Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Eva Dias Costa e Dr. José Luís Ferreira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., com sede em ..., ..., ..., ..., ..., Jersey, titular do número de identificação de pessoa coletiva ... (enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal) (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou em 23-07-2020 da autoliquidação de IRC n.º 2019..., relativa ao exercício de 2019, bem como a anulação desta autoliquidação e das liquidações de juros n.ºs 2020 ... e 2020... .
Subsidiariamente, a Requerente pede que a mais-valia seja considerada em apenas 50% do seu valor.
A Requerente pede ainda o reembolso da quantia paga com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 18-02-2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 03-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.
A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 30-08-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade constituída de acordo com a legislação vigente em Jersey, residente, para efeitos fiscais, no Reino Unido, jurisdição a partir da qual é gerida e controlada e na qual possui a sua direção efetiva desde 1 de julho de 2015 (Documentos n.ºs 3 a 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
B) A Requerente adquiriu conforme sisa ... de 25/10/1988 um lote de terreno destinado a construção, designado por lote n.º..., omisso na matriz predial, por € 77.440,53 tendo pago sisa no valor de € 7.744,05 (1.ª parte do processo administrativo);
C) A Requerente procedeu à construção no referido lote de um edifício que ocupou em 22-11-1989, tendo o novo prédio sido inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo ... (1.ª parte do processo administrativo);
D) O artigo ... foi inscrito na matriz tendo-lhe sido atribuído um valor patrimonial tributário de € 94.272,80 (1.ª parte do processo administrativo);
E) O artigo..., via entrega de mod.129 em 20/07/1998, viria a dar origem ao art.° ... por retificação da área total do prédio de 504,4 para 545 m2 correspondentes à superfície descoberta do mesmo (1.ª parte do processo administrativo);
F) A Requerente possuía contabilidade;
G) A Requerente era proprietária de um imóvel destinado a habitação, sito em ...–..., freguesia de ..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número ..., daquela freguesia, adquirido em 1988, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... (que proveio do anterior artigo...);
A) O referido imóvel começou a ser construído em 1988 (artigo 67.º do pedido de pronúncia arbitral e documento n.º 7 junto com ele, cujo teor se dá como reproduzido);
B) O valor patrimonial tributário do imóvel era de € 194.981,50 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C) O imóvel foi alienado pela Requerente, no dia 12-06-2019, pelo valor de £ 650.342,00 (contravalor de € 730.000,00 €) (Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
D) O imóvel encontrava-se registado contabilisticamente, em 2018, pelo valor de £ 645.675,00, correspondente ao valor de mercado do imóvel, de acordo com reavaliação realizada em 2017 (o imóvel foi avaliado em € 730.000,00, correspondente a £ 640.000,00, conforme nota às Contas), ajustado à taxa de conversão de moeda a 30-06-2018 (demonstrações financeiras referentes a 2018 que constam do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) O custo histórico do imóvel alienado correspondia a £ 237.965,00, de acordo com a contabilidade mantida pela Requerente, desde 2006 se manteve aquele valor (demonstração financeira relativa a 2006 que consta da parte 2 do processo administrativo e demonstrações financeiras que constam dos documentos n.ºs 10 a 15, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
F) A Requerente encerrou a sua actividade a 01-04-2020 (Documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Em outubro de 2019, por Ofício n.º..., a Direção de Finanças de Faro (“DFF”) notificou a Requerente para proceder à entrega da declaração Modelo 22 e da IES-Anexo, bem como para lhe remeter os documentos comprovativos do valor de aquisição do imóvel, sob pena de ser considerado o respetivo valor patrimonial tributário (Documento n.º 17 cujo teor se dá como reproduzido);
H) A Requerente, por considerar que, com base nos elementos contabilísticos de que dispunha, não obteve uma mais-valia fiscal, decorrente da alienação do imóvel supra identificado, não submeteu as declarações fiscais para as quais foi notificada, tendo remetido à DFF, por correio eletrónico, de 15-11-2019, as explicações e a documentação probatória em que baseava o seu entendimento (documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) Em resposta à documentação e explicações remetidas pela Requerente, a DFF, por correio eletrónico datado de 19-11-2019, considerou que os elementos apresentados não demonstravam «quais os “custos de construção devidamente comprovados” que acrescem ao valor de aquisição do terreno, apenas indicando o valor de £237.965 constantes na rubrica “Tangible fixed Assets – Investment properties” das declarações financeiras de 2006, como valor de aquisição», pelo que “caso não existam elementos que permitam apurar com completa precisão o valor de aquisição poder-se-á, ainda assim, considerar o valor patrimonial como valor de aquisição, sem prejuízo de outro ser considerado se o sujeito passivo fornecer os elementos necessários à sua perfeita determinação” (Documento n.º 18);
