Sumário
I - Constitui exceção dilatória o pedido de anulação de quantia certa enxertado num pedido de anulação parcial, o que obsta ao seu conhecimento e importa a absolvição da instância da AT, mas não impede o conhecimento dos restantes pedidos.
II - O artigo 2.º do RJAT, numa interpretação conforme à Constituição, permite o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios, pelo que tal pedido é insuscetível de qualificação como exceção dilatória.
III - A necessidade de escolha pelo contribuinte não residente do regime de tributação aplicável para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em território português não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, opõe-se à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE lido em conjugação com o artigo 65.º do mesmo Tratado, conforme Acórdão do TJUE, de 18 de março de 2021, proferido no Processo C-388/19.
IV - Não são, pois, compatíveis com o Direito da União as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e dos atuais n.ºs 13.º e 14 do artigo 72.º do mesmo Código, o que é fundamento de anulação de uma liquidação de imposto que tenha sido efetuada em conformidade com elas, por vício de violação de lei.
III - Sendo o ato tributário divisível por natureza e definição, impõe-se a sua anulação parcial para suprimento da ilegalidade cometida e que não contamina a matéria coletável deixada incólume.
DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
1. A..., com o número de identificação fiscal ... e residente fiscal em..., ..., ..., no Reino Unido, veio, em 27/11/2020, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral com vista à pronúncia de decisão arbitral de anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao ano de 2019.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 30 de novembro de 2021 pelo Exm.º Presidente do CAAD e notificado na mesma data à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”).
3. A Requerente não pediu a nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º.1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
4. A Requerente e a Requerida foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. O Tribunal foi declarado constituído em 3 de maio de 2021.
6. A AT apresentou a sua resposta em 07 de junho de 2021, defendendo, por exceção e por impugnação, a improcedência do pedido.
7. Não foi junto o PA por, segundo a AT informou, em virtude de a liquidação impugnada não ter sido precedida de qualquer procedimento de reclamação graciosa ou revisão do ato tributário, não existir.
8. Em 11 de junho de 2021, foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º, fixando igualmente a data de 3 de Setembro como termo para a prolação da decisão arbitral.
9. Em 13 de julho de 2021, reparando lapso cometido e suscetível de violar o exercício do direito ao contraditório, foi proferido despacho arbitral a solicitar à Requerente que, querendo, se pronunciasse sobre a matéria de exceção alegada pela Requerida na sua resposta, dando-se, para o efeito, o prazo de 10 dias.
10. Concomitantemente, a data da prolação da decisão foi adiada para 30 de setembro de 2021.
11. A Requerente não se pronunciou sobre a matéria de exceção alegada pela Requerida.
12. A Requerente fundamenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
a. A Requerente, residente em 2019 no Reino Unido, obteve nesse ano em território português rendimentos sujeitos a IRS, resultantes da alienação onerosa da totalidade de um prédio urbano e de 1/21 avos de outro.
b. Por esse motivo, o Requerente apresentou oportunamente a declaração mod. 3 de IRS, onde fez constar a obtenção dos rendimentos antes referidos.
c. Na sequência, e quando foi notificada da liquidação, verificou que a taxa de 28% foi aplicada sobre a totalidade das mais-valias apuradas na alienação dos imóveis.
d. Ora o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano é, no caso das transmissões onerosas de direitos sobre bens imóveis efetuadas por residentes, apenas considerado em 50% do seu valor, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS;
e. Já os não residentes, no entendimento da AT, são tributados sobre a totalidade das mais-valias auferidas, exceto se optarem pelas taxas progressivas e cumprirem as demais condições;
f. Todavia, constitui entendimento consolidado e amplamente replicado na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a proibição de um tratamento discriminatório entre os sujeitos passivos residentes num Estado-Membro (in casu Portugal) e os residentes noutro Estado-Membro;
g. Ou seja, tal interpretação no sentido de aplicar dois regimes distintos, para residentes e não residentes em Portugal, é absolutamente contrária às normas de direito europeu, e à jurisprudência do TJUE e dos tribunais internos que sobre o assunto se pronunciou;
h. Pelo que conclui que a presente a liquidação de IRS é ilegal, por não tributar apenas metade da mais-valia realizada pela Requerente aquando da venda do imóvel, e deve ser anulada, sendo restituídos à Requerente os valores indevidamente pagos.
