Sumário
I – Das disposições dos artigos 22.º do Código Fiscal de Investimento e 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, resulta que a concessão do RFAI, no âmbito da indústria transformadora, só não ocorre em relação a projetos de investimento de transformação de produtos agrícolas que continuem a ser produtos agrícolas, com a exceção a que se refere o artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, que considera não aplicáveis os auxílios nas situações aí especialmente previstas;
II - O ponto 10 das OAR, relativo ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, ao mencionar que a Comissão aplicará as orientações à «transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas», está a referir-se à atividade de transformação de produtos agrícolas adquiridos no mercado primário em produtos que, pela sua natureza, não podem ser qualificados como produtos agrícolas.
III - O processamento industrial de leguminosas secas e concentrado de tomate em alimentos apertizados, entendendo-se como tal os alimentos prontos a consumir, submetido a processo térmico após embalagem em recipiente hermético para garantir a sua conservação e introdução no mercado, não pode ser tida como uma atividade de transformação de produtos agrícolas na aceção do Capítulo 20 do Anexo I ao TFUE.
Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Carlos Fernandes Cadilha (árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues e Dr. Augusto Vieira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na..., Lote..., ...-... ..., concelho de ..., doravante referido como «Requerente», veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2020..., do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2020..., na quais foi apurado um total a pagar de € 220.714,39 (€197.976,88 de imposto e € 22.737,51 de juros compensatórios).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26-11-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.
A AT apresentou resposta em 07.06.2021 e juntou o PA, não tendo suscitado excepções nem questões prévias, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Uma vez que a Requerente indicou no PPA 5 testemunhas, a AT considerou na Resposta que a sua inquirição era ilegal pelo facto da matéria do dissídio ser apenas de direito e nessa medida seria também um acto inútil, tendo, no entanto referido que, caso se entendesse necessário ouvir as testemunhas fosse “a Requerente ... notificada para, desde já, indicar sobre que factos (constantes no pedido arbitral) incidirá a inquirição. (art.º 596.º do CPC ex vi do artigo alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT)”.
Por despacho de 09-06-2021, foi notificada a Requerente para dizer se mantinha interesse na inquirição das testemunhas arroladas e em caso afirmativo indicar os pontos de facto sobre que deve incidir.
Por requerimento de 16.06.2021 a Requerente respondeu que “considera de elevada relevância para a descoberta da verdade material e para o enquadramento da actividade desenvolvida pela Impugnante a produção de prova testemunhal, sendo que as testemunhas arroladas serão questionadas à matéria de facto constante dos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24,º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º, 31.º, 32,º, 33.º, 38.º da petição inicial.”
Por despacho de 17.06.2021 foi agendada uma reunião de partes, com inquirição de testemunhas, para o dia 06.07.2021.
No dia 06.07.2021 realizou-se a reunião de partes, com inquirição das testemunhas (1) B... sobre os factos dos artigos 10º, 11º, 12º, 19º, 21º, 22º, 23.º, 24º, 25º, 26.º, 28.º, 29º, 31.º, 32º, 33º e 38º do PPA; (2) C... sobre os factos dos artigos 21º, 22º, 23º, 24º, 25º e 26º do PPA; (3) D... sobre os factos dos artigos 31º, 32º e 33º do PPA e documento 5 em anexo ao PPA; (4) E... sobre os factos dos artigos 28º, 29º, 31º, 32º, 33º e 38º do PPA.
Em 07.07.2021, na sequência do facto relatado na acta da conferência de interessados na altura da inquirição da testemunha B..., a saber “no decurso do seu depoimento a testemunha exibiu alguns produtos e fotografias, para completar o seu testemunho”, foram juntas várias plantas e fotografias
Por despacho de 22.07.2021, foi retificado o lapso de redacção da Acta da Conferência de Interessados na medida que foi omissivo do prazo para as partes apresentarem alegações escritas, fixando-se um prazo sucessivo de 10 dias, contado para a Requerente a partir de 07.07.2021, e para a Requerida a partir do termo do prazo cominado para a apresentação das alegações pela Requerente.
