verifica-se que, entre 2011 e 2015, estes trabalharam indistintamente para a A..., a E... e a S..., Lda (detida, de forma indireta, por O... e cessada em 11/12/2012).

 

 

 

 

 

Por outro lado, em relação aos trabalhadores por conta de outrem listados nos Autos, verifica-se que é indicado, para cada um deles, o número de horas trabalhadas, o custo/hora de cada um deles para a E... e o custo/hora (naturalmente superior) que é, posteriormente, faturado à A... .

No entanto, verifica-se que nem todos os trabalhadores constantes dos autos estão incluídos das DMR's da E... e que os rendimentos sujeitos, nelas declarados, são substancialmente inferiores aos rendimentos que lhes foram imputados nos Autos.

Tomando por exemplo três dos trabalhadores mencionados nos Autos de 2013, observam-se evidências do afirmado atrás, como se afere pelo quadro seguinte, sendo que Y... nem sequer consta das DMR's da E... . Note-se que, embora T... e U... constem de todos os Autos de 2013, eles apenas foram incluídos nas DMR's da E... a partir de Maio desse ano.

 

Não obstante as DMR da E...  apenas possibilitarem a identificação de parte dos trabalhadores listados, os elementos constantes dos Autos recolhidos (custo/hora e horas trabalhadas por trabalhador) permitem apurar os gastos com os trabalhadores por conta de outrem na esfera da E... para os anos 2013, 2014 e 2015. Os valores assim apurados são coerentes com "Gastos com o pessoal" declarados nas respetivas IES.

 

III.4.2.1) ANÁLISE DOS AUTOS

São vários os tipos de Autos, conforme se passa a apresentar e analisar:

• Os Autos mais simples apresentam em geral a estrutura evidenciada, por exemplo no Auto nº 1/2013 que a seguir se reproduz e que apresenta uma relação dos trabalhadores cedidos, das horas trabalhadas, do seu custo/hora para a E... (parte de baixo) e do seu custo total para o mês em causa. A parte de cima do Auto repete as informações de baixo alterando o custo/hora dos trabalhadores. Ao valor total obtido, é aplicada taxa de IVA correspondente, obtendo-se, na prática, os valores base da fatura nº 4 emitida à A... . Note-se que na parte central do auto é calculado, por diferença, o "ganho" da E..., por vezes com a menção "RECEBER", como se pode ver no Auto nº 2/2013, também a seguir reproduzido, e que serviu de base da fatura nº 12 de 2013.

 

 

 

• Existem contudo faturas em que, embora exista um Auto associado, a versão do Auto vertido na fatura está adulterado.

De facto, como se pode observar no Auto nº 005 de 2013, às horas originalmente imputadas a cada trabalhador que, por si só já traduzem um horário laboral completo, foram acrescidas, sem qualquer justificação, 100 horas, passando as 168 horas de Y... para 268 horas, por exemplo.

De facto, não obstante os valores da parte esquerda do Auto poderem corresponder a efetivas horas trabalhadas, a fatura nº 36 de 2013 foi emitida com base no incremento de 100 horas por trabalhador, aquelas que constam da parte direita do Auto.

 

Note-se que, quatro dias após o depósito do cheque que serviu para pagamento da referida fatura (20.571,63 euros), constante do Auto acima identificado enquanto "Valor Cheque", foi levantado o valor de 15.107,34 euros.

O valor de 6.128,89 euros, inscrito no lado direito do Auto, corresponde ao somatório da parcela "RECEBER" (ganho da E...) no valor de 4.700,59 euros com o diferencial de IVA, calculado entre o valor indicado na esquerda (2.418,43 euros) e na direita (3.846,73 euros)

A diferença entre o valor total da fatura emitida e os 6.128,89 euros, no valor de 14.442,74 euros, consta do Auto sob a menção "Eng".

Também no Auto nº G de 2013, que serviu de base à fatura nº 46 de 2013, se verifica a coexistência de valores reais e valores manipulados, conforme se apresenta e analisa:

 

De facto, para além das rubricas anteriormente referidas na análise do Auto nº 5, o Auto nº 6 atrás reproduzido, evidencia:

- Um campo denominado "ACERTOS", no valor de 22.758,00 euros.

- O valor de 6.372,24 euros que corresponde a 28% dos acertos, ou seja, 23% de IVA acrescidos de 5%, de eventual comissão da E... .

- O valor 11.085,77 euros que é a soma dos 28% dos "ACERTOS", no montante de 6-372,24 euros com o valor de 4.713,53 euros da rubrica "RECEBER".

- O campo "SALDO" de 27.454,50 euros (valor total da fatura expurgado dos 11.085,77 euros) que corresponde exatamente ao montante levantado da conta bancária da E..., cinco dias após o depósito do cheque emitido para pagamento da fatura nº 46/2013, no valor de 38.540,27 euros.

Note-se que o valor que ficou na esfera da E..., no montante de 3.879,05 euros, correspondente à diferença entre o valor do cheque (38.540,27 euros) e o do levantamento (27.454,50 euros), expurgado do IVA a entregar ao estado e liquidado em fatura (7.206,72 euros), não cobre o custo dos trabalhadores que foi, segundo os dados da parte inferior esquerda do Auto, de 5.834,40 euros.

Relativamente ao ano de 2013, outros Autos evidenciam a mesma situação atrás descrita.

Nos anos de 2014 e 2015, prossegue a coexistência de valores reais com valores empolados nos Autos existentes.

• A partir de fevereiro de 2014, passam a existir duas versões de cada Auto.

A título de exemplo, atente-se no Auto nº 0005/2014, correspondente à fatura nº 25 de 2014.

 

A fatura emitida à A... foi emitida pelo valor global de 29.126,40 euros e encontra-se onerada de 10.768,40 euros. Este valor corresponde ao campo "O RESTO" indicado na parte de baixo do lado esquerdo e que está também discriminado na parte superior embora não indexado a qualquer trabalhador.

Acrescendo aquele valor à rubrica "PESSOAL MEU", no montante de 9.371,75 euros, obtém-se um valor de 20.140,15 euros dos quais foram deduzidos 538,42 euros (5% do valor identificado como "O RESTO"), encontrando-se um montante de 19.601,73 euros.

