Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 345/2020-T
Data da decisão: 2021-10-07  IRS  
Valor do pedido: € 54.775,32
Tema: IRS - Falta de fundamentação. Tributação de mais-valias imobiliárias decorrentes de sucessão hereditária
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., contribuinte n.º ... e B..., contribuinte n.º..., casados, residentes na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentaram, em 04-07-2020, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).

 

2. Os Requerentes pretendem, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade e subsequente anulação do acto tributário de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2017, com n.º 2020 ... e respectivos juros compensatórios, no valor global de 54.775,32 €.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-07-2020.

 

3.1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 25-08-2020 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 24-09-2020.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

3.5. Em 17-09-2020 a AT veio comunicar aos autos que por despacho de 14-09-2020 da Senhora Subdirectora Geral da AT foi revogado parcialmente o acto de liquidação objecto do pedido.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral defendem os Requerentes ser ilegal a liquidação impugnada, invocando, em suma:

Não ter sido dado a conhecer aos Requerentes, nem mesmo através da certidão emitida, os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que subjazem à liquidação de IRS n.º 2020 ... e à respetiva liquidação de Juros Compensatórios, concluindo que o ato de liquidação de IRS ora contestado não se mostra fundamentado nos termos legalmente adequados, impondo-se, a respetiva anulação por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º, da LGT;

Não podem os Requerentes conformar-se com o entendimento de que a meação no prédio em apreço foi apenas adquirido pelo Requerente marido em 18 de fevereiro de 2014, data em que foi celebrada a escritura de patilha, pois, como é evidente, a aquisição da meação no prédio ocorreu na data de falecimento do seu pai, em 1 de março de 1962 e, posteriormente, na data de falecimento da sua avó ocorrido em 21 de maio de 1983. Com efeito, o momento do ingresso patrimonial dos bens que concretizam o quinhão hereditário na esfera do Requerente marido é, pois, o da abertura da sucessão.

Tendo a quota-parte no prédio sito na Rua ..., números ... e ..., freguesia da ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... sido adquirida, mortis causa, pelo Requerente marido antes de 1 de janeiro de 1989, data da entrada em vigor do CIRS, não restam quaisquer dúvidas de que a posterior transmissão onerosa da quota-parte naquele prédio urbano não estava sujeita a tributação em sede de IRS e, consequentemente, de mais-valias, pelo que a liquidação adicional de IRS deverá ser anulada nesta parte.

- as mais-valias mobiliárias apuradas pela Administração Tributária padecem de manifesto erro sobre os pressupostos, quer de facto, quer de direito, o que demonstra por documentos que junta ao pedido, pelo que também nesta parte deverá ser determinada a anulação da liquidação adicional de IRS.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, limitando-a às questões que não foram revogadas:

                O acto tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação dos Requerentes no pedido arbitral revela que estes não tiveram dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do acto.

                Nos termos conjugados dos artigos 2031º e 2050º do CC, a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, pelo que no momento do óbito cada um dos herdeiros adquire o direito ao quinhão hereditário que lhes cabia na herança na data do óbito de cada um deles e, sendo o momento de aquisição do direito de propriedade o da abertura da sucessão, considera-se que adquirem os bens ou parte dos bens dos bens que lhe venham a ser atribuídos (em preenchimento daquele quinhão hereditário), em vários momentos distintos. Esclarece que tudo o que o herdeiro vier a adquirir para além da sua quota ideal na herança com o pagamento da respectivas tornas, ter-se-á que considerar como data de aquisição do excedente a do facto jurídico que legitima esse negócio.

As declarações Mod 13 vigentes à data do preenchimento do documento de correcção que fundamentou a liquidação impugnadas foram alteradas, constando da actualmente em vigor, submetida em 2020-06-24. Não é possível apurar inequivocamente os elementos constantes do Anexo G, referentes à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, preenchidos de acordo com a informação de que a AT dispunha à data e não declarados pelos contribuintes na primeira declaração de rendimentos que entregaram.

 

6. Por despacho de 10-12-2020, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.

 

7. Foram apresentados posteriormente aos articulados vários requerimentos apesentados pelas partes na sequência da emissão das liquidações subsequentes à revogação do acto de liquidação impugnado.

 

 

II – SANEAMENTO

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3. O processo não enferma de nulidades.