J) Em resposta a esta comunicação, a Requerente remeteu explicações adicionais, por correio eletrónico datado de 22-11-2019, sustentando que “o valor a ser considerado para efeitos do cálculo da eventual mais-valia deve ser o que se encontra registado nas demonstrações financeiras do Sujeito Passivo, remetidas a V. Exas., ou seja, 237.965 £, por o mesmo corresponder ao custo de aquisição da propriedade (o qual após atualização [pelos coeficientes de correção monetária] conduz ao apuramento de uma menos-valia)” (documento n.º 18);
K) A Administração Tributária procedeu a uma inspecção à Requerente em que foi elaborado o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
O presente procedimento teve origem no cruzamento de mais-valias não declaradas por não residentes, efetuado com base nas liquidações de l MT e Modelo 11
Efetuada a respetiva análise pelo Serviço de Planeamento, Gestão e Apoio à Inspeção (SPGAI) desta Direção de Finanças de Faro, foi o sujeito passivo notificado, na pessoa do seu representante B... Lda, NIPC..., através do ofício registado n.º ... de 29/10/2019, para proceder à entrega da Modelo 22, IES – Anexo E, bem como apresentar os documentos comprovativos do respetivo valor de aquisição. O ofício foi recepcionado em 31/10/2019, tendo o sujeito passivo remetido a sua resposta via mail, transcrevendo-se em seguida o teor da mesma, nomeadamente as partes consideradas pertinentes para a análise a efetuar:
"Como é possível verificar nas demonstrações financeiras da A... Ltd (...), o imóvel alienado pela mesma encontrava-se registado contabilisticamente pelo valor de 237.965 £, o qual corresponde ao custo de aquisição da propriedade (valorização pelo custo histórico - constante em todas as demonstrações financeiras)." "As demonstrações financeiras mais antigas de que o sujeito passivo dispõe reportam-se a 2006, tendo nesse ano, assim como ano imediatamente anterior, sido este o valor transitado (custo histórico imóvel), o qual se manteve nos anos seguintes, como se depreende da documentação anexa."
"Os elementos probatórios apresentados soo claros e concordantes no que respeita ao valor relevante para efeitos de cálculo da mais-valia pela alienação do imóvel."
"Mediante a aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda aplicável aos ativos adquiridos em 1988 (ano de aquisição e construção do imóvel), correspondente a 2,82 segundo a Portaria n.º 317/2018 de 11 de dezembro - sendo aplicável o coeficiente de 2,85 segundo Portaria n.º 362/2019, de 9 de outubro (que foi publicada após a alienação do mesmo, no entanto deverá aplicar-se às alienações efetuadas no ano de 2019) - resultou uma menos-valia para o sujeito passivo."
"Por esta razão, o sujeito passivo não submeteu a Mod. 22 nem a lES-Anexo E relativos à alienação do imóvel que realizou, uma vez que não obteve qualquer mais-valia decorrente dessa venda (...)."
O teor da resposta do sujeito passivo foi objeto de análise pelo SPGAI, tendo sido tecidos os comentários considerados pertinentes, os quais foram comunicados ao sujeito passivo via e-mail, tendo o mesmo apresentado posteriormente as suas considerações, questionando a razão da não aceitação, como devidamente comprovados, dos custos de construção, mediante a apresentação das demonstrações financeiras do sujeito passivo, remetendo para o artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual se presumem verdadeiros e de boa fé os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita dos contribuintes. Refere ainda o sujeito passivo que, sendo o prazo previsto como exigível para a manutenção da documentação de 10 anos, como é possível a AT estar a solicitar documentos fiscais relativos aos exercícios de 1988 e 1989. Termina, reforçando "que o valor a ser considerado para efeitos de cálculo da eventual mais-valia deve ser o que se encontra registado nas demonstrações financeiras do sujeito passivo (...) ou seja, 237.965 £, por o mesmo corresponder ao custo de aquisição da propriedade (o qual após atualização conduz ao apuramento de uma menos-valia). Caso assim não o entenda, e porque a referência para o CIRS coloca o sujeito passivo em situação paritária com as pessoas individuais nesta sede, que qualquer mais-valia eventualmente apurada seja excluída de tributação."