Sabe-se que, quatro dias após o depósito do cheque de 29.126,40 euros, que deu pagamento à fatura, foram levantados 21.980 euros da conta bancária da E..., ficando na sua esfera o montante de 7.146,40 euros, valor insuficiente para fazer face ao pagamento dos trabalhadores identificados - rubrica "PESSOAL MEU", que totaliza 9.371,75 euros.

Os restantes Autos de 2014 e 2015 seguem a mesma lógica deste Auto atrás reproduzido e analisado.

 

III.5) DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO

Em 25 de setembro de 2018, a A... autorizou o acesso da AT a elementos de natureza bancária junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, de acordo com o referido no artigo 79º nº 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), incluindo a consulta e solicitação, junto do Banco de Portugal, da informação constante da base de dados de contas bancárias, nos termos do nº 2 do artigo 80º do referido regime.

Neste âmbito, o Banco de Portugal identificou contas bancárias nas instituições V..., SA, Banco W..., SA e Banco X..., SA, aos quais foi solicitado o envio de informação bancária, nomeadamente extratos e documentos comprovativos de alguns movimentos bancários.

A análise efetuada permitiu confirmar que para pagamento das faturas emitidas pela E... foram emitidos cheques nominativos.

Confirmou-se também que a origem das entradas de meios financeiros nas contas bancárias da A... respeita apenas aos pagamentos dos clientes.

Adicionalmente solicitou-se às instituições financeiras cópia frente e verso de uma amostra de cheques que se elencam de seguida.

Da conciliação dos extratos bancários com os elementos constantes no verso dos cheques listados, concluiu-se que a sua quase totalidade, após assinados por José Serra, foi objeto de levantamento ao balção ou de depósito numa conta que, não estando identificado o destinatário, se considera ser titulada pelo próprio.

Como se conclui da amostra a seguir apresentada e se viu reproduzido em todo o universo dos pagamentos efetuados pela A... à E..., grande parte dos cheques emitidos para pagamento das faturas emitidas não teve como destino final as contas bancárias da E...:

 

O facto de existirem faturas emitidas pela E... à A... que não têm por base operações reais, dá origem ao procedimento financeiro de emissão de cheques de modo a aparentar o efetivo pagamento das faturas emitidas. No entanto, após a verificação e o acompanhamento do circuito total desses cheques, conclui-se que a sua maioria não deu entrada nas contas bancárias da E... contrariando o previsto no nº 1 do artigo 63º-C da LGT.

De facto, através de levantamentos ao balção, de depósitos nas contas pessoais de O... e de depósitos seguidos de levantamentos imediatos, a quase totalidade dos valores pagos foram desviados para destino incerto, tal como se os pagamentos tivessem sido efetuados e numerário, conforme se resume:

 

 

III.6) GASTOS DE SUBSTITUIÇÃO

Face a tudo o que ficou exposto, nomeadamente as evidências recolhidas que apontam no sentido de as faturas registadas na sua contabilidade como subcontratos, emitidas pela E..., não titularem efetivos serviços prestados, foi a A... notificada, ao abrigo do princípio da colaboração previsto no nº 4 do artigo 59º da LGT e no artigo 48º do RCPITA, para, querendo, apresentar os suportes documentais relativos às efetivas operações económicas realizadas com a E... ou com outros operadores, ou ainda, sendo caso disso, eventuais encargos suportados no âmbito da atividade produtiva que tenham sido justificados com as faturas emitidas pela E... .

Em resposta, o SP apresentou e entregou os seguintes elementos:

- Cópia de documentos denominados de "Folha de serviço" que consistem, por cada trabalhador cedido pela E..., na listagem de horas trabalhadas, por dia, durante cada mês.

- Um apanhado mensal, em folhas distintas das folhas de serviço, do número de horas extra por trabalhador.

- Uma folha manuscrita com o nome completo dos referidos trabalhadores, uma vez que, nas folhas de serviço estes são identificados de forma abreviada. O SP apenas não conseguiu indicar o nome completo do funcionário "Z...", que também não consta das DMR's entregues pela E... .

- Um pedido da A... à E..., efetuado por correio eletrónico com data de 24-09-2019, solicitando a "documentação comprovativa dos funcionários envolvidos nos trabalhadores executados e orçamentados, no período de 2013 a 2015" e a "listagem dos funcionários na respetiva seguradora no período acima referido".

- A resposta da E... ao pedido efetuado que se traduziu na entrega de todos os extratos da declaração de remunerações2 do período em análise relativamente a todos os trabalhadores da E... (mesmo os não envolvidos com o cliente A...). A listagem dos trabalhadores na seguradora não foi remetida.

No apanhado mensal das horas extraordinárias e as folhas de serviço apresentadas constam os funcionários afetos à E... l elencados no quadro seguinte. Destes, quatro não constam das DMR's nem dos documentos da Segurança Social apresentados e não foi possível identificar o número de identificação fiscal de dois desses trabalhadores. Com base nos documentos apresentados, estes trabalhadores terão trabalhado as seguintes horas.

 

 

Adicionalmente, foram apresentadas folhas de serviço contendo horas normais e horas extra referentes aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2014 e 2015 relativas aos quatro subcontratados da E... a já referidos no ponto III.4.2) (AA...;BB...; CC...; DD...).

Relativamente aos elementos apresentados, refira-se o seguinte:

 

Folhas de Serviço

- As horas normais que constam das folhas de serviço são coerentes com as horas trabalhadas indicadas nos Autos recolhidos nas buscas e já analisados no ponto III.4.2.1)

- Algumas das folhas de serviço agora apresentadas são iguais as que foram recolhidas nas buscas à E..., as quais, como já referido, foram, à data, remetidas por fax pela A..., o que demonstra que traduzem o trabalho efetivo de cada mês a que respeitam.

 

Horas Extraordinárias

- Os apanhados mensais de horas extraordinárias, apenas indicam o número de horas, alegadamente trabalhadas além do horário normal, sem identificar o preço unitário a que cada uma dessas horas deve ser valorizada nem sequer o valor total correspondente à totalidade das horas. Por outro lado, estes não se encontram refletidos em nenhum dos elementos recolhidos no âmbito da ação inspetiva à E..., nomeadamente nas buscas, nas DMR's ou nos documentos extraídos do sitio da Segurança Social. Mais, considerando os gastos com o pessoal declarados nas IES da  E..., verifica-se que estes comportam apenas os gastos por trabalhador, calculados com base nas horas e nos preços/hora na esfera da E... constantes dos Autos, mas não o valor das horas extraordinárias listadas nos apanhados mensais agora apresentados, mesmo admitindo que estas fossem valoradas aos mesmos preços/hora das horas normais.

