Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 252/2020-T
Data da decisão: 2021-10-12   Outros 
Valor do pedido: € 169.300,54
Tema: EBF – Artigo 22.º; Rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundos de investimento.
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SUMÁRIO:

A expressão “rendimentos”, constante do n.º 3 do art.º 22.º do EBF aplicável, não pode ser lida como reportando-se a “operações susceptíveis de gerar rendimento”,

 independentemente de o gerarem ou não, pelo que, não se demonstrando no caso, que tenham sido auferidos “rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1” do art.º 22.º do EBF, não poderá ser reconhecido o benefício de deduzir imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 do mesmo art.º 22.º.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 06 de Maio de 2020, A... S.A., NIPC..., com sede na Av. ..., ..., ..., sala..., ... - ... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial do acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2014..., relativo ao período de tributação de 2013, no valor de € 169.300,54, bem como das decisões do recurso hierárquico e da reclamação graciosa que tiveram aquele acto como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que tem direito, nos termos previstos no n.º 3 do art.º 22.º, do EBF, à dedução como pagamento por conta ao imposto suportado pelo B...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado no período compreendido entre a última distribuição de rendimentos e o resgate, que ascendeu a €316.382,10, na proporção do peso percentual das unidades de participação resgatadas.

 

3.            No dia 07-05-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 07-07-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-08-2020.

 

7.            No dia 19-10-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma pessoa colectiva de direito privado, constituída em 21 de Outubro de 2005, que tem por objecto o exercício de actividades no ramo imobiliário, incluindo a administração, gestão e compra e venda de imóveis, prestação de serviços de consultoria imobiliária e adquirir, em geral, valores mobiliários directa ou indirectamente relacionados com investimento imobiliário.

2-            A Requerente realizou investimentos no B... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (doravante designado por "Fundo"), nos anos de 2005, 2006 e 2007.

3-            O Fundo foi constituído em Dezembro de 2005, tendo a Requerente como única participante, e viu o seu capital ser aumentado em 2006 e 2007.

4-            Em resultado daquelas operações, a Requerente subscreveu um total de 7.174.101 unidades de participação do Fundo.

5-            A 21 de Janeiro de 2013, a Requerente deliberou a redução de capital por extinção de 3.833.538 unidades de participação do Fundo (53,43% do total das unidades de participação).

6-            Esta operação gerou uma menos valia na esfera patrimonial da Requerente.

7-            A última distribuição de rendimentos ocorrida antes da referida redução de capital ocorreu em Março de 2012.

8-            O número de unidades de participação do Fundo foi reduzido novamente a 27 de Maio de 2015 e 23 de Março de 2016, em virtude de novas reduções de capital com extinção de unidades de participação.

9-            A evolução do número de unidades de participação do Fundo foi a seguinte:

 

10-         Nos períodos infra-identificados o fundo suportou o seguinte imposto:

 

11-         A Requerente deduziu parte do IRC suportado pelo Fundo, a título de pagamento por conta, aquando das distribuições de rendimentos ocorridas até 2013, não o tendo feito nesse exercício.

12-         A Requerente apresentou a 19 de Maio de 2016 uma reclamação graciosa contra o acto tributário de autoliquidação de IRC n.º 2014..., referente ao exercício fiscal de 2013, solicitando à Autoridade Tributária e Aduaneira que rectificasse a sua situação tributária e confirmasse a dedução, na sua declaração de rendimentos Modelo 22, de parte do imposto suportado pelo Fundo no montante de € 169.300,54, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do EBF.

13-         A Requerente foi notificada, no dia 3 de Outubro de 2016, do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

14-         A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia.

15-         A Requerente foi notificada do despacho final de indeferimento da reclamação graciosa.

16-         A Requerente interpôs recurso hierárquico, daquela decisão de indeferimento.

17-         Em 4 de Outubro de 2019, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento do referido recurso hierárquico.

