Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 126/2021-T
Data da decisão: 2021-09-17  IRC  
Valor do pedido: € 4.116,11
Tema: IRC. Exercício de 2014. Período não coincidente com o ano civil. Sucessão de taxas cfr. Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro e Lei do OE 2015.
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SUMÁRIO:

1) Aos contribuintes em IRC cujo exercício não coincida com o ano civil é de aplicar, relativamente ao respectivo exercício de 2014, a taxa geral de IRC que se encontrava em vigor à data da verificação do facto gerador (v. art.º 8.º, n.º 9 do CIRC). 2) Assim, ao SP cujo período especial de tributação iniciou a 1 de Setembro de 2014 e terminou a 31 de Agosto de 2015 é aplicável a taxa geral de 21% cfr. alteração ao art.º 87.º, n.º 1 do CIRC introduzida pela Lei do Orçamento de Estado de 2015 que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2015. 3) Em aplicação da Jurisprudência Uniformizada pelo Pleno do STA, Acórdãos de UJ de 21.04.2021 e de 30.06.2021, prolatados, respectivamente, nos processos n.º 057/20.8BALSB e n.º 117/20.5BALSB. 4) A ilegalidade na aplicação da taxa (aplicando a taxa que vigorava no início do exercício, de 23%, e não a de 21%) por parte da AT em tais situações e na inexistência de interpretação uniformizada não é de molde a preencher os requisitos de que o art.º 43.º da LGT faz depender a condenação em juros indemnizatórios.

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., S.A., doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, nipc..., e com sede na Rua ...,  ..., ..., ..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de apreciação da sua pretensão de declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação de tributos e, assim, pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona a declaração de ilegalidade de acto de indeferimento de revisão oficiosa e, mediatamente, do acto de autoliquidação dos tributos, mais concretamente de IRC, relativa ao exercício de 2014.

 

Mais peticiona a devolução de uma parte das quantias pagas, e juros indemnizatórios.

 

À autoliquidação em crise, doravante também “a Liquidação”, corresponde a Declaração Modelo 22 submetida pela Requerente a 29.01.2016, com a identificação..., período de tributação de 01.09.2014 a 31.08.2015, exercício de 2014.

 

A Requerente efectuou e pagou a Liquidação - autoliquidação n.º 2016..., exercício de 2014. Porém não se conforma com a mesma, que aqui coloca em crise.

 

E não se conforma por entender, em síntese, que, estando sujeita a um período de tributação distinto do ano civil (com início e fim distintos do início e fim do ano civil), e tendo no decurso do seu período de tributação correspondente ao exercício de 2014 vindo o legislador alterar as taxas de IRC - cfr. Lei do Orçamento de Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, doravante também “LOE 2015”), reduzindo a taxa geral deste imposto de 23% para 21% e, mais, tendo esta Lei entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2015, quando o seu exercício então em curso só terminava a 31 de Agosto (2015) e, ainda, não tendo o legislador ali ressalvado (na LOE 2015) que a nova lei se aplicava apenas aos períodos de tributação que se iniciassem após a data da sua entrada em vigor (contrariamente ao que sucedera em anos anteriores), então é de se lhe aplicar esta nova lei. E, assim, a taxa de 21% ao seu exercício de 2014.

 

A taxa a aplicar aos casos em que o ano fiscal difere do ano civil é a que estiver em vigor no último dia do ano do exercício fiscal. Não foi por mero lapso ou esquecimento que o legislador não estabeleceu norma transitória quanto à nova taxa de 21% na LOE 2015. Há que concluir pela aplicação da nova taxa a todos os períodos de tributação iniciados ou em curso a 1 de Janeiro de 2015. De acordo com o art.º 12.º, n.º 1 da LGT. E com o art.º 8.º, n.º 9 do CIRC que estabelece que o facto gerador se considera verificado no último dia do período de tributação.

 

Em consequência, sendo a matéria colectável apurada no exercício no valor de € 220.805,47, à mesma se deverá aplicar - ao respectivo montante acima dos primeiros € 15.000,00 - não uma taxa de 23%, como sucedeu no acto em crise, mas sim uma taxa de 21%. O que, feitas as contas, corresponderá a um pagamento efectuado em excesso de € 4.116,11. Excesso que deverá ser-lhe devolvido, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Com a mesma fundamentação, interpusera a Requerente já Revisão Oficiosa da Liquidação (cujo processo tramitou sob o n.º ...2019...), ao abrigo do art.º 78.º da LGT, concluindo também aí, como agora aqui, pelo pedido de devolução da quantia que considera ter pago em excesso, acrescida de juros indemnizatórios. Revisão Oficiosa que veio a ser indeferida, por despacho da Requerida de 16 de Dezembro de 2020.

 

As posições das Partes são divergentes quanto a ser ou não aplicável ao exercício da Requerente de 2014 a taxa de 21%, introduzida pela LOE 2015.

 

Não obstante não se conformar com a Liquidação, a Requerente procedeu ao pagamento, pelo que vem agora peticionar (i) a anulação parcial da mesma (na medida da diferença entre o resultado da aplicação da taxa de 23%, como sucedeu, e o resultado da aplicação da taxa de 21%, que entende ser de aplicar) e, bem assim, a anulação do despacho de indeferimento da Revisão Oficiosa, (ii) o reembolso das quantias pagas em excesso (€ 4.116,11), e (iii) juros indemnizatórios.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 03.03.2021 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 03.05.2021 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 21.05.2021.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção da Liquidação em crise na Ordem Jurídica.

 

A Requerida entende que a Liquidação não padece de qualquer vício.

 

Em síntese, a LOE 2015, que estabeleceu, para o art.º 87.º, n.º 1 do CIRC, uma taxa de IRC de 21%, Lei com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2015, não é de aplicar ao período de tributação da Requerente aqui em causa, que é o de 2014, e que teve o seu início a 01.09.2014 e terminus a 31.08.2015.

 

Com efeito, a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabeleceu para o período de 2014 a taxa de 23% - cfr. respectivo art.º 87.º, n.º 1, CIRC. E, por sua vez, a LOE 2015, alterando o mesmo art.º 87.º, n.º 1, estabeleceu a taxa geral de 21% para o período de tributação de 2015. 

 

Em face do princípio da anualidade, pelo qual se constroem, em impostos sobre o rendimento, períodos tributários temporalmente delimitados, o lucro tributável das empresas é determinado anualmente e o IRC é devido por cada período económico. O IRC é um imposto sobre um determinado rendimento apurado num certo período de tempo e, assim, um imposto periódico de formação sucessiva para efeitos do art.º 12.º, n.º 2 da LGT.

 

O lucro tributável é um facto complexo que se forma ao longo do exercício económico cujo culminar ocorre no último dia do período tributário - seja ele 31 de Dezembro, seja outro dia do ano no caso de período de tributação diferente do ano civil. No caso da Requerente, o período de 2014 iniciou a 1 de Setembro de 2014 e terminou a 31 de Agosto de 2015. A lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, in casu, período de 2015.