Conclui-se assim que o sujeito passivo, após notificação para o efeito, apenas apresentou prova que valida os elementos recolhidos no âmbito da busca à E... e disponibilizados pela DF Braga, nomeadamente os "Autos" que deram origem à faturação das horas de trabalho efetivas dos trabalhadores cedidos pela E..., cujo controlo era efetuado pela A..., mediante a elaboração e remessa à E... das Folhas de Serviço agora apresentadas.

 

III.7) CONCLUSÃO

Face ao exposto, conclui-se que os serviços prestados pela E... à A... se consubstanciaram na cedência de trabalhadores, tais como serralheiros e soldadores, que trabalharam nas instalações fabris da A... ou dos seus clientes. Esses serviços prestados encontram-se suportados pelas folhas de serviço apresentadas e vertidas nos Autos atrás referidos e na repercussão à A... dos gastos com os também já mencionados quatro trabalhadores independentes.

Assim, tendo por base as folhas de serviço apresentadas e os Autos apreendidos, conclui-se que a repercussão à A... dos gastos com o pessoal da E... constitui a componente "real" das faturas emitidas, considerando-se como reais os gastos faturados à A... relativos às horas normais trabalhadas e mencionadas nos Autos por refletirem as folhas de serviço apresentadas e existirem evidências que estas foram elaboradas aquando a prestação dos serviços em causa.

No entanto, verificou-se que a maioria das faturas não têm subjacente qualquer suporte técnico e apenas titulam operações simuladas, na medida em que a estrutura produtiva da E... não é capaz de suportar a faturação emitida à A... por o seu quadro de pessoal ser insuficiente e os subcontratos faturados pela G..., F... e H... não traduzirem operações reais.

Também da análise casuística das operações com o cliente R... (maior cliente nos anos em apreço), verificou-se não existir coerência entre o valor dos fornecimentos da E... e as datas e natureza dos serviços faturados ao cliente.

Por outro lado, a análise bancária realizada quer na esfera da E... quer da A... permitiu aferir que apenas uma pequena parte dos meios financeiros que deram pagamento às faturas emitidas entre as duas empresas ficou na esfera do fornecedor.

Face ao exposto, considera-se que as faturas emitidas pela E... à A..., podem ser separadas em três grupos: as faturas suportadas por Autos sem componente simulada, as faturas suportadas por Autos com componente simulada e as faturas não suportadas por Autos.

 

III.7.1) FATURAS SUPORTADAS POR AUTOS COM COMPONENTE SIMULADA

Tendo em conta o já referido e considerando que:

• Relativamente à fatura nº 53 de 2015, será considerado o valor faturado, porquanto a diferença entre o valor da fatura e o valor do Auto não é relevante.

• Existindo dois Autos nº 6 e nº 10 em 2013, os mesmos divergem entre si, pelo que vão ser considerados os dois, identificando-os com 06 e 06(2); 10 e 10(2)

• Consideram-se simuladas as 100 horas/trabalhador imputadas no Auto nº 5/2013, uma vez que estas não constam das folhas de serviço apresentadas.

• Não obstante não ter sido recolhido o Auto nº 8/2014, respeitante ao mês de agosto de 2014, dado que o mesmo se encontra em falta na sequência numérica e as folhas de serviço apresentadas ilustram a cedência de trabalhadores por parte da E... em agosto de 2014, foi, a partir dos restantes Autos, que evidenciam o custo/hora repercutido à A... por cada trabalhador e com base nas horas inscritas nas folhas de serviço apresentadas, calculado o montante do gasto a considerar na esfera da A..., embora este não esteja diretamente refletido em nenhuma fatura, conforme o quadro seguinte.

 

 

O quadro seguinte sintetiza as faturas suportadas pelas folhas de serviço e respetivos autos, destacando, para cada uma delas, os valores reais e simulados. São também tidos em conta os gastos relativos aos quatro trabalhadores subcontratados, apurando-se na coluna D a parte do gasto que não corresponde a

efetivos serviços prestados por não resultarem de horas trabalhadas pelo pessoal próprio da E... nem pelos subcontratados pela E... para trabalhar na A.... .

 

 

III.7.2) FATURAS NÃO SUPORTADAS POR AUTOS

Tendo em conta o já referido, concluiu-se que as faturas listadas no quadro seguinte não são suportadas por Auto, titulando operações simuladas.

 

 

 

 

III.8) CORREÇÕES

III.8.1) EM SEDE DE IRC

Por força do nº1 do artigo 23º do CIRC, apenas são dedutíveis os gastos ou perdas incorridos pelo sujeito passivo para garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Tendo em conta que, após as notificações efetuadas, apenas foram justificados parte dos gastos indevidamente suportados pelas faturas emitidas pela E..., devem os gastos injustificados constantes do quadro seguinte ser desconsiderados.

 

 

Assim, o Lucro Tributável dos anos em análise será corrigido conforme o quadro seguinte.

 

 

III.8.2) EM SEDE DE IVA - IVA DEDUTÍVEL

Por força do nº 3 do artigo 19º do CIRC, não é dedutível o imposto que resulte de operação simulada, pelo que o IVA deduzido nas faturas que titularam total ou parcialmente operações simuladas deverá ser desconsiderado.

 

Artigo 19º nº 3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura."

 

No entanto, observou-se que, em 2015, nem sempre o SP procedeu à contabilização das faturas e dedução do IVA nos períodos correspondentes à data da fatura, pelo que as correções às DP terão em conta este facto.

Note-se que, face à desconsideração do IVA das faturas que titulam operações simuladas e incluem uma componente cujo gasto foi acolhido em sede de IRC, os valores da base tributável que listados de seguida diferem do gasto desconsiderado.

 

 

 

 

As declarações periódicas de IVA apresentadas pelo sujeito passivo deverão ser corrigidas nos montantes correspondentes, resultando os seguintes apuramentos:

 

 

 

(...)

IX- DIREITO DE AUDIÇÃO

(...)