13. Por seu lado, a Requerida na sua Resposta, defendeu a improcedência do pedido da Requerente, também em síntese, nos termos seguintes:
i) Por exceção
a. Alega a incompetência material do Tribunal arbitral pela Requerente relativamente aos pedidos formulados pela Requerente nas alíneas b) e c) do PPA.
ii) Por impugnação
b. A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à exclusão da incidência de imposto de mais-valias sobre 50% do saldo anual entre mais-valias e menos-valias (tal como acontece com os residentes), obtidas por um não residente em Portugal e residente num Estado Membro da União Europeia.
c. Ou seja, entende a Requerente que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS se aplica aos não residentes em Portugal (tanto residentes num Estado Membro da União Europeia como residentes de Estados terceiros).
d. Ora, na sequência da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, operou-se a alteração do artigo 72.º do CIRS no sentido dos não residentes que obtenham mais-valias valias imobiliárias em território poderem ser tributados por apenas 50% desses ganhos se optarem pela sua tributação por englobamento, o que significa tributação por taxas progressivas.
e. Devendo, consequentemente, ser declarados todos os rendimentos que tiverem auferido, incluindo os obtidos fora do território português, tal como está consagrado para os residentes.
f. Consultada a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue em nome da Requerente (relativa ao ano fiscal de 2019), verifica-se que no quadro 8B foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral).
g. Posto isto, a Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português e assim beneficiar do pretendido, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, a fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.
h. Assim, as alegações da Requerente não podem obter provimento, face à alteração do artigo 72.º, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 13) e 8 (atual n.º 14).
i. O n.º 8 (atual n.º 14) do artigo 72° do CIRS é taxativo, no sentido de que devem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano (quer em Portugal, quer no estrangeiro).
II - Saneamento
14. Em função da exceção de incompetência material deste Tribunal invocada pela Requerida, há de, antes de mais, conhecer-se da sua procedência ou improcedência nos termos legais. Assim:
a. Sendo o âmbito de competência material do tribunal de ordem pública e o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria, conforme artigo 13.º do CPTA aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT, e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal e é de conhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, igualmente aplicável de conformidade com o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT, importa começar por apreciar a competência material do Tribunal Arbitral arguida relativamente aos segundo e terceiros pedidos formulados pela Requerente:
i) Dar como provada a presente ação arbitral e, consequentemente, determinar-se a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2020..., de 2020-07-17, relativa ao ano de 2019, no valor de € 20.182,11;
ii) Em consequência da anulação parcial da liquidação de IRS contestada, proferir decisão a ordenar o reembolso das importâncias indevidamente pagas pela Requerente, a título de IRS no valor total de € 10.091,06 (dez mil e noventa e um euro e seis cêntimos);
iii) Proferir decisão a condenar a AT, nos termos do art.º 43.º da LGT, no pagamento de juros indemnizatórios, os quais são devidos
b. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c) Revogada.
c. Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”
d. A Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos atos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.
e. Para fundamentar a incompetência material do tribunal, a Requerida, nos artigos 8.º a 22.º da sua Resposta, alegou que:
8.º
Nota-se que na alínea ii) [e consequentemente na alínea iii)] a Requerente não peticiona o reembolso do imposto que, em virtude da referida anulação parcial, tenha indevidamente pago em excesso, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios,
9.º
peticionando sim, ao invés, um montante de reembolso em concreto.
10.º
Contudo, salvo lapso nosso, não é fornecido detalhe de apuramento do valor indicado pela Requerente, pelo que o mesmo não é passível de validação pela Requerida.
11.º
E, assim sendo, caso o ppa venha a ser julgado procedente – o que se admite por cautela e dever de representação – não pode o Tribunal condenar a AT no concreto reembolso do montante de imposto indicado pela Requerente, mas tão só na anulação parcial da liquidação de IRS acima já identificada, na parte correspondente ao vício que lhe imputa a Requerente, sendo o concreto valor de imposto a anular e a reembolsar apurado em sede de execução de julgados.
12.º
Com efeito, decorrendo a competência dos tribunais arbitrais do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ex vi artigo 4.º do RJAT, não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, na parte em que apura e peticiona a devolução do eventual imposto decorrente da anulação parcial (acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios).
13.º
Pois inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução de julgados, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação.
