Sumário: O direito à dedução do IVA a exercer pelos sujeitos passivos mistos tem de ser efetuado em função da opção por um dos métodos previstos no artigo 23.º do CIVA, em ordem a garantir o princípio da neutralidade, princípio estruturante do sistema comum do IVA. Os elementos a incluir na fração prevista do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA têm de resultar diretamente da letra da lei ou de instrumento normativo previamente criado e divulgado, em geral, aos contribuintes e, por maioria de razão, aos sujeitos passivos destinatários da sua aplicação.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A CÂMARA A..., com o número de identificação fiscal ..., e com sede em ..., ...-... ... (doravante designada por Requerente ou Município), veio requerer a constituição de Tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), com vista à apreciação da legalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º..., no valor de € 48.797,01, e resultante de um procedimento de inspeção tributária aos períodos de tributação do ano de 2019.
2. No presente processo arbitral é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou por AT), porquanto, na relação jurídica tributária detém a posição de sujeito ativo, tendo os seus serviços de inspeção tributária territorialmente competentes, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 0I2020..., procedido à realização de uma ação de inspeção, em consequência do pedido de reembolso de IVA efetuado pela Requerente na declaração periódica do período de tributação de IVA de dezembro de 2019.
3. A Requerente considera que a correção efetuada pela AT se traduziu numa diminuição do crédito de imposto apurado na declaração periódica de IVA do mês de dezembro de 2019, e que consubstancia uma violação grave do direito à dedução do imposto, por inobservância do princípio da neutralidade, princípio estruturante do IVA.
4. A Requerente é uma pessoa coletiva de direito público, cuja atividade consiste na prossecução das suas atribuições municipais nas mais diversas áreas de atividade, encontrando-se enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal.
5. Na prossecução das suas atribuições, a Requerente realiza um vasto conjunto de operações económicas, de entre as quais se destacam:
• Operações não sujeitas, inseridas no âmbito dos seus poderes de autoridade (vg. construção e reparação de estradas municipais, saneamento, iluminação pública);
• Operações sujeitas, que se desagregam entre operações tributadas em IVA (vg. distribuição de água) e operações isentas de IVA (vg. locação de imóveis, habitação social, serviços de remoção de lixo).
6. O acervo de receitas auferidas pela Requerente não se esgotam no exercício destas atividades; obtém, ainda, receitas não decorrentes do exercício de uma atividade económica, concretamente, transferências do Orçamento do Estado e Impostos diretos (vg. IMI e Imposto único de circulação).
7. A Requerente salienta que os recursos afetos à obtenção deste último tipo de receitas são residuais ou praticamente inexistentes, pelo que, de harmonia e em coerência com o procedimento que adotou nos últimos anos, para apurar o valor total do IVA dedutível em relação à aquisição efetuada em 2019 de bens e serviços de utilização mista adotou o método da percentagem (pro rata) previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA. Através deste método determinou um pro rata de 38%, que aplicou ao IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, tendo apurado um adicional de IVA dedutível no valor de € 58.136,14, valor que foi incluído no campo 40 da declaração periódica de dezembro de 2019, e concorreu para o valor do reembolso de IVA solicitado pela Requerente.
8. Em resultado do pedido de reembolso de IVA efetuado pela Requerente na declaração periódica de IVA do mês de dezembro de 2019, a AT desenvolveu um procedimento de inspeção tributária, no âmbito do qual fez as correções seguintes:
• Correção do pro rata apurado pela Requerente. Através da inclusão de todas as rubricas do balancete no cálculo do denominador do pro rata, o qual denominou de “pro rata específico”, a AT calculou a percentagem de dedução dos inputs mistos de 6,17%, ao invés do pro rata de 38% calculado pela Requerente. Esta diferença no pro rata implica uma diferença no IVA no valor de € 41. 642,01;
• A inspeção tributária identificou um erro numa correção a favor do Estado efetuada pela Requerente. A AT considerou que o IVA deduzido referente a serviços adquiridos ao fornecedor B..., S.A. diz respeito a uma atividade de redes de abastecimento de água, ou seja, uma atividade com liquidação de IVA, e como tal o sujeito passivo tem direito à dedução integral desse IVA incorrido, no valor de € 7.155,00.
9. Deste modo, das correções efetuadas pela AT, a Requerente considera a correção referente à alteração do pro rata ilegal, pelo que reclama a anulação da mesma e a restituição do valor de € 48.797,01 (41.642,01 + 7.155,00).
10. A Requerente alega não compreender a correção ao pro rata efetuada pelos serviços de inspeção da AT, porquanto nos anos anteriores foi este o método utilizado no cálculo do IVA dedutível com referência ao IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, e a situação foi validada pela AT em ação de inspeção tributária motivada por pedido de reembolso na declaração periódica de dezembro de 2015, sendo que a análise inspetiva, em concreto, acabou por ser extensiva aos períodos tributários compreendidos entre junho de 2013 a dezembro de 2018. A Requente entende que este novo entendimento da AT consubstancia uma violação do princípio da boa-fé e da proteção da confiança.
11. De acordo com a fundamentação contante do relatório do procedimento de inspeção tributária, a correção ao valor do pro rata resulta do facto da AT considerar que todos os valores relativos a outputs se referem à atividade desenvolvida pela Câmara Municipal, tanto as operações fora do campo do imposto, como as operações exercidas dentro das prerrogativas da autoridade, as operações sujeitas e tributadas e as operações sujeitas e isentas sem direito à dedução.
12. Por esta razão, a AT entende que no denominador da fração a que refere o n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA devem constar as rubricas dos outputs decorrentes das suas operações ativas (relevadas contabilisticamente sob a forma de rendimentos/proveitos) e não apenas as operações efetuadas no âmbito da atividade económica, uma vez que só assim será possível garantir a neutralidade do imposto, princípio estruturante do sistema comum do IVA.
13. Ou seja, a AT entende que no caso das Câmaras Municipais há lugar à adoção de um “pro rata específico”, no qual se inserem no denominador todas as receitas do município, inclusive as que não advém de uma atividade económica.
14. A Requerente não concorda com o entendimento da AT, designadamente, em relação às receitas a incluir no denominador da fração do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, que na sua opinião devem apenas ser incluídas as receitas conexas com o exercício de uma atividade da natureza económica.
15. Para sustentar a sua posição a Requerente faz menção às posições do Grupo de Trabalho sobre “A dedução do IVA pelos sujeitos passivos que exercem atividades que conferem direito à dedução e atividades que não conferem esse direito”, cujo relatório final, por despacho de 07.02.2007 do Diretor-Geral dos Impostos foi publicado na revista “Ciência e Técnica Fiscal, n.º 419, Julho-Dezembro, 2006. A propósito da composição dos elementos da fração para determinar o pro rata das Autarquias Locais, a Requerente refere ainda o ofício n.º 61137, de 09.07.1987, outrossim, o Oficio-Circulado n.º 30103, de 23.04.2008, e ainda o teor da informação vinculativa n.º 10101, de 21.06.2016.
16. A Requerente salienta que, ao contrário do que a AT refere, não pretende aplicar o método de dedução do pro rata calculado nos termos do artigo 23.º do Código do IVA à dedução de imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica e também afetos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica. Realça que a sua opção passa por aplicar a referida percentagem de dedução (pro rata) a recursos afetos a atividades económicas (considerando a completa imaterialidade da sua afetação a operações não económicas).
17. A Requerente destaca que as atividades não económicas por si realizadas, conforme é possível verificar pelos proveitos auferidos pelo Município, as mesmas circunscrevem-se aos fundos transferidos pelo Orçamento do Estado e a impostos diretos (vg. Imposto Municipal sobre Imóveis, Derrama) e sublinha que pela análise do Relatório de Inspeção Tributária se verifica que, em nenhum momento, a AT identifica quais são as operações não económicas realizadas pela Requerente
18. A Requerente entende que é manifestamente ilegal, ao arrepio do que pretende a AT, a aplicação de um “pro rata específico” (calculado com base no volume de negócios e considerando no denominador todas as receitas do Município, incluindo as não decorrentes de uma atividade económica), aos recursos mistos, ainda que os mesmos sejam afetos a atividades não económicas.
19. Isto é, a Requerente, diz não poder acolher o entendimento da AT no sentido de que a neutralidade do IVA se cumpre não com a afetação real prévia, seguida de um pro rata (como efetuou o Município), mas sim através do cálculo de um pro rata que integre no denominador os proveitos relacionados com atividades não económicas, atropelando a legislação, a jurisprudência e a doutrina europeia e portuguesa.
20. A Requerente alega que a mudança de entendimento da AT entre o enquadramento dada à matéria nos períodos de tributação dos anos de 2015, 2017 e 2018, e o novo enquadramento dado à mesma matéria no ano de 2019, traduz uma clara violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.