Da consulta efetuada ao sistema informático ao dispor da AT, verificou-se que o sujeito passivo consta como outorgante (vendedor) na Declaração Modelo 11, respeitante à alienação em 12/06/2019, pelo valor global de € 730.000,00, do imóvel inscrito na respetiva matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Loulé, sob o artigo ... .
Após análise, constata-se que o artigo matricial alienado (artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Loulé), foi inscrito na matriz, mediante a entrega em 21/07/1998 da respetiva Declaração Modelo 129 para efeitos de inscrição de um "prédio ampliado", com a área total de 545,00 m2, sendo 120,00 m2 de área coberta e 425,00 m2 de área descoberta, com proveniência no artigo ... da mesma freguesia. Promovida a avaliação do imóvel, foi-lhe atribuído o valor patrimonial de € 109.984,94.
Retrocedendo à inscrição matricial do artigo ..., da freguesia de ..., verifica-se que o mesmo foi inscrito através da entrega da Declaração Modelo 129 em 29/05/1990, visando a inscrição de um prédio novo, com a área total de € 504,40 m2, sendo 120,00 m2 de área coberta e 384,40 m2 de área descoberta, tendo sido indicada como data de ocupação 22/11/1989, e o valor patrimonial atribuído de € 94.272,80. Por sua vez, este prédio foi construído no lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote n.º..., omisso na matriz, aquando da aquisição efetuada pelo sujeito passivo, conforme sisa n.º ... de 25/10/1988. Esta aquisição foi efetuada pelo valor de € 77.440,53, tendo sido paga sisa no montante de € 7744,05
Ora, o sujeito passivo é uma entidade não residente sem estabelecimento estável em território português, pelo que, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 3º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), está sujeita a IRC sobre os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, sobre os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito.
De acordo com o n.º 1 do artigo 56º do CIRC, "os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS".
Deste modo, e de acordo com o artigo 10º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Determina o artigo 43º do CIRS que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.
As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição corrigido pela aplicação dos coeficientes de correção monetária.
Estipula a alínea f) do n.º 1 do artigo 44º do CIRS, na redação à data dos factos, que "Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização (...) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação".
Acresce que o n.º 2 do artigo 44º do CIRS dispõe, quanto ao valor de realização, que, no caso de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devido. Assim, no caso em apreço, o valor de realização será o valor que serviu de base à escritura de venda.
Quanto ao valor de aquisição, estabelece o n.º 3 do artigo 46º do CIRS que "o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele", sendo que, nos termos do n.º 4 da mesma norma, "o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos n.ºs 1 e 2 deste artigo", isto é, o valor que serviu de base à liquidação do IMT, à data SISA, ou, na ausência de liquidação de imposto, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.
Na sequência da análise efetuada pelo SPQAI à resposta apresentada pelo sujeito passivo, e conforme já foi anteriormente referido, o sujeito passivo contra-argumentou, reforçando que o valor de aquisição a considerar para efeitos de cálculo da eventual mais-valia deve ser o que se encontra nas suas demonstrações financeiras e, caso assim não se entenda, em virtude da referência para o CIRS, então qualquer mais-valia eventualmente apurada deverá ser excluída de tributação.
Ora, de acordo com os dados constantes no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, o sujeito passivo é um não residente sem estabelecimento estável, não possuindo contabilidade organizada.
Consultado o histórico das declarações IES, verifica-se que vêm sendo apresentadas com o Anexo E, o qual deve ser apresentado quando se obtenham rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável aqui situado, desde que não sujeitos a retenção na fonte a título definitivo.