 

É assim que no final de cada ano civil é publicada uma Lei OE e as alterações ao CIRC terão em regra aplicação ao período de tributação do ano seguinte. Sabendo de antemão os SPs - quer o seu período de tributação inicie a 1 de Janeiro, quer em data posterior – com o que contar nesse mesmo período de tributação. Se assim não se entendesse sairia violado o art.º 13.º da CRP pois que coexistiriam, para um mesmo período de tributação, duas taxas de imposto. Por sua vez, ao período de tributação da Requerente que se inicia a 1 de Setembro de 2015 e termina a 31 de Agosto de 2016 aplicam-se as regras do CIRC em vigor para o período de tributação de 2015. E assim sucessivamente. Assim, sem qualquer questão de aplicação retroactiva da lei.

 

Para o período tributário de 2014 a taxa aplicável é pois a de 23%, para todos os SPs, seja o seu período tributário com início a 1 de Janeiro, seja noutra data. Assim também quanto ao período de 2014 da Requerente, em causa nos autos. A sua pretensão carece de fundamento legal. A Liquidação deve manter-se na Ordem Jurídica, devendo improceder todos os pedidos.

 

*

 

Por despacho de 24 de Junho de 2021 o Tribunal notificou as Partes dispensando a reunião do art.º 18.º do RJAT e para alegações escritas facultativas.

 

Nenhuma das Partes apresentou alegações.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção.

 

O PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. al.s k) e m) dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. e) do CPPT).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) A Requerente é uma sociedade anónima sujeito passivo de IRC, cfr. art.º 2.º, n.º 1, al. a) do respectivo Código, que iniciou actividade em 01.06.1989 e está enquadrada no regime geral de tributação em IRC;

 

b)  A Requerente está inscrita com o CAE 70220 – Outras Actividades de Consultoria para os Negócios e a Gestão, e qualifica como PME; (cfr. Resposta e PA)

 

c) A Requerente adopta, ao tempo da liquidação em crise, um período de tributação não coincidente com o ano civil (“período especial de tributação”), o qual tem início a 1 de Setembro de um ano civil e termo a 31 de Agosto do ano civil seguinte;

 

d) O período especial de tributação correspondente ao exercício de 2014 da Requerente iniciou a 1 de Setembro de 2014 e terminou a 31 de Agosto de 2015;

 

e) A 30.01.2015 a Requerente submeteu uma Declaração Modelo 22 para o período compreendido entre 01.01.2014 e 31.08.2014, que corresponde à Declaração que antecedeu a alteração para período especial de tributação, e que deu origem à liquidação n.º 2015...  (cfr. Resposta e em conjugação com PA 521-566 a pp. 13 e ss.)

 

f) A 29.01.2016 a Requerente submeteu a Declaração Modelo 22, com a identificação..., para o período de tributação de 01.09.2014 a 31.08.2015, Exercício 2014; (cfr. Comprovativo da entrega da Declaração, Doc. 1, PA -1-80 e PA 521-566)

 

g) A Declaração Modelo 22 em f) supra deu origem à liquidação n.º 2016... (“a Liquidação”), com data de 01.02.2016, cujo pagamento foi desde logo regularizado pela Requerente – cfr. Respectiva demonstração de liquidação; (v. PA 521-566, a pp. 12 e 30)

 

h) Na autoliquidação assim processada (v. al.s f) e g) supra) foi aplicada, por força do sistema informático da Requerida, a taxa geral de IRC de 23%, e apurado um montante total de colecta de IRC de € 49.885,26;

 

i) A colecta de IRC de € 49.885,26 (v. al. h)) corresponde a uma matéria colectável de € 220.805,47, a cujos primeiros € 15.000,00 foi aplicada a taxa reduzida de 17%, e ao remanescente (€ 205.805,47) a taxa de 23%, assim: [(€ 15.000,00 x 17%) + (€ 220.805,47 - € 15.000,00) x 23%];  (cfr. PPA e PA)

 

j) Com referência à Liquidação, a Requerente interpôs Pedido de Revisão Oficiosa, que tramitou sob o n.º ...2019... e em que pugnou pela anulação da Liquidação por entender dever ser-lhe aplicada não a taxa geral de 23% mas sim a de 21%, com fundamento em a alteração introduzida pela LOE 2015 ao art.º 87.º, n.º 1 do CIRC dever ser-lhe aplicada;

 

k) Notificada do Projecto de indeferimento e para o efeito do exercício de audição prévia, a Requerente não o exerceu, e o Pedido de Revisão Oficiosa veio a ser indeferido (por convolação em definitivo do projecto de indeferimento) por Despacho de 16.12.2020 da Requerida, notificado por esta à Requerente por Ofício de 18.12.2020; (cfr. articulados, doc. 1.1 junto pelo SP, e PA)

 

l) Do Despacho de indeferimento da Revisão Oficiosa, e do projecto de indeferimento a que adere, consta, entre o mais (tudo se dando por reproduzido), o que segue (cfr. doc.s 1 e 1.1. juntos pelo SP, e PA):

“(…) Atendendo ao referido e proposto nos pareceres que antecedem, ao teor, conteúdo e fundamentos da informação prestada infra e em especial ao informado e proposto em sede de audição prévia, considero que o pedido não merece provimento – uma vez que segundo o informado não se verificam os pressupostos legais previstos para a Revisão solicitada e se trata de matéria de cuja apreciação resulta o indeferimento do pedido – convolando-se em definitivo aquele projeto de decisão.

 

(…) Verifica-se que a requerente vem solicitar a revisão oficiosa da liquidação oficiosa de IRC, do ano de 2014, nos termos do artº. 78º da LGT, com fundamento de, e pelo facto de se encontrar sujeita a um período de tributação distinto do ano civil (01/09/2014 a 31/08/2015), tendo ocorrido a alteração da taxa de IRC para o período de 2015, introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, com entrada em vigor em 01/01/2015, deverá ser a nova taxa (21%) a ser aplicada ao ano de 2014, e não a de 23%, por nada constar naquela lei que a excecione. / Analisado o pedido conclui-se que não existindo erro imputável aos serviços, tal como vem informado o pedido não poderá ser atendido, por não se verificarem os pressupostos para a revisão requerida;

(…)

II - FUNDAMENTOS DO PEDIDO

(…) Em síntese alega que, estando sujeita a um período de tributação com início em 01/09/2014 e término a 31/08/2015, e tendo ocorrido a alteração da taxa de IRC para o período de 2015, introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, com entrada em vigor em 01/01/2015, deverá ser essa a taxa (21%) a ser aplicada ao ano de 2014, e não a de 23%, por nada constar naquela lei que a excecione.

(…)

IV - ANÁLISE DO PEDIDO

(…) A matéria aqui contestada diz respeito à correta aplicação, ou não, da taxa de IRC ao exercício de 2014, sendo o período de tributação aplicado, no caso em apreço, o de 01/09/2014 a 31/08/2015.

(…)

Ora, tratando-se do exercício de 2014, independentemente do período de tributação ser ou não coincidente com o ano civil, a taxa correta a ser aplicada ao exercício de 2014 e que se encontra em vigor para esse ano é sem dúvida a taxa de 23%, porquanto o início do período de tributação da ora Requerente teve início em 2014 e não em 2015, ou seja, em 01/09/2014 e não em 01/01/2015.