21. Sobre a violação destes princípios, a Requerente faz extensa referência a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem com de jurisprudência arbitral, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida e para a qual se remete.
22. Por fim, a Requerente considera que o pagamento dos reembolsos de IVA, nos montantes apurados nos anos anteriores pelo Município, após devidamente inspecionados pela AT, criaram na Requerente a expectativa legítima de que o procedimento de cálculo da dedução do imposto suportado, até então levado a cabo pelo Município, é o correto em face do quadro legislativo português, o que determinou a adoção da mesma metodologia para o ano de 2019.
23. E que tendo o Município atuado em conformidade com o procedimento seguido nos anos anteriores, de acordo com a interpretação que fez, de boa-fé, não pode a AT atuar de forma diferenciada, penalizando o Município pela adoção de um procedimento por si já acolhido e sancionado múltiplas vezes.
24. Nesta conformidade, a Requerente conclui que o pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado procedente e o Tribunal determinar a anulação do ato de liquidação adicional de IVA supra identificado, com os subsequentes efeitos legais.
25. Em 03.09.2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, em 08.09.2020, foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, em 30.12.2020 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
26. Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
27. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, em 23.11.2020 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral, sendo relevante referir que, para efeitos de cômputo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, importa considerar a suspensão de prazos ocorrida nos termos do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, e do artigo 4.º desta Lei e do artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril.
28. Em 23.11.2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada do despacho arbitral, no sentido de apresentar resposta ao pedido formulado pela Requerente, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT. Em 11.01.2021, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e, outrossim, o respetivo processo administrativo, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos.
29. A Requerida na sua resposta pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a inerente manutenção da correção de IVA no período de tributação de dezembro de 2019, no valor de € 48.797,01, resultante da aplicação do “pro rata específico” de 6,17% ao montante de IVA suportado pela Requerente nos inputs de utilização mista, porquanto, só assim será possível garantir a neutralidade do imposto, princípio estrutural do sistema comum do IVA. A posição da Requerida assenta nos fundamentos infra enunciados.
30. A Requerida considera que o Município é uma pessoa coletiva de direito público que presta diferentes serviços municipais ao abrigo do previsto no Decreto-Lei n.º 305/2009, de 23 de outubro. No âmbito das suas funções não é considerado sujeito passivo relativamente às atividades ou operações que exerça na qualidade de autoridade pública, mesmo quando, no âmbito dessas atividades, cobre direitos, taxas, quotizações ou remunerações, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA. Simultaneamente, pratica operações sujeitas a imposto e dele não isentas, tais como a distribuição de água e operações sujeitas a imposto, embora isentas nos termos do artigo 9.º do Código do IVA. Neste sentido, trata-se de um sujeito passivo misto porque, no âmbito da sua atividade, realiza simultaneamente operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem direito à dedução. Para este tipo de sujeitos passivos o direito à dedução é parcial, porquanto, apenas podem deduzir o imposto suportado para a realização das operações que lhe conferem direito à dedução, isto é, as operações tributadas e as isentas com direito à dedução.
31. A Requerida salienta que as regras quanto ao exercício do direito à dedução na aquisição de bens e/ou serviços de utilização mista encontram-se vertidas no artigo 23.º do Código do IVA. E de acordo com estes normativos o sujeito passivo deve:
• Aplicar o método da afetação real ao abrigo da alínea a) do seu n.º 1 - aplicação obrigatória no caso de bens e/ou prestação de serviços parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica.
• Para aplicação desta metodologia, deve escolher um critério tão objetivo quanto possível de molde a refletir a afetação das despesas comuns às atividades económicas e às não económicas e fora do campo da incidência, com vista a apurar-se o imposto não dedutível afeto às atividades não económicas e não sujeitas a imposto (n.º 2);
32. A Requerida salienta que, no caso de recursos de utilização mista parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes de uma atividade económica, a determinação do montante de IVA não dedutível relativo a estas operações não pode ser efetuada segundo o método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (que pode ser aplicado, facultativamente, às operações decorrentes de uma atividade económica quando em simultâneo houver operações ativas que confiram o direito à dedução e operações ativas que não confiram esse direito), mas sim segundo o método da afetação real, devendo o sujeito passivo socorrer-se de critérios objetivos que são referidos, a título exemplificativo, no ponto V n.º 1 do Ofício Circulado n.º 30103, de 23.04.2008.
33. E que sobre esta temática deve ser tida em consideração a decisão arbitral proferida no processo n.º 28/2017-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que defende que, de acordo com o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, quando houver bens ou serviços parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes de uma atividade económica, é obrigatório o recurso ao método da afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e/ou serviços em cada uma das atividades (não económicas e económicas), conforme o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
34. Neste sentido, devido à dificuldade de implementação prática de um processo de medida de grau de utilização desses recursos pelas diferentes atividades exercidas pelo Município para medir o grau de utilização de recursos que compõem as despesas comuns afetas a atividades ligadas ao exercício de poderes de autoridade, deverá, à luz do principio da proporcionalidade, adotar-se um critério que reflita tão aproximadamente quanto possível o efetivo consumo das despesas (comuns) por cada tipo de atividade exercida pelo Município. Assim, o imposto suportado nos inputs que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações, a dedução do IVA é efetuada pelo método da afetação real ou pelo método da percentagem de dedução (pro rata).
35. A Requerida destaca que pela análise documental, com base nos elementos contabilísticos disponibilizados e nos procedimentos de inspeção realizados, verificou-se o seguinte:
• Relativamente aos bens e/ou prestações de serviços de utilização exclusiva, sobre os quais procede à respetiva liquidação do IVA (serviços de distribuição de água, ramais de saneamento de água e parcómetros), o Município deduz a totalidade do IVA incorrido/suportado nos inputs associados;
• Relativamente aos bens e/ou prestação de serviços de utilização mista, ou seja, bens e/ou prestação de serviços afetos parcialmente, ao setor de distribuição de água (operações sujeitas a imposto que conferem direito a dedução) e a outros setores não decorrentes do exercício de uma atividade económica (operações que não conferem direito a dedução), o Município aplica o método da afetação real, com base em critérios específicos, designadamente, em função do grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito, ao abrigo do disposto n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA;
• - Relativamente às restantes atividades a dedução é efetuada pelo “método do pro-rata” (O Município chama-lhe pro-rata, mas, na verdade, trata-se de um “pro-rata específico”).
36. A Requerida salienta, ainda, que pela amostragem efetuada, verificou-se que relativamente às despesas com viaturas afetas simultaneamente ao setor de distribuição de água e a outros setores, o grau de utilização considerado pelo Município, foi de 50%, sendo a dedução do IVA efetuada na referida proporção na parte imputada ao setor de distribuição de água. Os registos contabilísticos das operações antes referidas são efetuados ao longo do ano, por ordem de datas, sendo apurado mensalmente, os montantes de IVA dedutível a incluir nas respetivas declarações periódicas.
37. A Requerida na sua resposta refere que, uma vez que os argumentos que sustentam o presente pedido de pronúncia arbitral são os mesmos que o Requerente apresentou em sede de direito de audição prévia, reproduz a apreciação que, quanto aos mesmos, foi efetuada em sede de Relatório Final, o que a seguir se transcreve:
37.1 O Município da A... é uma pessoa coletiva de direito púbico, enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral e que no âmbito das suas competências realiza, a título de operações ativas, operações que estão fora do campo da incidência (por decorrerem do exercício dos seus poderes de autoridade), operações tributáveis no âmbito do imposto e operações isentas de imposto.
37.2 Da panóplia de operações acima referidas existem operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem o direito à dedução e por isso o Município tem que afetar/utilizar simultaneamente ou indistintamente recursos (inputs) a cada uma das operações anteriormente referidas (daí a utilização “mista” dos seus inputs) sendo, por isso, considerado um sujeito passivo misto abrangido pelas regras plasmadas no artigo 23.º do CIVA que estabelece as formas do exercício do direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista.
37.3 Para efeitos de IVA, bens e serviços de utilização mista referem-se àqueles bens e serviços que são utilizados conjuntamente no exercício de uma atividade económica, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, que confere direito à dedução, e no exercício de atividades económicas que não conferem esse direito ou, ainda, conjuntamente com operações fora do conceito de atividade económica.
37.4 O Município refere, no ponto 4.º da sua petição, que apurou montantes de IVA que podem ser deduzidos parcialmente (através da aplicação do método do pro rata) nos recursos de utilização “mista” (i.e., recursos utilizados indistintamente para a atividade do Município como um todo, quer tributada quer não tributada em IVA, comummente designados também por “recursos comuns”).
37.5 E que, (pontos 5.º a 8.º), seguindo o procedimento adotado nos anos anteriores, apurou, no ano de 2019, um pro rata de 38%, percentagem esta que, aplicada ao IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista (€ 152.990,02), resultou num adicional de IVA dedutível no montante de € 58.136,14, montante esse que foi incluído no campo 40 – Regularizações a favor do sujeito passivo, na declaração periódica de dezembro de 2019.
