DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral constituído em 28 de agosto de 2020, Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Jorge Carita e Ricardo Marques Candeias (co-árbitros), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante “Requerente”, pessoa coletiva número..., com morada no ..., ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do período de 2016.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do ato de liquidação adicional de IRC referente a 2016, emitido sob o n.º 2019..., e da liquidação de juros compensatórios n.º 2019... aí incluída, perfazendo o valor global a pagar de € 136.701,72 (incluindo juros compensatórios de € 7.249,33), e, bem assim, a anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa que manteve tais atos. Peticiona ainda a condenação da AT à indemnização por prestação indevida de garantia, nos termos do artigo 53.º da LGT.
Neste âmbito, a Requerente opõe-se às duas correções à matéria coletável que subjazem à liquidação de IRC em crise nos presentes autos, relacionadas com a não aceitação da dedução, para efeitos fiscais, de (i) perdas por imparidade e créditos incobráveis – perdões de dívida (€ 392.240,47), e de (ii) perdas com créditos incobráveis (€ 46.756,94). Invoca vício de forma, derivado de fundamentação insuficiente e pouco clara, e vício de violação de lei, incluindo constitucional, por errónea aplicação do direito.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 25 de maio de 2020 e, de seguida, notificado à AT.
Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 5.º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.
Em 29 de julho de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 28 de agosto de 2020.
Em 30 de setembro de 2020, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e compulsa os argumentos do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), que mantém serem válidos. A Requerida considera inútil a produção de prova testemunhal e conclui pela improcedência da ação por infundada, com as legais consequências. Juntou, na mesma data, o processo administrativo (“PA”).
Notificada para o efeito, a Requerente indicou os factos em relação aos quais pretendia que fossem ouvidas as testemunhas, na sequência do que, em 15 de outubro de 2020, foi marcada pelo Tribunal a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para inquirição das testemunhas.
A referida reunião foi sucessivamente reagendada por impedimento justificado e por agravamento da situação de pandemia que motivou a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais.
Em 23 de fevereiro de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação por dois meses do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivada da impossibilidade de concretizar a diligência de produção de prova testemunhal (v. Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, cujos efeitos cessaram com a Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).
Por despacho de 1 de abril de 2021, foi reagendada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, que teve lugar em 10 de maio de 2021, na qual foram inquiridas as duas testemunhas indicadas pela Requerente.
O Tribunal notificou Requerente e Requerida para, por esta ordem e sucessivamente, apresentarem alegações escritas facultativas no prazo de 10 dias, fixou o prazo para prolação da decisão em 7 de julho de 2021 e advertiu a Requerente da necessidade de, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
Em 21 de maio de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações e reiterou o já por si alegado no pedido de pronúncia arbitral (“ppa”).
Em 7 de junho de 2021, a Requerida contra-alegou e manteve o pedido de improcedência, em conformidade com a posição assumida na Resposta.
Por despacho de 5 de julho de 2021, determinou-se a renovação da prorrogação por dois meses do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivada da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica (Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IRC e juros compensatórios inerentes (com as legais consequências no ato de segundo grau que sobre aquelas recaiu), à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 22 de maio de 2020, no prazo de 90 dias a contar da notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa, em 4 de março de 2020, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado nos termos do regime excecional previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que suspendeu a contagem dos prazos a partir de 9 de março, com cessação de efeitos a 3 de junho determinada pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.
Não existem exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.
III. QUESTÕES A APRECIAR
Discutem-se nesta ação vícios de índole formal e substantiva do ato tributário de IRC.
No que se refere ao vício formal, com alicerce nos artigos 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 268.º, n.º 3 da Constituição, está em causa a insuficiente fundamentação da correção do valor de € 22.132,91 considerado não dedutível pela Requerida.
Em relação ao vício de violação de lei, importa aferir:
(a) O alegado erro de direito na aplicação do regime de dedução de perdas por imparidade, previsto nos artigos 28.º-A, 28.º-C do Código do IRC, e de dedução de créditos incobráveis, constante do artigo 41.º do mesmo diploma, por inaplicabilidade à situação de desreconhecimento de créditos objeto de perda por imparidade anteriormente registada e deduzida para efeitos fiscais pelo seu valor global, na parte que foi remitida por renegociação da Requerente com os seus clientes devedores;
(b) A violação dos princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade;
(c) A violação do princípio, também constitucional, da boa fé e da segurança e confiança legítima por entendimentos contrários divulgados pela Requerida;
(d) A violação do princípio da igualdade e da tributação dos sujeitos passivos pelo lucro real; e
(e) A título subsidiário, a não imputabilidade de juros compensatórios, por a Requerida não ter cumprido o ónus da prova dos respetivos pressupostos, o contribuinte estar de boa fé e o erro ser desculpável.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A. A A..., S.A. SUCURSAL EM PORTUGAL, aqui Requerente, é a sucursal portuguesa de uma sociedade anónima de direito francês – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA.
