Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 617/2020-T
Data da decisão: 2021-10-12  IMT  
Valor do pedido: € 6.662,50
Tema: IMT; Procedimento de revisão oficiosa; Erro imputável aos serviços.
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SUMÁRIO:

 

Sendo a liquidação de IMT emitida na sequência e com base nos elementos declarados - e também não declarados - pelo sujeito passivo à AT, não ocorre erro dos serviços, para efeitos da aplicação do artigo 78.º, n.º 1, segunda parte, da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro, Dr. Martins Alfaro, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, profere a seguinte Decisão Arbitral:

 

A - RELATÓRIO

 

A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A..., com o número de identificação fiscal..., residente na Rua ..., n.°..., ..., em Lisboa.

 

A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral: Liquidação de IMT n.°..., no valor de € 6.662,50.

 

A.4 - Pedido: Ser anulado o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (processo n.° ...2020...) e a liquidação de IMT n.°..., no valor de € 6.662,50, com fundamento de que tal liquidação incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzido no incumprimento (i) do artigo 78.° n.° 1 da LGT com fundamento de que a liquidação resulta de um erro imputável à AT, (ii) do artigo 78.° n.° 4 da LGT com fundamento de que a liquidação consubstancia uma injustiça grave e notória e (iii) do artigo 17.° n.° 1 alínea b) do CIMT e artigos 58.° da LGT e 266.° da CRP no que respeita à aplicação de taxa de IMT para aquisição de imóvel para habitação.

 

A.5 - Fundamentação do pedido de pronúncia arbitral:

 

Em 21 de Setembro de 2020, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, processo n.° ...2020... .

 

Em face do exposto e considerando o prazo de 90 dias consagrado no artigo 10.° n.° 1 alínea a) do RJAMT, verifica-se que o pedido de pronúncia é tempestivo.

 

A liquidação de IMT em causa nos autos resulta da aplicação da taxa de IMT de 6.5% ao valor de aquisição do imóvel: € 102.500,00.

 

Contudo, o Requerente adquiriu o imóvel para habitação secundária, sendo que a taxa de IMT deveria ter sido determinada nos termos do artigo 17.° n.º 1 alínea b) do Código do IMT (“CIMT”) que estabelece as taxas progressivas de IMT para aquisições de imóveis destinados a habitação (excluído os imóveis para habitação própria e permanente).

 

O Requerente apenas tomou conhecimento do erro na liquidação do IMT quando pretendeu alienar o imóvel a terceiro, tendo sido alertado para a existência daquela irregularidade, tão-só, no âmbito do processo de preparação da venda.

 

A revisão oficiosa constitui a concretização de um dever da AT revogar actos ilegais, em particular liquidações que impliquem a arrecadação de imposto em valor superior ao legalmente previsto. Tal dever resulta dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade consagrados no artigo 55.° da LGT.

 

O erro na liquidação de IMT controvertida não decorre de qualquer actuação do Requerente, já que este entregou a declaração para liquidação do IMT (“Modelo 1”), na qual, entre outros, declarou, entre outros, que o imóvel se destinava a habitação, inserindo para o efeito o número ”3” no campo 31 do Quadro IV.

 

O erro na liquidação de IMT não é assim imputável a qualquer acção ou omissão do Requerente, uma vez que este declarou expressamente na declaração Modelo 1 que o imóvel objecto de aquisição se destinava a habitação

 

Tal situação consubstancia uma injustiça grave e notória, conforme o artigo 78.° n.° 4 da LGT, da qual resulta uma tributação não apenas ilegal, mas também manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade, dela resultando sério dano e prejuízo para o Requerente.

 

O Requerente agiu sempre de boa-fé e com plena convicção na rectidão da sua conduta, não sendo assim possível formular um juízo de censura jurídica.

 

O facto de o Requerente não ter detectado a situação de injustiça no prazo previsto para a apresentação de reclamação graciosa é absolutamente irrelevante, não decorrendo da lei a exigência de que o Requerente tome conhecimento da mesma no prazo para o efeito, sob pena de se esvaziar de qualquer sentido prático o prazo previsto no artigo 78° n.° 4 da LGT e de se diminuírem as garantias dos contribuintes.

 

Verifica-se que a actuação da AT neste processo, para além de não ser conforme com a lei, incumprindo assim com o princípio da legalidade, também não cumpriu com os princípios do inquisitório, da verdade material e da justiça.

 

Devia a AT, ao abrigo dos princípios do inquisitório e da verdade material, proceder per se à realização de diligências para obter informação adicional e, no exercício dos seus poderes de autoridade, poderia pedir ao Requerente de forma a confirmar a informação declarada na Modelo 1.