As partes apresentaram alegações escritas, mantendo o que já haviam referido em sede de PPA e Resposta.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
A) A REQUERENTE é uma sociedade por quotas que de acordo com os requisitos previstos na Recomendação n.º 2003, da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003, não é caracterizada como micro, pequena ou média empresa, e está inscrita:
(1) quanto ao exercício da sua atividade principal no CAE 10395 “Preparação e Conservação de Frutos e Produtos Hortícolas por outros Processos”,
(2) e quanto ao exercício da actividade a título secundário no CAE 10613. – conforme artigos 8º, 9º, 12º e 13º do PPA, documento nº 2 em anexo ao PPA e artigo 7º da Resposta da AT e ponto II.3.1.1 - página 6/25 do PA junto com a Resposta;
B) A REQUERENTE tem três linhas de produção na fábrica, a saber:
• uma 1.ª e 2ª linhas destinadas à transformação de leguminosas, que representa cerca de 90% da produção, resultando como produto final enlatados e enfrascados de conservas de leguminosas (produção de leguminosas apertizadas), em que o processo é de esterilização;
• e uma 3.ª linha para produção de polpa de tomate e molhos (derivados do tomate), que representa cerca de 10% da produção, em que o processo é de pasteurização (produção de tomate e molhos apertizados).
- conforme documento nº 5 em anexo ao PPA, artigos 23º e 26º do PPA, artigo 8º da Resposta da AT e depoimento das testemunhas B... e C...;
C) A Requerente adquire as suas matérias-primas em grande parte à sociedade F..., S.A., no que respeita à suas 1ª e 2.ª linha s de produção, seu maior fornecedor de leguminosas secas, que tem sede no mesmo polo industrial, cujo objecto social é a indústria de moagem, comércio de cereais, descasque e transformação de frutos de casca rija comestíveis. No que que respeita à 3ª linha de produção, o seu principal fornecedor é a sociedade G..., com sede ... ...– ..., Espanha, resultando que a REQUERENTE receciona nas suas instalações industriais a matéria-prima, com origem, essencialmente, na importação (por parte da F..., S.A.), a empresas preparadoras, as quais, por sua vez, recebem o produto diretamente dos produtores agrícolas – artigos 21º a 24º do PPA e falta de impugnação especificada avaliada nos termos nos nºs 6 e 7º do artigo 110º do CPPT, face ao referido no artigo 13º da Resposta da AT e depoimento das testemunhas B... e C...;
D) A atividade da REQUERENTE, em relação à produção de leguminosas, consideradas as 1.ª e 2ª linhas de produção ocorre da seguinte forma:
Antes da produção industrial nas instalações da Requerente
• A Requerente receciona diariamente nas suas instalações produtos, i.e., leguminosas secas, tais como, feijão branco, feijão manteiga, feijão encarnado, grão de bico, adquiridos à sociedade F..., S.A.;
• Produtos que são importados pela F..., S.A., com origem nas Américas do Norte e do Sul, em particular da Argentina (maior fornecedor de feijão da União Europeia), sendo uma pequena quantidade de feijão branco oriunda da Polónia;
• As leguminosas são cultivadas nos seus países de origem, as quais, por regra, são colhidas de forma mecanizada. Os produtos passam por um processo que inclui a operação de apanha e corte das plantas, a sua recolha e trilha;
• Ainda no país de origem da produção agrícola, são levadas para instalações fabris, onde são sujeitas a uma pré-limpeza com vista a eliminar raízes e corpos estranhos (sendo realizada uma primeira seleção dos produtos e preparação para venda), sendo posteriormente ensacadas para exportação;
• A F..., S.A., aquando da receção das leguminosas importadas, previamente submetidas às várias operações acima descritas, procede à primeira transformação desses produtos agrícolas primários em território nacional, integrando as seguintes operações: as leguminosas voltam a ser selecionadas mecanicamente, limpas através da sua passagem por uma máquina de ar comprimido e introduzidas numa máquina que procede a uma triagem mecânica, detetando e colocando de parte todos os produtos que apresentam cores diferentes da sua cor original;
• Após a passagem por estas três máquinas, os produtos terminam passando por uma bandeja em que são sujeitos a uma nova seleção, desta vez, manual (i.e., controlo de qualidade dos grãos) e posteriormente preparados para venda e encaminhados para as instalações fabris da REQUERENTE;
• Às operações mencionadas, em algumas matérias-primas é ainda necessário proceder a separação por densimétrica, deteção de metais e outras substâncias.