Efetivamente dispõe o n.º 1 do artigo 125º do CIRC que "os sujeitos passivos com sede ou direção efetiva em território nacional, bem como aqueles que aí possuam estabelecimento estável, estão sujeitos às obrigações de faturação e de conservação de livros, registos e respetivos documentos de suporte nos termos previstos no Código do IVA e no Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro", estabelecendo o n.º 1 do artigo 19º daquele Decreto-Lei, o prazo de 10 anos, mencionado pelo sujeito passivo aquando da sua contra-argumentação ao SPQAI.
No entanto, no caso em análise, estamos perante um sujeito passivo não residente sem estabelecimento estável, que não está obrigado a possuir contabilidade organizada em Portugal, e não tem por isso aplicabilidade o prazo estipulado no artigo 125º do CIRC, sendo a matéria tributável, para efeitos de tributação, obtida individualizando cada um dos rendimentos de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS.
A lei é clara ao exigir que o contribuinte demonstre, inequivocamente, as despesas em que incorreu, conforme já atrás referido "(...) custos de construção devidamente comprovados (...)"- n.º 3 do artigo 46º do CIRS. A comprovação dos custos de construção, que o sujeito passivo pretende ver acrescidos ao valor de aquisição, recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque, conforme disposto no n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária e n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.
Assim, o período de conservação dos documentos relativos aos custos de construção suportados com o imóvel não se inicia com o momento em que tais despesas foram feitas, mas com a data em que para efeitos de cálculo de mais valias resultantes da venda do imóvel se declara que tais custos tiveram lugar, ou seja, neste caso, na data da transmissão.
Como é evidente, a alienação de um imóvel e, como tal, a susceptibilidade de a mesma gerar mais-valias, pode ocorrer largos anos após a sua aquisição/construção, sendo certo que os custos de construção serão relevantes - concretamente, a sua consideração como acréscimo ao valor de aquisição do terreno para efeitos de determinação da mais-valia - a partir da alienação do imóvel. Só a partir dal e, repete-se, durante o período de tempo durante o qual o Estado pode liquidar IRC (conforme artigo 101º do CIRC e remissão para a LGT), é que faz sentido exigir documentos comprovativos de tais custos, e do mesmo modo, se impõe ao sujeito passivo a comprovação documental dos ditos custos.
No caso em apreço, o imóvel foi construído pelo sujeito passivo, pelo que, não existindo outros elementos disponíveis, o valor de aquisição corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz à data de ocupação do mesmo (€ 94.272,80), bem como ao acréscimo resultante da inscrição do prédio por alteração de áreas [€ 15.712,14 (€ 109.984,94 - € 94.272,80)].
De referir ainda que, de acordo com o artigo 51º do CIRS, será considerado o montante da sisa paga, aquando da aquisição do lote de terreno onde foi construído o imóvel alienado.
Assim, para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a imposto, os valores de aquisição e realização a considerar, são os constantes no quadro seguinte, procedendo-se à imputação do valor de realização na mesma proporção do valor de aquisição:
Uma vez que, entre a data da aquisição e a data da alienação ou afetação decorreram mais de 24 meses, o valor de aquisição será corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda em vigor nos anos em causa (portaria 362/2019 de 09 de outubro), conforme estipulado no artigo 50º do CIRS.
Desta transmissão apura-se uma mais-valia de € 457.820,73, obtida no exercício de 2019, determinada nos termos dos artigos 44º. 45º, 50º e 51º do CIRS, conforme a seguir se demonstra, a qual será tributada à taxa de 25% prevista no n.º 4 do artigo 87º do CIRC.
Face ao exposto, o sujeito passivo, entidade não residente sem estabelecimento estável, estava obrigado à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, no prazo de 30 dias após a transmissão, conforme estipulado na alínea b) do n.º 5 do artigo 120º do CIRC, ou seja, até 12/07/2019.