7.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se, com relevo para apreciação e decisão da causa, como provados os seguintes factos:

a.            O presente pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 04-07-2020 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-07-2020.

b.            Os Requerentes apresentaram declaração mod. 3 de IRS relativa ao ano fiscal de 2017, que incluía, entre outros, rendimentos prediais e de mais-valias mobiliárias e imobiliárias.

c.            A AT iniciou, em 31-05-2018, “processo de divergência” por divergências nas retenções da fonte dos rendimentos prediais e profissionais/empresariais e nos incrementos patrimoniais (mais-valias).

d.            No âmbito desse processo foi remetido aos Requerentes, em 11-10-2019, ofício para exercício do direito de audição prévia, nos seguintes termos:

- “Da análise efetuada aos documentos apresentados relativamente a declaração de IRS, Modelo 3 do ano de 2017, com a identificação..., constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorreção(ões):

Não comprovadas as retenções na fonte da categoria F da entidade ..., as despesas do Anexo F e a data de aquisição do imóvel alienado considerando-se 2014/02/18. Não declarados todos os valores mobiliários alienados. Irá proceder-se à correção da declaração de IRS.

NIF – ...

Mais se informa que, caso pretenda exercer o direito de audição prévia a que se refere o artigo 60º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, poderá apresentar as suas alegações no prazo de 15 dias…”.

e.            Os Requerentes não exerceram o direito de audição prévia.

f.             Por correio registado com aviso de recepção RH...PT, recepcionado em 23-02-2020, foi enviada proposta de correcção oficiosa da aludida declaração de rendimentos.

g.            Nessa sequência, foi efectuada a correcção oficiosa com o n.º ...-20217-..., de que resultou o apuramento de um rendimento global de 146.878,32 € e a liquidação n.º 2020..., com imposto a pagar de 61.105,03 € até 08-04-2020.

h.            Da correção oficiosa à declaração de IRS apresentada pelos Requerentes, consta, relativamente ao Anexo G e especificamente no que à alienação de partes sociais e outros valores mobiliários respeita, o seguinte:

 

 

 

 

i.             Da informação, sem data, do Banco C... remetida à Requerente mulher consta a alienação de obrigações “F... Maio 2021 –...” em 15-11-2017 por 10.561,00 € e a sua aquisição em 17-05-2016 poe 10.000,00 €.

j.             Da informação, de 27-03-2018, do Banco D... remetida ao Requerente marido consta, entre outras, a alienação de acções “E...–...” em 08-08-2017 por 2.160,00 € e a sua aquisição em 03-06-2008 por 2.560,00 € e a alienação de outra, em 03-08-2017 por 2.092,58 € e a sua aquisição em 03-06-2008 por 2.480,00 €.

k.            Da informação, sem data, do Banco C... remetida ao Requerente marido consta a alienação de obrigações “F... Maio 2021 –...”, em 15-11-2017, no valor de € 26.402,50 € e a sua aquisição em 17-05-2016 por 25.000,00 €.

l.             Em 17-09-2020 a AT veio comunicar aos autos que por despacho de 14-09-2020 da Subdirectora Geral da AT foi revogado parcialmente o acto de liquidação objecto do pedido, o que, em suma, sustentou nos seguintes argumentos:

- A parte da herança que o herdeiro, ora Requerente, adquiriu em 2014, em escritura de partilhas, para além da quota ideal que lhe cabia nas respetivas heranças, com o pagamento de tornas no valor de 5.628,65 €, configura um negócio oneroso de transmissão desta parte do bem, equiparando-se o valor das tornas ao valor de aquisição daquele excedente. Pelo que os ganhos decorrentes da alienação desta parte do bem em 2017, por ter sido adquirida onerosamente em 2014, estão sujeitos a tributação em sede da categoria G de IRS.

- Relativamente às mais-valias decorrentes da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, o Requerente invoca ter juntado documentos comprovativos dos elementos das transmissões onerosas emitidas pelas entidades bancárias que não foram remetidos. Assim, por não ser possível apurar inequivocamente os dados corretos daquelas operações, entende-se que devem ser mantidos os elementos constantes do Anexo G.

- Já no que respeita às retenções na fonte da Categoria F, consultadas as guias de pagamento de retenções na fonte, verifica-se que aquela entidade não entregou as guias para pagamento de retenções na fonte efectuadas nos recibos de renda. Assim, não restam dúvidas de que tendo o montante sido retido pelo locatário e não tendo sido entregue nos cofres do Estado, a responsabilidade pelas importâncias retidas e não entregues é do locatário, devendo, como tal, aceitar-se, nas declarações de rendimentos dos locadores, os valores de retenção constantes dos recibos emitidos.