IX.1)- APRECIAÇÃO

No DA é considerado injusto o tratamento dado à A..., discordando das conclusões plasmadas no PRIT, sendo levantadas resumidamente as seguintes questões:

- Caducidade do direito à liquidação relativamente ao ano de 2013;

- Contribuição dos gastos desconsiderados no PRIT para a obtenção dos rendimentos dos anos de 2013, 2014 e 2015;

- Ausência de condições de punibilidade do comportamento da empresa como crime de fraude fiscal.

- Quanto à caducidade da liquidação relativa ao ano de 2013

No capítulo II) da petição apresentada, é solicitado que seja reconhecida a caducidade do direito à liquidação relativamente ao exercício de 2013, com o fundamento que o alargamento do direito à liquidação por instauração de inquérito criminal, previsto no nº 5 do artigo 45º da LGT, não é aplicável se o SP desconhecer

os factos a que se refere o inquérito e se não for constituído arguido.

Quanto ao invocado, importa referir o seguinte.

Face à instauração do processo de inquérito nº .../17...T9PRT, o nº 5 do artigo 45º da LGT alarga o prazo do direito à liquidação até ao seu arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Assim, o procedimento de inspeção podia sempre iniciar-se e decorrer nesse alargado prazo do direito à liquidação.

Após o início do procedimento de inspeção, foi o SP notificado, em 2018-09-24, nos termos do nº 6 do artigo 36º do RCPITA, da suspensão do prazo para conclusão do procedimento de inspeção pelos fundamentos previstos no nº 5 do mesmo artigo, com identificação do processo de inquérito e da data de instauração, pelo que, no que respeita aos factos nele incluídos, a qualquer momento após a referida notificação, podia o SP, ter solicitado esta informação ao Ministério Público, entidade que o tutela.

Assim, tendo em conta que o procedimento inspetivo se iniciou e decorreu dentro do prazo do direito à liquidação, é afastada a alegação relativa à caducidade do direito à liquidação do ano de 2013.

 

- Quanto as conclusões da inspeção tributária e correções propostas

 

No capítulo III) da petição apresentada, são levantadas algumas questões, que a seguir se apresentam e apreciam;

• Nos pontos 40 a 46, é assumida como "erro" a forma de contabilização dos adiantamentos faturados aos clientes, já que não foi levada em conta a NCRF 19. O DA justifica esse procedimento no ponto 44, onde é informado que tal prática contabilística foi adotada, "atentas as necessidades e pedidos nesse sentido por parte de clientes importantes (...)". Por outro lado, no ponto 140 da petição, é referido que os desfasamentos entre as faturas emitidas ao cliente R... e os alegados inputs da E...  tinham que ver com a "necessidade desse cliente em ter faturas em determinadas datas".

Portanto, as justificações apresentadas para a falta de rigor na emissão de faturas e na contabilização de adiantamentos demonstram que o comportamento da A... é permeável aos interesses de terceiros, especialmente de clientes, mesmo que tal prejudique o rigoroso cumprimento das normas fiscais vigentes, pondo em questão a imagem cumpridora que o SP pretende passar.

• No teor da petição, é referido por diversas vezes o desconhecimento das empresas F..., G... e H..., subcontratados da E... e no ponto 136 é referido que, em nenhum ponto do PRIT, é dito com que critério se afere que as sociedades E..., G..., F... e H... não têm capacidade para executar os trabalhos fornecidos pela A... .

Contudo, contrariamente ao referido, a insuficiência da estrutura produtiva da  E... para prestar todos os serviços faturados, associada à ausência de estrutura das referidas subcontratadas, encontra-se extensamente evidenciada no ponto III.2). No mesmo ponto, constam também as evidências que a faturação emitida por estas três subcontratadas da E..., relembre-se empresas sem estrutura produtiva nem contabilidade, foram o suporte da emissão de grande parte das faturas da E... para a A...

• Quanto ao controlo dos trabalhadores cedidos pela E... à A..., no ponto 96 da petição, é referido que "a A... apenas "controlava" parte dos trabalhadores, e a pedido destes, no sentido de serem pagos em numerário no local onde estavam deslocados a trabalhar, fosse na A..., fosse nos clientes desta, evitando assim terem que se deslocar à E..., apenas com este propósito".

Ora, esta afirmação evidencia a violação do artigo 63º-C da LGT e reforça os fundamentos das correções efetuadas. De facto, anteriormente foi referido e documentado que a relação comercial entre as duas entidades, alegadamente independentes, assentava em orçamentos, faturas e pagamento das mesmas por via de cheque, pelo que o argumento agora apresentado de que a A... pagava aos trabalhadores do seu fornecedor não é coerente com o anteriormente afirmado pelo SP. Mais, observou-se que tais pagamentos não se encontram refletidos na contabilidade. Com efeito, os referidos pagamentos em dinheiro não se encontram refletidos na conta Caixa, pelo que o numerário utilizado para os efetuar não teve origem nas disponibilidades financeiras conhecidas da empresa. Adicionalmente, observou-se que os referidos pagamentos adiantados não se encontram refletidos na faturação emitida pela E... nem nos seus pagamentos, uma vez que as únicas diferenças existentes entre as faturas e os seus pagamentos por cheque ocorreram em 2015 e são, de acordo com o afirmado no ponto 103, resultantes de acertos com ajudas de custo do pessoal.

• No ponto 102 da petição, o SP refere que os "autos" mencionados no PRIT não são documentos oficiais, nem têm valor legal ou contabilístico, podendo conter imprecisões. Quanto a esta questão, refira-se que estes apenas foram considerados na medida em que correspondiam às Folhas de Serviço fornecidas pelo SP após notificações para o efeito.

De facto, na análise efetuada prevaleceram as Folhas de Serviço em detrimento dos "autos", conforme fica patente no mês de agosto de 2014, em que as Folhas de Serviço apresentadas evidenciavam horas de trabalho não refletidas em "auto" correspondente, sendo estas consideradas para determinação do gasto da A... .

A única exceção e, em favor do SP, verificou-se em relação aos trabalhadores independentes identificados no ponto III.4.2) do PRIT, em que foram considerados os valores constantes nos "autos", porquanto os mesmos refletem a faturação emitida por aqueles trabalhadores à E... .

•Ao longo da petição apresentada, é referido que a "visada" do PRIT não é a A... mas sim a E... .

