DESPACHO ARBITRAL
A..., S.A., tendo sido notificada dos despachos proferidos pelo Director de Finanças de Lisboa, através dos quais foram indeferidas as reclamações graciosas (Processos n.ºs ...2020... e ...2020...), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou AT).
Notificada da Decisão arbitral, proferida no processo à margem referenciado, que recaiu sobre o pedido, veio requerer reforma daquela Decisão, ao abrigo do disposto no artigo 616.º do Código do Processo Civil, com os seguintes argumentos:
Segundo a Requerente o Tribunal julgou procedente a exceção dilatória, consubstanciada na ineptidão da petição inicial, com “fundamento na existência de deficiências de caráter substancial na petição que não foram supridas, apesar de a Requerente ter sido notificada para esse efeito”.
Para a Requerente, da leitura do despacho do Tribunal, de 17/7/2021, não se pode deduzir que foi notificada para corrigir o pedido. O que se pedia era para a “Requerente corrigir o pedido juntando aos autos cópias das liquidações objeto de impugnação”. Ou seja, na ótica da Requerente, o tribunal ter-se-á limitado a convidá-la para corrigir o pedido mediante ou através de junção aos autos de cópias das liquidações.
“Contudo, na sentença, o Tribunal terá considerado que o referido despacho visou notificar a Requerente para corrigir o pedido e juntar as referias liquidações”, afirmação que não consta do despacho em causa.
Por conseguinte, em suma, argumenta a Requerente que o despacho a terá induzido em erro levando-a a limitar-se a juntar aos autos cópias das liquidações sem proceder “à correção do conteúdo da petição inicial”.
Em conclusão, segundo a Requerente “o Tribunal não conheceu do mérito da causa por considerar que o teor da petição inicial não continha a formulação do pedido”, fazendo errada interpretação do conteúdo do despacho de 17/7/2021, donde ter havido manifesto lapso do juiz na interpretação do conteúdo daquele despacho, cuja correta interpretação implicaria, necessariamente, uma decisão diversa da que foi proferida.”
Nesta sequência, a Requerente pede a reforma da sentença com base na alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC que prevê:
“2- Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz :
a) (…);.
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. “
Analisada a argumentação da Requerente, verifica-se que, no fundo, não existe qualquer lapso do Tribunal e muito menos lapso manifesto que justifique o presente pedido de reforma da Decisão arbitral. Partindo de uma hipotética errada interpretação feita pelo Tribunal do despacho, de 17/7/2021, a Requerente demonstra que diverge dos fundamentos da Decisão que lhe foi notificada. Assim sendo, o meio adequado para reagir seria através de recurso judicial, que no caso não está previsto.
Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que não assiste à Requerente qualquer razão.
Se não vejamos.
Cumpre começar por salientar que, na Contestação, veio a Requerida alegar que o SP não cumpria o disposto no artigo 10.º do RJAT, porque não obstante as reclamações serem os objetos imediatos do pedido de pronúncia, a Requerente não identifica quais os atos de liquidação subjacentes às ditas reclamações. Isto é, não identifica quais os atos de liquidação contestados peticionando o indeferimento liminar do pedido.
Notificado para exercer contraditório o SP nada disse.
Posteriormente o Tribunal notificou o Requerente do despacho, de 17/7/2021, onde se convidava a Requerente para “corrigir o pedido juntando aos autos cópias das liquidações objeto de impugnação, nos seguintes termos:
“1.No Pedido Arbitral o SP invoca, como pedido e causa de pedir, que as correcções efectuadas pela Requerida enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e pede a anulação do ato tributário impugnado e refere ainda que o pedido diz respeito a duas decisões de indeferimento de duas reclamações graciosas referentes a liquidações efectuadas na sequência de duas acções inspectivas (cfr. pontos 60.º e 4.º), mas não procede à identificação das liquidações impugnadas (cfr. o artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT). 2. Ao abrigo dos poderes deste tribunal na condução do processo, convida-se o SP para, querendo, no prazo de dez dias, corrigir o pedido juntando aos autos cópia das liquidações objecto de impugnação, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º1, alínea c) do RJAT, sob pena da respectiva cominação legal.”
Acontece que, mesmo perante este despacho, a Requerente não juntou, como ela mesma afirma no presente requerimento, corretamente as liquidações que pretendia impugnar, tendo procedido “à junção de vários acertos de contas com pagamentos, acompanhados de liquidações correctivas, que no seu conjunto não permitem fazer a ligação entre as correções de IVA levadas a efeito, as ordens de serviço emitidas e os despachos de indeferimento em causa.”