Acrescenta-se ainda, e por se considerar relevante, que até a Ordem dos Contabilista Certificados (OCC) tem o mesmo entendimento, porquanto e como é do conhecimento da própria Contribuinte, da consulta realizada ao Manual da “Coleção Essencial 2017 – Preenchimento da declaração modelo 22 do IRC”, publicado pela Ordem dos Contabilistas Certificados, 2017, é referido o seguinte:

“O campo 347-A só pode ser preenchido pelos sujeitos passivos que assinalaram o campo 1 do quadro 3-A da declaração, ou seja, pelos sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial que sejam qualificados como pequena ou média empresa (PME), nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.°372/2007, de 6 de novembro - ver instruções ao quadro 3-A da declaração. / Nestes casos, e para os períodos de tributação iniciados em ou após 2015-01-01, a taxa de IRC aplicável aos primeiros € 15.000,00 de matéria coletável é de 17 % (campo 347-A), aplicando-se a taxa de 21% à matéria coletável excedente (campo 347-B).” (cifra página 132, do manual da OCC).

Referindo ainda, o mesmo manual, que: / Para o período de tributação de 2014, o cálculo do imposto no campo 347-B, é efetuado à taxa de 23%”. (cifra página 133, do manual da OCC).

(…)

V - CONCLUSÃO

(…) Assim sendo, e por tudo o que aqui foi dito somos de parecer que a Liquidação de IRC n.º 2016..., respeitando ao exercício de 2014 se encontra corretamente apurada, ao aplicar a taxa de 23%, sendo este o entendimento da Administração Fiscal bem como da própria Ordem dos Contabilistas Certificados./ Pelo que, somos do parecer que a Liquidação contestada (…) não enferma de qualquer ilegalidade, porquanto foi emitida de acordo com os normativos legais e vigentes à data dos factos. (…)”.

 

m) A 01.03.2021 a Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos considerados não provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelo SP e no Processo Administrativo (“PA”), criticamente apreciados - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

A questão fundamental a decidir nos autos é de Direito, à partida assim: ao exercício da Requerente, que não coincide com o ano civil, e se iniciou a 1 de Setembro de 2014, deverá aplicar-se a lei – o artigo do CIRC que determina a taxa aplicável - que se encontrava em vigor à data do início desse exercício ou, diferentemente, a que se encontrava em vigor no final do mesmo (i.e., a 31 de Agosto de 2015)?

 

Por fim, haverá que decidir quanto a reembolso de quantias pagas e, decidindo-se pelo reembolso, quanto ao pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

Vejamos. E sumariando.

 

A matéria de facto não vem controvertida. A Requerente submeteu a autoliquidação do seu exercício de 2014 - período especial de tributação - e na mesma foi aplicada, como visto, a taxa geral de 23% (sem prejuízo de também aplicada a taxa de 17% - aos primeiros € 15.000,00).

 

A matéria colectável no exercício foi de € 220.805,47. E, em consequência da aplicação daquela taxa geral de 23% (e em conjugação com a aplicação da taxa de 17% aos respectivos primeiros € 15.000,00), foi apurada uma colecta total de € 49.885,26.

 

Assim: [(€ 15.000,00 x 17%) + (€ 220.805,47 - € 15.000,00) x 23%] (cfr. factos provados supra).

Procurando simplificar:

€ 15.000,00 x 17% = € 2.550,00;

€ 205.805,47 x 23% = € 47,335,26;

€ 2.550,00 + € 47,334,25 = € 49.885,26

 

Caso a taxa geral aplicada à matéria colectável do exercício de 2014 tivesse sido, diferentemente e como pugna a Requerente dever ser, a taxa geral de 21%, a colecta seria inferior à que foi apurada (e paga) em € 4.116,11.

Assim:

€ 15.000,00 x 17% = € 2.550,00;

€ 205.805,47 x 21% = € 43.219,15;

€ 2.550,00 + € 43.219,15 = € 45.769,15

€ 49.885,26 - € 45.769,15 = € 4.116,11

 

Montante este, de € 4.116,11, cuja devolução a Requerente peticiona, em consequência da invocada ilegalidade que considera viciar a Liquidação em virtude da não aplicação da taxa geral de 21%. Introduzida pela LOE 2015. Que entrou em vigor num momento em que o seu exercício de 2014 se encontrava em curso.

 

Entende a Requerente, pois, que se lhe deve aplicar a lei em vigor à data do encerramento do exercício (2015). Entendendo a Requerida, ao invés, ser de aplicar a lei em vigor à data do início do mesmo (2014). Conforme posições supra sumariadas.

 

Sobre esta mesma questão fundamental de Direito veio já o Douto STA pronunciar-se, muito recentemente, em sede de recursos para Uniformização de Jurisprudência. Por Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 21/04/2021, prolatado no processo 057/20.8BALSB. E, novamente, por Acórdão de 30/06/2021, no processo 117/20.5BALSB, aderindo àquele primeiro Acórdão.

Naquele referido primeiro Acórdão do Pleno do STA de Uniformização de Jurisprudência a situação sub judice reportava-se a exercício iniciado a 1 de Fevereiro de 2014 e terminado a 31 de Janeiro de 2015. Com as necessárias adaptações, por nos presentes autos estar em questão um exercício iniciado a 1 de Setembro de 2014 e terminado a 31 de Agosto de 2015, passamos, com a devida vénia, a transcrever o teor do Acórdão, no que ora mais releva:

 

“(…) 2.2.2.3. (…) é manifesta a contradição entre os dois arestos no que tange à mesma questão fundamental de direito consubstanciada na determinação sobre se a taxa de IRC aplicável era a taxa de 21 %, por ser a que estava em vigor no momento da verificação do facto tributário em sede de IRC (em 31 de Janeiro de 2015), dado que a Lei do Orçamento do Estado para 2015, havia revogado a anterior redacção do artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC e, portanto, a anterior taxa de IRC de 23 %, não tendo previsto quaisquer disposições transitórias relativas à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal ou, por outro lado, a de 23 % anteriormente prevista. (…) o acórdão fundamento sustenta que a lei nova e, portanto, a taxa de IRC de 21 %, é imediatamente aplicável aos factos posteriores à sua entrada em vigor, uma vez que só no momento da verificação do facto gerador do imposto é que o facto tributário está total e integralmente completo e verificado, o que pressupõe necessariamente que a tributação seja feita de acordo com a lei que esteja em vigor nesse momento, isto é, no termo no exercício; já o acórdão arbitral recorrido, professa a posição contrária, asseverando que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação, e que, aquele artigo 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano, e que não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no artigo 12.º da LGT, na medida em que, como se expôs, o artigo 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele. (…)”.

 

“(…) 2.2.3.

Ponderemos então em que sentido deve ser solucionado o pedido de uniformização de jurisprudência entre as duas decisões arbitrais e cuja questão de fundo se circunscreve à aplicação da taxa de IRC - ou de 23 % prevista no artigo 87.º n.º 1, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ou de 21 % prevista no artigo 87.º n.º 1 do Código do IRC resultado da alteração introduzida pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado de 2015) -atendendo ao facto de o período de tributação de 2014 da recorrente ter terminado em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, estando nessa data já em vigor a nova taxa de IRC de 21 %, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015.