 

Sendo a satisfação do interesse público, a descoberta da verdade material e a prossecução da justiça obrigações imperativas da AT, verifica-se que a actuação da AT, na liquidação do IMT e posterior indeferimento do pedido de revisão oficiosa, incumpriu com os princípios do inquisitório, da descoberta da verdade material e da justiça, consagrados nos artigos 58.° da LGT e 266.° da CRP.

 

A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

 

O pedido de revisão oficiosa que precedeu a apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi deduzido pelo Requerente fora do “prazo de reclamação administrativa”, estando-lhe vedado.

 

Ao contrário da primeira parte deste n.° 1 do artigo 78.° da LGT, que permite que se invoque qualquer ilegalidade, a segunda parte restringe o fundamento do pedido de revisão oficiosa exclusivamente às situações em que houve erro imputável aos serviços.

 

No caso em apreço, terá necessariamente que se afastar a possibilidade de o Requerente deduzir o pedido de revisão oficiosa com “fundamento em erro imputável aos serviços”, uma vez que tal erro não pode ser imputado de modo algum à aqui Entidade Requerida.

 

Apesar de constar no contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, que o destino a dar ao imóvel adquirido seria a habitação própria secundária, o certo é que, na declaração modelo 1 do IMT, que precedeu a transmissão, não foi assinalado qualquer campo que indicasse que se pretendia ver aplicada a redução de taxas da al. b) do n.° 1 do art.° 17.° do CIMT.

 

Apesar de se tratar da aquisição de um imóvel destinado a habitação, tal indicação por si só, não determina automaticamente a aplicação de qualquer redução de taxa, como pretende o Requerente, já que, para beneficiar da redução de taxa, o Requerente deveria ter preenchido o campo 48 - código do benefício fiscal, em que deveria ter sido colocado o código 4.

 

Era sobre o Requerente, e não sobre a Requerida, que impendia o ónus declarativo do benefício que pretendia usufruir.

 

A liquidação de IMT controvertida foi emitida em conformidade com o declarado pelo requerente na declaração modelo 1 do IMT.

 

Não há erro imputável aos serviços na liquidação do imposto, pelo contrário, estamos perante uma situação de erro imputável ao próprio sujeito passivo, o que determina que o pedido de revisão oficiosa nunca poderia ser deduzido com fundamento na segunda parte do n.° 1, do artigo 78.° da LGT.

 

A conduta do Requerente foi negligente pois era-lhe exigível que, caso pretendesse beneficiar da taxa reduzida do imposto, o tivesse assinalado; e tal facto não consubstancia uma situação de injustiça grave ou notória,

 

Estamos, tão-só, perante um erro de preenchimento da declaração Modelo 1, não sendo esta uma situação passível de integrar o conceito de erro na determinação da matéria tributável.

 

A liquidação do imposto foi correctamente efectuada em conformidade com os elementos fornecidos pela declaração Modelo 1 do IMT, submetida pelo Requerente, e a actuação da Entidade Requerida não violou o princípio da legalidade, tendo-se limitado a aplicar correctamente o disposto no artigo 78° da Lei Geral Tributária.

 

A AT, estando vinculada ao princípio da legalidade, teria sempre de liquidar o IMT em conformidade e tendo por base o declarado pelo sujeito passivo, conforme determinam os art.° 19.° a 22.° do CIMT, pelo que não incumpriu os princípios do inquisitório, da descoberta material e da justiça, consagrados nos art.°s 58.° da LGT e 266.° da CRP

 

Conclui, assim, no sentido da improcedência do pedido arbitral, dado que considera não existir, no apuramento do acto tributário de liquidação de IMT, qualquer erro imputável aos serviços que permita a revisão do acto tributário de liquidação (IMT), nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 78.° da LGT, nem se encontram verificados os pressupostos que permitiriam a eventual revisão oficiosa e excepcional ao abrigo do n.° 4 da referida disposição legal.

 

A.7 - Instrução:

 

Além da excepção invocada pela Requerida, não foram invocadas outras excepções nem arguidas nulidades.

 

O Tribunal entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAMT.

 

As partes foram notificadas para alegações, que apenas a Requerente apresentou, aí mantendo e reiterando, no essencial, a sua posição.

 

 

B - SANEAMENTO:

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 03-05-2021.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAMT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

A Requerida invocou excepção, consistente em, não sendo admissível a instauração de procedimento de revisão oficiosa, não dever ser admitido o presente pedido de pronúncia arbitral, a qual será conhecida em sede de apreciação da matéria de direito, naturalmente com precedência do conhecimento do mérito do pedido.