- No que respeita aos juros compensatórios, tendo sido apresentada a declaração de rendimentos do ano de 2017, sem ter sido cumprida a obrigação de declarar todos os rendimentos sujeitos a tributação, consubstanciou um retardamento da liquidação de imposto, por facto imputável ao sujeito passivo, que fundamenta o direito a juros compensatórios.

- Relativamente aos juros indemnizatórios, considerando que se concluiu que parte dos elementos constantes do Anexo G e F, foram erradamente considerados ou desconsiderados oficiosamente pelos Serviços, entende-se que, nessa medida, existiu erro imputável aos serviços em parte da liquidação oficiosa de IRS de 2017, pelo que se verificam os pressupostos do direito a juros indemnizatórios.

m.          Na sequência da revogação parcial da liquidação, veio a ser emitida nova nota de liquidação – com o n.º 2021-...– de que resultou a nota de cobrança 2021-..., com imposto a pagar de 2.802,62 e 194,42 € de juros compensatórios.

n.            Tendo a AT constatado ter existido erro na elaboração desta nova liquidação elaborou Documento de Correcção e subsequente Acerto de Contas de que resultou um reembolso a favor dos Requerentes de 12.386,94 €, mais tendo aquela informado que iriam ser calculados os juros indemnizatórios devidos.

o.            Os Requerentes obtiveram certidão, de 23-04-2020, emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa ..., com o teor da fundamentação que esteve na origem da liquidação de IRS objecto do presente pedido arbitral.

p.            O Requerente marido foi comproprietário do imóvel sito na Rua ..., n.º ... e..., da freguesia da ..., inscrito na matriz sob o artigo U-..., por virtude da outorga, em 18-02-2014, de escritura pública de partilhas, onde era interessado por óbitos de seu pai, G..., ocorrido em 01-03-1962 e de sua avó, H..., ocorrido em 21-05-1983.

q.            Nessa escritura de partilhas foi adjudicado ao Requerente marido 12,5% do prédio a partilhar, levando a mais no seu quinhão (o qual correspondia a 18,75% do valor total da verba partilhada) o montante de 5.628,65 € (correspondente a 3,86% daquele valor), que aquele pagou de tornas.

r.             O prédio objecto de partilha foi vendido pelo Requerente marido e pelos demais, então já, comproprietários, em 27-09-2017, pelo valor de 265.000,00 €.

s.            Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos. Foram também tidos em consideração os vários requerimentos, subsequentes aos articulados, apresentados quer pelos Requerentes, quer pela Requerida.

 

Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

Com consta do probatório, a AT procedeu à anulação parcial do acto de liquidação ora impugnado.

 

À luz do artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, a AT poderá evitar a constituição do Tribunal Arbitral se, no prazo de 30 dias após conhecimento da existência do pedido arbitral, revogar o acto objeto daquele pedido e comunicar ao CAAD nesse prazo tal revogação. Em qualquer circunstância, revogação total ou arbitral, ficará na disposição do sujeito passivo o prosseguimento ou não do processo.

 

No caso em apreço, a AT revogou parcialmente o acto sob impugnação, mas só o fez depois de decorrido aquele prazo legal de 30 dias.

 

Ao tê-lo feito após aquele prazo e tendo o processo prosseguido, conforme pretensão expressa do Requerente, aquele despacho de revogação tem já de ser apreciado pelo tribunal.

 

Ora, tendo ocorrido impossibilidade superveniente da lide por eliminação parcial da ordem jurídica do acto de liquidação sob impugnação, cumpre declarar a extinção parcial da instância, mantendo-se apenas o presente pedido relativamente aos efeitos subsistentes daquele acto, porque não abrangidos pelo acto de revogação.

 

Desse modo, restam submetidas à apreciação do tribunal arbitral três questões:

- A falta de fundamentação do acto de liquidação.

- A tributação de eventual mais-valia decorrente da alienação de imóvel na parte relativa ao “excedente adquirido para além da quota ideal do herdeiro em partilhas”.

- A tributação das mais-valias declaradas decorrentes da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários.

 

Falta de Fundamentação

 

Começando pela pretensa falta de fundamentação da decisão de deferimento parcial.

 

Alegam os Requerentes que o acto de liquidação de IRS contestado é insuficiente quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, “pois não permite conhecer o itinerário cognoscitivo que lhe subjaz, estando, por isso, inquinado de vício de violação de lei”.