18-         A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia.

19-         A 5 de Fevereiro de 2020, a Requerente foi notificada do indeferimento do recurso hierárquico.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Em relação ao facto dado como provado no ponto 10, único que se poderá considerar controvertido, o mesmo assenta nos documentos 13 e 14 juntos pela Requerente, tendo-se ainda em conta que se trata de um facto de conhecimento pessoal da Requerida, que o contestou por mera negação.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Em causa nos presentes autos de processo arbitral, está, exclusivamente, em causa a aplicação do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3 do EBF/2013, cujo teor é o seguinte:

“1 - Os rendimentos dos fundos de investimento mobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, têm o seguinte regime fiscal:

a) Tratando-se de rendimentos que não sejam mais-valias, obtidos em território português, há lugar a tributação, autonomamente:

1) Por retenção na fonte, como se de pessoas singulares residentes em território português se tratasse;

2) Às taxas de retenção na fonte e sobre o montante a esta sujeito, como se de pessoas singulares residentes em território português se tratasse, quando tal retenção na fonte, sendo devida, não for efectuada pela entidade a quem compete; ou

3) À taxa de 25 % sobre o respectivo valor líquido obtido em cada ano, no caso de rendimentos não sujeitos a retenção na fonte, sendo o imposto entregue pela respectiva entidade gestora até ao fim do mês de Abril do ano seguinte àquele a que respeitar;

b) Tratando-se de rendimentos que não sejam mais-valias, obtidos fora do território português, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 20 %, relativamente a rendimentos de títulos de dívida, a lucros distribuídos e a rendimentos de fundos de investimento, e à taxa de 25 %, nos restantes casos, incidente sobre o respectivo valor líquido obtido em cada ano, sendo o imposto entregue ao Estado pela respectiva entidade gestora até ao fim do mês de Abril do ano seguinte àquele a que respeitar;

c) Tratando-se de mais-valias, obtidas em território português ou fora dele, há lugar a tributação, autonomamente, nas mesmas condições em que se verificaria se desses rendimentos fossem titulares pessoas singulares residentes em território português, à taxa de 25 %, sobre a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias obtidas em cada ano, sendo o imposto entregue ao Estado pela respetiva entidade gestora, até ao fim do mês de abril do ano seguinte àquele a que respeitar.  (Redacção da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro) (...)

3 - Relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1, de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território, os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos, e o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS.”

                Fundando-se na norma transcrita, pretende a Requerente a anulação parcial da sua autoliquidação relativa ao exercício de 2013, na parte em que não integra a dedução, de parte do imposto suportado pelo Fundo no montante de € 169.300,54.

                A Requerida, opõe-se a tal pretensão com base em argumentos, a saber:

a.            A falta de prova apresentada pela Requerente relativa ao imposto suportado pelo Fundo;

b.            A necessidade de consideração, como componente positiva do lucro tributável da Requerente, do IRC a recuperar do Fundo; e

c.            A impossibilidade de dedução do crédito de imposto, a título de pagamento por conta, quando do investimento resulte uma perda e não um ganho.

Sendo o primeiro daqueles argumentos uma mera questão de facto, resolvida atrás em sede própria, cumpre, então, apreciar os dois restantes.

 

*

                Entende a Requerida que resulta da interpretação articulada do disposto no números 1, 3, 4 e 7 do art.º 22.º do EBF, da alínea d) do n.º 2 do art.º 90.º e n.º 2 do art.º 68.º do CIRC, que quando os rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundo de investimento (mobiliário ou imobiliário) afluem à esfera dos participantes (sujeitos passivos de IRC), por distribuição ou resgate, os rendimentos devem ser considerados como proveitos ou ganhos e reflectidos no lucro tributável pelo valor ilíquido do imposto retido ou devido, a fim de que a tributação definitiva dos rendimentos obtidos por intermédio do Fundo seja efectuada de acordo com o regime aplicável a cada titular das unidades de participação, tendo, por isso, este imposto a natureza de pagamento por conta ou de pagamento antecipado por parte do Fundo.