14.º
Como decorre do previsto no artigo 24.o do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
15.º
Neste sentido, foi assim já concretamente entendido pela jurisprudência arbitral [cf. entre outros, o acórdão arbitral de 2015-01-15, proferido no processo n.º 587/2014-T (págs. 3 a 6 do mesmo)1, o acórdão arbitral de 11-12-2015, proferido no processo n.º 30/2015-T (páginas 16 a 19 do mesmo) 2],
1 Sendo árbitros o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Prof. Doutor António Martins e o Prof. a Doutora Paula Rosado Pereira
2 Sendo árbitros a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs o Dr. Paulo Lourenço e a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.
16.º
bem como pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-04-2016, proferido no processo n.º 09286/16.
17.º
Caso não se entenda resultar do disposto no artigo 2.o do RJAT, interpretando-o de forma diversa da aqui propugnada, sempre se dirá que tal interpretação será́ contrária à unidade da ordem jurídica e estará́ a violar os princípios da certeza e da segurança jurídica, subprincípios concretizadores do princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
18.º
Tal interpretação seria, de igual modo, materialmente inconstitucional por violar o princípio do acesso à justiça, da igualdade de tratamento, da tutela jurisdicional efetiva, previstos, desde logo, nos artigos 13.º e 20.º da CRP.
19.º
E, bem assim, tal interpretação seria, de igual modo, materialmente inconstitucional por violar o princípio da legalidade, o qual enforma toda a atividade administrativa, e o seu corolário da indisponibilidade do crédito tributário.
20.º
O que tudo expressamente se invoca, para efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade.
21.º
Deste modo, no que aos pedidos ii) e iii) do ppa, atenta a sua formulação, verifica-se a incompetência material do Tribunal para a apreciação dos mesmos,
22.º
o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo nessa parte, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão aí em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
f. A Requerente não se pronunciou sobre a matéria da exceção, o que, no entanto, não obsta ao seu conhecimento.
g. Quanto ao pedido formulado pela Requerente sob a alínea II), antes transcrito, ainda que, como expressamente nele se refere seja feito "em consequência da anulação da liquidação de IRS contestada", o facto de se traduzir no pedido de reembolso de uma importância em concreto, embora facilmente inteligível por se traduzir em 50% do imposto que, mediante taxa proporcional, lhe foi liquidado sobre a totalidade da matéria coletável entendendo ela que apenas é devido sobre 50%, não cabe, de facto, na competência deste Tribunal.
h. Quanto a esta exceção, o Tribunal declara a sua procedência e, consequentemente, absolve a AT da instância quanto a ela, sem prejuízo do conhecimento dos restantes pedidos.
i. É que, não obstante a "dependência" que a AT invoca entre o pedido formulado na alínea II) e o pedido formulado na alínea III), não se colhe do pedido da alínea III) qualquer referência expressa de dependência e, ainda que contivesse, também se podia interpretá-la como dependente da "anulação parcial" da liquidação pedida na alínea I) do pedido, sendo, em qualquer caso, um pedido autónomo.
j. É um pedido autónomo porque fundado no disposto do artigo 43.º da LGT, ou seja, na norma que prevê o direito a juros indemnizatórios quando se determine, em processo próprio, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao devido e ancorado, ainda, no disposto, no artigo 100.º da referida LGT, cujo teor é replicado na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.
k. A Decisão Arbitral proferida no Processo 709/2020-T , fundamentou assim a competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de juros indemnizatórios, aqui se aderindo a essa posição:
"De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral".
l. A exceção arguida de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de juros indemnizatórios é, assim, improcedente.
m. Como igualmente não procedem os fundamentos de inconstitucionalidade na interpretação que, nos termos expostos, foi feita do artigo 2.º do RJAT, invocados pela Requerida, nos artigos 17.º a 20.º, quanto à competência material do Tribunal Arbitral.
n. Concluindo-se, assim, quanto à exceção de incompetência material do tribunal arbitral invocada pela Requerida:
– Quanto ao pedido de condenação da AT em restituição de quantia certa é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da Requerida, quanto a este pedido, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT;
– Quanto aos demais pedidos (anulação parcial da liquidação de IRS de 2019 e condenação da requerida na devolução da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios), o Tribunal é materialmente competente pelo deles vai conhecer.
o. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
p. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
q. O processo é tempestivo e é o próprio.
r. Não se antolham outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
s. Pelo que se passa a conhecer e apreciar o mérito dos pedidos
III - Questões a decidir
15. São duas as questões a decidir neste processo arbitral:
– Da ilegalidade da liquidação que, a verificar-se, determinará a sua anulação parcial;
– Se são ou não devidos juros indemnizatórios.