Na tese da recorrente, a Decisão Arbitral Fundamento considerou a lei nova e, portanto, a taxa de IRC de 21 % imediatamente aplicável aos factos posteriores à sua entrada em vigor, uma vez que só no momento da verificação do facto gerador do imposto é que o facto tributário está total e integralmente completo e verificado, o que pressupõe necessariamente que a tributação seja feita de acordo com a lei que esteja em vigor nesse momento, isto é, no termo no exercício.

É que, aduz a Recorrente, no seu caso, precisamente pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ter carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21 %, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que, como a Recorrente, adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil.

Mais adita a recorrente que em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT.

Já a recorrida AT assume a posição que é, de resto, a posição do EPGA, de adoptar a solução prescrita no acórdão recorrido.

Fazendo apelo à fundamentação desse aresto, dela brota claramente que foi adoptado o entendimento, contrariando até a fundamentação de outro acórdão arbitral proferido em primeira linha, de que não está em causa determinar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015 era ou não 21 %, nem aferir se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação impugnada se verificou naquela data, pois isso é inquestionável, mas, sim, aquilatar se, e em que termos, o aludido artigo 14.º estava, ou não, em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015.

Ora, no tangente a essa questão, expõem-se na decisão recorrida as razões porque considerou que «o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação», extraindo a conclusão de que, «aquele artigo 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano.», e, ainda, que «não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no artigo 12.º da LGT, na medida em que, como se expôs, o artigo 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele».

Coerentemente, ampara a decisão recorrida que «à luz da interpretação da norma do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao artigo 12.º da LGT, não será possível concluir que o artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele artigo 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.

Deste modo, concluindo-se, nos termos expostos, que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015, na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014, haverá que concluir pela legalidade da atuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios».

Entende-se, pois, na decisão recorrida, que a considerar-se que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015, por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra pelo que importará, numa primeira plana, começar por definir o sentido e alcance do questionado artigo 14.º

Aqui chegados, é altura de procurar classificar a norma para a sua correcta interpretação.

Ora, tradicionalmente, para além de outras delimitações irrelevantes para o caso em apreço, as normas jurídicas classificam-se em gerais, excepcionais e especiais.

As normas gerais são as "que correspondem a princípios fundamentais do sistema jurídico e por isso constituem o regime-regra do tipo de relações que disciplinam" - cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, Coimbra Editora, 1973, 6.ª edição revista e ampliada, volume I, página 76.

"Excepcionais são, pelo contrário, as normas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele sector de relações." Ibidem.

Finalmente, as normas especiais são as que "representam, dentro dessa classificação tripartida, os preceitos que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral". Ibidem, página 79.

Assim, a doutrina considera disposições, normas ou mesmo leis excepcionais, aquelas que regulam, por modo contrário ao estabelecido na lei geral, certos factos ou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam compreendidos nela; aquelas que precisamente se desviam dos princípios gerais, contrariando as últimas consequências que de tais princípios deveriam logicamente derivar, referindo-se a certas relações sociais que, por sua vez, também se desviam do tipo comum, assumindo uma índole especial ou seja, o direito comum é o direito de um género de relações jurídicas e o excepcional ou anómalo o de uma espécie dentro do género (CABRAL DE MONCADA); aquelas que consagram para certos casos, soluções contrárias às dos princípios gerais de direito admitidos em determinado sistema, revelando-se o carácter excepcional da norma algumas vezes do seu próprio contexto, outras resultando do comando que a contém (RODRIGUES BASTOS); ou aquelas que regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA).

"Há um certo parentesco entre as normas (ou leis) excepcionais e as normas (ou leis) especiais, mas também existem diferenças profundas. "O que distingue a norma geral da especial é que esta regula matérias ou assuntos diversos das reguladas por aquela, podendo deixar de ser opostas e incompatíveis as respectivas disposições. Pelo contrário, o objecto da lei excepcional é o mesmo da lei geral; simplesmente esta deixa de ser aplicada em certos e determinados casos que, sem a lei excepcional, seriam regulados pela lei geral; de modo que o preceito da lei excepcional é o oposto ou contrário ao da lei geral" (JOSÉ TAVARES).

"Adentro de todos os grupos mais ou menos vastos de relações jurídicas, há outros institutos ou grupos dessas relações cujas normas especiais se afastam das normas do tipo comum em que entram sem constituírem por isso um direito excepcional. Para achar o conceito de direito excepcional, devemos sempre atender, não às particularidades técnicas da regulamentação de cada instituto, ou figura jurídica, dentro de um grupo mais vasto de relações jurídicas, mas à índole especial dos grandes grupos de relações sociais que por razões de utilidade pública exigem uma regulamentação e um direito também excepcionais (CABRAL DE MONCADA)

"Enfim, as normas especiais representam, dentro da classificação tripartida (gerais, excepcionais, especiais) "os preceitos, que regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral" (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA)".

As concepções antes ditas encontram-se nas seguintes obras e pela ordem indicada: Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs.; Lições de Direito Civil (Parte Geral), vol. I, Coimbra, 1959, págs. 42 e segs.; Das Leis, sua interpretação e aplicação (segundo o Código Civil de 1966), 1967, pág. 45; e Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs.

Adita-se ainda que, evocando o ensinamento de DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321. "(.) o conceito de lei é um conceito relacional, ou seja, não há normas em si mesmas gerais ou especiais, mas antes relações de espécie e género, ou de especialidade e generalidade, entre determinadas normas ou, determinadas matérias normativamente reguladas".

O conceito de que se parte para a distinção das normas em gerais e especiais refere-se, pois, ao seu domínio de aplicação, devendo assim considerar-se especiais aquelas cujo domínio de aplicação se traduz por um conceito que é espécie em relação ao conceito mais extenso que define o campo de aplicação da norma geral e que figura como seu género.

Nisto consiste a relação lógico-jurídica de especialidade, aditando o mesmo doutrinador que:

"As normas especiais podem configurar-se como desenvolvimentos destinados quer a concretizar princípios gerais ou como complementos deles, quer a integrar os aspectos específicos não contemplados naqueles mesmos princípios, mas também podem apresentar-se, em um ou outro ponto, como desvio ou derrogação aos princípios gerais.

Estas observações respeitantes à diversidade das funções das normas especiais (complemento, integração, derrogação) mostram como podem ser distintas, segundo tais funções, relações lógico-jurídicas intercorrentes entre as normas gerais e as especiais. Tais relações serão de cumulação quando se trate de normas especiais complementares ou integrativas, mas já serão de conflito quando se trata das normas especiais derrogatórias".