B. A Requerente tem por objeto social, designadamente, operações de financiamento por conta de terceiros, com exceção das operações de carácter puramente bancário, compreendendo a concessão de crédito automóvel, crédito ao consumo e crédito pessoal, fundamentalmente através de marketing direto e sob a forma de crédito em conta corrente – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA.
C. A atividade de crédito ao consumo e de crédito pessoal desenvolvida pela Requerente está associada a algum risco de incumprimento por banda dos respetivos clientes – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
D. Verificando-se o incumprimento dos clientes, em situações excecionais e suportadas pelos procedimentos de avaliação interna da Requerente sobre a recuperabilidade dos créditos (incluindo a solvabilidade dos clientes), esta decide a remissão (parcial) dos créditos em dívida, desde que acompanhada por um acordo de pagamento/recuperação parcial das prestações em mora – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
E. A decisão sobre a renegociação e remissão parcial da dívida é tomada com base nos mencionados procedimentos internos documentados e definidos, designadamente, no “Manual de Política de Facilidades da Responsabilidade da Direção de Crédito” da Requerente, que contém um conjunto de regras gerais e específicas às quais ficam subordinados os “perdões de dívida” – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
F. Tais decisões de recuperação parcial são apenas tomadas perante o insucesso das iniciativas de cobrança total e tendo em conta os próprios gastos associados à manutenção dos esforços de cobrança por via contenciosa que podem ser demasiado pesados face ao valor do crédito em causa mora – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
G. Com este procedimento de renegociação da dívida, a Requerente procura assegurar o pagamento dos valores remanescentes do crédito, nos casos em que um cliente inadimplente demonstre capacidade e disponibilidade para efetuar um pagamento elevado, mas insuficiente para liquidação, procurando garantir o pagamento de parte substancial da dívida, normalmente 80%, remitindo-se o remanescente – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
H. Estas situações de clientes com perfil para satisfação do crédito em 80% são residuais, pois a maior parte dos clientes incumpridores não apresenta esta capacidade financeira – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
I. A Requerente procede ao registo contabilístico e à dedução para efeitos fiscais das perdas por imparidade relativas aos créditos em mora – cf. RIT.
J. Em 2016, a Requerente tomou, em relação a alguns dos seus clientes inadimplentes, decisões de remissão parcial de créditos em mora há mais de dois anos, em que a perda por imparidade tinha sido registada e deduzida para efeitos fiscais com referência à totalidade do seu valor, celebrando, simultaneamente, acordos de pagamento parcial das prestações em mora – cf. RIT e depoimento das testemunhas inquiridas.
K. O reconhecimento dos valores objeto de remissão processou-se, em termos de registo contabilístico, por via:
(a) Da reposição do valor em imparidade, traduzido num ganho;
(b) Do registo de um gasto em rubricas de “Perdas Custo Risco”,
com efeito nulo no resultado contabilístico do período de 2016 – cf. RIT/PA.
L. Em certas situações, por não ser a imparidade reconhecida suficiente, em virtude dos limites consagrados no Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, a Requerente viu-se forçada a levar diretamente a gasto o valor dos créditos objeto de remissão – cf. RIT/PA.
M. Do mesmo passo, face à situação de insolvência ou de sujeição a processo especial de revitalização de alguns dos seus clientes, a Requerente considerou diretamente créditos incobráveis como gastos do exercício, por aplicação do artigo 41.º do Código do IRC – cf. RIT/PA.
N. A Requerente foi objeto de ação de inspeção externa ao exercício de 2016, pela Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”), na sequência da qual foi notificada, em abril de 2019, do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, relativamente ao qual exerceu o seu direito de audição – cf. documentos 5 e 6 juntos pela Requerente.
O. Em Maio de 2019, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção (“RIT”), mediante o qual foram promovidas correções ao seu lucro tributável, nos seguintes termos:
a) Perdas por imparidade e créditos incobráveis não aceites fiscalmente – perdões de dívida, no valor de € 392.240,47;
b) Perdas com créditos incobráveis não aceites para efeitos fiscais, no valor de € 46.756,94
– cf. RIT.