L) A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária nos termos que constam do documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
M) Embora discordasse das conclusões preliminares sustentadas pela DFF, em 22-04-2020, a Requerente submeteu a declaração Modelo 22 (autoliquidação) de IRC com o n.º 2019- ... (...), com o valor de € 111.435,01 e da IES-Anexo E relativamente à alienação do imóvel, tendo feito o pagamento respectivo (documentos n.ºs 2 e 21 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
N) A Administração Tributária manteve o projecto de Relatório da Inspecção Tributária na redacção final, acrescentando, sobre o exercício do direito de audição, o seguinte:
X - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo e o seu representante fiscal foram notificados através de carta registada, oficios nºs ... e ..., ambos de 20/03/2020, do projeto de conclusões do relatório de inspeção, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias exercer o direito de audição
Em 23/04/2020, foi remetido, via e-mail, o direito de audição apresentado pelo sujeito passivo, bem como os comprovativos de entrega, ocorrida em 22/04/2020, da IES e da declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2019 assim como do pagamento, efetuado em 23/04/2020, do imposto apurada naquela declaração aferindo-se que o sujeito passivo procedeu à regularização voluntária do montante de € 445 740,03, pelo que o valor das cerrações a efetuar serão de € 12.080,70, resultante da diferença entre o montante apurado pela AT e o declarado pelo sujeito passivo, conforme devidamente explanado nos capítulos III e VI do presente relatório final.
Acresce referir que no seu e-mail, o sujeito passivo corrobora o sentido do presente relatório, na medida em que por uma questão declarativa (IES) não é possível proceder ao apuramento da mais-valia obtida pela AT.
Considerando o teor do direito de audição, importa referir que, de acordo com o nº 10 do artigo 7º da Lei Nº 1-A/2020, de 19/03, alterada pela Lei nº 4-A/2020 de 6/04, a suspensão dos prazos não é aplicável aos procedimentos inspetivos.
O) Posteriormente, a Requerente foi notificada da liquidação que consta do documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, com o n.º 2020..., bem como da liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 3.575,09 e da liquidação de juros de mora n.º 2020..., no valor de € 72,57;
P) Em 23-04-2020, a Requerente apresentou a reclamação graciosa que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
Q) A reclamação graciosa não foi decidida até 17-02-2021, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.
Não há controvérsia quanto à matéria de facto.
3. Matéria de direito
A Requerente é uma pessoa colectiva não residente que vendeu em 2019 um imóvel construído num terreno adquirido em 1988 em que foi construído um edifício.
A Requerente não apresentou documentos relativos às despesas suportadas com a construção do imóvel.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente tinha a obrigação de apresentar documentos relativos ao custo da construção do imóvel e que houve mais-valias tributáveis porque, em suma, que «o imóvel foi construído pelo sujeito passivo, pelo que, não existindo outros elementos disponíveis, o valor de aquisição corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz à data de ocupação do mesmo (€ 94.272,80), bem como ao acréscimo resultante da inscrição do prédio por alteração de áreas [€ 15.712,14 (€ 109.984,94 - € 94.272,80)].»
A Requerente defende, em suma, que não houve qualquer ganho sujeito a tributação a título de mais-valias, por a situação se enquadrar na delimitação negativa incidência de IRS prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro, por o custo de aquisição, dever ser o custo histórico do imóvel registado na sua contabilidade e não estar obrigada a manter documentação após um período de 10 anos.
Defende ainda a Requerente que o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira viola a proibição de obstáculos à livre circulação de capitais na União Europeia, por discriminar negativamente sociedades não residentes.
3.1. Questão da aplicação da na delimitação negativa incidência de IRS prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro
O artigo 5.º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 5º
Regime transitório da categoria G
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.
(Redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Julho)
(...)
A Requerente defende que a situação se enquadra nesta norma por o terreno ter sido adquirido em 1988 e nesse ano iniciada a construção, antes da entrada em vigor do CIRS.
Como bem defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, esta norma aplica-se a IRS e não a IRC.
Embora relativamente a pessoas colectivas não residentes a determinação da matéria tributável seja feita com aplicação das regras do IRS (artigo 56.º do CIRC), a tributação faz-se a título de IRC e não IRS.
De resto, a razão que justifica aquela delimitação negativa de incidência relativa a «ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias» não vale em relação às empresas, pois quanto a estas o Código do Imposto de Mais Valias já previa a incidência do imposto sobre a «transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de elementos do activo imobilizado das empresas ou de bens ou valores por elas mantidos como reserva ou para fruição» (n.º 2.º do artigo 1.º).