IV - Matéria de Facto
IV.1 - Factos provados
16. Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
I. Durante o ano de 2019, o Requerente, detinha, quanto ao aspeto espacial do elemento subjetivo da incidência de IRS, a qualificação de não residente em território português e residente para efeitos fiscais no Reino Unido, ainda Estado membro da União Europeia, conforme certidão junta sob o Documento n.º 2.
II. No mesmo ano, o Requerente auferiu rendimentos considerados obtidos em Portugal para efeitos de tributação em IRS, resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Com efeito,
III. No dia 31 de maio de 2019, nas instalações do Banco B..., S.A., em Vilamoura, a Advogada C..., NIF..., titular da cédula profissional n.º ...F, lavrou termo de autenticação do contrato de compra e venda que para o efeito lhe foi presente pelos outorgantes, incluindo D..., Advogado, na qualidade de procurador em Representação da Requerente - Doc. 4, fls 4.1 a 4.3.
IV. Pelo mencionado contrato de compra e venda, a Requerente alienou onerosamente os seguintes imóveis - Doc. 4, fls. 4.6.
V. Pelo valor de € 168.000,00, fração autónoma designada pela letra "D" correspondente ao rés-do-chão, Apartamento Quatro, destinada a habitação, do prédio em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo predial urbano n.º..., com o valor patrimonial tributário correspondente de € 90.788,78;
VI. Pelo valor de € 3.000,00, 1/21 avos indivisos do prédio urbano, correspondente a piscina, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial urbano n.º..., com o valor patrimonial tributário correspondente de € 1.965,65.
VII. A requerente adquiriu os referidos imóveis por sucessão hereditária, tendo-lhes, para o efeito, sido atribuído o correspondente valor patrimonial tributário - Doc. 5.1 e 5.2.
VIII. Em 30 de junho de 2020, a Requerente apresentou a declaração de IRS mod. 3, acompanhada pelo anexo G, onde declarou, no respetivo quadro 4, a totalidade dos dados necessários à determinação dos ganhos obtidos, que a AT apurou, em sede de rendimento líquido da categoria G, no montante de € 72.078,98.
IX. A Requerida não contestou, nem pôs em dúvida, os dados declarados pela Requerente necessários ao apuramento dos ganhos obtidos com a alienação onerosa dos bens imóveis de que era proprietária.
X. Da liquidação de imposto efetuada pela AT adveio valor a pagar de € 20.182,00 com referência a 2019, tendo o imposto liquidado incidido sobre o valor total das mais-valias realizadas, á taxa especial de 28%, conforme liquidação n.º 2020..., referente ao ano de 2019, junta como Documento n.º 1.1.
XI. O imposto liquidado foi pago pela Requerente em 31 de agosto de 2020, conforme Documento n.º 1.2.
IV.2 - Factos não provados
17. Não existem factos não provados com relevância para a causa.
18. Não há controvérsia sobre a matéria de facto, uma vez que a Requerida não contestou os factos invocados pela Requerente, que os comprovou documentalmente, nos termos do n.º 1 do artigo 115.º do CPPT, e, além disso, confessou não existir Processo Administrativo, pelo que aproveita à Requerente o disposto no n.º 6 do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º do RJAT.
IV.3 - Motivação
19. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta (m) o pedido formulado pela Requerente [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e declarar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
20. Em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não prevalece na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
21. Acrescendo, a todos os antes enunciados, o parâmetro delimitado pelo facto relevante de a AT não ter junto o PA, por não existir, o que, conjugando o disposto nos artigos 110.º, n.º 4, e 111.º, n.º 1, ambos do CPPT, com o disposto no artigo 84.º, n.º 6, do CPTA, conduz a que devam ser considerados provados todos os factos alegados pelo Requerente, como sublinha JORGE LOPES DE SOUSA na anotação n.º 13 ao artigo 110.º do CPPT : A falta de envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento do processo e determina que os factos alegados pelo impugnante se considerem provados, se aquela falta se tiver tornado impossível ou de considerável dificuldade.
22. Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos, nomeadamente na declaração de rendimentos mod. 3, bem como nas posições assumidas pelas partes nos seus requerimentos.