Processo industrial de transformação nas instalações da Requerente
• Todo o processo depende não só do processo de transformação e esterilização, como da própria embalagem, uma vez que os produtos produzidos pela Requerente são complexos /compostos, tendo em conta que a embalagem (frasco e cápsula), (lata e tampa), para alem de ser imprescindíveis à transformação industrial no fabrico da conserva fazem parte do processo e tornam-se partes integrantes do produto final.
• O processo de transformação de leguminosas em leguminosas prontas a consumir engloba as seguintes fases:
i. Processo de hidratação, em silos de elevada capacidade, nos quais os produtos são demolhados em água – (“Hidratação por emersão em água (controlo de ganho de massa))”;
ii. Processo de primeira fase de cozimento, que culmina com um processo de arrefecimento – (“Cozedura seguida de refrigeração (controlo de dureza)”;
iii. Enchimento das latas e dos frascos – (“Seleção eletrónica”);
iv. Esterilização dos produtos a uma temperatura de 120 graus (que consubstancia um segundo processo de cozimento à pressão) – (“Embalagem em lata ou frasco, adição de líquido de cobertura, com promoção de vácuo e fecho de embalagem (cravação ou capsulagem, controlo de estanquicidade”);
v. Controlo de qualidade pela passagem dos frascos e latas por uma máquina de raio x (que procede à verificação da existência de qualquer corpo estranho, expurgando as latas e frascos desconformes) – (“Tratamento térmico de esterilização (c.a 120 graus, 3 bar) – controlo físico-químico, microbiológico e sensorial”);
vi. Rotulagem automática colocada consoante a marca do produto a comercializar - (“Rotulagem automática”);
vii. Embalamento automático em caixas de cartão envolvidas com filme plástico (isto é, papel transparente), seguido de acondicionamento em paletes, também envolvidas em filme plástico, e posterior encaminhamento para armazém através de carris – (“Acondicionamento automático em tabuleiros de cartão envolvidos com filme plástico retráctil”);
viii. Armazenamento através de plataformas elevatórias e shuttle para arrumação por categoria de produto para futuro carregamento em camiões - (“Armazenamento”).
• O resultado da transformação industrial atrás referida dá origem a enfrascados e enlatados de leguminosas apertizadas, prontas a consumir, sendo que a apertização é um processo térmico aplicado a alimentos convenientemente acondicionados em embalagens herméticas (latas, vidros, plásticos ou outros materiais) e resistentes ao calor, a uma temperatura e período de tempo específicos para cada produto, por forma a atingir a esterilização comercial.
- conforme artigo 28º do PPA, Documentos nºs 5 e 6 juntos com o PPA e depoimento das testemunhas B... e E...;
E) A atividade da REQUERENTE, em relação à polpa de tomate e molhos apertizados, 3.ª linha de produção da fábrica, desenvolve-se da seguinte forma:
• A REQUERENTE recebe um concentrado de tomate oriundo de Espanha em estado pastoso, composto por 28% de matéria seca e 72% de água.
• Nas suas instalações fabris, adiciona água ao preparado e, por vezes, adiciona ervas aromáticas ou outros temperos, a que se segue o enchimento em garrafa de vidro ou lata e capsulagem a quente para posterior pasteurização.
• Através de um processo automático similar ao descrito anteriormente para as leguminosas apertizadas, as latas e os frascos de polpa de tomate são rotulados, embalados, acondicionados e armazenados pela REQUERENTE, para posterior venda ao cliente final (cadeias de distribuição, retalhistas, hipermercados);
• No processo de transformação do preparado de tomate, em polpa e molhos temperados de tomate, a Requerente utiliza concentrado de tomate (ºBrix 28/30) produzido por empresas que executam a sua transformação primária (ºBrix <6) durante a campanha de agosto/setembro, em concentrado de tomate por operações de concentração por evaporação, o qual é embalado assepticamente em embalagens de complexos laminados (230kg) acondicionadas em bidons metálicos.