Na sua forma pura, o relacionamento entre lex specialis e lex generalis pressupõe uma antinomia ou contradição normativa, isto é, a imputação, por duas normas, de soluções diferentes (embora referíveis a um mesmo princípio geral) para um mesmo caso (vide SÉRVULO CORREIA, A arbitragem voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos, Estudos em Memória do professor Doutor JOÃO CASTRO MENDES, sem data (1995), pp. 240-241, citando BYDLNSKI, Juristische Methodenlehe und Rhtsbegriff, Viena-Nova Iorque, 1982, p. 465, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 1987, p. 486, e SANTIAGO NINO, Introduccion al Análisis del Derecho, Barcelona, pp. 272-278."

Volvendo ao caso controvertido e tendo em conta tais princípios e a sua doutrinação, seguindo a tese da recorrida, temos que da mera literalidade do normativo decorreria que, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei n.º 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013. E ainda se extrairia que as normas da Lei n.º 2/2014, por força do seu artigo 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2014 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º havia sido revogado.

Nesse conspecto, o tribunal arbitral recorrido exteriorizou a necessidade de, em vista da correcta exegese do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de o intérprete recorrer a outros elementos que não a letra da lei, mormente à logicidade e teleologia normativa do preceito no segmento que apresenta o seguinte teor, "aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram".

Nesse sentido, revela-se para nós coerente - o que não significa assertivo - o juízo formulado pelo decisor de que deverá atender-se a que a Lei n.º 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, impostos estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas), o que inculca que a referência a "períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram" se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si.

Dito de outro modo: para a decisão sob escrutínio, o que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 pretenderá dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles.

Cabe também destacar o raciocínio da decisão recorrida no tocante à compulsação do elemento sistemático da hermenêutica do inciso legal, no sentido de que deve ser qualificado como uma norma especial em relação ao artigo 12.º da LGT, que, o que ao caso releva, textua:

"1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor."

Daí que para a decisão recorrida e para a recorrida AT e a EPGA, o discutido artigo 14.º veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.

A ser assim, conclui a decisão recorrida apoiada pela AT e pelo Ministério Público, que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se aplicam ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação.

Tal entendimento seria potenciado pelo facto de que inexiste qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele artigo 14.º, mormente a Lei n.º 82-B/2014, força a conclusão de que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, pelo que é aplicável ao período de tributação de 2014 da Requerente, apesar deste somente ter findado na citada data de 31/01/2015.

Isso fundamentalmente porque, in casu, não regeria o disposto no artigo 12.º da LGT, dada a natureza de norma especial que o dito artigo 14.º assume perante os subsídios doutrinários supra citados, sendo, por isso, prevalecente na matéria que regula, não cedendo perante qualquer conclusão que se possa retirar do art. 12.º da LGT.

Com efeito à guisa de sinopse breve, como veio de demonstrar-se, são amplamente conhecidos dois dos principais princípios da hierarquização das normas: o princípio de que a lei especial derroga a lei geral e de que a lei posterior derroga a lei anterior.

Estabelecem estes princípios, respectivamente, que:

(i) em tudo quanto uma lei geral se encontre em contradição com uma lei especial, valerá a lei especial;

(ii) em tudo quanto uma lei anterior se encontre em contradição com uma lei posterior, valerá a lei posterior.

Mas será que o polemizado artigo 14.º terá de ser classificado como norma especial, a qual, seguindo a lição de DIAS MARQUES DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, volume I, 2.ª edição, páginas 315 a 321, mais não configura do que um desvio aos princípios gerais, complementando-os nos casos especiais que abarca, já que não se mostra oposto nem incompatível no confronto com esses mesmos princípios gerais? (Vide JOSÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais de Direito Civil, vol. I, 1.ª parte (Teoria Geral do Direito Civil), Coimbra, 1929, págs. 150 e segs).

Noutra vertente, há ainda que atentar no expendido na decisão recorrida no sentido de que a Lei do Orçamento para 2015 não inclui nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto no referido artigo 14.º, sendo que, a ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, e notada na decisão arbitral supracitada, não deverá, de per si, ter-se como patenteando uma intenção revogatória.

É que, a existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vectores tão incisivos que a ela equivalham (cf. Menezes Cordeiro, Da Aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias in Cadernos de Ciência e Legislação n.º 7, 1993, págs. 17 e ss).

Acresce ainda segundo a decisão recorrida sufragada pela AT e pela EPGA, que o artigo 14.º em questão, não se reportará exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial.

Assentando em tal ângulo, sustenta-se no discurso da decisão sob escrutínio que "..., o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que artigo 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao artigo 87.º/1 do CIRC, operada pelo artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo artigo 87.º/1 do CIRC.

Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em impunha a aplicação da alteração ao artigo 87.º/1 do CIRC, operada pelo artigo 2.º daquela mesma Lei.

Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado, "A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É (.) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas".

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7:

"A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial."

Da revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global).

Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da obrigação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso.

No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante alteração de norma geral - artigo 7.º, n.º 3 do CCivil - só cederá perante uma interpretação segura, inequívoca da intenção revogatória do legislador.

Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.".

Efectivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.

Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao artigo 12.º da LGT, não será possível concluir que o artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele artigo 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação."

Na decisão recorrida também é afirmado e é perfilhado pela AT e pela EPGA - diga-se que, em abstracto, assertivamente - que em direito fiscal vigora o princípio da anualidade que se reveste de extrema importância no tangente aos impostos sobre o rendimento, porquanto segmenta em termos anuais o respectivo regime, construindo períodos tributários temporalmente delimitados (Artigo 8.º do CIRC).

Vejamos, então, de que lado está a razão nas vertentes assinaladas.

A regra geral em IRC, por força do referido princípio da anualidade dos impostos, é a de que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil, sendo o IRC devido por cada período económico (cf. artigo 8.º, n.º 1 do CIRC).

Como sobejamente visto a Recorrente adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil, tendo-se iniciado o período de 2014 a 1 de Fevereiro de 2014 e terminado a 31 de Janeiro de 2015.

Significa que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período em que entra em vigor, no caso concreto, em 2015, que para a Recorrente teve início em 1 de Fevereiro de 2015?

Como é sabido, no final de cada ano civil, com a publicação do Orçamento do Estado, são introduzidas alterações ao CIRC, cujas normas, regra geral, se vão aplicar ao período de tributação do ano seguinte.

No caso sub judice o litígio acaba por circunscrever-se à determinação da taxa de tributação aplicável, em sede de IRC à ora Recorrente que adoptou um período de tributação não coincidente com o ano civil estando em vigor, no momento em que esse período de iniciou, uma taxa de 23 % e, no momento do seu termo, uma taxa de 21 %. Dito de modo mais singelo: cumpre aferir se a taxa aplicável é a que vigora no momento em que se inicia o período de tributação ou aquela que está em vigor no seu termo.

Na estrutura do IRC, estatui o artigo 1.º do respectivo Código que este imposto incide sobre os rendimentos obtidos no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, explicitando o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), que o rendimento tributável, no caso de sociedades comerciais, é constituído pelo lucro que o n.º 2 do mesmo preceito legal define como a "diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código."

E o lucro tributável das pessoas colectivas, determinado a partir do resultado líquido do exercício, "é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código." (cf. artigo 17.º, n.º 1, do CIRC).