V - Matéria de direito
23. São três as questões de direito que constituem objeto deste processo:
a. A primeira consiste em saber se a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, para residentes e não residentes em território nacional, da base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os não residentes;
b. A segunda questão, se a resposta à primeira for negativa, é a de saber se o regime atualmente consagrado nos n.ºs 13 e 14.º do artigo 72.º CIRS (opção pelo englobamento) é compatível com o direito da União;
c. A terceira questão diz respeito ao direito, ou não, a juros indemnizatórios.
24. Assim, após a apreciação da posição das partes em matéria de fundamentação de direito, deve, o Tribunal deve decidir as seguintes questões, caso o conhecimento de uma não implique a inutilidade da apreciação de outras:
a. A compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes;
b. A (i)legalidade da liquidação impugnada;
c. O pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
V.1 - Posições das Partes
25. Os artigos 10.º, 43.º e 72.º do CIRC, com a redação vigente em 2019, estabelecem o seguinte, no que à decisão interessa:
Artigo 10.º
Mais-valias
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(...)
Artigo 43.º
Mais-valias
1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.
(...)
Artigo 72.º
Taxas especiais
1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:
a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;
(...)
9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
(...)
26. A Requerente era residente no Reino Unido, à data dos factos, em 2019, ainda membro da União Europeia e não formulou a opção prevista nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, pelo que as mais-valias que obteve, provenientes da venda de um imóvel, foram tributadas, em 2019, à taxa de 28% sobre a totalidade do seu valor, em conformidade com o preceituado nos artigos 43.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do CIRS.
27. A Requerente defende, em suma, que o regime que resulta destas normas, ao circunscrever aos sujeitos passivos residentes em Portugal a redução a 50% do saldo das mais-valias relevantes para tributação, prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na redação vigente em 2018, viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se reconduzir a tratamento discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros, pelo que deve ser-lhes aplicado o regime previsto para os residentes.
28. Quanto à referida opção consagrada nos citados n.ºs 8 e 9 (atuais n.ºs 13 e 14) do artigo 72.º do CIRS, o Requerente defende que a suscetibilidade de opção não afasta em si a discriminação entre residentes no território português e residentes noutro Estado membro da União Europeia, explícita no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.
29. A Administração Tributária defende, por sua vez, a legalidade da liquidação efetuada, alegando que a incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS com o Direito da União é afastada pela possibilidade de opção prevista nos referidos n.ºs 9 e 10 (atuais n.ºs 13 e 14) do artigo 72.º do mesmo Código.
V.2 - A questão da compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes
30. Não obstante as inúmeras decisões jurisprudenciais que se pronunciaram sobre esta questão, quer pelo STA, quer pelo CAAD, quase totalidade delas adotou a posição perfilhada na Decisão Arbitral de 23 de outubro de 2020, Processo 310/2020-T, para a qual se remete, sem necessidade, consequentemente, de aqui se aludir a toda a jurisprudência interna e do TJUE que naquela exaustivamente se refere.
31. Sucede, porém, que a questão prejudicial submetida ao TJUE sobre o objeto deste PDA foi, entretanto, decidida por Acórdão de 18 de março de 2021, proferido no Processo C-388/19, pelo Tribunal de Justiça (Primeira Secção).
32. E lapidarmente se pronunciou o CAAD, na já referida decisão arbitral proferida em 11 de junho de 2021, no Processo 709/2020-T sobre esta mesma questão, e aqui se assume integralmente essa fundamentada pronúncia:
O artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS estabelece que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».
Nos termos dos n.ºs 1 e 2, alínea b), do artigo 43.º do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e, fora dos casos de imóveis que tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas (o que aqui não sucede) , «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo» é «apenas considerado em 50 % do seu valor».
Este regime está previsto apenas para as transmissões efectuadas por residentes.
Para os não residentes, prevê-se no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que são tributadas à taxa autónoma de 28% as «mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado».
No entanto, nos n.ºs 9 e 10 deste artigo 72.º (na redacção da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, estabelece-se que « s residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» e que, «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».
Destas normas decorre que existem três regimes essenciais de tributação das mais-valias em sede de IRS:
– para os residentes em território português, vigora o regime previsto no artigo 43.º, em que as mais-valias realizadas são consideradas apenas em 50% do seu valor;
– para os residentes num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se a tributação autónoma nos termos do artigo 72.º, n.º 1, mas com possibilidade de optarem pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes;
– para os não residentes em território português e num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se apenas a aplicação da referida tributação autónoma, sem possibilidade de opção por qualquer outro regime.