Para além disso, como diz a Requerente n artigo 67.º do pedido de pronúncia arbitral, à data da entrada em vigor do CIRS apenas tinha iniciado a construção e, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 21-10-2015, processo n.º 1339/14, «não se verifica, porém, tal exclusão tributária, se o prédio alienado com mais valia apenas surgiu na esfera jurídica do alienante após a conclusão das obras de edificação, ocorrida após 1 de Janeiro de 1989, obras essas que deram origem a um novo prédio urbano, com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas». ( )
Improcede, assim, este vício invocado pela Requerente.
3.2. Questão da obrigação de conservação de documentos
A Requerente não apresentou documentos comprovativos das despesas com a construção de edifício, apresentando apenas documentos extraídos da sua contabilidade referentes ao custo histórico.
A Requerente defende, em suma, que não é obrigada a conservar os documentos referentes à sua contabilidade durante mais de 10 anos, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que, relativamente a mais-valias, é necessário apresentar os documentos comprovativos dos custos suportados, mesmo que há mais de 10 anos.
O CIRC, nas redacções anteriores à Lei n.º 28/2019, de 15 de Fevereiro, previa o prazos máximos de obrigação de documentos de suporte da contabilidade, prazo esse que foi de 10 anos, com excepção do período entre as entradas em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, em que o prazo foi de 12 anos (artigos 98.º, n.º 5, na redacção inicial, a que correspondeu o artigo 115.º, n.º 5, na renumeração do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, e o artigo 123.º, n.º 4, renumeração do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho).
Como entendeu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 08-11-2006, processo n.º 0244/06, «não tendo o contribuinte apresentado quaisquer elementos justificativos dos valores considerados como valores de aquisição de imóvel, alegando que já não os possuía "pelo decurso do tempo", não pode a Administração Fiscal concluir que aquele não fez a prova dos elementos que compõem o respectivo valor de aquisição, designadamente daqueles que sejam diferentes do preço propriamente dito e levar em consideração o valor constante da escritura para efeito de cálculo de menos/mais-valias».
Trata-se de um acórdão proferido pelo Pleno, com fundamento em oposição de acórdãos, tendo em vista uniformização de jurisprudência, que foi votado por unanimidade, pelo que não se justifica que a jurisprudência não seja acatada.
De resto, posteriormente, o Supremo Tribunal Administrativo manteve este entendimento, nos acórdãos do STA de 19-11-2014, processo n.º 056/14, e de 30-01-2019, processo n.º 217/12.5BELLE 01245/17, explicitando que o prazo de 10 anos se conta da data da inscrição na contabilidade.
No caso em apreço, como resulta da matéria de facto fixada, o valor contabilístico do prédio mantém-se desde 2006, pelo que em 2019 a Administração Tributária não podia exigir a apresentação dos documentos de suporte da inscrição do valor na contabilidade, sendo de presumir verdadeiro este valor, por força do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT.
Pero exposto, conclui-se que a autoliquidação e as posteriores liquidações de IRC, de juros compensatórios e de juros de mora, que têm como pressuposto um valor diferente do contabilístico para efeito de cálculo de mais-valias, enfermam de vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Do mesmo vicio enferma o indeferimento tácito da reclamação graciosa.
3.3. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da autoliquidação e das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.
4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios
Em 22-04-2020, a Requerente pagou as quantias liquidadas e pede a devolução do imposto pago, acrescido dos juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 118.102,84.
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira pois foi esta que as emitiu por sua iniciativa.
O facto de ter ocorrido autoliquidação antes da liquidação de IRC, em que a Requerente indicou os valores que lhe serviram de base, não altera a imputabilidade do erro à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta quem indicou os pressupostos da liquidação no projecto de Relatório da Inspecção que enviou à Requerente. Trata-se de uma situação, por paridade ou mesmo maioria de razão se enquadra no n.º 2 do artigo 43.º da LGT.
Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 22-04-2020, data em que a Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa e a autoliquidação de IRC efectuada com base na declaração n.º 2019-...-..., bem como a liquidação de IRC n.º 2020 ... que confirmou a autoliquidação e as liquidações de juros compensatórios e de mora n.ºs 2020 ... e 2020..., respectivamente;
C) Julgar procedente o pedido de restituição da quantia de € 118.102,84 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar esta quantia à Requerente;
D) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referido no ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 118.102,84.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 01-09-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
Eva Dias Costa
(José Luís Ferreira)