O período de tributação segue a regra da anualidade, sendo, em princípio, coincidente com o ano civil, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 8.º do mesmo Código, salvo nos casos expressamente elencados no artigo 8.º, n.os 4 e 8 - anos do início e cessação de atividade, mudança de período de tributação, sujeição e cessação das condições de sujeição a imposto num mesmo ano, liquidação de pessoa colectiva.

Não obstante, consoante o disposto no n.º 2 do mesmo inciso legal, é facultado às pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as pessoas colectivas ou outras entidades sujeitas a IRC que não tenham sede nem direcção efectiva neste território e nele disponham de estabelecimento estável, a possibilidade de adoptarem um período anual de imposto não coincidente com o ano civil, na condição de o mesmo coincidir com o período social de prestação de contas e de dever ser mantido durante, pelo menos, os cinco períodos de tributação imediatos.

Salvo tratando-se de rendimentos obtidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, catalogados no artigo 8.º, n.º 10, estabelece o n.º 9 do mesmo preceito que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação."

E, por injunção normativa do artigo 36.º, n.º 1, da LGT, é o facto gerador, normalmente designado por facto tributário, quer seja instantâneo, quer seja referido a um determinado período temporal, que determina a constituição da relação tributária.

No que para o caso releva, por força do prescrito no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC, a relação jurídica tributária, constitui-se no último dia do período de tributação, o que corresponde a dizer que o facto tributário só se completa no último dia do período de tributação.

Por assim ser, adversamente ao sustentado pela recorrente o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são as definidas no âmbito da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador que, no caso do regime geral do IRC se considera verificado no último dia do período de tributação.

Na verdade, ao prescrever-se no já referido artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, que "O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação" procurou o legislador impedir a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT que, como já visto, firmava uma regra para a aplicação da lei no tempo em caso de impostos periódicos (como são, por natureza, os impostos sobre o rendimento): "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.".

Sincronicamente, a fixação do facto de tributário no último dia do período de tributação, vai colocar o problema da sucessão da lei mais favorável no tempo no âmbito do n.º 1 daquele artigo da LGT, o qual, salvo na existência de norma que o afaste, fixa que: "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos."

Ora, o que tal significa é que, para um período de tributação (como sucede com o da Recorrente) iniciado em 1 de Fevereiro de 2014 e que termina a 31 de Janeiro de 2015, o facto tributário só se pode considerar verificado nesta última data.

A frase latina pro rata temporis, em particular em direito e economia, refere-se à distribuição de um valor monetário em segmentos de tempo correspondentes à duração desses segmentos de tempo. Pro rata também significa por proporção pelo que é uma divisão de um valor de acordo com a proporção determinada, é o rateamento do valor, usando como referência a proporcionalidade.

E, pelo acima exposto, nem sequer uma repartição do lucro tributável pro rata temporis (tal como enunciada pelo artigo 12.º, n.º 2 da LGT) é aqui aplicável.

Por esse prisma, é forçoso concluir que a lei aplicável é precisamente aquela que se encontrava plenamente em vigor à data da verificação do facto tributário, propendendo nós a considerar que era a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que estabelecia como taxa de IRC aplicável a taxa de 21 %, soçobrando a tese da decisão recorrida quanto à especialidade normativa acima escalpelizada.

Na verdade, a Lei n.º 2/2014, de 16/01, modificou a redacção do artigo 87.º, n.º 1 do CIRC, aí passando a constar que "A taxa do IRC é de 23 %, excepto nos casos previstos nos números seguintes."

E no tangente à sua aplicação no tempo, concilia o artigo 14.º da aludida Lei que: "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014."

Resulta cristalino que a norma em exame, na sequência, aliás, de legislação anterior sobre a aplicação temporal de taxas de IRC em caso de alteração destas, se aplica aos períodos de tributação iniciados em 1/01/2014.

Aliás, mais diremos que, ao invés da posição sufragada na decisão recorrida, é nosso entendimento que a referência aí feita aos efeitos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014 (que procedeu à Reforma do IRC) não abona em favor da aplicação da taxa de 23 % que passou a vigorar por força de tal Lei.

É que tal disposição especial de aplicação da lei fiscal no tempo tem óbvias semelhanças com dispositivos similares que, ao longo do tempo, foram sendo introduzidos no ordenamento fiscal para regular as alterações de taxas de IRC.

Foi o que sucedeu com (i) - o artigo 41.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, alterou o artigo 69.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa do IRC é de 36,5 %, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo 41.º determinava: "O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000."; (ii) - o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, alterou o então artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, tendo este passado a estatuir que a taxa de IRC é de 30 %, sendo que o n.º 7 do mesmo artigo 32.º estipulava o seguinte: "O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002."; (iii) - o artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, alterou o artigo 80.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 25 %, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo 30.º o seguinte: "O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004."; (iv) - o artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, alterou o então artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, passando este a estatuir que a taxa de IRC é de 23 %, determinando o artigo 14.º do mesmo diploma legislativo, na parte que aqui importa considerar, que "a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014.".

Ora, é precisamente pelo facto de a Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, não dispor de semelhante disposição que se levanta toda a presente questão: com a entrada em vigor da nova lei, a sua aplicação vale para os novos factos tributários (como aqueles que ocorrem em 31 de Janeiro de 2015).

Enfatiza-se que a norma em causa contém um segmento que não pode descurar-se e que é decisivo: "Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º." o qual, no atinente à evolução das taxas de IRC, no sentido da sua progressiva redução, prescreve:

"1 - Tendo em conta os resultados alcançados pela reforma da tributação do rendimento das pessoas colectivas operada pela presente lei e em função da avaliação da evolução da situação económica e financeira do país, a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução das taxas destes impostos.

2 - A redução da taxa de IRC prevista no número anterior para 21 % em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17 % e 19 % em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para o efeito."

Assim, nesse preceito a dita Lei previa já uma redução geral da taxa normal de IRC ao longo dos próximos anos e, ainda que dependente de determinadas condições, uma possível redução de taxa de IRC para 21 % já em 2015.

Ou seja, e em reforço do que já antes se disse, a norma ínsita no artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, que rege sobre a sua aplicação no tempo, ao antecipar expressamente que a alteração de taxa aplicável aos exercícios iniciados em 2014 se faz "sem prejuízo" do disposto no artigo 8.º albergará a possibilidade de concretização da prevista redução de taxa para os próximos anos e, particularmente, da redução para 21 % em 2015.

Nesse sentido, pontifica o facto de a prevista redução da taxa de IRC para 21 % ter sido concretizada pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que alterou a redacção do artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC.

Sendo embora certo que a lei é omissa quanto à sua aplicação temporal, haverá que concluir que a nova taxa é aplicável nos termos gerais, isto é, a todos os factos tributários que ocorram em ou após o seu início de vigência, conforme decorre do regime geral da aplicação no tempo da lei tributária, consagrado no artigo 12.º da LGT.

Assim, em consonância com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP que estabelece o princípio da proibição da retroactividade em matéria tributária e com o princípio consagrada no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, prevê no seu n.º 1: "As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos."

Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata mas com respeito pela validade dos actos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artigo 12.º do C. Civil.

Na parte final do n.º 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».

Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cf. artºs 277.º e 207.º da Constituição da República).