 De referir que a E... foi já objeto da competente avaliação e escrutínio, em consequência do qual foi instaurado o inquérito criminal do qual a A... é objeto.

Por outro lado, a existência de operações simuladas pressupõe concertação entre emitente e utilizador, sendo a vantagem fiscal concretizada na esfera da A... enquanto utilizadora das faturas.

 

- Quanto ao apuramento de responsabilidades criminais

Nos capítulos IV e V da petição apresentada, o SP discorda do enquadramento do comportamento descrito no PRIT enquanto fraude qualificada, afirmando não estarem reunidas as condições básicas de punibilidade, no que à A... diz respeito, requerendo o arquivamento dos inquéritos em curso.

Sem prejuízo da decisão de arquivamento dos inquéritos não ser competência da inspeção tributária, o comportamento do SP é enquadrável na alínea c) do nº 1 do artigo 103º e é punível nos termos do nº 2 do artigo 104º do RGIT. A avaliação das infrações assinaladas será efetuada no âmbito do processo de inquérito já instaurado.

 

B)           Na sequência da inspecção a Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações de IRC e juros compensatórios e respectivas demonstrações de acerto de contas:

– liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2013, no montante de € 178.503,92, em que se inclui o montante de€ 32.379,55 de juros compensatórios, apurado na liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., a que se seguiu a demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020...;

– liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2014, no valor de € 187.657,26, em que se inclui o valor de € 30.743,92 respeitante a juros compensatórios, apurado nas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 ... (€ 2.250,00) e 2020 ... (€ 28.493,92), a que se seguiu a demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020...;

– liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2015, no valor de € 192.333,15, em que se inclui o valor de € 11.444,13 respeitante a juros compensatórios, apurado na liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., a que se seguiu a demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020... .

 

C)           A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações que foi indeferida;

D)           A Requerente tem habitualmente cerca de 10 funcionários (depoimentos de EE..., FF... e GG...);

E)            A Requerente recorria habitualmente à sub-contratação, obtendo por essa via cerca de 90% dos trabalhadores de que necessitava para a sua actividade (depoimento de GG...);

F)            Os trabalhadores que a Requerente obtinha através da E...  eram soldadores para fazer as caldeiras (depoimentos de EE..., FF... e GG...);

G)           Além das despesas com a obtenção de trabalhadores, a Requerente tem outras despesas, como ferro, chapas e material eléctrico (depoimento de GG...);

H)           As facturas emitidas pela E... eram pagas com base nos orçamentos, não excedendo o seu valor independentemente do número de horas de trabalho e da forma como as facturas eram emitidas relativamente a cada orçamento (depoimento de GG...);

I)             As facturas emitidas pela E... nunca foram pagas com base em autos, nem estes eram apresentados aos serviços de contabilidade da Requerente que só tiveram conhecimento dos autos referidos no Relatório da Inspecção Tributária durante a inspecção tributária (depoimento de GG...);

J)            A Requerente não fazia os pagamentos segundo o regime de percentagem de acabamento (depoimento de GG...);

K)           A Requerente faz caldeiras de enormes dimensões, para unidades industriais e hotéis, por vezes com preços que excedem € 2.000.000,00 (depoimentos FF..., GG... e HH... e fotografias que constam dos documentos 4 a 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

L)            Depois da instalação das caldeiras, a Requerente tem de fazer testes, fiscalização e assistência, havendo sempre ajustamentos a fazer (depoimentos de HH... e GG...);

M)          A inspecção referida nos autos foi a primeira que gerou problemas com a Administração Tributária (depoimento de GG...);

N)           Nas obras grandes que a Requerente fazia trabalhavam cerca de 20 trabalhadores (depoimentos de FF... e II...);

O)           A Requerente deixou de contratar trabalhadores à E... e passou a contratá los a uma empresa de JJ... (depoimento de II...);

P)           A E... atrasava frequentemente pagamentos aos trabalhadores, pelo que a Requerente passou a reter o dinheiro necessário para lhes pagar, descontando nos pagamentos das facturas emitidas pela E... (depoimento de II...);

Q)           A caldeira construída para a empresa R..., SA (R...) é de dimensões muito grandes, queimando cerca de 25 toneladas de combustível por dia (depoimento de HH...);

R)           A Requerente suportou despesas com deslocações e estadias de trabalhadores ao seu serviço (documentos n.ºs 14 e 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

S)            A Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que foi emitido depois do termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações);

T)            Em 25-11-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados

 

3.2.1. Não se provou quais os factos que serão objecto do processo de inquérito criminal n.º .../17...T9PRT-0601, a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente se a Requerente é arguida.

 

3.2.2. Não se provou que a Requerente tivesse alguma relação ou mesmo que conhecesse as empresas F...Unipessoal, Lda, G..., Lda e H... Unipessoal, Lda.

A Requerente diz que não as conhece e o que afirma é crível, pois não há no Relatório da Inspecção Tributária qualquer alusão a contactos da Requerente com qualquer destas empresas.

 

3.2.3. Não se provou que as empresas F... Unipessoal, Lda, G... , Lda e H...Unipessoal, Lda. não tivessem estrutura para fornecer à E... os trabalhadores que esta colocou ao serviço da Requerente.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira fórmula uma conclusão nesse sentido com base em elementos que poderão ou não existir noutro procedimento inspectivo, mas não existe no presente processo, nem no processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer documentação que permita apurar qual a estrutura daquelas empresas.

 

3.2.4. Não se provou que tivesse havido qualquer acordo entre a Requerente e a E... para emitir facturação por serviços não prestados por esta.

Nenhuma prova foi produzida nesse sentido.

 

3.2.5. Não se provou em que consistiu a diligência de buscas à E... e ao seu administrador, que no Relatório da Inspecção Tributária se refere ter sido efetuada pela Direcção de Finanças de Braga, designadamente se foram recolhidos ficheiros informáticos e qual o seu conteúdo. Nomeadamente, não se provou que esses ficheiros se refiram a facturas emitidas pela H..., G... e F... à E... .

Não foi apresentada qualquer prova desta alegada diligência.

3.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente, no processo administrativo e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal.

A testemunha EE... trabalhava como soldador para a Requerente.

A testemunha FF..., é serralheiro e trabalhou para a Requerente.