37.6 O cálculo do pro rata do ano de 2019, resultou de uma fração, em que no numerador foi considerado o valor de € 971.688,29, respeitante ao montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução e no denominador foi considerado o valor de € 2.570.516,51, correspondente ao montante anual, imposto excluído, das operações efetuadas decorrentes do exercício de uma atividade económica, pelo que, todas as operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica (Impostos Diretos – IMI, Derrama, imposto único de circulação, Transferências do Orçamento do Estado, entre outros) foram excluídas do cálculo do referido denominador.
37.7 É neste ponto (8.º) da argumentação aduzida pelo Município da A..., que reside a fundamental divergência com estes serviços de inspeção tributária. Isto porque o Município assevera que, para o cálculo da percentagem de dedução aplicada ao imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista, afetos de modo simultâneo e indistinto a operações decorrentes do exercício de uma atividade económica e a operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, utilizou a metodologia ínsita na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA. Todavia, ao assim proceder (erradamente na nossa perspetiva, porque assume um pressuposto de base sem previsão legal) o sujeito passivo (sp) inquina todas as deduções efetuadas com esse ratio que resultou da aplicação de tal metodologia e provoca distorções significativas na tributação. Como tivemos oportunidade de vincar em sede de projeto de relatório, e em reuniões mantidas com os representantes do sp, a metodologia plasmada na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA poderá ser aplicável (porque facultativa, cf. n.º 2 do mesmo artigo 23.º) à dedução de imposto suportado na aquisição de bens ou serviços afetos “à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica”
37.8 Quando estivermos na presença de bens e serviços afetos de modo simultâneo e indistinto a operações decorrentes do exercício de uma atividade económica e a operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, dispõem de forma taxativa, ainda que de forma conjugada, a alínea b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, que a metodologia a adotar será a afetação real dos inputs mistos. E, claramente, o sp não o fez.
37.9 Assim, relativamente aos recursos de utilização mista (recursos utilizados simultaneamente em operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem este direito), o Município procedeu ao apuramento de uma percentagem de dedução (através da aplicação do método do pro rata), calculada com base no volume de negócios das atividades económicas.
37.10 Nos 9.º a 12.º, o Município refere que a correção proposta pela AT, no Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (PRIT), no IVA dedutível no montante de € 48.797,01, resultou da determinação de um “pro rata específico” de 6,17% (ao invés do pro rata de 38% calculado pelo Município), através da inclusão no denominador de todas as rubricas do balancete.
37.11 Acrescenta que, a AT defende que “todas as rubricas relativas a outputs referem-se à atividade desenvolvida pelo Município, tanto as operações fora do campo do imposto, como as operações exercidas dentro das prerrogativas da autoridade, as operações sujeitas e tributadas e as operações sujeitas e isentas sem direito à dedução”.
37.12 Refere ainda que a AT defende que “no denominador devem constar rubricas de outputs decorrentes das suas operações ativas (relevadas contabilisticamente sob a forma de rendimentos/proveitos) e não apenas operações efetuadas no âmbito da atividade económica, pois só assim se garante a neutralidade, princípio estrutural do sistema comum do IVA.”
37.13 Em resumo, a AT “entende que o princípio da neutralidade do IVA apenas se realiza através da aplicação de um “pro rata específico”, no qual se inserem no denominador todas as receitas do Município, inclusivamente as que não advém de uma atividade económica”.
37.14 Confirma-se assim, o que é referido pelo Município no seu direito de audição, pois a AT entende que, todas as rubricas relativas a outputs referem-se à atividade desenvolvida pelo Município, tanto as operações fora do campo do imposto, como as operações exercidas dentro das prerrogativas da autoridade, as operações sujeitas e tributadas e as operações sujeitas e isentas sem direito à dedução.
37.15 A este propósito foi citado no PRIT, a decisão do coletivo dos árbitros do Tribunal Arbitral ao processo n.º 28/2017-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) que defende a inclusão “no denominador, para além das operações tributáveis e operações sujeitas ou isentas sem direito à dedução, as operações fora do campo do imposto e desse modo a diminuir-se o montante de dedução de imposto a nível de inputs”, cf. Ponto mm) pág. 38. Acrescenta ainda aquela decisão que “é convicção deste Tribunal Arbitral que deste modo se está a traduzir tanto quanto possível a realidade…em termos de operações ativas que irá ter consequências na determinação do montante de IVA dedutível a nível dos inputs”.
37.16 Desta forma, a AT entende que será de adotar um critério, na esteira do n.º 2 (in fine) e do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, que reflita tão aproximadamente quanto possível o efetivo consumo dos gastos (comuns) por cada tipo de atividade exercida pelo Município, pois só assim se garante a neutralidade, princípio estrutural do sistema comum do IVA, na exata medida em que o IVA só é dedutível na exata medida em que os gastos que o suportam sejam repercutidos, de forma direta e imediata, nas operações (tributadas) a jusante.
37.17 Claro está que a afetação real pretende aferir uma efetiva imputação ex ante dos recursos mistos, recorrendo a critérios objetivos sendo que, ao invés, a metodologia do pro rata (volume de negócios) afere sobre essa afetação de forma indireta, ou seja, por via do volume de negócios de cada uma das atividades, razão pela qual se remete para o critério da afetação real a imputação de inputs mistos entre atividades económicas (operações) e atividades não económicas (não operações), pois neste tipo de atividades o volume de negócios iria distorcer claramente a aferição de uma percentagem adequada.
37.18 Não obstante, na ausência de outros critérios mais objetivos que reflitam a real afetação das despesas em causa que, nessa medida, até deveria ter em conta a natureza da despesa em si, pode recorrer-se a outras metodologias como será a metodologia tipo “pro rata” (chamado de “pro rata específico”).
37.19 Pelas razões expostas, o “pro rata específico” para o ano de 2019, deverá ser de 6,17% dando origem a um montante de IVA dedutível de € 9.439,48 (€ 152.990,02 x 6,17%), resultando daqui uma correção desfavorável para o Município de € 48.697,01.
37.20 Nos pontos seguintes (13.º a 53.º), o Município descreve os factos pelos quais está em desacordo com o método de cálculo do “pro rata específico” pela AT.
37.21 Refere (ponto 20.º) que, “(n)o Relatório do Grupo de Trabalho – que, relembre-se, serviu de base à alteração do artigo 23.º do CIVA –, citado pelos SIT no PRIT, é referido que “no ofício n.º..., vem divulgado o entendimento de que, para efeitos do cálculo do pro rata a aplicar pelas autarquias locais que não utilizem o método de afetação real, o denominador da fração deverá conter todas as receitas dessas entidades”.
37.22 Conclui (ponto 22.º) que “é notório que a perspetiva em que se sustenta o referido ofício-circulado se encontra absolutamente ultrapassada”.
37.23 Efetivamente no PRIT é citado que, no trabalho denominado de “O Relatório do Grupo de Trabalho: A dedução do IVA pelos Sujeitos Passivos que exercem atividades que conferem direito à dedução e atividades que não confere esse direito”, constante da revista CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL 419, Julho-Dezembro, 2006 refere que nas atividades das autarquias locais “incluem-se, em particular, atividades de interesse geral que não se consubstanciam na realização de operações qualificadas como transmissões de bens ou prestações de serviços, nomeadamente, por não se dirigirem a destinatários certos e identificáveis ou por não terem inerente o recebimento de qualquer correspetivo” (p. 339), não sendo feita qualquer menção ao ofício n.º 61137 de 09.07.1987. Até porque, o citado ofício foi “revogado” pelo Ofício-Circulado n.º 30103 de 23.04.2008, que esse sim, é citado no PRIT.
37.24 Refere (ponto 25.º) que, a informação vinculativa n.º 10101, de 2016.06.21, elucida que «sempre que estiverem em causa receitas obtidas fora do âmbito das atividades enunciadas no citado artigo 2.º n.º 1 alínea a) do CIVA, não podem tais receitas ser consideradas para efeitos do conceito de "operações (…) decorrentes de uma atividade económica" referido no artigo 23.º n.º 4 do CIVA».
37.25 O que se nos afigura aqui referir é que a informação vinculativa n.º 10101, de 2016.06.21, não se aplica ao caso aqui em apreciação.
37.26 No entanto, não é de todo desinteressante recuperar o ponto 21 da citada informação vinculativa onde se assevera de forma diáfana que o pro rata referido no artigo 23.º do CIVA “é de aplicação exclusiva às operações decorrentes de uma atividade económica”. E aí sim, como diz o ponto 22 da mesma ficha doutrinária, o “denominador da fração, não inclui as operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica”. Correndo o risco de sermos fastidiosos na argumentação aduzida em réplica, porque à saciedade já o expressamos, recuperemos mais uma vez aquilo que o sp fez (e pretende, aparentemente, continuar a fazer): a utilização desta mesma metodologia e forma de cálculo e percentagem daí resultante, à dedução de imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica e também afetos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica. Em contradição com a letra e espírito do artigo 23.º do CIVA e das orientações/esclarecimentos emanada pelos serviços da AT.