• Quanto ao processo industrial, a partir do concentrado de tomate, a REQUERENTE processa dois tipos de produtos: polpa de tomate e molhos, os quais divergem na formulação, sendo em ambos os casos embalados a quente em lata ou frasco. As embalagens após fecho são submetidas a tratamento térmico, para garantir a respetiva estabilidade à temperatura ambiente.
• A primeira transformação do tomate ocorre nas instalações dos fornecedores espanhóis, os quais selecionam os tomates, retiram-lhes as peles, procedem à sua transformação através de um processo de drenagem, com vista à obtenção do preparado de tomate, que consubstancia a matéria prima para o processo industrial da 3ª linha de produção da REQUERENTE.
- conforme artigos 29º a 32 do PPA, depoimento das testemunhas B..., E..., D... e documento nº 4 junto com o PPA;
F) Face ao descrito nas duas alíneas anteriores, a REQUERENTE procede a uma segunda e/ou terceira transformação dos produtos indicados que receciona nas suas instalações, e, posteriormente coloca-os à disposição no mercado nacional e internacional para venda – conforme artigo 35º do PPA e falta de impugnação especificada avaliada nos termos nos nºs 6 e 7º do artigo 110º do CPPT;
G) Após a alteração do CAE da Requerente, em 15 de janeiro de 2016 e no contexto da obtenção de benefícios fiscais, em concreto de um investimento ilegível para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), a REQUERENTE apresentou um pedido de esclarecimentos à Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (“AICEP”), com o intuito de percecionar a eventual elegibilidade de uma candidatura referente a um projeto por si equacionado, âmbito do CAE 10613, tendo recebido informação via mail, assinada pela Srª Directora ... da AICEP referindo nomeadamente: “2 — Candidatura a Benefícios Fiscais. ("CFI"). - De acordo com o disposto na Portaria nº 282/2014, de 30.12, o CAE da A... está incluído nos códigos previstos como enquadráveis nesse diploma. Acresce que, como referido acima, a atividade da empresa é de transformação de 2º nível, o que permite enquadrá-la no âmbito da Portaria nº 282/2014, de 30.12, e mais concretamente, no Decreto-Lei nº 162/2014, de 31.10 (Código Fiscal do Investimento) — CFI).” – conforme artigos 11º e 13º a 15º do PPA e Documento nº 3 em anexo ao PPA
H) A REQUERENTE efetuou investimentos nos anos 2011 e 2012, tendo sido utilizado o respetivo benefício fiscal (RFAI), o que influenciou a decisão de continuar a fazer investimentos e deduzir à colecta do IRC o montante elegível para efeitos de RFAI – conforme artigo 44º do PPA e falta de impugnação especificada avaliada nos termos nos nºs 6 e 7º do artigo 110º do CPPT;
I) Em 2016, a Requerente efectuou investimentos na unidade fabril, em novos tanques de hidratação, novo sistema de triagem de produto demolhado, nova linha de embalamento em bolsas e em novo armazém do produto acabado, cujo valor total ascendeu a €839.833,114, discriminado no Anexo I do Relatório de Inspecção que integra o PA e que aqui se dá por reproduzido por economia de verbo – conforme artigo 43º do PPA, artigo 9º da Resposta da AT e páginas 10 e 11 do Relatório de Inspecção que integra o PA;
J) Em data não apurada a Requerente apresentou a declaração de IRC, Modelo 22, de 2016, onde apurou/declarou os seguintes valores referentes ao benefício fiscal previsto no Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (adiante designado por RFAI):
- conforme artigo 17º do PPA, artigo 11º da Resposta da AT e página 9/25 do Relatório de Inspecção junto pela AT e que integra o PA;
K) A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção tributária, quanto ao exercício de 2016, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., concretizado pela DF de Leiria, de âmbito geral, tendo sido elaborado o Relatório Final onde e concluiu que o valor do benefício fiscal do RFAI deveria ser corrigido nos seguintes termos:
- conforme artigo 17º do PPA, artigo 11º da Resposta da AT e página 15/25 do Relatório de Inspecção que integra o PA junto com a Resposta da AT;
L) Consta do Relatório de Inspecção Tributária a seguinte fundamentação no sentido de desconsiderar a aplicação do benefício fiscal “RFAI”: “... fica claro que quando está em causa a atividade de "transformação de produtos agrícolas", apenas pode beneficiar do RFAI a transformação destes produtos desde que o produto final dela resultante não seja um produto agrícola de acordo com a definição prevista no artº 38º do TFUE e, como tal, não integre a lista constante do Anexo I deste Tratado.