Por conseguinte, a Requerente teve conhecimento desde a contestação que não cumpria o disposto no artigo 10.º, n.º2, alínea b), do RJAT o qual exige “A indicação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral.”
Em segundo lugar, impõe-se salientar que a argumentação da Requerente não tem em conta a globalidade da fundamentação da Decisão Arbitral em causa.
É verdade que, na Decisão Arbitral, a dado passo, se diz “que analisado o pedido Arbitral na globalidade, verifica-se, em primeiro lugar, que a Requerente se limita, no pedido final, e de forma abstracta, a dizer que deve ser decretada “a anulação do ato tributário impugnado com todas as consequências legais”, ficando o intérprete sem saber muito bem qual seja esse acto tributário, porquanto o mesmo não é identificado de forma clara, nem ao longo do articulado nem a final.
Também é verdade que, mais adiante, se refere que “a Requerente, (…) notificada do despacho referenciado, de 17/7/2021, para corrigir o pedido e juntar as referidas liquidações, não aperfeiçoou o pedido tendo apenas procedido à junção dos documentos referenciados no ponto j) do probatório.”
Porém, a Requerente esquece que na Decisão Arbitral também se refere que :
“Mesmo admitindo-se que o pedido se refira à anulação dos indeferimentos das reclamações graciosas, a verdade é que, a Requerente procedeu à junção de vários acertos de contas com pagamentos, acompanhados de liquidações correctivas, que no seu conjunto não permitem fazer a ligação entre as correções de IVA levadas a efeito, as ordens de serviço emitidas e os despachos de indeferimento em causa. “
“Mais, no que concerne à identificação da causa de pedir, a Requerente imputa as eventuais ilegalidades cometidas pela Requerida às correcções meramente aritméticas efectuadas ao IVA dos exercícios de 2015, 2016 e 2017, mas não identifica nem quantifica tais correcções, inviabilizando qualquer ligação entre as mesmas e as liquidações em litígio. Acresce que, o somatório das liquidações juntas não corresponde ao valor económico que a Requerente atribuiu ao pedido, inviabilizando qualquer juízo do tribunal sobre a correcção do mesmo. “
E, mais adiante, pode ler-se:
“Na presente instância, a imprecisão quanto à identificação do pedido e a omissão dos factos correspondentes à identificação e caracterização dos actos tributários em causa, representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir. Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.”
Por conseguinte, não está em causa a correção da petição inicial, nem o fator essencial para decisão arbitral residiu apenas no facto de a Requerente não ter procedido à reformulação do pedido. Tanto assim que o Tribunal admitiu que era possível concluir que o mesmo se traduziria na “anulação dos indeferimentos das reclamações graciosas”, incluindo, obviamente as respetivas liquidações, como se pode ler no despacho arbitral, de 17/7/2021, bem como na Decisão Arbitral. Ponto é que as mesmas constassem dos autos. Como já foi referido, a identificação do pedido pressupõe a junção aos autos dos atos tributários impugnados.
Repete-se, ao contrário da argumentação da Requerente, o Tribunal admitiu que a formulação do pedido poderia referir-se “à anulação dos indeferimentos das reclamações graciosas”. O problema esteve essencialmente no facto de que a Requerente, quando notificado para o efeito, em vez de juntar as liquidações impugnadas de forma correta, “procedeu à junção de vários acertos de contas com pagamentos, acompanhados de liquidações correctivas, que no seu conjunto não permitem fazer a ligação entre as correções de IVA levadas a efeito, as ordens de serviço emitidas e os despachos de indeferimento em causa.””
E é a própria Requerente a admitir neste requerimento que as cópias das liquidações enviadas “não estão completas e que (…) no seu conjunto não permitem fazer a ligação entre as correções de IVA levadas a efeito, as ordens de serviço emitidas e os despachos de indeferimento em causa.
Por tudo o quanto vai exposto, resulta claro que o Tribunal não incorreu em qualquer lapso e muito menos em lapso manifesto, nem tão pouco se verifica o pressuposto da alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC .
Termos em que se indefere o presente pedido de reforma por carecer de base legal.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2021.
O árbitro Presidente, com a anuência dos co-árbitros,
Fernanda Maçãs
SUMÁRIO:
I.A imprecisão quanto à identificação do pedido e a omissão dos factos correspondentes à identificação e caracterização dos actos tributários em causa, representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir. Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.