Os Requerentes não residiam em território português, mas residiam em território de um Estado Membro da União Europeia, pelo que o regime aplicável que resulta daquelas normas é o do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, com possibilidade de opção pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
Os Requerentes defendem que a aplicação de tal regime é incompatível com o Direito da União Europeia, designadamente com o no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), que estabelece que “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, por não ser aplicável a excepção prevista no artigo 64.º, n.º 1, nem existir justificação ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 3 do TFUE.
No artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anterior artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, “TCE”) estabelece que «no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».
No referido acórdão do TJUE de 11-10-2007, processo C-443/06, proferido no caso Hollmann, foi decidido, a propósito do regime que estava previsto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, que o Direito da União «se opõe a uma legislação nacional (...) que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».
A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao dizer que, na sequência desse acórdão, foram efectuadas as alterações de 2007 ao artigo 72.º do CIRS, introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que permitiram aos residentes num Estado-Membro da União ou no Espaço Económico Europeu optarem pelo englobamento, o que implica a colocação da questão da compatibilidade do novo regime com o Direito da União, em termos diferentes dos que se colocavam no caso Hollmann.
Mas, a incompatibilidade do novo regime com o direito da União Europeia, apesar de opcional, foi reafirmada pelo TJUE, no acórdão de 18-02-2021, processo n.º C-388/19, em que se concluiu que «o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável».
Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:
25 Importa recordar que o artigo 63.º TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.º TFUE.
26 No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando-se de mais-valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado-Membro.
27 Em especial, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS prévia a tributação dessas mesmas mais-valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.
28 Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais-valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.º 37).
29 Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais-valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80000 euros a 250000 euros e de 5 % acima desse valor.
30 Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600, n.º 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais-valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º TFUE.
31 Esta constatação não é posta em causa pelo n.º 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C-632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.º 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais-valias sobre a venda de imóveis.
32 Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais-valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE.
33 Por conseguinte, importa verificar se essa restrição pode ser considerada objetivamente justificada, à luz do artigo 65.º, n.ºs 1 e 3, TFUE.
Quanto à existência de uma justificação para as restrições à livre circulação de capitais à luz do artigo 65.º, n.ºs 1 e 3, TFUE:
34 Resulta do artigo 65.º, n.º 1, TFUE, lido em conjugação com o n.º 3 desse mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
35 Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.ºs 44 e 45 e jurisprudência referida).
36 Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
37 Quanto, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, importa recordar que, no n.º 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça já declarou, em primeiro lugar, que a tributação das mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes. em segundo lugar, que essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes. e, em terceiro lugar, que o Estado-Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa.
38 Resulta do exposto, nomeadamente do n.º 29 do presente acórdão, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais-valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontra um contribuinte não residente, como MK, é comparável à de um contribuinte residente.
39 Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50 % aplicável às mais-valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.
40 Quanto, em segundo lugar, à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, importa salientar que o Governo português não refere a existência de tais razões. No entanto, alega que, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais-valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva.
41 Ora, nos n.ºs 58 a 60 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça considerou que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas, excedia, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. Consequentemente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrada uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada imposição fiscal e que a restrição resultante da regulamentação nacional em causa não podia, portanto, ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.
Quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes:
42 Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.º, n.º 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, e outro que não o é.
43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.º TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n.º 52).
45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n.º 53 e jurisprudência referida).
46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.º 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.
47 Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.
Este acórdão, com manifesta aplicação ao caso em apreço, não deixa qualquer margem para dúvidas de que o entendimento do TJUE é no sentido de que, sendo discriminatório o regime que resulta dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º, n.º 1, do CIRS, a existência de uma opção não tem por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal daquele regime e, por maioria de razão, em situação em que o regime incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.
As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quanto à «interpretação dos Tratados», o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º).
33. Pelo exposto, a necessidade de escolha pelo contribuinte não residente do regime de tributação aplicável para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados em território português não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente, viola o artigo 63.º do TFUE lido em conjugação com o artigo 65.º do TFUE.