O Anexo I do TFUE refere, na sua coluna (1) diversos capítulos respeitantes aos Números da Nomenclatura de Bruxelas, os quais têm por base o Regulamento (CEE) no 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, o qual está na origem do documento designado por Nomenclatura Combinada (NC), publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Conforme se retira da "descrição do investimento inicial" exibida pelo sujeito passivo, o investimento teve em vista o aumento da capacidade instalada dedicada à produção de conservas de legumes, ou seja, o investimento foi direcionado para a sua atividade principal, "Preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas por outros processos" (CAE 10395).
Analisando as designações dos produtos constantes do Anexo I do TFUE, conclui-se que a atividade de "Preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas por outros processos" se enquadra no Capítulo 20 — Preparados de produtos hortícolas, de frutas e de outras plantas ou partes de plantas.
Da análise ao detalhe deste capítulo 20 no Regulamento (CEE) no 2658/87 do Conselho e da Nomenclatura Combinada, confirma-se que a atividade do sujeito passivo tem enquadramento neste capítulo.
Conforme já foi referido anteriormente, a transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do TFUE encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria no 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do no 1 do artigo 22º do CFI, e do próprio nº 1 do artigo 22º deste diploma, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.” – conforme páginas 13 e 14 do Relatório de Inspecção junto pela AT e que integra o PA;
M) Na sequência das correcções levadas a efeito pela AT na declaração de rendimentos de IRC de 2016 da Requerente, foi esta notificada em data não apurada, com data limite de pagamento de 27.08.2020, do acto de liquidação de IRC n.º 2020..., acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2020... e correspectiva demonstração de acerto de contas n.º 2020... na qual foi apurado um total a pagar de € 220.714,39 (€197.976,88 de imposto e € 22.737,51 de juros compensatórios), valor que se encontra regularizado – conforme artigo 1º da Resposta da AT, Documento nº 1 em anexo ao PPA e artigo 2º do PPA;
N) Em 25.11.2020 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.
2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pelas Partes e no processo administrativo. Os depoimentos das testemunhas apenas relevaram para reforçar o que já se encontrava expresso em documentos ou constava de factos alegados que não mereceram uma impugnação especificada por parte da Requerida.
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária considerou não elegível, para efeito do Regime Fiscal de Apoio ao Financiamento (RFAI), o investimento realizado pela Requerente no período de tributação de 2016 por considerar que ele teve por objeto uma atividade económica enquadrada no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas, de acordo com a definição constante do artigo 38.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e enumerada no anexo I a esse Tratado sob a nomenclatura “Preparados de produtos hortícolas de frutas e de outras plantas ou partes de plantas” (capítulo 20), e, como tal, se encontra excluída do âmbito de aplicação do benefício fiscal pelo artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.
A Requerente contrapõe que por “produtos agrícolas”, para efeito do disposto no artigo 38.º do TFUE, devem entender-se “os produtos do solo”, bem como os “produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação direta com estes produtos” e que se encontram listados no Anexo I do TFUE, e não incluindo os produtos do segundo, terceiro, ou quarto estádio de transformação que estejam em relação direta com os produtos agrícolas constantes do referido Anexo I. Acrescenta que a sua atividade se encontra inserida no âmbito sectorial do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC), como também no âmbito sectorial das Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR). Isso porque o artigo 3.º, n.º 3, alínea c), daquele Regulamento apenas exclui do âmbito da sua aplicação “os auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos: i) sempre que o auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade de produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa ou ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores agrícolas primários”. E, por sua vez, ponto 10 das OAR, referindo-se ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional, admite a aplicação dessas orientações à “transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas”.
A questão em debate é, pois, a de saber se o projeto de investimento realizado pela Requerente no âmbito da transformação de produtos agrícolas se encontra abrangido pelo regime fiscal de apoio ao investimento.