37.27 Refere (ponto 26.º) que, as atividades não económicas realizadas pelo Município, conforme se pode verificar nos proveitos auferidos pelo Município, as mesmas circunscrevem-se, unicamente, aos fundos transferidos pelo Orçamento do Estado e a impostos diretos (e.g. Imposto Municipal sobre Imóveis, Derrama).
37.28 Nos pontos 29.º e 30.º, refere o Relatório do Grupo de Trabalho (págs. 339 e 340), “no caso das receitas oriundas de impostos cobrados pelas autarquias locais ou cobrados por conta e entregues a estas, as mesmas não são, de modo algum, o sinalagma das atividades acima mencionadas nem de quaisquer operações económicas efetuadas, assim como não constituem a contrapartida dos eventuais recursos afetos pelas autarquias à respetiva cobrança. Deste modo, tratando-se de receitas que não representam a contraprestação de quaisquer operações, os inputs afetos pelas autarquias locais ao lançamento e cobrança de impostos não permitem o direito à dedução do correspondente IVA. Além disso, os montantes cobrados não podem ser considerados para efeitos do cálculo do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, pelo que os custos inerentes ao lançamento e cobrança devem ser objeto de uma afetação real total” e (pág. 341) que “no caso das transferências de fundos provenientes do Orçamento do Estado, os respetivos montantes não correspondem também a contraprestações destinadas a remunerar quaisquer operações realizadas pelas autarquias. Nestes casos, parecendo até de admitir, à partida, que poucos ou nenhuns inputs sejam afetos pelas autarquias locais à obtenção de tais transferências, para além da sua exclusão do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, tudo leva a crer que da adoção do método da afetação real possa resultar o não apuramento de qualquer IVA insuscetível de vir a ser deduzido.
37.29 Compreende-se que, num cenário em que todas as atividades desenvolvidas são operações sujeitas a IVA, ainda que dele isentas, os recursos relacionados com transferências orçamentais e impostos/taxas não influenciem o denominador do pro rata que usa, como critério, o volume de negócios das entidades.
37.30 Como se deverá compreender também, a mesma lógica de raciocínio já não deverá imperar quando as operações da entidade abrangem atividades (não económicas) consumidoras de recursos com IVA mas financiadas pelas referidas transferências.
37.31 Referindo no ponto 31.º que, este foi o entendimento da AT nas inspeções realizadas nos anos anteriores, ou seja, que os recursos utilizados para as atividades não económicas são irrisórios.
37.32 Nos pontos 32.º a 36.º, o Município descreve o disposto no artigo 23.º do Código do IVA, resumindo, nos pontos 37.º e 38.º, que “quando um recurso é utilizado indistintamente para atividades económicas e não económicas, a imputação desse recurso às atividades não económicas (proporção não dedutível) tem que ser efetuada pelo método da afetação real através de um critério objetivo aplicado previamente.
37.33 Uma vez expurgada a proporção do recurso afeta a operações não económicas (afetação real prévia), pode ser aplicado o pro rata de dedução (ou seja, apenas à proporção do recurso afeto a operações económicas)”.
37.34 Nos pontos 39.º, 40.º e 41.º da sua petição, traz à colação, relativamente ao descrito nos pontos anteriores, o referido no capítulo V (n.ºs 1 e 2) e capítulo VI (n.º 3) do Ofício-Circulado n.º 30.103, de 23 de abril de 2008.
37.35 Conclui (ponto 42.º) que é ilegal, como pretende a AT, a aplicação de um pro rata “específico” (calculado com base no volume de negócios e considerando no denominador todas as receitas do Município, incluindo as não decorrentes de uma atividade económica), aos recursos mistos afetos a atividades económicas e não económicas.
37.36 A este propósito cite-se a decisão do coletivo dos árbitros do Tribunal Arbitral no processo n.º 28/2017-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) “A questão que se levanta é se este pro rata de dedução cumpre o estabelecido na legislação europeia e está de acordo com a orientação da jurisprudência do TJUE quando se está perante situações em que o sujeito passivo afeta inputs a atividades económicas e não económicas” (cf. ponto gg, pág. 37). “De facto, como ficou provado, é entendimento do TJUE que quando se estiver perante situações de utilização mista de recursos em que o sujeito passivo utiliza recursos afetos a atividades económicas e não económicas, não se deve utilizar o método pro rata como vem definido nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva mas sim outros métodos a serem definidos pelos Estados Membros” (cf. ponto hh, pág. 37). “É preciso ter em mente que para situações em que um sujeito passivo utiliza inputs afetos a atividades não económicas e/ou não sujeitas a IVA, o montante de IVA incorrido/suportado nos inputs afetos a essas atividades jamais (sublinhado nosso) poderá ser deduzido porque, caso o seja, está-se a violar quer o disposto na alínea) a) do n.º 1 do artigo 20.º quer o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 23.º, ambos do CIVA” (cf. ponto ii, pág. 37).
37.37 Porque nos parecem translúcidas as doutas palavras transcritas, e na linha com a posição da AT plasmada em PRIT e ora em RIT confirmada, abstemo-nos de tecer qualquer comentário.
37.38 Nos pontos 43.º a 47.º, é referido que, no caso concreto do Município A..., os recursos afetos às atividades não económicas por parte do Município são praticamente inexistentes, pelo que da aplicação da afetação real, nos termos do Código do IVA, resulta um apuramento de IVA insuscetível de dedução irrisório.
37.39 Mais, considerando que a obtenção das receitas com impostos e transferências de fundos (atividades não económicas) apenas implica da parte do Município a realização dos respetivos lançamentos contabilísticos, recursos estes que são manifestamente irrisórios (além de que envolvem maioritariamente custos com pessoal não sujeitos a IVA), e num espírito de simplificação, a afetação real prévia desses custos nunca foi tida em conta nem pelo Município nem pela AT.
37.40 Mas tal não pode ter como consequência a consideração de um pro rata global, apesar de denominado de “específico”, aglomerando todas essas rúbricas.
37.41 A este propósito, cita o que defende o Tribunal Arbitral no processo n.º 297/2016-T, “não poderia, porém, a AT impor uma correção com base na aplicação de pro rata global, o que consubstancia uma ilegalidade das correções efetuadas e subsequentes liquidações, nos termos dos artigos 23.º n.ºs 1 e 2 do Código do IVA”, tendo o referido tribunal citado o Ofício-Circulado n.º 30.103, de 23 de abril de 2008.
37.42 Assim, por forma a ir ao encontro da pretensão dos SIT quanto à consideração da componente das atividades não económicas, o Município só pode aceitar, tal como previsto no Código do IVA, que as mesmas sejam consideradas através da aplicação de uma afetação real prévia.
37.43 Importa desde já referir que, no Processo n.º 297/2016-T, de 10.01.2017, do Tribunal Arbitral, que foi citado, é apreciada uma situação inversa á que aqui está em análise. Trata-se de um sujeito passivo misto que utilizou no direito à dedução do IVA o método da afetação real e no entender da AT, não foram adotados critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito. Desta forma, a AT colocou em causa o procedimento levado a cabo pelo sujeito passivo, tendo proposto correções utilizando o método de dedução pro-rata, dado entender que este método de dedução, seria mais compatível com a atividade exercida pelo sujeito passivo.
37.44 O Município acrescenta no ponto 48.º que, relativamente às receitas afetas a operações não económicas, apenas realiza lançamentos contabilísticos, devendo este método ser aplicado como um critério de afetação real objetivo e que demonstra os recursos (mínimos) que são afetos a estas atividades e que (ponto 49.º) considerando a totalidade dos lançamentos contabilísticos do Município no ano de 2019, nota que dos 11.752 lançamentos efetuados, apenas 161 (ou seja, 1,37 %) estão relacionados com atividades não económicas – cf. Documento 2.
37.45 Nos pontos 50.º a 53.º é referido que na sequência do anteriormente exposto, a afetação real prévia do Município cifra-se em 98,63%, afirmando ser essa a proporção dos recursos mistos afetos a atividades económicas e, consequentemente, suscetíveis de aplicação do pro rata de dedução.
37.46 Pelo que, em termos práticos, relativamente aos recursos mistos e considerando o pro rata de 2019, calculado nos termos do n.º 4 do artigo 23º do Código do IVA, de 38%, então o Município tem direito a deduzir 37,48% do IVA afeto a recursos mistos (98,63 x 38%).