34. São, pois, incompatíveis com o Direito da União, não só a disposição do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS na exata medida em que limita a redução em 50% das mais-valias realizadas por residentes, mas também o regime de opção consagrado nos atuais n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º do mesmo Código.
35. Nos termos expostos, em face da supremacia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, deve ser aplicado sem aquela limitação a não residentes em território português e sem dependência da opção prevista no atual n.º 13 do artigo 72.º do mesmo Código.
36. Consequentemente, a liquidação impugnada, ao não aplicar à Requerente a redução em 50% prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, enferma de vício de violação de lei e deve ser anulada, embora parcialmente como vem pedido
V.3 - Da anulação parcial ou total
37. Estando, pois, a liquidação impugnada inquinada de vício de violação de lei, é a mesma de anular, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
38. O Requerente pede, no entanto, a anulação parcial da liquidação, não devendo o Tribunal ir além do pedido.
39. O Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão uniformizador de 09-12-2020, processo n.º 75/20.6BALSB, embora não se pronuncie expressamente sobre a questão, aceitou a anulação parcial ao não alterar a decisão arbitral proferida no processo n.º 846/2019-T, em, que se decidira anular a liquidação aí impugnada «na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária».
40. Sendo um acórdão uniformizador, é de seguir essa jurisprudência, pelo que será de anular a liquidação, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária.
41. No caso em apreço, há ainda divergência das partes sobre o regime jurídico a empregar no caso de ser aplicável a redução prevista no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, pois a Requerente defende que deve ser aplicada a taxa de 28% prevista no artigo 72.º do CIRS à matéria tributável reduzida a 50% nos termos do n.º 2 do artigo 43.º (artigos 44.º e 45.º do pedido de pronúncia arbitral), enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que «a taxa a aplicar será determinada de acordo com o rendimento coletável apurado, nos termos fixados na tabela integrante do n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS» (artigo 50º da Resposta).
42. Numa situação deste tipo, em contencioso de mera anulação, como é a arbitragem tributária, em que os poderes dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se restringem à declaração de ilegalidade de atos (artigo 2.º, n.º 1 do RJAT), o Tribunal deve declarar a ilegalidade (ilegal aplicação do n.º 1 do artigo 43.º) que afeta todo o ato, não cabendo ao Tribunal decidir qual o imposto de deveria ser liquidado se fosse aplicada a norma legal em vez da ilegal, sendo essa tarefa que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira, como, de resto, decorre do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.
43. Assim, na sequência da anulação, que deve ser parcial, há direito a reembolso do imposto indevidamente pago, que deverá ser determinando em execução do presente acórdão, sem prejuízo da possibilidade de a Autoridade Tributária e Aduaneira emitir novas liquidações com fundamentação compatível com o julgado e, eventualmente, efetuar compensações, se for caso disso.
IV.4 - Pagamento de juros indemnizatórios
44. A Requerente pede que lhe sejam pagos juros indemnizatórios.
45. No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, a matéria é regulada no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
46. A Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se a invocar a exceção de incompetência material do Tribunal para conhecer do pedido, exceção que antes se decidiu não proceder, devendo, portanto, o Tribunal tomar conhecimento do pedido.
47. Como há muito vem entendendo o STA, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um ato ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:
– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação» ;
– «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo artigo, 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte;
– Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar uma liquidação afetada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» ;
– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Diretiva comunitária» ;
– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» .
48. O TJUE também já decidiu que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só o direito à restituição do imposto indevidamente pago, como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11, em que se refere:
21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
49. Assim, no caso em apreço, não sendo os erros que afetam as liquidações imputáveis à Requerente, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu por sua iniciativa.
50. Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que, em consequência da anulação parcial da liquidação, lhe deva ser restituída.
51. Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde a data em que foi efetuado (31-08-2020), até à integral restituição à Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
VI - Decisão
Nestes termos, este Tribunal Arbitral decide:
A. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a liquidação impugnada anulável, por ilegalidade decorrente de vício de violação de lei.
B. Anular parcialmente a liquidação de IRS relativa ao ano de 2019 a favor da requerente Requerente, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, condenando a Requerida a restituir-lhe o montante de imposto do imposto que tiver sido indevidamente liquidado-
C. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos referidos no ponto 51. da presente Decisão Arbitral
VII - Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento atribui-se ao processo o valor de para €10.091,06, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida.
VIII - Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00€, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 23-09-2021
O Tribunal Arbitral Singular
(Manuel Faustino)