 

Além da referida excepção, não se verificam questões prévias, nulidades ou outras excepções de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

C - FUNDAMENTAÇÃO:

 

C.1 - Matéria de facto - Factos provados:

 

Com relevância para a decisão da presente causa, têm-se por assentes os seguintes factos:

 

Em 27-11-2018, o Requerente adquiriu, por contrato de compra e venda celebrado por documento particular autenticado, a fracção autónoma designada pela letra “Z” do prédio inscrito sob o artigo..., na matriz predial urbana da freguesia de ... e ..., no concelho de Albufeira, pelo preço de € 102.500,00.

 

Previamente à celebração do referido contrato, o Requerente apresentou a declaração modelo 1, de IMT, à qual foi atribuído o n.º de registo 2018/....

 

Na referida declaração, o Requerente declarou, como destino do bem, "Habitação".

 

Na referida declaração, o Requerente não preencheu o denominado campo 48, especificamente o n.º 4, relativo à redução de taxa pela aquisição de prédio urbano exclusivamente destinado a habitação.

 

Em face dos elementos constantes da declaração modelo 1, de IMT, a AT procedeu à liquidação de IMT, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 17.º, do Código do IMT, por aplicação da taxa de 6,5%.

 

Na sequência da apresentação da referida declaração, foi emitida a liquidação de IMT n.º..., no valor de € 6.662,50.

 

O imposto foi pago.

 

Em 10-02-2020, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação agora objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Em 07-09-2020, foi proferida decisão final do procedimento de revisão oficiosa.

 

Constituiu fundamento daquela decisão final do procedimento a não verificação dos «pressupostos legais previstos para a Revisão solicitada», por se ter considerado não existir erro imputável aos serviços.

 

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 11-11-2020.

 

 

C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no teor do Processo Administrativo junto pela Requerida, não impugnados.

 

 

C.4 - Matéria de direito:

 

C.4.1 - Questões a decidir:

 

Primeira questão - Verifica-se a excepção invocada pela Requerida consistente em, não sendo admissível a instauração de procedimento de revisão oficiosa, por inexistir erro imputável aos serviços, não dever ser admitido o presente pedido de pronúncia arbitral?

 

Segunda questão - Deve a liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral ser anulada?

 

Terceira questão - Deve a Requerida ser condenada em juros indemnizatórios?

 

 

C.4.2 - Primeira questão - Verifica-se a excepção invocada pela Requerida consistente em, não sendo admissível a instauração de procedimento de revisão oficiosa, por inexistir erro imputável aos serviços, não dever ser admitido o presente pedido de pronúncia arbitral?

 

Vimos já que, para proferir a decisão final do procedimento de revisão oficiosa, os serviços da Requerida entenderam inexistir erro imputável aos serviços na prática do acto tributário aqui controvertido e que, em consequência, não se encontravam reunidos todos os requisitos legais necessários à apreciação do pedido de revisão oficiosa, apresentado pelo aqui Requerente.

 

Daí que, prioritariamente, haja que apreciar se o pedido de revisão oficiosa poderia proceder, por se encontrarem reunidos os respectivos requisitos de procedibilidade, em particular, a existência de erro imputável aos serviços - artigo 78.º, n.º 1, último segmento.

 

A revisão dos actos tributários constitui uma concretização do dever jurídico de revogação de actos ilegais.

 

Nesta perspectiva, a AT deve proceder assim nas situações em que ocorra erro nas liquidações, do qual resulte um valor de imposto superior ao legalmente devido.

 

Tal procedimento encontra razão de ser nos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade.

 

«Decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação  “por iniciativa de administração tributária”» - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 19-11-2014, no processo n.º 0886/14.

 

Quando apresentado além do prazo de reclamação administrativa, o pedido de revisão oficiosa, por banda do particular, deve fundar-se em «erro imputável aos serviços».

 

Escreveu-se no aresto do STA já citado que «tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266.º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei».

 

A revisão oficiosa dos actos tributários, iniciada para além do prazo de reclamação administrativa, exige assim que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos:

 

1)            Que o pedido seja formulado no prazo de quatro anos contados a partir do acto cuja revisão se solicita ou a todo o tempo quando o tributo não se encontre pago;

 

2)            Que exista «erro imputável aos serviços» e

 

3)            Que a revisão oficiosa seja da iniciativa do particular ou se realize oficiosamente pela AT.