 

Antes de mais há que ter presente que uma coisa é não concordar com a fundamentação do acto e outra, diferente, é a sua falta de fundamentação.

 

Nos termos do estatuído no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

 

De acordo com o n.° 2 daquele artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

No caso em apreço, não se vislumbra, designadamente pelo teor da certidão obtida pelos Requerentes ao abrigo do disposto no artigo 37º do CPPT.

 

Parece, pois, evidente que os Requerentes podem não concordar com a fundamentação apresentada, mas é indesmentível que ela existe, é clara, não contraditória e congruente com a conclusão que levou ao acto de liquidação oficiosa, consequente a processo de divergências relativamente à declaração de rendimentos por aqueles apresentada. Processo esse em que os Requerentes foram convidados a exercer o direito de audição prévia e em que lhes foi dado a conhecer as correcções efectuadas pela AT.

 

A fundamentação do acto de liquidação mais não é do que a forma de a “AF exteriorizar os motivos porque procedeu àquela liquidação e não a qualquer outra, de uma forma clara, congruente e racional de molde a constituir a base que suporta a decisão” (Ac. TCA Sul de 25-01-2011 – Proc. 04410/10

 

Como se diz no Ac. STA de 2-07-2014 - Proc. nº 01074/13: “É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados – em harmonia com o princípio plasmado no artigo 268º da CRP e acolhido nos artigos 124º do CPA e 77º da LGT. Ora, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação. É também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido, bastando-se com a expressão clara das razões que levaram a determinada deliberação decisória. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa. Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão decisor, esclarecendo o seu destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto”.

 

Acresce que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido” (…», in (Ac. STA de 0-01-2013 – Proc. n.º 0105/12).

 

Ora, face ao modo como os Requerentes formularam o seu pedido é inquestionável que não tiveram quaisquer dúvidas os pressupostos e fundamentos subjacentes ao acto de liquidação que impugnam.

 

Estando o acto devidamente fundamentado está apto a produzir os seus efeitos, não lhe sendo apontada quaisquer ilegalidades.

 

Improcede, assim, o invocado vício de falta de fundamentação.

 

Por requerimentos posteriores, face às liquidações subsequentes à revogação parcial do acto impugnado, vieram os Requerentes invocar a falta de fundamentação das mesmas, as quais por não serem objecto do presente pedido, não podem obviamente aqui ser apreciadas.

 

Tributação de mais-valias decorrentes de sucessão hereditária

 

Face às posições das partes a questão submetida à apreciação do tribunal arbitral está em determinar se a alienação de imóvel adquirido por via sucessória pelo Requerente marido na parte que excede o quinhão que lhe competida nas heranças em que foi interessado está ou não sujeita a tributação.

 

Os Requerentes defendem que não ao passo que a Requerida sustenta que, pese embora aceite que a sucessão se abre no momento da morte do seu autor, pelo que no momento do óbito cada um dos herdeiros adquire o direito ao quinhão hereditário que lhes cabe na herança, sendo esse o momento da aquisição do direito de propriedade o a da abertura da sucessão, “tudo o que o herdeiro vier a adquirir para além da sua quota ideal na herança com o pagamento da respectivas tornas, ter-se-á que considerar como data de aquisição do excedente a do facto jurídico que legitima esse negócio”.

 

Conforme o entendimento que venha a ser sufragado se concluirá se a transmissão do prédio urbano operada pelos Requerentes está ou não sujeita a tributação. Quer dizer tudo residirá em saber, nos ganhos (mais-valias) decorrentes da alienação, a título oneroso, de prédios urbanos, rústicos e/ou mistos, para efeitos de aplicação do regime transitório, da categoria G, do IRS, previsto no artigo art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442- A/88 de 30 de Novembro, que momento releva (da morte do de cuius ou da concretização da partilha) como o da aquisição dos bens ou direitos envolvidos e, particularmente, na parte em que exceda o(s) quinhão(ões) hereditário(s).

 

É que, no caso sub judice, está em causa a aquisição de direito de propriedade de prédio urbano decorrente de sucessão hereditária por heranças abertas em 1962 e 1983, objecto de partilha em 2014.