37.47 O Município quer assim demonstrar que a correção proposta pelos SIT de € 48.797,01 se mostra desprovida de qualquer base legal e que apenas entende como legal a realização de uma correção relacionada com a aplicação de uma afetação real prévia nos moldes antes descritos (o que levaria a uma correção de cerca de 780 EUR).
37.48 Sobre o supra exposto, retiramos as seguintes conclusões:
• O Município procurou socorrer-se de dados que possibilitassem uma métrica do grau de utilização dos recursos comuns;
• Com efeito, relativamente aos recursos de utilização “mista” ou “recursos comuns”, cujo IVA incorrido o Município pretende agora deduzir com base num novo critério, o número de lançamentos contabilísticos, relativos às operações não económicas, alegando que os recursos afetos a estas atividades são praticamente inexistentes;
• Contudo, o método da afetação real opera ao nível dos inputs, das aquisições, do destino e consumo nas atividades económicas – mede o grau de utilização dos custos comuns;
• A título de exemplo, a construção ou pavimentação de uma via pública: se a jusante a transferência de valores do Estado para o Município é passível de registos lineares e em menor número, podendo consumir menos horas de recursos humanos, tal não se verifica a montante - consumos diretos relativos ao dossier de concurso público, projetos de arquitetura, engenharia e outras especialidades, caderno de encargos, análise de candidaturas, processo de adjudicação, fiscalização e autos de medição, consumos de matérias-primas (tout-venant, betuminosos, manilhas, caleiras, grelhas, custos administrativos diretos), bem como, consumos indiretos (tramitação jurídica, publicações obrigatórias, divulgação no boletim mensal, consumos administrativos indiretos) – no entanto, os valores financeiros equilibram-se entre despesa e receita;
• Ou seja, verifica-se que os outputs financeiros suportam um conjunto alargado de gastos diretos e também comuns, constituindo uma unidade económica no seu todo, sendo a montante que representa um maior grau de utilização de recursos;
• Nesse sentido, os indicadores trazidos nesta fase pelo SP, não comprovam a determinação da realidade objetiva de consumo de gastos comuns em presença, não garantindo a não distorção em sede de dedução de imposto.
38. Feita a análise das peças processuais das Partes – pedido de pronúncia arbitral e resposta da Requerida –, atenta a prova produzida e a natureza da matéria controvertida, que o Tribunal considerou ser suficiente para a decisão, por despacho de 03.03.2021, o Tribunal decidiu: i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; ii) determinar que o processo prosseguisse com alegações, o que veio a acontecer, por parte da Requerente em 23.03.2021, não tendo a Requerida produzido alegações.
39. No referido despacho arbitral foi ainda determinado que, no prazo de 30 dias após a apresentação das alegações ou do termo do respetivo prazo, seria proferida a decisão arbitral. Porém, por razões inerentes à necessidade de fazer uma adequada gestão de prioridades dos processos pendentes, por força da suspensão dos prazos processuais, o Tribunal, em 02.08.2021, proferiu um despacho a determinar que a decisão arbitral seria proferida até ao dia 09 de agosto de 2021.
40. Nas alegações produzidas, a Requerente reforça os argumentos explanados no pedido de pronúncia arbitral e reafirma o pedido de procedência do seu pedido arbitral, fazendo ainda referência às decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais n.ºs 248/2015-T, 14/2018-T e 22/2018-T.
II. SANEAMENTO
41. O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).
42. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
43. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
44. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.
III - FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1 Factos provados
45. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
45.1 Em relação ao ano de 2019 e, por aplicação dos normativos da alínea b) do n.º 1, e do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, o Município procedeu ao cálculo do pro rata do ano de 2019 (38%), o que deu lugar à determinação adicional de IVA dedutível no valor de € 58.136,14.
45.2 Este valor foi inscrito no campo 40 da declaração periódica do IVA – Regularizações a favor do sujeito passivo – do mês de dezembro de 2019.
45.3 O pedido de reembolso foi parcialmente indeferido, tendo sido o Município alvo de um procedimento de inspeção tributária, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 0I2020..., o qual deu lugar à elaboração do relatório final da ação de inspeção tributária, notificado à Requerente, em 14.05.2020, através do ofício n.º..., dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... .
45.4 Através do ofício n.º..., de 26.05.2020, da Direção de Serviços do IVA, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IVA, no valor de € 41.642,01, referente ao período de tributação do mês de dezembro de 2019.
45.5 No procedimento de inspeção tributária, os serviços de inspeção tributária identificaram uma correção a favor do sujeito passivo, no valor de € 7.155,00, o que, conjuntamente com o valor da liquidação adicional, perfaz o valor total de € 48.797,01.
45.6 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 02.09.2020.
III.1.2 Factos não provados
46. Não existem quaisquer factos não provados que relevem para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, no acervo de documentos integrantes do processo administrativo, e em factos não questionados pelas partes.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
47. O artigo 23.º do Código do IVA consagra o princípio de que os sujeitos passivos devem proceder à imputação direta (afetação real) do IVA suportado nas compras às operações ativas que realizem e que conferem, ou não, o direito à dedução do IVA. Os sujeitos passivos devem procurar imputar as operações passivas às operações ativas da forma mais rigorosa possível, de forma a dar cumprimento ao princípio da neutralidade fiscal, ou seja, a se poder deduzir unicamente o IVA suportado para a realização de operações que conferem direito à dedução.
48. O direito à dedução é fundamental quanto à garantia da neutralidade do imposto quanto à igualdade de tratamento fiscal. Este direito visa que o sujeito passivo se liberte totalmente do ónus do IVA devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas. Este direito não pode ser limitado e deve ser exercido imediatamente em relação a todo o imposto que incida sobre as operações efetuadas a montante, tem incidência no nível de encargo fiscal e deve aplicar-se igualitariamente em todos os Estados membros. Só são permitidas as derrogações expressamente previstas na Diretiva IVA. O direito à dedução deve ser exercido em relação à totalidade do encargo fiscal que incidiu sobre as operações efetuadas a montante e opera pelo denominado método de crédito de imposto.
49. Nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva IVA, os sujeitos passivos, para efeitos do respetivo exercício do direito à dedução do imposto suportado, podem optar por aplicar o método do pro rata ou pelo método da afetação real. É neste ponto que o tratamento do IVA quanto às entidades públicas levanta grande complexidade. O pro rata é um mecanismo corretor do direito à dedução, o imposto só é dedutível apenas na percentagem respeitante ao montante anual de operações que deem lugar a dedução, sendo que este método apenas se aplica relativamente aos bens e serviços dos quais se obtém o montante do imposto, que sejam utilizados pelo sujeito passivo, quer em operações que permitem a dedução do imposto suportado, quer em operações que não concedem o direito de dedução (inputs mistos).
50. Na verdade, existem situações em que os bens e serviços adquiridos são utilizados simultaneamente em operações que conferem direito à dedução e em operações que não permitem a dedução do IVA. Nestes casos, torna-se necessário identificar um critério que permita determinar, com um determinado grau de razoabilidade, a afetação/uso dos recursos na realização de operações que conferem o direito à dedução.
51. Os princípios básicos do direito à dedução estão previstos nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA. O n.º 1 do artigo 19.º, estabelece o princípio da dedução que os sujeitos passivos devem adotar para apurar o imposto devido, informando que o imposto suportado deve ser deduzido. À partida, todo o imposto suportado na aquisição de bens e serviços produtivos, que originem liquidação de imposto, concede direito à dedução, para impedir a não cumulatividade da tributação e assegurar a neutralidade do imposto. No n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, estão previstas várias alíneas, que são apenas concretizações de algumas situações que podem originar imposto, que se pretende que se transforme em imposto dedutível. O artigo 20.º do Código do IVA identifica as operações que conferem o direito à dedução, ou seja, o imposto só é dedutível quando os bens ou serviços têm uma relação direta e imediata com uma ou várias operações indicadas nos normativos deste artigo e exclui o direito à dedução quando os bens e serviços são utilizados em operações diversas. Da aplicação deste artigo resulta a distinção das operações que conferem o direito à dedução e as que não o concedem.
52. Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito, a dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do modo seguinte:
• Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente utilizado na realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º (como por exemplo, o recebimento de dividendos, juros de depósitos bancários), o IVA não dedutível é determinado nos termos do n.º 2, ou seja, devem ser utilizados critérios objetivos para determinar os valores de IVA dedutível (afetação real). Na identificação/utilização destes critérios económicos objetivos deve ter-se em atenção a efetiva utilização/consumo dos bens e serviços, eventualmente, ajustada por algum critério ponderador, de forma a refletir da forma mais fidedigna possível o fim a que os inputs foram destinados pelo sujeito passivo. De outro modo, podem ser introduzidas indesejáveis distorções no seio do direito à dedução do IVA, que não têm acolhimento na génese e na economia do imposto.
• Tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução do IVA, calculada nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.