                Para a Requerida, a dedução à colecta do IRC do imposto retido ou devido pelo Fundo, nos termos previstos na alínea d) do n.º 2 do art.º 90.º – actual alínea e) – do CIRC assimila esse imposto a “retenção na fonte” com a natureza de pagamento por conta e, consequentemente, em linha com a regra geral ínsita no n.º 2 do art.º 68.º do CIRC (e no CIRS), os rendimentos a que o imposto está associado devem ser incorporados na matéria colectável pelos respectivos valores ilíquidos, i.e., acrescidos do imposto.

                Reiterando o que é dito na decisão proferida sobre o recurso hierárquico, aponta a Requerida que a Requerente não incluiu o montante do imposto que pretende ver deduzido na declaração de rendimentos modelo 22 a título de pagamento por conta, nem os rendimentos ilíquidos obtidos no resgate das unidades de participação foram dados à tributação.

                Começando por esta parte, diga-se, desde logo, acompanhando a argumentação da Requerente, que o argumentado não seria, em caso algum, óbice ao deferimento da pretensão daquela junto da AT.

                Efectivamente, não tendo o sujeito passivo relevado na sua declaração de imposto, um montante a deduzir, será normal que não o tenha relevado para quaisquer efeitos, pelo que, sendo legal tal relevância, deverá a AT proceder em conformidade com a lei, relevando o montante devido, para todos os devidos e legais efeitos.

                Quanto ao mais, e como a Requerente aponta, sem que a Requerida contradite qualquer dos seus fundamentos essenciais, tal matéria foi já objecto de apreciação em várias decisões arbitrais, tendo-se escrito, por exemplo, no processo arbitral n.º 758/2019 do CAAD :

“Alega, em sentido diverso, a Requerida que o objetivo do regime previsto no n.º 3 do artigo 22.º era assegurar que a tributação definitiva dos rendimentos obtidos através dos fundos se aproximasse à que se verificaria se os ativos fossem fruto de investimento direto dos titulares das unidades de participação, criando uma “técnica de quase transparência fiscal”. Ora, quando o legislador determina que o imposto retido assume a natureza de pagamento por conta e remete para as deduções previstas no artigo 83.º [atual artigo 90.º], teremos que atender ao disposto no n.º 2 do artigo 68.º, nomeadamente a obrigação de incluir os rendimentos ilíquidos.

Atentos à letra da lei e sentido do regime, é para nós claro que o artigo 22.º estabelece um regime de tributação autónomo na esfera do fundo, tendo em vista isentar “à saída” a generalidade dos respetivos titulares. De forma diferenciada, o n.º 3, pela sua natureza de entidades que exerce uma atividade comercial, industrial ou agrícola, estabelece que os rendimentos respeitantes às unidades de participação nos fundos são considerados como “proveitos ou ganhos” na esfera dos seus titulares.

Atendendo a que a tributação foi feita exclusivamente na esfera do fundo, os rendimentos a declarar nunca poderão incluir o imposto suportado autonomamente por uma terceira entidade. Se tal fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expresso de forma categórica (“rendimentos ilíquidos gerados pelo fundo de investimento”). Não podemos, por isso, atender, in casu, a uma interpretação "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso" (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, ex vi artigo 11.º da Lei Geral Tributária).

Por outro lado, a interpretação conforme à letra da lei não é, sublinhamos, contrária ao espírito e sistematização da norma que, na sua essência, consagra um sistema de tributação autónoma dos rendimentos dos fundos e reconhecimento de um tratamento mais favorável - daí a sua inclusão no Estatuto dos Benefícios Fiscais - aos titulares das unidades, de participação, seja pela isenção tout court, seja pela possibilidade de dedução na sua esfera do imposto pago pelo Fundo.