 

Pese embora algumas decisões divergentes ao entendimento jurisprudencial maioritário, a questão foi recentemente decidida através de Acórdão do Pleno do STA de 24-02-2021, no Proc. 05/09.6BESNT, cujo entendimento sufragamos na íntegra e que, por isso, passamos a transcrever:

 

- “A sucessão (mortis causa) corresponde ao chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais (excetuadas as que devam extinguir-se por morte do respetivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei) de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam, a qual, por determinação, expressa do art. 2031.º do Código Civil (CC), se abre no momento (dia e hora) da morte do seu autor e no lugar do seu derradeiro domicílio.

A partilha, que qualquer co-herdeiro (ou o cônjuge meeiro) tem o direito de pedir, quando quiser, após a abertura da sucessão respetiva, pode ser concretizada por acordo de todos os interessados, nas conservatórias ou por via notarial, e/ou, por meio de inventário, nos casos de desacordo, ausência ou incapacidade de facto permanente de algum dos herdeiros e de aceitação beneficiária, é o ato destinado a pôr termo, fazer cessar a indivisão de um património, em resultado da qual, dos seus diversos momentos, diligências, operações, cada interessado vem a ser encabeçado na titularidade dos bens e/ou direitos (e, sendo caso, nas dívidas) a que tem direito (ou de que é responsável), como resultado do funcionamento, aplicação, das diversas e pertinentes regras de direito das sucessões/sucessório. Entre estas, para os termos deste recurso, cumpre destacar a que se mostra inscrita no art. 2119.º do CC, sob as epígrafes, geral, dos efeitos da partilha e específica, da sua retroatividade: “Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos” [Não se olvide, igualmente, que os efeitos da aceitação (da herança) se retrotraem ao momento da abertura da sucessão - art. 2050.º n.º 2 do CC].

Com apoio nesta imposição, legislativa, do efeito retroativo da partilha, a doutrina dominante, bem como, a jurisprudência maioritária, tem afirmado, há longo tempo, a natureza, preponderantemente, declarativa (e não constitutiva ou translativa) da partilha de bens, no sentido de que “se limita a determinar ou materializar os bens que compõem o quinhão hereditário de cada herdeiro na herança até então indivisa, quinhão esse adquirido com a aceitação, cujos efeitos retroagem ao momento da abertura da sucessão”. Por outras palavras, não existindo reservas em afirmar que, enquanto uma herança permanecer indivisa (não for objeto de liquidação e partilha) (Por força do art. 2101.º n.º 2 do CC, “Não pode renunciar-se ao direito de partilhar, mas pode convencionar-se que o património se conserve indiviso por certo prazo, que não exceda cinco anos; é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção”. Ver, ainda, art. 2074.º do mesmo compêndio legal.), cada um dos herdeiros, somente, é titular de um direito a uma quota-parte (ideal) de uma massa de bens, constituindo um património autónomo, e não de um direito, subjetivo, sobre cada um dos bens integrantes da mesma, já, por efeito da partilha, o herdeiro torna-se titular, em pleno, dos direitos que lhe couberem, sendo, se a herança integrar a propriedade de bens imóveis, a partir de então, que, conforme (na proporção) lhe forem atribuídos, passa a ser proprietário de cada um deles e, nessa qualidade, pode exercer os direitos correspondentes. Relativamente à aquisição do direito de propriedade (de coisas corpóreas), é preciso ter, sempre, presente, ainda, o princípio de que o mesmo se adquire, entre outros modos, por sucessão mortis causa, no momento da sua abertura (Artigos 1316.º e 1317.º, alínea b) do Código Civil); e não pelo modo de partilha.

Não se nos colocando nenhuma entropia em, deste modo, entender, quando se trata do preenchimento certo (rigorosa e aritmeticamente, correspondente à quota-parte de cada interessado) dos quinhões hereditários, também, no âmbito tributário, em cédula de IRS (mais-valias/regime transitório), julgamos ser de adoptar e retirar consequências (especificamente, sobre o momento da aquisição), da mera natureza declarativa da partilha, nas situações, como a presente, em que um herdeiro preenche o seu quinhão em medida excedente, com concreta expressão monetária, do que, no confronto com os direitos dos demais, lhe era devido, por lei.