II.Verifica-se, portanto, um dos tipos de deficiências “de carácter substancial, que irremediavelmente” comprometem “a finalidade da petição inicial”, constituindo causa de ineptidão da petição inicial.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs, Diogo Leite de Campos e António Pragal Colaço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 3/5/2021, decidem o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., tendo sido notificada dos despachos proferidos pelo Director de Finanças de Lisboa, através dos quais foram indeferidas as reclamações graciosas (Processos n.ºs ...2020... e ...2020...), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou AT).
2. A Requerente termina pedindo que “…deve ser decretada a anulação do acto tributário impugnado com todas as consequências legais”.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 30/11/2020 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.
4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Colectivo, a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o Professor Doutor Diogo Leite de Campos e o Mestre António Pragal Colaço, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 18/1/2021 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo considera-se constituído em 3/5/2021.
7. A Requerida deduziu Resposta introduzida no sistema electrónico da CAAD no dia 4/6/2021, alegando que a acção deveria ser indeferida liminarmente.
8. Por despacho de 9 de Junho de 2021, foi a Requerente notificada para responder à alegação deduzida pela Requerida, na Resposta, não tendo exercido esse direito.
9. O processo Administrativo foi junto pela Requerida em 11/6/2021 e notificada a Requerente dessa junção a 18/6/2021.
10. Por despacho de 27/6/2021, foi a Requerente notificada para “Considerando que a matéria em causa é essencialmente de direito, notifique-se o SP para, no prazo de dez dias, indicar a matéria de facto sobre a qual pretende fazer prova testemunhal.”, o que a mesma veio a dar cumprimento por requerimento impetrado em 13/7/2021.
11. Por despacho arbitral de 15/7/2021, foi determinado que o Requerente deveria ser notificado de “1.No Pedido Arbitral o SP invoca, como pedido e causa de pedir, que as correcções efectuadas pela Requerida enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e pede a anulação do ato tributário impugnado e refere ainda que o pedido diz respeito a duas decisões de indeferimento de duas reclamações graciosas referentes a liquidações efectuadas na sequência de duas acções inspectivas (cfr. pontos 60.º e 4.º), mas não procede à identificação das liquidações impugnadas (cfr. o artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT). 2. Ao abrigo dos poderes deste tribunal na condução do processo, convida-se o SP para, querendo, no prazo de dez dias, corrigir o pedido juntando aos autos cópia das liquidações objecto de impugnação, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º1, alínea c) do RJAT, sob pena da respectiva cominação legal.”
12. Em 23/7/2021, veio a Requerente proceder à junção de vários documentos que intitulou como sendo as liquidações impugnadas, não tendo, no entanto, aperfeiçoado o pedido apesar de convidada para o fazer.
13. Por despacho de 25/7/2021 foi ordenada a notificação da Requerida, para querendo, se pronunciar sobre os mesmos documentos, tendo a mesma respondido, por requerimento impetrado a 13/9/2021, onde conclui reiterando a omissão por parte da Requerente em dar cumprimento ao artigo 10.º, n.º1, alínea d), do RJAT.
14. A fundamentar o pedido, alega a Requerente que:
a) Na sequência de ter sido notificada dos despachos proferidos pelo Director de Finanças de Lisboa, através dos quais foram indeferidas as reclamações graciosas (Processos n.os ...2020... e ...2020...), apresentou pedido de pronuncia arbitral, alegando, em suma, que a matéria em causa respeita às correcções meramente aritméticas efetuadas ao IVA dos exercícios de 2015, 2016 e 2017, contestadas em sede de reclamações graciosas apresentadas e sobre as quais já recaíram despachos de indeferimento.
b) De seguida defende, de forma desenvolvida, que os projetos de investigação e desenvolvimento objeto das correcções tinham finalidade comercial, donde se concluir que as correções efectuadas enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de erro sobre os pressupostos de direito.
c) A Requerente termina por pedir a final que “…deve ser decretada a anulação do acto tributário impugnado com todas as consequências legais”.
15. Em resposta, a Requerida AT alegou, em síntese:
a) Que o pedido de pronuncia arbitral deveria ter sido rejeitado pela secretaria por não conter todos os requisitos previstos no art.º 10.º, do RJAT, máxime as liquidações;
b) Se assim não se entender e quanto ao fundo, defende a Requerida a improcedência do pedido.
II. DO SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, mostram-se legitimas e encontram-se regularmente representadas, (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
A cumulação de pedidos é legalmente admissível (art. 3.º, n.º 1, do RJAT).