A testemunha GG... é contabilista certificada da Requerente desde há muitos anos.

A testemunha II... é soldador e trabalhou para a Requerente no âmbito dos contratos daquela com a E... .

A testemunha HH... era encarregado da R..., S.A, em que a Requerente efectuou uma obra de grande dimensão.

Todas as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

 

4. Matéria de direito

 

Foi efectuada uma inspecção à Requerente em que foram efectuadas correcções em sede de IRC e IVA, com o fundamento de que as facturas emitidas pela E..., SA, NIF ... (E...) eram simuladas.

As facturas referem-se ao fornecimento de trabalhadores pela E..., tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira concluído que parte delas não têm subjacentes operações reais.

A Requerente imputa à liquidação de 2013 vícios de fundamentação e de caducidade do direito de liquidação (artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral) e de violação do limite de instauração do procedimento de inspecção decorrente do prazo de caducidade do direito de liquidação previsto no artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), por já ter decorrido o prazo previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT quando foi iniciada a inspecção relativa ao exercício de 2013 (artigos 20.º a 23.º do pedido de pronúncia arbitral).

Para além disso, a requerente imputa às liquidações impugnadas, em suma:

– vícios de falta de fundamentação quanto a essas questões relativas à caducidade, por o Relatório da Inspecção Tributária não fundamentar adequadamente o alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação (artigo 22.º do pedido de pronúncia arbitral);

– vício de falta de fundamentação, por o Relatório da Inspecção Tributária «ser bastante vago na sua fundamentação» (artigos 21.º, 153.º e 156.º do pedido de pronúncia arbitral);

– falta de consideração do contributo dado pela Requerente no procedimento (artigos 154.º e 155.º do pedido de pronúncia arbitral);

– desconsideração da realidade factual e sua adequação à realidade jurídica (artigo 154.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea a) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

Os vícios de falta de fundamentação formal e de preterição do direito de audição (a que se reconduzem os referidos nos artigos 153.º, 154.º e 155.º do pedido de pronúncia arbitral) são de natureza formal e procedimental e a anulação com base neles, não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com supressão dos vícios.

No entanto, embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, em situações em que a falta de fundamentação afecte a própria possibilidade de o Tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do acto impugnado, quanto aos seus pressupostos de facto ou de direito. Na verdade, a apreciação dos vícios de violação de lei depende da averiguação dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, pelo que a falta de conhecimento exacto da motivação da decisão pode ser um obstáculo intransponível à apreciação dos vícios de violação de lei. (   ).

A questão da falta de fundamentação está conexionada com a da caducidade do direito de liquidação (artigo 21.º do pedido de pronúncia arbitral) e o erro sobre a realidade (erro sobre os pressupostos de facto na dogmática administrativa), pelo que é conveniente abordá-las prioritariamente.

 

4.1. Questões da caducidade do direito de liquidação e prazo para instaurar procedimento de inspecção e da respectiva falta de fundamentação

 

O artigo 36.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira estabelece que «o procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos».

O artigo 45.º, n.º 1, da LGT estabelece o prazo normal de caducidade do direito de liquidação, que fixa em 4 anos, prevendo no seu n.º 5 o alargamento nestes termos:

Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

 

Com base nestas normas, a Requerente defende que «não restarão dúvidas de que o procedimento de inspeção, no que tange ao exercício de 2013, não poderia ter início para lá de 1 de janeiro de 2018».

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o seguinte:

Em 24 de setembro de 2018, notificou-se o sujeito passivo, na pessoa de D..., na qualidade de administrador, nos termos do n.º 6 do artigo 36.º do RCPITA, que o prazo para conclusão do procedimento de inspeção, iniciado em 24 de julho de 2018, ao abrigo das Ordens de Serviço nº OI2018..., OI2018... e OI2018..., se encontra suspenso desde 24 de julho de 2018, por se encontrar instaurado o processo de inquérito nº .../17....T9PRT-0601 constituindo fundamento, previsto na alínea c) do n.º 5 do artigo 36.º do mesmo diploma legal, para essa suspensão.

Assim, o início da ação ocorreu no dia 24 de julho de 2018, nos termos do artigo 51º do RCPITA e o prazo para a conclusão encontra-se suspenso nos termos do n.º5 do artigo 36º do RCPITA, desde esse dia. O direito à liquidação está garantido nos termos do disposto no número 5 do artigo 45.º da LGT.

 

Desde logo, o n.º 5 do artigo 36.º da Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, passou a prever a suspensão do prazo para a conclusão do procedimento, não tendo, até então, qualquer alínea c), pelo que não está explicitada a razão ou razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que esta nova redacção seria aplicável ao ano de 2013.

Trata-se de uma explicação que seria necessária pois, por força do disposto no artigo 12.º, n.º 3 da LGT, «as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes» e a suspensão do prazo para instauração tinha potencialidade para afectar o direito que o contribuinte adquiriu, no final de 2013, de não ver instaurado um procedimento de inspecção relativo a esse ano após 01-01-2018.

Por outro lado, o que está em causa, quanto ao artigo 36º, n.º 1, do RCPITA, não é a suspensão do prazo do procedimento de inspecção, mas sim a caducidade do direito da Administração Tributária o instaurar, o que não tem relação perceptível com o n.º 5 do mesmo artigo, mesmo na nova redacção.

Há, assim, deficiência de fundamentação quanto à questão da tempestividade da instauração em 2018 de um procedimento de inspecção relativo ao ano de 2013.

Por outro lado, quanto à questão da caducidade do direito de liquidação em relação ao ano de 2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca o n.º 5 do artigo 45.º da LGT que estabelece que «sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano».

Como decorre desta norma, para se saber se ela se aplica é necessário, antes de mais, saber quais os factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, para, depois, comparando-os com os que basearam a liquidação relativa ao exercício de 2013, se poder concluir, ou não, que são os mesmos.

Neste caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstrou no processo quais os factos que são objecto do processo de inquérito e, perante a colocação da questão pela Requerente, em sede de exercício do direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, disse o seguinte:

Face à instauração do processo de inquérito nº .../17...T9PRT, o nº 5 do artigo 45º da LGT alarga o prazo do direito à liquidação até ao seu arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Assim, o procedimento de inspeção podia sempre iniciar-se e decorrer nesse alargado prazo do direito à liquidação.