53. O n.º 2 do artigo 9.º da Diretiva IVA prescreve que se entende por “atividade económica” qualquer atividade de produção de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência. As palavras da Professora Clotilde Celorico Palma , a propósito do conceito de atividade económica, e à luz da jurisprudência do TJUE, permitem-nos concluir que estamos perante um conceito amplo de atividade económica, nele se incluindo, designadamente, os denominados atos preparatórios e as atividades ilícitas, excluindo-se, nomeadamente, a detenção de simples participações sociais. Por outro lado, este conceito tem uma natureza objetiva, sendo irrelevante o fim ou o resultado das atividades desenvolvidas. Acresce que a atividade económica deve ser exercida de forma habitual e a título oneroso. Incumbido às autoridades nacionais apurar casuisticamente se estamos perante uma atividade económica.
54. A neutralidade é uma das principais características do IVA e decorre desde 1967 do Tratado de Roma, e é apresentada como uma vantagem para adoção do IVA e rejeição dos modelos de imposto em cascata. Portanto, este princípio é incluído em todas as Diretivas relativas ao sistema do IVA, mas muitas vezes é invocado pela Comissão para se objetar a legislações dos Estados-membros que são muitas vezes contrárias às regras comunitárias, bem como pelas administrações fiscais e contribuintes dos Estados, tendo sido diversas vezes também chamado à colação pelo TJUE, coligando-o muitas vezes com os princípios da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência.
55. Em relação às atividades desenvolvidas pelas câmaras municipais, a Administração Fiscal emitiu o Ofício-circulado n.º 1742290, de 20.11.1991, de carácter genérico, onde delimitou as várias atividades prosseguidas pelas câmaras municipais, nestas delimita-se as atividades que não estão sujeitas a este imposto, pois, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, são praticadas no âmbito do exercício de poderes de autoridade, das atividades sujeitas a IVA, mas isentas (de acordo com o art.º 9.º CIVA), das atividades sujeitas e não isentas de IVA ou isentas que conferem direito à dedução do imposto, indicando-se a taxa aplicar.
56. Como se acaba de referir, neste Ofício-circulado, enumeram-se as atividades que não estão sujeitas a imposto, as atividades sujeitas, mas isentas, isenção que não confere o direito à dedução do imposto (artigo 9.º do CIVA), e as atividades sujeitas a IVA e não isentas ou isentas conferindo o direito à dedução do imposto, indicando-se, neste caso, quais as taxas a aplicar. O facto deste Ofício se encontrar desatualizado acrescenta alguma complexidade à matéria, pois, as Câmaras Municipais têm grandes dificuldades em percecionar que atividades que poderão inserir no pro rata.
57. O n.º 2 do artigo 2.º do CIVA exclui do âmbito do imposto o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público, além disso, indica requisitos que devem ser respeitados cumulativamente para que se aplique a norma de incidência negativa. Portanto, esta norma aplica-se, em primeiro lugar, quando as atividades são exercidas por um organismo de direito público, em segundo lugar, realizem operações que se insiram no âmbito das normas de incidência, desde que atuem no âmbito dos seus poderes de autoridade pública. Estes conceitos não se encontram definidos na legislação comunitária relativa ao IVA, porém, devido à sua relevância técnica, tem originado diversa jurisprudência para delimitar o seu alcance.
58. O TJUE, no acórdão de 26 de março de 1987, Caso Comissão/Países Baixos, Processo C-235/85, entendeu que a norma de incidência negativa apenas se aplica aos organismos de direito público quando as operações efetuadas se enquadram na sua missão específica de autoridade pública.
59. Na redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, o artigo 23.º do CIVA, fazia depender a sua aplicação da condição de sujeito passivo e não da condição dos bens e serviços de utilização mista, o que acarretava para a prática portuguesa dificuldades de compreensão do direito à dedução, levando a que se pretendesse aplicar aos sujeitos passivos mistos as regras relativas à dedução dos inputs mistos, ou seja, estes apenas poderiam deduzir o IVA suportado nesses bens, não tendo acesso ao direito à dedução integral. Porém, os sujeitos passivos mistos, na verdade, devem poder deduzir integralmente o IVA contido em bens e serviços que são apenas utilizados em operações tributadas, não devem ter direito a deduzir o IVA suportado em bens e serviços que se destinam a operações que não conferem esse direito. Para além das dificuldades que a letra da lei comportava, era contrária ao direito comunitário, que colocava o acento tónico na condição dos bens e serviços.
60. A este propósito, refira-se que o Relatório do Grupo de Trabalho, criado por despacho de 6 de Novembro de 2006, do Diretor-Geral dos Impostos, sublinha que “o principal problema com que o intérprete ou aplicador da lei se vem deparando, em relação ao disposto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, reside no facto de esta disposição, no seu trecho final, determinar a inclusão no denominador da fração para cálculo do pro rata «de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações […] fora do campo do imposto». Este excerto da disposição em causa tem sido entendido pelos serviços da administração fiscal como respeitante, em geral, a todos os proveitos ou receitas obtidas pelo sujeito passivo no quadro da sua atividade”
61. No que toca às autarquias locais, o Relatório do Grupo de trabalho indicou que as instruções divulgadas pela AT através do Ofício-Circulado n.º 61137, de 09 de julho de 1987, e por ela reiteradas deveriam ser revistas, pois apontavam para caminhos opostos ao direito comunitário. A AT entendia que uma não adesão pelas autarquias ao método da afetação real redundaria na aplicação de um pro rata relativo ao volume de negócios, que incluiria, no denominador, entre outras parcelas, as receitas fiscais obtidas e as transferências de fundos de carácter orçamental, entendimento que está completamente ultrapassado, pois as autarquias locais, desde que cumpram os requisitos exigidos, podem adotar este método (pro rata), pois, na panóplia de atividades que exercem, podemos considerar que exercem atividades económicas, que não são sujeitas a imposto, porque são exercidas ao abrigo do número 2 do artigo 2.º do CIVA, isentas nos termos do artigo 9.º ou tributadas nos termos gerais. As autarquias locais irão utilizar simultaneamente bens e serviços em operações que concedem direito à dedução e operações que não concedem esse direito, desde que sejam operações decorrentes de uma atividade económica, poderão optar pela aplicação do método pro rata.
62. Os métodos de dedução do imposto estão previstos no artigo 23.º do CIVA. Os dois métodos de dedução consistem na fetação real e no método do pro rata. Quanto a este último método, de modo a compreendê-lo, importa analisar o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, em conjunto com a alínea b) do número 1 deste mesmo artigo.
63. As controvérsias que ocorriam em relação à norma do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA dissiparam-se com a alteração legislativa que ocorreu em 2008, com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro. As alterações introduzidas nesta norma resultaram das recomendações sugeridas pelo Grupo de Trabalho supra referenciado, as quais procuraram compatibilizar a legislação nacional e a atuação da AT com o direito europeu em matéria de direito de dedução do IVA.
64. O n.º 4 do artigo 23.º do CIVA na redação anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, prescrevia que “[a] percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento”.
65. Comparando a letra desta norma nacional com a da norma da Diretiva IVA, artigo 174.º, número 1, apercebemo-nos de que o legislador nacional não incluiu a expressão “o montante total do volume de negócios”, substituindo-a por “montante anual das operações”. De acordo Rui Manuel Bastos , a expressão volume de negócios explicita mais facilmente o que se pretende, nomeadamente na tentativa de transpor qualquer balancete contabilístico, excluindo, desde logo, rendimentos como trabalhos para a própria empresa, variação de produção, reversão de provisões ou imparidades, porém, uma interpretação restritiva desta expressão poderia circunscrever as operações em causa aos rendimentos operacionais. O conceito adotado pelo legislador nacional apenas deverá ter como delimitação o próprio conceito de atividade económica.
66. No que se refere às autarquias locais, e como refere o Relatório do Grupo de Trabalho, “no caso das receitas oriundas de impostos cobrados pelas autarquias locais ou cobrados por conta e entregues a estas, as mesmas não são, de modo algum, o sinalagma das atividades acima mencionadas nem de quaisquer operações económicas efetuadas, assim como não constituem a contrapartida dos eventuais recursos afetos pelas autarquias à respetiva cobrança. Deste modo, tratando-se de receitas que não representam a contraprestação de quaisquer operações, os inputs afetos pelas autarquias locais ao lançamento e cobrança de impostos não permitem o direito à dedução do correspondente IVA. Além disso, os montantes cobrados não podem ser considerados para efeitos do cálculo do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, pelo que os custos inerentes ao lançamento e cobrança devem ser objeto de uma afetação real total”.
67. E a verdade, é que da redação atual do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, o pro rata de dedução do imposto ” (…) resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento”.
68. Importa sublinhar que nos termos do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA, os Estados-Membros podem tomar medidas no sentir de adaptar ou restringir os elementos a integrar na fração para cálculo do pro rata, como por exemplo:
• Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;
• Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
• Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
• Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1 do artigo 173.º da diretiva (No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações), relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
• Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respetivo montante for insignificante.