No mesmo sentido, refere-se na decisão do CAAD de 27 de junho de 2019, proferida no processo n.º 309/2018-T que:

“A nosso ver, é isso mesmo que o texto legal – o disposto no n.º 3 do art.º 22.º do EBF – pretende, ou seja, que o proveito a reconhecer pelo titular das UPs deverá corresponder ao montante pago pelo Fundo, sem que haja lugar ao acréscimo do valor respeitante ao imposto pago por este relativamente àquele rendimento. Mesmo que se entenda que esse regime seja mais benéfico do que o regime geral (o que não sucede em todos os casos, note-se), a verdade é que é nesse sentido que milita a letra da lei, não cabendo ao intérprete fazer conclusões interpretativas que se afastem da letra e espírito da lei. Acresce que a lei em causa regula precisamente os denominados benefícios fiscais, ou seja, medidas de carácter excepcional instituídas para a tutela de interesses extra-fiscais relevantes.”

Também assim se conclui na decisão do CAAD de 6 de junho de 2018, proferida no Proc. n.º 371/2017-T:

“Ora, o que o sujeito passivo fez, e que não é desmentido pela AT, foi considerar o montante dos rendimentos recebidos como proveito, incluindo-o na sua declaração de IRC, sendo isso o que determina aquela disposição, uma vez que, como se referiu, não há lugar a retenção na fonte. Assim sendo, não é aplicável o art.º 68º, nº2 do CIRC, não podendo, consequentemente, a AT ter feito a correção a que procedeu.

A Requerida deveria ter considerado a importância líquida dos valores recebidos para efeitos de tributação, que é o que determina o art.º 22º, nº3, do EBF.””.

                Com efeito, a letra da lei é totalmente clara, no sentido de que:

- os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos em causa não estão sujeitos a retenção na fonte;

- tais rendimentos são claramente distinguidos do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 do mesmo art.º 22.º, que é relativo aos rendimentos dos fundos de investimento mobiliário;

- são aqueles primeiros rendimentos que são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos; e que

- o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 tem a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no actual artigo 90.º (anterior 83.º) do Código do IRC, e não para qualquer outro.

                Assim sendo, como não se tem dúvidas que é, por muito razoável e coerente que seja a construção jurídica apresentada pela Requerida – que também o é –, apenas poderá a mesma ser considerada de iure condendo, já que não tem qualquer correspondência no direito constituído, a aplicar.

                Se o legislador, por descuido ou por qualquer outro motivo, optou por formular a norma ora em causa da maneira que o fez, não poderá o intérprete e aplicador, substituí-la por outra, ainda que objectivamente melhor, sem que tenha um mínimo de amparo nos elementos relevantes da interpretação jurídica.

                Como a própria Requerida refere, a outro propósito, o intérprete e ao aplicador da lei está impedido de alargar o âmbito da norma aos casos não previstos.

                Daí que a alegação ora em apreço não seja susceptível de obstar à procedência da pretensão da Requerente.

                Esclareça-se, ainda, que não se julga que a presente decisão esteja em contradição com o decidido no processo arbitral 104/2019T do CAAD , porquanto ali, bem ou mal, parece ter sido tido como provado que o sujeito passivo foi objecto, ele próprio, de retenção na fonte, ao contrário do que, inquestionavelmente, sucede no caso sub iudice.

 

*

                Em sede arbitral a Requerida vem ainda sustentar que, em suma, dado que o n.º 3 do art.º 22.º (e também o seu n.º 4) do EBF, não contempla situações em que os titulares das unidades de participação em fundo de investimento (mobiliário ou imobiliário) apurem perdas nas operações de resgate ou de liquidação do Fundo, a Requerente não pode aproveitar da dedução do imposto alegadamente retido ou devido pelo Fundo.