Após o início do procedimento de inspeção, foi o SP notificado, em 2018-09-24, nos termos do nº 6 do artigo 36º do RCPITA, da suspensão do prazo para conclusão do procedimento de inspeção pelos fundamentos previstos no nº 5 do mesmo artigo, com identificação do processo de inquérito e da data de instauração, pelo que, no que respeita aos factos nele incluídos, a qualquer momento após a referida notificação, podia o SP, ter solicitado esta informação ao Ministério Público, entidade que o tutela.

 

Ora, este entendimento é manifestamente errado quanto aos deveres de fundamentação, pois, como impõe o artigo 268.º. n.º 3, da CRP, ela tem de ser «expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos», pelo que que não se compatibiliza com a existência de elementos relevantes para determinar o conteúdo de actos lesivos que possam ser ocultados aos seus destinatários. E, por isso, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem de fazer chegar a fundamentação aos interessados, não podendo impor-lhes a obrigação de se substituírem a ela diligenciando no sentido de a obterem, para mais numa situação em que o acesso à fundamentação não está garantido, ficando dependentes do entendimento do Ministério Público sobre a dimensão do segredo de justiça. (   )

Aliás, não há sequer qualquer indício nos autos de que a inspecção tributária conhecesse, quando elaborou o Relatório da Inspecção Tributária, quais serão os factos que o processo de inquérito terá por objecto.

Pelo exposto, a decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto à caducidade do direito de liquidação e quanto ao prazo de instauração do procedimento de inspecção enferma de vício de falta de fundamentação, na medida em que em ínsito um pressuposto de que os factos são os mesmos, que não se percebe em que se baseia, pois são desconhecidos os factos que são objecto do inquérito criminal.

Pelo exposto, as liquidações relativas ao exercício de 2013 enfermam de vício de falta de fundamentação expressa e acessível, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Quanto aos vícios de caducidade do direito de liquidação e violação do prazo para instaurar procedimento de inspecção, não é possível decidir, pois não se conhecem os factos que são objecto do inquérito, instaurado em 2017, que são imprescindíveis para apreciar essas questões.

 

4.2. Questão da falta de fundamentação das correcções

 

A Requerente defende que o Relatório da Inspecção Tributária, que constitui a fundamentação das liquidações, «se apresenta bastante vago na sua fundamentação e demasiado conclusivo, sem apreciar com profundidade os factos em que assenta as suas determinações, em desobediência aos princípios basilares da Inspeção Tributária, em especial, do Procedimento Tributário, em geral (entre os quais avultam o da Legalidade, da Proporcionalidade, da Imparcialidade, da Verdade Material, da Boa-fé), e à norma constitucional ínsita no art. 268º nº3 da CRP, sob a epígrafe Direitos e garantias dos administrados, que dispõe que os actos administrativos (...) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, estando feridos de ilegalidade se tal não suceder».

O reconhecimento constitucional do direito a fundamentação clara e acessível de actos lesivos praticados pela Administração, que é feito no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, exige que ela seja clara, como se reconhece no artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, em que se estabelece que «equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto».

No caso em apreço, a Requerente defende que não existe a necessária clareza, quanto à conclusão que a Autoridade Tributária e Aduaneira fórmula nestes termos:

«uma vez que estas empresas subcontratadas pela E...  não tinham estrutura que lhes permitisse prestar qualquer tipo de serviço e que, na prática, os decisores das três (E..., F... e G...) se confundiam, é evidente que a faturação da F... e G..., apenas foi emitida para suportar documentalmente as faturas emitidas pela E... à A...».

 

De facto, não se percebe como a Autoridade Tributária e Aduaneira chegou a esta conclusão, desde logo porque não se provaram factos que permitam conhecer quais as estruturas daquelas empresas, nem o Relatório da Inspecção Tributária é claro quanto à estrutura mínima de uma empresa que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera imprescindível para poder prestar serviços do tipo dos de cedência de pessoal, que prestava a E..., que não exigem que as empresas que cedem pessoal os tenham permanentemente ao seu serviço, pois podem recorrer à sub-contratação. 

Por outro lado, se é certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira procura justificar a sua conclusão com base em factos que diz que apurou numa inspecção à E... (ponto III-2. do Relatório da Inspecção Tributária), trata-se de hipotéticos factos que não estão demonstrados no processo administrativo junto aos autos e, por isso, a Requerente não pode aperceber-se da correspondência ou não desses factos à realidade de forma a apreciar a coerência da fundamentação. Isto é são afirmações infundamentadas, à face do presente processo. Para além disso, entre os fundamentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz terem sido apurados na inspecção à E..., incluem-se irregularidades contabilísticas e fiscais e (   ), que não implicam necessariamente falta de capacidade para prestar serviços.

Por outro lado, mesmo que as empresas não tenham a tal estrutura mínima que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere indispensável, não se percebe como daí se possa concluir que «a faturação da F... e G..., apenas foi emitida para suportar documentalmente as faturas emitidas pela E... à A...», numa situação em que não se demonstra qualquer vestígio de contacto entre a Requerente e aquelas primeiras empresas em que a Autoridade Tributária e Aduaneira até reconhece no Relatório da Inspecção Tributária que uma parte das facturas emitidas pela E... à Requerente se reportam a operações reais de cedência de trabalhadores.

A Requerente imputa também falta de clareza sobre a motivação da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao seguinte excerto:

Na diligência de buscas à E... e ao seu administrador, efetuada pela DF Braga foram recolhidos diversos ficheiros informáticos. Assim, no computador portátil de José Serra, administrador da E... foram localizados ficheiros em Excel onde constam a data, descrição e o valor de algumas faturas emitidas pela H..., G... e F... à E... . Nesses mesmos ficheiros constam também as faturas emitidas pela E... à A... cujo valor resulta da aplicação de diferentes percentagens ao valor base das faturas emitidas pelos subcontratados da  E... .

Ora, uma vez que ficou demonstrado que as faturas emitidas pelas empresas H..., G... e e F... não titulam operações reais, as faturas emitidas pela E... à A..., tendo por base essas faturas, também não têm subjacente um efetivo serviço prestado.