69. Após a alterações introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, o artigo 23.º do CIVA integra as regras quanto ao exercício do direito à dedução na aquisição de bens e/ou serviços de utilização mista e, segundo o seu n.º 1, quando houver bens ou serviços parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes de uma atividade económica, é obrigatório o recurso ao método da afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e/ou serviços em cada uma das atividades (não económicas e económicas), conforme o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA. Assim, no caso de bens e/ou serviços de utilização mista parcialmente afetos à realização de operações não decorrentes de uma atividade económica, a determinação do montante de IVA não dedutível relativo a estas operações não pode ser efetuada segundo o método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA (que deve ser aplicado exclusivamente às operações decorrentes de uma atividade económica quando em simultâneo houver operações ativas que confiram o direito à dedução e operações ativas que não confiram esse direito), mas sim através d método da afetação real, devendo o sujeito passivo socorrer-se de critérios objetivos. A AT, a título meramente exemplificativo, fixou estes critérios objetivos no ponto V do n.º 1 do Ofício-Circulado n.º 30 103, de 23.4.2008.
70. Há que realçar que para os sujeitos passivos, em termos de simplificação, racionalização de custos e de praticabilidade, a adoção do método do pro rata se oferece mais favorável e simples. O sujeito passivo entende que se, no âmbito da sua atividade económica, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam de utilização mista pode ser determinado através do método do pro rata.
71. E a verdade é que a simplificação associada a este método permite aos sujeitos passivos, desde logo, diminuir os custos administrativos no cálculo do imposto dedutível, e, assim, libertar recursos necessários para outras atividades. Porém, a vantagem fulcral deste método é permitir aos sujeitos passivos deduzir o imposto que suportaram na aquisição dos bens ou serviços, sendo que alguns sujeitos passivos conseguem obter uma percentagem de dedução bastante significativa, sendo esta essencial para os seus orçamentos.
72. Todavia, a propósito da simplicidade do método do pro rata, importa referir a posição de Xavier de Bastos e Maria Odete Oliveira , que dizem que é por esta razão que ele foi “estabelecido com carácter geral e supletivo, ou seja, será o utilizado sempre que não deva aplicar-se ou não possa aplicar-se um outro método nos termos legalmente estabelecidos”, este método “é único e geral para aplicação ao imposto suportado em todos os bens e serviços utilizados para efetuar, indistintamente…operações com e sem direito a dedução”. Porém, estes autores também reconhecem que o facto de serem utilizadas grandezas de grande generalidade pode não consubstanciar uma justa e razoável determinação da medida de dedução do imposto e, por outro lado, entendem que o modo de apuramento mais correto da parcela de imposto a deduzir, produzindo um resultado mais próximo do possível, será, indubitavelmente, aquele em que a imputação do imposto seja conforme ao verdadeiro e efetivo uso do bem e serviço em cada um dos dois tipos de operações que caracterizam a situação em que existe o uso de inputs mistos.
73. Acresce sublinhar que a doutrina e a própria AT entendem que o método de afetação real será o mais adequado para aferir a efetiva utilização dos bens e serviços utilizados simultaneamente em operações que concedem direito a dedução e operações que não concedem este direito. Todavia, é inquestionável que o método do pro rata é simples de aplicar e concede ao sujeito passivo diversas vantagens, e o essencial é cumprir a finalidade desta norma “encontrar um modo de afastar da dedução os custos de IVA respeitantes a atividades isentas, de forma a limitar o alcance da dedução e a adequá-lo ao modo de funcionamento do sistema IVA” . Com isto, dever-se-á considerar que o sujeito passivo deve adotar o método do pro rata, desde que sejam cumpridos os requisitos para que o exercício do direito à dedução do imposto não seja desvirtuado.
74. No que às Autarquias Locais se refere, importa destacar que no Ofício-Circulado n.º 61137, de 9 de Julho de 1987, da autoria do Diretor de Serviços do IVA e dirigido aos Diretores Distritais de Finanças e aos Chefes das Repartições de Finanças, sendo relativo à uniformização de procedimentos sobre a aplicação do método pro rata pelas autarquias locais, foi divulgado “o entendimento de que, para efeitos do cálculo do pro rata a aplicar pelas autarquias locais que não utilizem o método da afetação real, o denominador da fração deverá conter todas as receitas dessas entidades, com exceção apenas das resultantes das operações que se encontrem expressamente excluídas pelo n.º 5 do artigo 23.º do CIVA. Deste modo, na ótica da Administração Fiscal, uma não adesão pelas autarquias locais ao método da afetação real de todos os bens ou serviços utilizados nas suas atividades, redundaria na aplicação de um pro rata relativo ao volume de negócios, que incluiria, no denominador, entre outras parcelas, as receitas fiscais obtidas e as transferências de fundos de carácter orçamental".
75. Todavia, como já se referiu, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, (Orçamento do Estado para 2008) através do seu artigo 52.º, veio alterar a redação do artigo 23.º do Código do IVA, de modo a ser inequívoca a possibilidade de os sujeitos passivos mistos de IVA poderem utilizar, cumulativamente, o método pro rata e o método da afetação real. E através do Ofício-Circulado n.º 30103, de 23 de abril de 2008, o Diretor-Geral dos Impostos comunicou a todos os seus inferiores hierárquicos a nova interpretação conforme ao texto da Diretiva IVA e deu a conhecer, em geral, aos contribuintes a novas regras do exercício do direito à dedução dos sujeitos passivos mistos.
76. No Ofício-circulado n.º 30103 de 24 de abril de 2008, a AT procurou delimitar o conceito de atividade económica, indicando, de forma não taxativa, as várias operações que podem ou não decorrer de uma atividade económica. A AT afirma que a qualidade de sujeito de IVA presume, grosso modo, face ao disposto número 1 do artigo 2.º do CIVA, a realização de determinadas atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as profissões liberais. Porém, a sujeição ao imposto inclui também, em geral, algumas operações delas decorrentes, mas abrangidas igualmente pelas normas de isenção previstas no CIVA. Contudo, não indica o critério que se deve adotar para entender se se está ou não perante uma atividade económica. Neste Ofício, a AT determina que as operações que não decorram de uma atividade económica devem ser sujeitas ao método de afetação real para o apuramento do valor do IVA a expurgar daquele que será considerado como IVA potencialmente dedutível para efeitos das regras gerais, o que implica que apenas poderão integrar o denominador da pro rata as operações decorrentes de uma atividade económica.
77. Todavia, de acordo com a melhor doutrina, o exercício do direito à dedução do IVA, por via do pro rata ou percentagem de dedução estatuído no artigo 23.° do CIVA, não pode ser limitado, pois, este artigo apenas se aplica aos sujeitos passivos mistos. Neste sentido vai também a jurisprudência do TJUE (entre muitos outros, acórdão de 6 de outubro de 2005, processo C-204/03). A própria AT, na sequência das alterações efetuadas ao artigo 23.° do CIVA pelo artigo 52.° da Lei 67-A/2007, adotou tal posição através do Oficio-Circulado 30103, de 23 de Abril de 2008, embora seja certo que esta já era a posição legal em função do Direito Comunitário e jurisprudência do TJUE. O normativo do artigo 20.° do CIVA, que enumera as operações que conferem direito à dedução, não determina a exclusão do direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens ou serviços, destinados, na sua totalidade a uma atividade sujeita a imposto, mesmo que dela venham a ser obtidas receitas não sujeitas a IVA.
78. Há ainda que referir que o Ofício-Circulado n.º 30103, de 23.04.2004, levanta uma outra questão, não diretamente relacionada com a delimitação do conceito de atividade económica, mas sim com a aplicação do método pro rata. Com efeito, estamos perante inputs mistos, ou seja, bens e serviços que são aplicados simultaneamente em atividades económicas e não económicas, que devem ser alvo de um “rateio prévio por via da aplicação do método da afetação real”. Subsequentemente, os sujeitos passivos podem aplicar alternativamente o método do pro rata ou da afetação real. Porém, para se efetuar essa divisão, temos que entender quando é que estamos perante uma atividade económica, quer isto dizer, qual será o critério a utilizar. No caso Securente , esta questão colocou-se e o TJUE decidiu que os Estados-membros possuem o poder discricionário e de apreciação no sentido de estabelecer os métodos e critérios adequados, sendo que os Estados-membros, na definição desses critérios, têm que ter em conta a finalidade e estrutura inerentes à Diretiva IVA, assim como a percentagem de dedução determinada terá que refletir, objetivamente, a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma das atividades. A adoção desta regra tem como intuito que seja assegurada a neutralidade do imposto, evitando as distorções de concorrência por via do direito à dedução. Assim, se o sujeito passivo praticar atividades/operações que não sejam afetadas, mesmo que parcialmente, por inputs mistos, tais operações não devem influenciar o cálculo do pro rata.