Interessa começar por efetuar o necessário enquadramento jurídico da questão.
O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.
Referindo-se ao âmbito objetivo dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público, o artigo 2.º, nos seus n.ºs 2 e 3, dispõe o seguinte:
2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) Atividades e serviços informáticos e conexos;
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) Atividades de centros de serviços partilhados.
3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.
O CFI estabelece igualmente o Regime Fiscal do Investimento (RFAI), regulado nos artigos 22.º e seguintes, sendo que esse artigo 22.º, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, dispõe, no seu n.º 1, nos seguintes termos:
1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
Por seu lado, a Portaria n.º 282/2014, em execução do disposto no n.º 3 do referido artigo 2.º do CFI, ostenta a seguinte redação:
Artigo 1.º
Enquadramento comunitário
Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.
Artigo 2.º
Âmbito setorial
Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
a) Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;
b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
c) Alojamento - divisão 55;
d) Restauração e similares - divisão 56;
e) Atividades de edição - divisão 58;
f) Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;
g) Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;
h) Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais Web - grupo 631;
i) Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;
j) Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;
k) Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.
O regime definido através do diploma regulamentar encontra-se justificado, no respetivo preâmbulo, pela “necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014”, sendo em atenção ao direito europeu que “são também definidos na portaria os sectores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais”.
O normativo básico para a concessão do benefício fiscal é o artigo 2.º do CFI, que faz referência, como atividade económica elegível, à indústria transformadora. Como se observou no acórdão proferido no Processo n.º 545/2018-T, que abordou esta matéria, importa ter presente que o elenco de atividades constante daquele preceito legal não é exaustivo, visto que se limita a enunciar o conjunto de atividades económicas abrangidas pelos projetos de investimento a título meramente exemplificativo. Em todo o caso, como resulta do proémio desse artigo 2.º, a atividade económica elegível haverá de respeitar o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).
Por outro lado, a elegibilidade dos projetos fica ainda dependente, em concreto, da especificação dos códigos de atividade económica (CAE), que o legislador remeteu para diploma regulamentar, especificação essa que igualmente haverá de ter em conta as restrições enunciadas no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, entre as quais se conta a não elegibilidade dos projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Em todo este contexto, interessa começar por chamar à colação o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que declara as categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, e em especial o seu artigo 1.º, que define o âmbito de aplicação do Regulamento.
Esse artigo, no seu n.º 1, enuncia um conjunto de categorias de auxílio a que o Regulamento é aplicável, aí se incluindo os auxílios com finalidade regional (alínea a)), e os subsequentes n.ºs 2, 3 e 4 enumeram os auxílios que se encontram excluídos do seu âmbito de aplicação. Pela sua direta conexão com o caso em análise, releva sobretudo o que dispõe o artigo 1º, n.º 3, alínea c), em que se consigna o seguinte:
O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:
[…]
c) Auxílios concedidos no sector da transformação e comercialização de produtos agrícolas nos seguintes casos:
(i) sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa;
(ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários.
Para densificar o que se entende por «transformação e comercialização de produtos agrícolas» cabe considerar as definições que constam do artigo 2.º do RGIC especialmente as das suas alíneas 9), 10) e 11):
9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos;
10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;
11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;
Entre os produtos elencados no referido anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia constam os “preparados de produtos hortícolas de frutas e de outras plantas ou partes de plantas” (capítulo 20).
Numa aproximação à situação do caso, resulta de todas estas disposições de direito europeu, interpretadas articuladamente, que a concessão do benefício fiscal só não ocorre, no âmbito da indústria transformadora, em relação a projetos de investimento de transformação de produtos agrícolas que continuem a ser produtos agrícolas, com a exceção a que se refere o artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, que considera não aplicáveis os auxílios nas situações aí especialmente previstas.
Revertendo à situação em análise, e como decorre do relatório de inspeção tributária, o que se constata é que a Autoridade Tributária baseou a exclusão do benefício fiscal no disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, no ponto em que aí se refere que não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as “atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, isto é, quando se trate de operações realizadas sobre um produto agrícola que continue a ser um produto agrícola.