                Antes do mais, será de referir que não se enquadrará esta argumentação no quadro de uma fundamentação a posteriori, como a Requerente, de alguma forma, sugere (embora, a final, conceda, no caso, admissível), dado que o objecto da presente acção arbitral é a autoliquidação daquela, e está em causa a apreciação da ilegalidade da mesma, configurada pela Requerente.

                Posto isto, julga-se ser de acolher este argumento da Requerida.

                Com efeito, também aqui se julga que a letra da lei é meridianamente clara.

                Assim, a Requerente sustenta, em suma, que a expressão “rendimentos”, constante do n.º 3 do art.º 22.º do EBF aplicável, deve ser lida como reportando-se a “operações susceptíveis de gerar rendimento”, independentemente de o gerarem ou não.

                Todavia, o que se verifica é que a o texto da lei não comporta tal leitura.

                Com efeito, a norma em questão, reporta-se aos “rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1”. Não estão aqui em causa rendimentos eventuais ou potenciais, mas rendimentos efectivos, e respeitantes às unidades de participação nos fundos.

                Ora, no caso, e confessadamente, a Requerente não auferiu quaisquer “rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1” do art.º 22.º do EBF, tendo antes sofrido uma menos valia, conforme resulta dos factos dados como provados, pelo que não poderá beneficiar do regime do n.º 3 daquele mesmo artigo.

                Não se pode acolher a tese da Requerente, no sentido de a referência a “rendimentos” ser lida como “operações susceptíveis de gerar rendimento”, não só porque não tem qualquer correspondência com o texto legal, como, trilhando-se tal via, se chegaria a um ponto em que não faria sentido, igualmente, que mesmo não gerando as unidades de participação qualquer rendimento, os seus titulares não pudessem então deduzir o imposto pago pelo fundo, já que, na mesma linha de razão, não só a titularidade das unidades de participação é, de per si, susceptível de gerar rendimento, como se o objectivo do regime fosse a completa neutralidade que a Requerente sustenta, só desse modo esta seria prosseguida.

                Ora, manifestamente, não é esse o sentido do regime em questão. Aquilo que se pretende, é que os “rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1” do art.º 22.º do EBF, que são rendimentos de capital, beneficiem do disposto naquele n.º 3 do mesmo artigo.

                Quanto ao exemplo gizado pela Requerente , tentando evidenciar o suposto absurdo a que a solução ora subscrita conduziria, reconhecendo-se o bem pensado do mesmo, não se pode deixar, igualmente, de reconhecer um par de falhas no mesmo.

                Assim, e desde logo, o mesmo assume, como a Requerente faz nos autos, que o imposto a deduzir se calcula em função da titularidade de unidades de participação no fundo, a que o rendimento é imputável, e não do montante de rendimento respeitante a unidades de participação no fundo, o que, não sendo questão a decidir no caso – motivo pelo qual não se toma posição quanto à mesma – não se pode dar como adquirido.

                Por outro lado, o mesmo exemplo assume que as mais-valias decorrentes de operações relativas às próprias unidades de participação deverão ser consideradas como rendimento respeitante a unidades de participação no fundo, o que, não sendo igualmente questão a decidir no caso, não é igualmente líquido .

                Em todo o caso, e para o que ora releva, julga-se que o entendimento propugnado pela Requerente, no sentido de que a expressão “rendimentos”, constante do n.º 3 do art.º 22.º do EBF aplicável, deve ser lida como reportando-se a “operações susceptíveis de gerar rendimento”, independentemente de o gerarem ou não, não pode ser acolhido, pelo que, não se demonstrando no caso, que aquela tenha auferido “rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1” do art.º 22.º do EBF, não lhe poderá ser reconhecido o benefício de deduzir imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 do mesmo art.º 22.º, pelo que terá o pedido arbitral de improceder.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Absolver a Requerida do pedido; e

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 169.300,54, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de Outubro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Arlindo Francisco)

 

O Árbitro Vogal

(Rui Rodrigues)