A apreciação da matéria de excepção suscitada é remetida para depois do apuramento da matéria de facto.
III.1- DA QUESTAO A DECIDIR
III-1-1-FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS
a. Suportada nas Ordens de Serviço n.°s 012018... e 012019..., a Requerida realizou uma acção inspectiva externa aos exercícios de 2015 e 2016.
b. Suportada na Ordem de Serviço n.° 012019..., foi realizada uma acção inspetiva interna ao exercício de 2017.
c. Na sequência das acções inspetivas, foram elaborados os Relatórios de Inspecção Tributaria (RIT) em que foram efetuadas correcções meramente aritméticas, consubstanciadas no corte do direito a dedução de IVA suportado em gastos para a realização de projetos de investigação e desenvolvimento.
d. A Requerente atribui ao PPA o valor de 88.774,27€.
e. Do relatório de Inspecção Tributária junto emergente das Ordens de Serviço números n.°s 012018... e 012019..., que correspondem respectivamente aos anos de 2015 e 2016, resultaram as seguintes correcções aritméticas:
“Durante os procedimentos de inspecção constatou-se, relativamente aos exercícios de 2015 e 2016, dedução indevida de IVA associado a projetos de l&D, conforme fundamentação apresentada no capítulo III deste relatório, que, no seu conjunto, ascende ao montante anual de 12.115,14€ e 2.996,35€ respetivamente.
Reproduz-se o quadro das correcções para melhor entendimento:
f. Da análise (desenquadrada) da página 86 do pdf que constitui o PPA e anexos, verifica-se que foi efectuado um pedido de reembolso e que da análise do mesmo resultou:
g. A Requerida efectuando uma análise às contas SNC, subcontas da conta 62 fornecimentos e serviços de terceiros, procedeu à expurgação de deduções em sede de IVA, resultando daí o seguinte quadro:
h. Discriminando por período, atento o facto da Requerente estar enquadrada no regime mensal de IVA, temos o seguinte quadro:
i. Da página 39 do RIT do ano de 2017, resulta que:
j. A Requerente com o Requerimento de 23/7/2021, juntou vários acertos de contas com pagamentos, acompanhados de liquidações correctivas, a saber:
Tudo totalizando o valor de 36.491,30€.
k. Os acertos de liquidações constantes dos mesmos documentos foram os seguintes:
Mês 5/2018
Mês 7/2018
Mês 9/2018
Mês 10/2018
Tudo totalizando o montante de 52.931,84€.
l. A Requerente apresentou duas reclamações graciosas (Processos n.os ...2020... e ...2020...), as quais vieram a serem indeferidas.
m. A Requerente termina o pedido solicitando “deve o presente pedido ser considerado procedente e, em consequência, ser decretada a anulação do acto tributário impugnado, com todas as consequências legais”.
n. A Requerida deduziu pedido de indeferimento liminar do Pedido arbitral por falta de cumprimento dos requisitos dos pedidos de pronuncia arbitral, porque não foram identificadas pela Requerente em concreto, as liquidações que pretende ver anuladas.
o. A Requerente notificada para exercer o contraditório em relação à matéria de excepção não o exerceu.
p. A Requerente notificada para corrigir o pedido e juntar as liquidações de IVA, limitou-se a juntar as liquidações correctivas atrás referenciadas na alínea j) deste probatório.
III.1-2- FACTOS NÃO CONSIDERADOS PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
III.1-3- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nem impugnados especificamente e no acervo probatório carreado para os autos, essencialmente constituído pelo Relatório da Inspecção Tributária, e documentação junta pela Requerente, que foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
III.2- DO DIREITO
Analisado o pedido, verifica-se que a Requerente começa por dizer, para justificar a cumulação de pedidos, que o mesmo diz respeito “a duas decisões de indeferimento de duas reclamações graciosas referentes a liquidações efetuadas na sequência de duas ações inspetivas (…)” ( artigo 5.º ).
Mais adiante, no artigo 12.º, refere que a matéria em causa respeita “às correções meramente aritméticas efetuadas ao IVA dos exercícios de 2015, 2016 e 2017, contestadas em sede de reclamações graciosas apresentadas e sobre as quais já recaíram despachos de indeferimento”.
No artigo 60.º alega que é de concluir que as correcções efectuadas enfermam de “vícios de erro sobre os pressupostos de fato e erro sobre os pressupostos de direito” e termina pedindo que deve ser decretada “a anulação do ato tributário impugnado com todas as consequências legais”.