 

Quando seja ultrapassado o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, o artigo 78.º, nrs. 1, 3 e 4, da LGT, estatui assim como um dos requisitos da revisão oficiosa que exista erro imputável aos serviços.

 

Ainda no aresto do STA já citado, escreveu-se que «qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro».

 

Também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 21-01-2009, no processo n.º 0771/08, entendeu que «é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte».

 

Descendo ao caso concreto destes autos, verifica-se que a liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral foi emitida com causa na declaração modelo 1 de IMT, apresentada pelo Requerente.

 

Isto é, a causa da liquidação residiu exclusivamente na informação declarada pelo Requerente à AT, já que a liquidação foi efectuada com base estrita na declaração do contribuinte.

 

Foram os elementos que o Requerente fez constar - e também, aqueles que não fez constar - na declaração modelo 1 de IMT, que determinaram a AT à prática do acto controvertido nos termos em que este foi praticado.

 

Não poderia a AT proceder por forma diversa daquela por que actuou, em face dos elementos declarados pelo sujeito passivo, assim praticando o acto tributário controvertido.

 

É que apesar de se tratar da aquisição de um imóvel destinado a habitação, tal indicação por si só, não determina automaticamente a aplicação de qualquer redução de taxa.

 

Razão pela qual, não se encontra preenchido um dos requisitos da instauração do procedimento de revisão oficiosa: a existência de erro imputável aos serviços.

 

O Requerente invocou ainda a possibilidade de aplicação do n.º 4, do artigo 78º, da LGT, à situação dos autos.

 

Ora, ainda que que tal situação não fosse imputável à conduta negligente do Requerente, a verdade é que o artigo 78.°, n.º 5, da Lei Geral Tributária qualifica injustiça notória como aquela que se apresenta ostensiva e inequívoca, e grave aquela que resulta de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou que consubstancia um elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

 

E nenhuma destas circunstâncias se verifica no caso da liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral, antes - e como bem afirma a Requerida na sua resposta - «o “acréscimo” da taxa resultou do Requerente ter preenchido erradamente a sua declaração, e por não ter lançado mão dos meios graciosos que estavam ao seu dispor no prazo devido».

 

Diga-se ainda não se reconhecer razão à invocada violação dos princípios do inquisitório, da descoberta material e da justiça, consagrados nos artigos 58.°, da LGT e 266.°, da Constituição.

 

Com efeito, a Administração Pública - e a AT, aqui, em particular -, encontra-se sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente.

 

Pelo que os serviços da Requerida se encontravam estritamente obrigados a proceder à liquidação de acordo com a situação de facto comunicada pelo Requerente na declaração modelo 1, de IMT, não sendo exigível à AT outro comportamento - nomeadamente investigatório.

 

Concluindo, a invocação de qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito do acto tributário, que pode ser feita no pedido de revisão oficiosa apresentado no prazo da reclamação administrativa, deixa de poder ser feita com tal latitude quando foi já ultrapassado este último prazo.

Em tal caso, além da existência de erro, torna-se necessário que este seja imputável aos serviços da AT.

 

No que respeita ao acto tributário em discussão nos presentes autos, o eventual erro não é imputável aos serviços.

 

Pelo que não era possível ao aqui Requerente obter pronúncia da AT, em sede de procedimento de revisão oficiosa.

 

Tal impossibilidade preclude a apreciação da legalidade da liquidação objecto do pedido de pronuncia arbitral, pois, como já entendeu o Tribunal Central Administrativo - Sul, em acórdão proferido em 23-03-2017, no processo n.º 07644/14, embora a propósito de reclamação graciosa, «estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva».

 

E de facto, não pode defender-se e justificar-se a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento de um pedido de revisão extemporâneo, pois, deste modo, estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais findaram já, há muito, os respectivos prazos de reacção.

 

Nestes termos, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que procede a invocada excepção peremptória de extemporaneidade do pedido arbitral, nos termos acima referidos.

 

Termos em que fica prejudicada a pronúncia sobre as restantes questões.

 

 

D - DECISÃO:

 

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente a excepção de extemporaneidade do pedido arbitral, absolvendo a Requerida do pedido.

 

E - VALOR DA CAUSA:

 

O Requerente indicou como valor da causa o montante de € 6.662,50.

 

O valor indicado pelo Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 6.662,50.

 

F - CUSTAS:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, indo o Requerente, que foi vencido, condenado nas custas do processo.

 

Notifique.

 

Lisboa, 12 de Outubro de 2021.

 

O Árbitro,

(Martins Alfaro)