Seguindo essa linha de raciocínio a Lei Nova só seria aplicável aos actos constituídos antes da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador.

Essa vontade está inequivocamente afirmada como se viu, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroactividade constante do n.º 1 do artigo 12.º do Ccivil.

Coloca-se aqui a questão de saber quando é que se entendem produzidos pelos factos que a lei visa regular os efeitos jurídicos, a que o Prof. J. Baptista Machado dá resposta na sua obra «Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil», pág. 125:

«Um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou os factos que, de acordo com a respectiva hipótese legal da LA, o desencadeiam».

Assim e ainda de acordo com Baptista Machado, in ob. cit., págs. 99, 100 e Introdução. pág. 234, a lei nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas «ex lege», por força da verificação de certos factos. Por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do n.º 1, também se acha englobada na previsão do n.º 2, primeira parte, do referido artigo 12.º do C. Civil.

Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal a partir do início da sua vigência.

Estamos, no entanto, perante um imposto periódico, em que o facto tributário é de formação sucessiva e o n.º 2 do artigo 12.º da LGT consagra um critério de "pro rata temporis" prevendo:

"Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor."

O critério do pro rata temporis já foi por nós afastado mas, em reforço argumentativo, diga-se ainda que no campo da tributação do rendimento das pessoas colectivas, que é aquele em que nos encontramos, deparamo-nos com um imposto de periodicidade anual em que não se tributa cada rendimento isoladamente mas o englobamento de todos os rendimentos auferidos no período de tributação, deduzidos dos gastos inerentes, obtendo-se um resultado líquido apurado em conformidade com as normas contabilísticas e sujeito a correcções expressamente previstas no respectivo Código.

Todavia e como já se demonstrou, a regra geral compreendida na norma do n.º 2 do artigo 12.º da LGT soçobra face à determinação consagrada no artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC.

É que, no que concerne à aplicação da lei no tempo e em acatamento do princípio constitucional da proibição de retroactividade da lei fiscal, deve entender-se que a aludida norma do CIRC consagra, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação o que vale por dizer que a lei nova, dada a inexistência de disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor.

Destarte e em vista do caso concreto, uma vez que o facto constitutivo da obrigação tributária ocorreu em 31/01/2015, termo do período anual de tributação por que optou a Recorrente e que nesse momento já estava em vigor a taxa de 21 % prevista no artigo 87.º, n.º 1, do Código do IRC, na redacção que lhe foi outorgada pela Lei n.º 87-B/2014, de 31/12, em vigor a partir de 01-01-2015, é esta a taxa aplicável para determinação do montante de imposto relativo ao exercício de 2014.

Daí que seja de seguir a doutrina do acórdão fundamento e validar a tese da recorrente apoiada nas seguintes asserções:

- pelo facto de o seu exercício de 2014 não coincidir com o ano civil, iniciando-se a 01 de Fevereiro de 2014 e terminando a 31 de Janeiro de 2015, o facto gerador do imposto apesar de ser carácter continuado ou de formação sucessiva, só se completou nesta última data, como previsto no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC, quando já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21 %, não existindo quaisquer disposições transitórias para a aplicação temporal desta nova taxa de IRC, particularmente para regular os casos de sujeitos passivos que adoptaram períodos de tributação não coincidentes com o ano civil;

- em matéria de aplicação da lei fiscal no tempo, dado que o legislador previu no artigo 8.º n.º 9 do Código do IRC que o facto tributário (de formação sucessiva) se produz no último dia do período de tributação, tal circunstância exclui a aplicação da regra prevista no artigo 12.º n.º 2 da LGT;

- assim, atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, é de excluir a aplicação da regra pro rata temporis constante do n.º 2 do artigo 12.º da LGT o que traz implicado que a lei nova tem aplicação a todos os factos e situações ocorridos no período de tributação em que entra em vigor, uma vez que só no seu termo é que esses factos e situações adquirem a sua configuração integral, pelo que a sua tributação deve ser efetuada em consonância com a lei em vigor no termo do período de tributação;

- no domínio da tributação do rendimento das pessoas colectivas, por força do conceito, da configuração e do âmbito do facto gerador do imposto, o legislador consagrou uma regra especial quanto à aplicação da lei fiscal no tempo e à retroactividade. E esta regra especial resolve directamente os problemas de sucessão de normas fiscais no tempo em matéria de tributação (como o do presente caso) e afasta a regra geral constante do artigo 12.º n.º 2 da LGT;

- destarte, como o período de tributação de 2014 da recorrente terminou em 31 de Janeiro de 2015, não coincidindo assim com o ano civil, e nessa data já estava em vigor a nova taxa de IRC de 21 %, introduzida pela lei do Orçamento do Estado para 2015, era essa a taxa aplicável;

- nesse sentido pontificam as considerações doutrinais do Professor Doutor Rui Duarte Morais no sentido de que "[...] O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (desde logo, com a alterações que são introduzidas na lei fiscal por força da Lei do Orçamento, também ele referido a um ano civil). Significa isto que aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil serão aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos. [...].". (cf. Apontamentos ao IRC, Reimpressão da edição de Novembro 2007, Almedina, 2009, págs. 47 e 48);

Por isso, e em conclusão, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.

*

Termos em que o recurso será provido, uniformizando-se jurisprudência no seguinte sentido: "Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, considera-se aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015."

*

A final, no segmento decisório do mesmo Acórdão de Uniformização, lê-se assim:

“(…) face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular a decisão arbitral recorrida fixando-se a seguinte jurisprudência: "Atento o disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 31 de Janeiro de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015."

 

A Jurisprudência fixada nos termos que antecedem é de natureza especialmente persuasiva, tendencialmente obrigatória (no sentido em que, muito embora não tendo força obrigatória geral, como o tinham os Assentos, se reveste de valor reforçado - a Jurisprudência Uniformizadora emana do Pleno das Secções e o recurso das Decisões Judiciais que a não acatem é sempre admissível ), e recentíssima. E a mesma foi já confirmada, como ficou dito, em dois Acórdãos de Uniformização.

 

A questão foi já apreciada e julgada, pois, em sede de interpretação uniformizadora assumida pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA. Mesmo que se pudessem ponderar outros argumentos, inexiste tempo decorrido de evolução Jurisprudencial e Doutrinal, e mantém-se a composição do Pleno da Secção.

 

Em face de tudo o que antecede, e independentemente da convicção do Julgador, entende este Tribunal que será a mesma Jurisprudência de seguir, decidindo-se no sentido uniformizado pelo Tribunal Superior. E assim também se acautelando os valores fundamentais da certeza e da segurança jurídica.

 

Em consequência, antecipando a decisão, é aplicável ao caso dos autos a lei em vigor à data do encerramento do exercício, ou seja, à data em que – v. art.º 8.º, n.º 9 do CIRC – se considera verificado o facto gerador. Conforme pugnado pela Requerente. E contrariamente ao sucedido na Liquidação em crise.