 

Desde logo, não é demonstrado no Relatório da Inspecção Tributária, nem constam do processo administrativo elementos que permitam apurar qual será o conteúdo concreto desses ficheiros que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz que existiam num computador portátil do administrador da E.... Por isso, com a fundamentação utilizada, a Requerente não pode aperceber-se exactamente a que se refere a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por outro lado, como se disse, não estando fundamentada a conclusão em que a Autoridade Tributária e Aduaneira assenta este entendimento, que é o de as facturas emitidas pelas empresas H..., G... e F... não titularem operações reais, fica sem fundamentação clara a conclusão a que chegou de «as faturas emitidas pela E... à A..., tendo por base essas faturas, também não têm subjacente um efetivo serviço prestado».

Para além disso, é deficiente também a fundamentação no que concerne à conclusão de que «o facto de existirem faturas emitidas pela E... à A... que não têm por base operações reais, dá origem ao procedimento financeiro de emissão de cheques de modo a aparentar o efetivo pagamento das faturas emitidas».

A Autoridade Tributária e Aduaneira conclui que o pagamento é aparente porque:

(...), após a verificação e o acompanhamento do circuito total desses cheques, conclui-se que a sua maioria não deu entrada nas contas bancárias da E... contrariando o previsto no nº 1 do artigo 63º-C da LGT.

De facto, através de levantamentos ao balção, de depósitos nas contas pessoais de José Serra e de depósitos seguidos de levantamentos imediatos, a quase totalidade dos valores pagos foram desviados para destino incerto, tal como se os pagamentos tivessem sido efetuados e numerário (...)

 

Não se percebe porque é que o facto de os cheques não terem sido depositados numa conta da E... levou a Autoridade Tributária e Aduaneira a concluir que os pagamentos foram aparentes, pois a eventualidade de ser dado aos cheques pelo seu beneficiário um destino diferente do que seria o adequado não afasta a realidade dos pagamentos, antes os pressupõe. Numa situação deste tipo, em que se prova que foram emitidos os cheques e foram levantados, a conclusão a que se chega linearmente é que houve pagamentos reais pelo emitente dos cheques e não que eles foram aparentes.

Pelo exposto, a Requerente tem razão ao imputar às liquidações vício de falta de fundamentação, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4.3. Questão da violação do direito de participação

 

A Requerente defende que «o contribuinte afetado foi absolutamente “desconsiderado” e o seu contributo totalmente ignorado. Tal contributo do contribuinte tem que ser valorado, e explicitadas têm que ser as razões de aceitação ou não dos seus argumentos, que têm, além do mais, de ser devidamente mencionados pelo órgão inspetor» (artigo 155.ºdo pedido de pronúncia arbitral).

O artigo 60.º da LGT concretiza o direito de participação no procedimento tributário, designadamente com audição obrigatória do contribuinte antes da conclusão do relatório da inspecção [alínea e] do n.º 1], o que foi feito.

No que concerne à apreciação do que for dito em exercício do direito de audição, o artigo 60.º da LGT apenas exige, no seu n.º 7, que «os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira, na parte final do Relatório da Inspecção Tributária, tomou posição sobre o que foi alegado pela Requerente, pelo que que não ocorreu violação do preceituado neste n.º 7 do artigo 60.º da LGT.

No âmbito deste dever previsto no n.º 7 do artigo 60.º, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem o dever de ponderar o que a Requerente disse, o que fez, mas não está obrigada a aceitar o que foi dito.

Por isso, as liquidações não enfermam deste vício que a Requerente lhes imputa.

 

4.4. Liquidações de juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IRC, pelo que enfermam dos mesmos vícios, justificando-se também a sua anulação.

 

4.5. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vícios de falta de fundamentação, que justificam a anulação das liquidações e impedem a sua renovação com a mesma fundamentação, não se justifica que se aprecie o vício de «desconsideração da realidade factual» que a Requerente imputa às liquidações, pois parte do juízo que se fez sobre a falta de fundamentação assenta na falta de clareza da «realidade factual» invocada.

Pelo exposto, não se toma conhecimento deste vício.

 

5. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

                A Requerente pede que lhe seja devolvido o montante pago, com juros indemnizatórios.            De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

                Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

                O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

                Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

                Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

                Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

 

5.1. Reembolso de quantia paga

 

Na sequência da anulação das liquidações, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 471.239,80, o que é consequência imediata da anulação.

 

5.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, apenas há direito a juros indemnizatórios em caso de anulação por vício que constitua «erro», entendendo-se como tal os vícios que na dogmática administrativa tem tal designação, que são os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 05-05-1999 processo n.º 05557-A; de 17-11-2004 processo n.º 0772/04; de 01-10-2008 processo n.º 0244/08; de 29-10-2008 processo n.º 0622/08; de 25-06-2009 processo n.º 0346/09; de 09-09-2009 processo n.º 0369/09; de 04-11-2009 processo n.º 0665/09; de 08-06-2011 processo n.º 0876/09; de 07-09-2011, processo n.º 0416/11; de 30-05-2012, processo n.º o410/12; e de 22-05-2013, processo n.º 0245/13.

Na linha desta jurisprudência, sendo procedente o pedido de pronúncia arbitral apenas com fundamento em vícios de falta de fundamentação (inclusivamente no que concerne à questão da caducidade do direito de liquidação), a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.

 

6. Pedidos de «serem os custos dos anos 2013 (...) 2014 e 2015 relevados, e contribuírem para o resultado fiscal desses anos, não havendo lugar a correções em sede de IVA e juros»

 

Os poderes dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD limitam-se à declaração de legalidade e anulação de actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT e a retirar da ilegalidade as consequências que se referiram no ponto anterior (   ).

A competência para apreciar outros tipos de consequências das decisões arbitrais, designadamente se podem ou não ser praticados novos actos, compete à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

Por isso, não se toma conhecimento destes pedidos.

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular as seguintes liquidações:

– liquidação de IRC n.º 2020 ..., relativa ao exercício de 2013, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., relativa a este ano, bem como a consequente demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020...;

– liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2014, e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020... e 2020..., bem com a consequente demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020...;

– liquidação de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2015, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., bem como a consequente demonstração de acerto de contas com o número de identificação de documento 2020... .

C)           Jugar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a Requerente a quantia de € 471.239,80;

D)           Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 471.239,80, valor indicado pelos Requerentes, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 13-10-2021

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(José Campos Amorim)

(Carla Castelo Trindade)