79. Com efeito, as instruções administrativas criadas pela AT (ao tempo Direção-Geral dos Impostos), através do Ofício-Circulado n.º 30103, de 23.04.2008, no sentido de criar condições para a aplicação uniforme das novas regras para determinação do direito à dedução pelos sujeitos passivos mistos são bastante completas, abrangentes e minuciosas. Este Ofício-Circulado, como a própria AT reconhece (pág. 27/33 do RIT) revogou o Ofício-Circulado n.º 61137, de 09.07.1987, da DSCA dos Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo que hoje apenas há que observar as instruções administrativas ínsitas no ofício-circulado n.º 30103, de 23.04.2008, ou noutros instrumentos de índole administrativa criados subsequente à alteração do artigo 23.º do CIVA pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro.
80. Acresce que, em termos complementares ao Ofício-Circulado n.º 30103, em 30.01.2009, através do Ofício-Circulado n.º 30108, a AT emitiu regras sobre a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as atividades de Leasing ou de ALD.
81. Importa sublinhar que antes da alteração do artigo 23.º do CIVA, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, existiam diversos Ofícios administrativos a emanar critérios e regras procedimentais sobre o exercício do direito à dedução deste tipo de sujeitos passivos mistos, em concreto sobre o pro rata, a saber: Ofício-Circulado n.º 61137, de 09.07.1987, Ofício-Circulado n.º 1128, de 06.01.88, Ofício-Circulado n.º 95795, de 19.10.1988.
82. Com a redação introduzida no artigo 23.º do CIVA, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, e em relação às Autarquias Locais, o quadro legal para o exercício do direito à dedução do IVA emerge dos normativos do artigo 23.º do CIVA e do ofício-Circulado n.º 30103, sendo certo que a AT, à semelhança do que fez para as instituições de crédito através do Ofício-Circulado n.º 301208, podia ter criado instruções administrativas aplicáveis às Autarquias Locais no sentido de uniformizar, facilitar e simplificar a aplicação da lei no tocante à aplicação do método da afetação real e para identificação dos elementos a integrar na fração a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, designadamente no seu denominador.
83. O que não se pode fazer é pretender aplicar um “pro rata específico” quando este não está definido e estabelecido na lei e, outrossim, não existe qualquer instrumento administrativo em vigor que tenha sido divulgado quanto à sua aplicação às Câmaras Municipais, sendo ilegal pretender aplicar um critério em tudo semelhante ao que constava do Ofício-Circulado n.º 61137, com o fundamento de que tal procedimento será o único que pode permitir garantir que não exista distorção significativa da tributação e, concomitantemente, garantir a observância do princípio da neutralidade do imposto.
84. O que é facto é que, à luz da norma do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, no denominador da fração a utilizar para cálculo do pro rata só pode ser incluído “o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento”.
85. Nos normativos do artigo 23.º do CIVA não se encontra previsto ou definido qualquer “pro rata específico” para determinar a parcela do IVA suportado na aquisição de bens e serviços com utilização mista, e permitir o exercício do direito à dedução dos sujeitos passivos mistos, in casu, as Câmaras Municipais. À luz da Diretiva IVA, o Estado português podê-lo-á fazer, mas, por força do princípio da legalidade, terá de o fazer através de instrumento normativo.
86. Pode não ser de excluir que o procedimento adotado pelo Município, ora Requerente, no cálculo do pro rata do ano de 2019 talvez não esteja totalmente correto, mas tal opção do município foi realizado no contexto do quadro legal vigente e com o conforto de em anos antecedentes tal critério ter sido sancionado pelos serviços de inspeção tributária da AT.
87. A situação provavelmente exige correção, mas tal só pode acontecer no contexto do quadro legal vigente, ou seja, os normativos do artigo 23.º do CIVA, complementados por doutrina administrativa criada pela AT e em vigor. Pretender aplicar um pro rata específico sem cobertura legal, porquanto, o mesmo não tem previsão expressa na lei, é absolutamente ilegal.
88. Aliás, trazendo à colação os princípios da boa-fé e da proteção da confiança que no caso sub judice não podem deixar de ser considerados, importa invocar o acórdão do STA, proferido no processo n.º 0169/11, de 25.05.2011, em cujo sumário se fixa jurisprudência no sentido de: i) Nos termos do disposto nos art.º 23.º do CIVA, nos casos de bens de utilização mista, existem dois métodos de dedução do IVA:
a) O método pro-rata que permite ao sujeito passivo que exerça atividades isentas e não isentas, não conferindo estas o direito à dedução, deduzir o imposto suportado nas aquisições mas «apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução».
b) O método da afetação real segundo o qual não é permitida qualquer dedução relativamente ao imposto dos inputs destinados à realização de operações isentas sem direito à dedução mas efetuando-se a dedução integral - salvo o disposto no art.º 21.º - quanto ao imposto incidente sobre os inputs destinados à realização de operações tributadas ou isentas com direito à dedução.
ii) O primeiro método constitui a regra geral, podendo o segundo resultar de opção do contribuinte ou de imposição da Administração Tributária (nºs 2 e 3 do citado art.º 23.º). iii) Se o contribuinte apresentou declaração de alterações optando pelo método de dedução da afetação real e a Administração Tributária nada disse, não pode depois, em fiscalização dos três exercícios seguintes, aplicar-lhe o método pro-rata com fundamento em que tem sido entendimento da AT que tal método não é adequado às SGPS - caso da recorrente -, podendo, quando muito e de acordo com o n.º 2 do citado art.º 23.º fazer cessar para o futuro a aplicação daquele método (o negrito é nosso).
89. Importa, portanto, concluir que o pro rata específico que a AT aplicou para fazer a correção e, consequentemente, indeferir parcialmente o reembolso de IVA solicitado pelo Município, não tem consagração legal e, nesta medida, à luz da norma do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, no denominador da fração para cálculo do pro rata para efeitos de dedução do IVA suportado na aquisição de bens ou serviços de utilização mista, não podem ser incluídos valores relativos às transferências orçamentais, impostos, taxas e outras receitas de igual índole ou natureza.
90. Assim, em face de todo o exposto, e ponderada toda a doutrina e jurisprudência invocada pelas Partes ou considerada pelo Tribunal, importa concluir que a correção, no valor de € 48.797,01, feita no procedimento inspetivo ao período de tributação de IVA do mês de dezembro do ano de 2019 é ilegal, pelo que a sua anulação não pode deixar de motivar a anulação da liquidação adicional de IVA n.º..., no valor de € 41.642,01, referente ao mesmo período de tributação, com os subsequentes efeitos legais.
IV – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
91. Conjuntamente com o pedido de anulação do ato de liquidação n.º ... de Imposto sobre o valor Acrescentado relativo período de tributação do mês de dezembro de 2019, a Requerente requer, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.
92. Dispondo o normativo da alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, sendo que tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ao caso sub judice por força do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
93. E que, por sua vez, a norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, estabelece que serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".
94. Por sua vez, e porque para o presente caso é relevante, há que sublinhar que o n.º 8 do artigo 22.º do Código do IVA estabelece que “[o]s reembolsos de imposto, quando devidos, devem ser efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido ou, no caso de sujeitos passivos que estejam inscritos no regime de reembolso mensal, até aos 30 dias posteriores ao da apresentação do referido pedido, findo os quais podem os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária”.
95. Há ainda, que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.
96. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido, pago imposto indevidamente, ou que o reembolso quando devido não tenha sido feito no prazo legal prescrito, e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
97. No caso dos autos, verifica-se que ocorreu erro de direito, o qual é subsumível no normativo do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, havendo, consequentemente, lugar a pagamento de juros indemnizatórios.
98. Por todas as razões supra enunciadas, e visto que a Requerente se viu impedida de dispor do valor do reembolso de IVA que lhe foi indevidamente indeferido, reconhece-se à Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, contados à taxa legal sobre o valor do reembolso de IVA que não lhe foi indevidamente pago, desde a data do não pagamento indevido até ao momento do processamento da respetiva ordem de pagamento, conforme decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.
V – DECISÃO
Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação adicional de IVA, n.º..., no valor de € 41.642,01, referente ao período de tributação de dezembro de 2019, acrescido do valor de € 7.155,00, referente a correção de IVA a favor do sujeito passivo, o que perfaz o valor a anular de € 48.797,01;
b) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data em que o sujeito passivo (a Requerente) se viu impedido de dispor do valor de reembolso do IVA, que não lhe foi indevidamente pago, até à data de processamento da respetiva ordem de pagamento;
c) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
VI - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 48.797,01 (Quarenta e oito mil setecentos e noventa e sete euros e um cêntimo), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).
VII - CUSTAS
O valor das custas é fixado em € 2.142,00 (Dois mil cento e quarenta e dois euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 09 de agosto de 2021
O Árbitro
Jesuíno Alcântara Martins