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Solicita a Requerente a devolução das quantias pagas em excesso em resultado da aplicação indevida da taxa de 23% ao invés da aplicação da taxa de 21%. Como supra. Sendo essa diferença apurável por via de uma mera operação aritmética de multiplicação e outra de subtracção (como também supra), por essa via se apurando que o montante em causa é de € 4.116,11. Relativamente a ele também não sendo contraditória a posição das Partes. A matéria colectável apurada não é questionada, nem é questionada a aplicação da taxa de 17% aos respectivos primeiros € 15.000,00. É questionada, e resulta da presente que se considera ilegal, a aplicação da taxa de 23% ao valor remanescente da matéria colectável. Ao qual se deve aplicar, diferentemente, a taxa de 21%. Tudo como supra.

E é assim possível ao Tribunal, em conformidade, e como é entendimento pacífico, seja na Doutrina, seja na Jurisprudência, anular parcialmente a Liquidação. Como também peticionado pela Requerente. E como se fará. Por mera reforma da liquidação incorrecta.

 

*

Peticiona ainda a Requerente, por fim, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia paga em excesso.

Vejamos se pode o pedido, neste particular, proceder.

 

A Requerida AT encontra-se vinculada, na sua actuação, ao Princípio da legalidade – cfr. art.º 266.º, n.º 2 da CRP e art.º 55.º da LGT.

Antes disso, e a enquadrá-lo também, temos que o Princípio da legalidade tributária se desdobra, como bem se sabe, nas vertentes de princípio de reserva de lei formal e princípio de reserva material de lei. Sendo que, nesta última vertente, e em conjugação também com a primeira, encontramos o comando, que é igualmente Constitucional, no sentido de que os elementos essenciais dos impostos deverão ser determinados por lei. Elementos essenciais entre os quais se inclui a taxa - cfr. art.ºs 103.º, n.º 2 da CRP e 8.º, n.º 1, da LGT (e v., também, art.º 165.º, n.º1, al. i) da CRP).

A concreta repartição dos encargos tributários pelos contribuintes encontra-se, pois, reservada ao poder legislativo. Cabendo ao poder executivo, sim, interpretando-a, aplicar a lei. Executar - actuando cfr. art.º 266.º, n.º 2 da CRP - o comando legislativo.

Ora, tendo o legislador determinado a aplicação de uma determinada taxa, em IRC, ao exercício de 2014 dos contribuintes , não vemos como entender-se que devesse a Requerida, no estrito cumprimento do princípio da legalidade a que se encontra vinculada na sua actuação, interpretar e aplicar a lei, que é geral e abstracta, senão de molde a que essa taxa se aplicasse a todos os contribuintes. Quando o legislador nada em contrário, de forma directa e clara, ressalvou.

 

Em matéria de juros indemnizatórios, estabelece o art.º 43.º, n.º 1 da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” (sublinhado nosso)

E é entendimento pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, que, em regra, há-de entender-se haver erro imputável aos serviços independentemente da efectiva verificação da culpa por parte dos mesmos. Independentemente, por um lado, de ser provada essa culpa: nas situações em que “não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas” pode justificar-se que se dê como assente a existência de culpa.  E independentemente, também, do seu grau, bastando-se o legislador com que a actuação dos serviços seja enquadrável em mera negligência.

Não se exige, portanto, para a imputabilidade do erro à AT, a prova da existência da culpa. Que se presume, como acabado de referir.

Sucede porém que, sendo a verificação desta culpa à partida de presumir, também não deixará de ser possível, quando assim se revelar devido, afastá-la. Assim, se por hipótese o erro tiver sido incorrido por efeito de informações incorrectas fornecidas pelo contribuinte, a culpa da AT não se poderá dar por verificada (“nesses casos, não poderá imputar-se à Administração Tributária a responsabilidade pelo erro que afecte a liquidação” ). E assim também, parece-nos, se o erro tiver sido incorrido por efeito de uma menos clara actuação por parte do Estado legislador. Como entendemos não poder deixar de enquadrar-se, para este efeito, o caso.

Com interesse para o que vimos concluindo, v. como escreve Jorge Lopes de Sousa: “A Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (…), pelo que, independentemente da prova de culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços. (…) quando uma determinada conduta constitui um facto que à face da lei é qualificável como ilegal, deve fazer-se decorrer da constatação da ilegalidade a existência de culpa, por ser algo que em regra se liga ao próprio carácter ilícito do facto, só sendo de a afastar se se demonstrar que ela, no caso, não ocorre.”   (sublinhados e negritos nossos)

 

Demonstrativo de que a lei em questão (indirectamente aplicada pela AT, já que as taxas que pelo sistema informático eram aplicadas, na autoliquidação pelo SP, eram as taxas conforme interpretação e aplicação pela AT da lei em vigor) não era suficientemente clara no sentido de as taxas a aplicar aos SPs com um período de tributação distinto do ano civil serem potencialmente distintas das taxas a aplicar aos demais SPs é, a nosso ver, o próprio Acórdão de Uniformização do STA (a que se adere ao decidir-se). No sentido em que, como ao longo da fundamentação ali desenvolvida se pode apreender, a questão é de notória delicadeza e, assim, ali tratada com um desenvolvimento com isso mesmo coerente. Voltamos ao início, não decorria de forma directa e clara da lei o seu sentido, quando de situações de SPs como o dos autos (período de tributação não coincidente com o ano civil) se tratasse. Tendo vindo o sentido, por isso mesmo, a ser esclarecido pelo STA em sede de Uniformização de Jurisprudência (como também percorrido supra).

 

Num paralelo, a exigir as necessárias adaptações, refira-se que é Jurisprudência do STA – em matéria de juros indemnizatórios – que quando se trate de uma anulação de acto administrativo por este ter sido praticado em aplicação de norma que posteriormente vem a ser declarada inconstitucional, o erro ali contido não é imputável à AT em termos que justifiquem a sua condenação em juros indemnizatórios.  

No entender deste Tribunal, não poderá na interpretação/aplicação da lei como feita pela AT (que subjaz ao acto em crise) detectar-se uma ilegalidade que permita justificar a condenação da mesma em juros indemnizatórios ao abrigo do art.º 43.º da LGT. Desde logo, tendo ocorrido num momento em que não havia nem uma constância de Decisões Judiciais em determinado sentido interpretativo, nem, menos ainda, Uniformização de Jurisprudência.

Não cremos, no quadro que fica exposto e que era o dos autos, poder ser outra a solução equilibrada, sendo de entender a Requerida ter, então, actuado também com o objectivo do cumprimento do princípio da legalidade. É de afastar a existência de culpa. Não se verificava erro qualificável como sendo imputável aos serviços nos termos e para os efeitos do art.º 43.º da LGT.

Pelo que, nesta parte, o Pedido vai indeferido.

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o PPA, e assim:

 

a)            Declarar ilegal, por erro na taxa aplicada (de 23% e não de 21%), e consequentemente anular, na parte do excesso daí decorrente, a liquidação de IRC melhor identificada nos autos;

b)           Condenar a Requerida na devolução da quantia paga em excesso, de € 4.116,11.

c)            Anular o Despacho de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa;

d)           Absolver a  Requerida do pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 4.116,11.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 17 de Setembro de 2021

 

O Árbitro,

(Sofia Ricardo Borges)