(…) A partilha, na nossa perspetiva, tem, sempre e univocamente, natureza declarativa e não, destacadamente, translativa, em particular, do direito de propriedade sobre imóveis, pelo que, em conformidade, qualquer aquisição, que por ela se materialize, tem de, independentemente da data da concretização/formalização do negócio jurídico (de partilha), retroagir ao dia e hora da abertura da correspondente sucessão por morte. Ademais, muito menos acolhemos o entendimento de que a partilha possa ter uma natureza, digamos, mista, bígama, nas situações, como a que nos ocupa, em que um herdeiro adquire (é encabeçado) em bens cujo valor, com tradução monetária, excede o do seu quinhão hereditário, isto é, declarativa e com a aquisição a ser reportada ao momento da morte do de cujus, quanto ao preenchimento certo da sua quota-parte na massa de bens a partilha e translativa (compra e venda), em relação à aquisição excedentária (da sua quota-parte), considerando-se esta efetivada na data da partilha.

(…) Um negócio jurídico de partilha de bens não é confundível com o contrato (nominado) de compra e venda, pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (Artigo 874.º segs. do CC.), porquanto, desde logo, quanto a este último, o pagamento de tornas (forma privativa e específica de, numa partilha, o herdeiro que recebe bens/direitos em excesso cobrir a diferença - de valor monetário - aos demais) não tem a natureza de preço (correspondente à parte excedente, por exemplo, de uma parcela de um imóvel), mas sim, consubstancia uma forma de compensação, aos outros herdeiros/interessados, pelo excesso de quota-parte.

Só resta, como é imperioso, concluir pela verificação de erro, do julgamento concretizado pelo aresto sob crítica, no que concerne ao entendido, especificamente, nestes termos: «a parte do imóvel (correspondente a 3/10), adjudicado à Recorrida em excesso do seu quinhão hereditário, deva considerar-se objecto de aquisição a título oneroso no momento da celebração da partilha»”.

 

Em conclusão. Respeitando o expresso no acórdão em causa, concluímos que o momento de aquisição do imóvel, ou da sua fracção, por parte do Requerente marido, é determinado pelo momento da abertura da herança e, atendendo a que tal ocorreu antes da entrada em vigor do CIRS, os ganhos decorrentes da sua alienação não estão sujeitos a IRS, face ao disposto no art. 5º do DL art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442- A/88 de 30 de Novembro.

 

Impõe-se, pois, a declaração de ilegalidade da liquidação neste ponto

 

Mais valias por alienação onerosa de partes sociais e valores mobiliários

 

Entendem os Requerentes padecer a liquidação em crise de ilegalidade por erro sobre os pressupostos, quer de facto que de direito.

 

Em defesa da sua tese juntou documentos bancários com mapas resumo das transações que efectuaram, neste âmbito, no ano de 2017.

 

Tais documentos não foram postos em causa pela Requerida na resposta que apresentou.

 

Acresce que no despacho de revogação parcial da liquidação se refere que “o Requerente invoca ter juntado documentos comprovativos dos elementos das transmissões onerosas de valores mobiliários, emitidas pelas entidades bancárias que não foram remetidas à AT, conforme requerimento apresentado para junção dos documentos em falta”. Sucede que o CAAD, através de despacho do seu Presidente de 26-02-2020 informou a AT informou que “no processo constam efetivamente 18 documentos, juntos nos seguintes termos: Os documentos 1 a 10 constam do pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 04 de julho de 2020 e os documentos 11 a 18 foram remetidos por email na mesma data pelo Requerente, encontrando-se todos disponíveis para consulta no SGP”.

 

Todavia, nada disse a AT relativamente a esta questão.

 

Ora, da prova produzida pelos Requerentes, com a junção dos doc. 11 a 13, logrou demonstrar traduzir a realidade os elementos que fez constar a esse respeito na declaração de rendimentos que apresentaram. Sendo certo que tal prova terá que prevalecer pela mera dúvida da AT (“não ser possível apurar inequivocamente os dados corretos daquelas operações”), face designadamente ao disposto no art. 100º, n.º 1 do CPPT

 

Impõe-se, por isso, a anulação da liquidação também neste ponto

 

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretendem os Requerentes que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

No caso em apreço, é manifesto que ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise que por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

 

Pelo que assiste aos Requerentes o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente àquele imposto.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Declarar a extinção parcial da instância por inutilidade superveniente da lide, por revogação parcial do acto de liquidação;

b)           Julga totalmente procedente o pedido arbitral subsistente, determinando-se a anulação, na parte não revogada pela AT, da liquidação de IRS, relativo ao ano de 2015, com n.º 2019... e respectivos juros compensatórios.

c)            Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a reembolsar os Requerentes do montante do imposto pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 54.775,32 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 7 de Outubro de 2021

 

O Árbitro

(António Alberto Franco)