Na resposta veio a Requerida invocar que não obstante os actos de indeferimento das duas reclamações graciosas constituírem os objectos imediatos do pedido de pronúncia, a Requerente não identifica quais os actos de liquidação subjacentes às ditas reclamações, isto é, não identifica os actos de liquidações contestados e, além do mais, não pede a final a anulabilidade dos ditos actos de liquidação.
Para a Requerida, a omissão da indicação e bem assim da junção de cópia dos actos de liquidação, impedem-na de conferir o valor da acção e bem assim de “evocar” eventual excepção dilatória e/ ou peremptória, termos em que a presente acção deve ser indeferida liminarmente por não respeitar os requisitos legalmente exigidos (artigo 10.º, n.º2, alínea b), do RJAT).
Vejamos.
Analisado o pedido Arbitral na globalidade, verifica-se, em primeiro lugar, que a Requerente se limita, no pedido final, e de forma abstracta, a dizer que deve ser decretada “a anulação do ato tributário impugnado com todas as consequências legais”, ficando o intérprete sem saber muito bem qual seja esse acto tributário, porquanto o mesmo não é identificado de forma clara, nem ao longo do articulado nem a afinal.
Como ficou dito, a Requerente, devidamente notificada para exercer contraditório em relação à matéria de excepção deduzida na Resposta nada disse. Posteriormente, notificada do despacho referenciado, de 17 /7/2021, para corrigir o pedido e juntar as referidas liquidações, não aperfeiçoou o pedido tendo apenas procedido à junção dos documentos referenciados no ponto j) do probatório.
Mesmo admitindo-se que o pedido se refira à anulação dos indeferimentos das reclamações graciosas, a verdade é que, a Requerente procedeu à junção de vários acertos de contas com pagamentos, acompanhados de liquidações correctivas, que no seu conjunto não permitem fazer a ligação entre as correções de IVA levadas a efeito, as ordens de serviço emitidas e os despachos de indeferimento em causa.
Mais, no que concerne à identificação da causa de pedir, a Requerente imputa as eventuais ilegalidades cometidas pela Requerida às correcções meramente aritméticas efectuadas ao IVA dos exercícios de 2015, 2016 e 2017, mas não identifica nem quantifica tais correcções, inviabilizando qualquer ligação entre as mesmas e as liquidações em litígio. Acresce que, o somatório das liquidações juntas não corresponde ao valor económico que a Requerente atribuiu ao pedido, inviabilizando qualquer juízo do tribunal sobre a correcção do mesmo.
O RJAT não contém regime próprio em matéria de excepções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no art. 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT.
De acordo com o estabelecido no art. 186.º, n.º 2, do CPC, há lugar a ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Na presente instância, a imprecisão quanto à identificação do pedido e a omissão dos factos correspondentes à identificação e caracterização dos actos tributários em causa, representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir. Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.
Com efeito, o pedido é um elemento da petição inicial que, para além de ser importante para o réu (de modo a devidamente poder conformar a sua defesa), assume carácter essencial para o tribunal, na medida em que é com base no pedido que o tribunal aquilata o tipo de actividade jurisdicional que lhe é solicitada e define as balizas e objecto de conhecimento do mérito que lhe são permitidos e devidos. Conclusões que, no presente caso, em face do teor da petição inicial, e, em particular, da ausência, nela, da formulação de pedido, o tribunal não consegue apurar, não se reunindo, pois, as condições mínimas para que este possa conhecer do mérito.
Verifica-se, portanto, um dos tipos de deficiências “de carácter substancial, que irremediavelmente” comprometem “a finalidade da petição inicial” (ANTUNES VARELA, SAMPAIO e NORA e Miguel BEZERRA, Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra Editora, p. 244), constituindo causa de ineptidão da petição inicial. Esta consubstancia, por seu turno, irregularidade geradora da nulidade de todo o processo (cfr. art. 186.º, n.º 1 do CPC), cuja previsão legal, enquanto excepção dilatória, consta do art. 89.º, n.º 4, b) do CPTA. Representa, por outro lado, nulidade insanável, como decorre do estipulado no art. 98.º, n.º 1, a), do CPPT, determinando, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância (cfr. art. 576.º, n.º 2 do CPC).
IV. DECISÃO
Em face de tudo o quanto antecede, decide-se absolver a Requerida da instância.
V. VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 88.774, 27.
VI. CUSTAS
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de Setembro de 2021
Os Árbitros,
Fernanda Maças
Diogo Leite de Campos
António Pragal Colaço