Ora, resulta, com evidência, de todos os elementos dos autos que a atividade da Requerente não se traduz na transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola.
A Requerente procede ao processamento industrial de leguminosas secas e concentrado de tomate que adquire a terceiras empresas, sendo estas que preparam os produtos diretamente provenientes dos produtores agrícolas mediante uma primeira transformação de limpeza, escolha, calibragem, secagem e embalagem e que, no caso do concentrado de tomate, consiste já numa matéria prima secundária na medida em que é objeto de uma transformação primária através de operações de concentração.
O processo de transformação realizado nas instalações da Requerente, que se encontra descrito nas alíneas D) e E) da matéria de facto, visa a produção de alimentos apertizados, entendendo-se como tal o alimento pronto a consumir, submetido a processo térmico após embalagem em recipiente hermético (lata, vidro, plástico ou outros materiais com resistência térmica), e que deve garantir uma esterilização comercial, ou seja, que o alimento deva ficar estável à temperatura ambiente durante cerca de um ano.
A transformação de leguminosas secas origina produtos cozidos, prontos a consumir e com elevado poder de conservação, e, do mesmo modo, a partir do concentrado de tomate adquirido às empresas preparadoras a Requerente processa dois tipos de produtos (polpa de tomate e molhos) que são embalados em lata ou frasco e submetidos a tratamento térmico por forma a garantir a sua estabilidade à temperatura ambiente.
A este propósito, importa ter presente o que refere o considerando (11) do RGIC
O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. Para efeitos do presente regulamento, nem as atividades de preparação dos produtos para a primeira venda efetuadas nas explorações agrícolas, nem a primeira venda por um produtor primário a revendedores ou transformadores, nem qualquer atividade que prepare um produto para a primeira venda, devem ser consideradas atividades de transformação ou de comercialização”.
Como daqui se depreende, não podem ser tidas como atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas as atividades de preparação de produtos para uma primeira venda ou para uma primeira venda por um produtor primário a revendedores ou transformadores agrícolas. E é a esse tipo de preparados a que se refere o Capítulo 20 do Anexo I do TFUE.
Mas não é nesse o caso quando um empresário adquire produtos preparados, na aceção do Capítulo 20 do Anexo I do TFUE, e os transforma através de um processo industrial em produtos apertizados, embalados hermeticamente e destinados a serem conservados e comercializados por um longo período de tempo.
Acresce que, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, há pouco transcrito, só se encontra vedada a concessão de auxílios à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações mencionadas nas suas subalíneas i) ou ii).
Ora, de acordo com as regras do direito probatório material, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (artigo 74.º, n.º 1, da LGT).
Tendo a Administração desconsiderado o benefício fiscal com o fundamento de que estamos perante a transformação de produtos agrícolas (isto é, a transformação de produtos agrícolas em produtos que continuam a ser produtos agrícolas) - o que não é aplicável ao caso -, cabia aos serviços inspetivos demonstrar que se verificava algum dos requisitos específicos que, nos termos do artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, permitia afastar a atribuição do benefício fiscal.
Prova essa que não foi realizada nem constitui fundamento da liquidação adicional.
Resta referir que a atividade exercida pela Requerente não se encontra também excluída pelas OAR.
O ponto 10 relativo ao âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional estabelece o seguinte:
“A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (9), com exceção da pesca e da aquicultura (10), da agricultura (11) e dos transportes (12), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.o do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.”
Ao mencionar que a Comissão aplicará as orientações à «transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas» está justamente a referir-se à atividade exercida pela Requerente, que transforma produtos agrícolas adquiridos no mercado primário em produtos que, pela sua natureza, não podem ser qualificados como produtos agrícolas.
Nestes termos, as liquidações impugnadas enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justificam a sua a anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.1. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.
4. Juros indemnizatórios.
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de imposto, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
5. Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular a liquidação adicional de IRC n.º 2020..., de liquidação de juros compensatórios n.º 2020... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2020..., nas quais foi apurado um total a pagar de € 220.714,39.
b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
6. Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 220.714,39, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00 que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 16 setembro de 2021
Os Árbitros
(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)
(Rui Ferreira Rodrigues)
(Augusto Vieira)