P. Neste âmbito, RIT enuncia seguintes os fundamentos:
“III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
Foram analisadas algumas áreas contabilístico-fiscais em conformidade com os procedimentos considerados adequados para o setor financeiro, tendo-se verificado as seguintes irregularidades:
III.1. Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas — IRC
III.1.1. Correções ao lucro tributável
III.1.1.1. Perdas por imparidade e créditos incobráveis não aceites fiscalmente — "Perdões de Dívida" (art.os 28.º-A, 28.º-C e 41.º, todos do Código do IRC)
- € 392.240,47 -
Da análise ao balancete da A... em 31-12-2016, verificou-se a existência de diversas subcontas da rubrica contabilística #72881 — Perdas Custo Risco que apresentavam saldos substancialmente elevados, pelo que, no ponto 57 do pedido de elementos n.º 1, datado de 24-05-2018, solicitou-se ao sujeito passivo que justificasse a natureza das mesmas.
Na sua resposta entregue em CD, em 26-06-2018, veio o sujeito passivo justificar que as rubricas em apreço:
«Tratam-se de regularizações por passagens a perdas que se efetua nos contratos dos clientes por vários motivos.
Motivos de Passagem a Perdas
As passagens a perdas têm como origem as seguintes situações identificadas:
Situações Comuns a Várias Áreas
1 - Montante em dívida facultado incorretamente para liquidação de um dossier;
2 - Financiamento do disponível ou com origem em um aumento de plafond ou em uma operação de reabertura, realizado incorretamente e que entretanto gerou uma ou mais mensalidades;
3 - Anomalias técnicas que se reflitam num aumento do montante em dívida do dossier;
4 - Prémios de seguro vencidos em dossiers com seguro ativam indevidamente;
5 - Incobráveis Judiciais com a respetiva informação.
Situações Específicas
1 - Regularizações, de acordo com as regras do Procedimento do Manual de Política de Facilidades, somente para o Serviço de Recuperação Amigável;
2 - Regularizações para dossiers em contencioso, do Manual de Gestão Avançada, somente para a Fase de Gestão Avançada;
3 - Valor em divida inferiores a 2,5€, de dossiers em Contencioso, somente para a Fase de Gestão Avançada;
4 - Gestão de Insolvências e Gestão Judicial, somente para a Fase de Gestão Avançada;
5 - Uma situação comprovada de burla/fraude, somente para a Direção de Risk Management e Qualidade;
6 - Estorno de dossiers porque o Parceiros foi encerrado e outas situações comerciais específicas, somente para o Setor de Apoio Comercial;
7 - Decorrente de Operação Interna de Liquidação de Dívida, somente no Serviço de Análise de Crédito;
8 - Situação de erro de financiamento NIB, no Serviço de Análise de Crédito ou Serviço de Clientes.»
E, no ponto 59 do pedido de elementos supra referido, solicitaram-se os extratos das rubricas a seguir identificadas, bem como os documentos justificativos dos cinco (5) maiores registos em cada uma:
# 72881370 - PERDAS CUSTO RISCO - VL 3. € 11.093.716,29;
# 72881373 - PERDAS CUSTO RISCO- MC 4 -€ 17.185.081,95;
# 72881374 - PERDAS CUSTO RISCO - TOP 5 -€ 20.783.398,13;
3 Vida Livre.
4 MaxiCrédito.
5 Valor Top.
Através dos elementos apresentados pelo sujeito passivo em CD, em 26-06-2018, registaram-se as seguintes situações:
A - Enquadramento Factual
A.1. # 72881370 - PERDAS CUSTO RISCO - VL -€ 11.093.716,29
Da análise ao extrato da rubrica # 72881370 — Perdas Custo Risco — VL, verificou-se que esta apresenta, efetivamente, o saldo de € 11.093.716,29. Este valor resulta da diferença entre o saldo a débito de € 21.951.533,23 e o saldo a crédito de € 10.857.816,94, (cfr. anexo 1).
De acordo com o sujeito passivo, do saldo a crédito fazem parte diversos valores sombreados que apresentam a designação de «Estorno dos WOFFS de 28/12», com data efeito de 30-12-2016, os quais totalizam € 10.852.837,18 e que correspondem à anulação do lançamento a débito de € 10.854.375,40, com data efeito de 28-12-2016 e que apresenta a designação de «WRITTE OFF efetuado indevidamente e estonado em 31/12/2016 (Valores a crédito a amarelo). A diferença, o valor de 1.538,22€ apenas foi regularizado em Jan/17, devido a problemas técnicos.»
Contudo, em 03-01-2017 (data de evento) foi efetuado um lançamento a débito no valor de € 10.856.270,13, com data de efeito de 31-12-2016, ou seja, reportado ao período de tributação de 2016 e com a designação de «Writte Off».
Para justificar e comprovar os lançamentos materialmente relevantes constantes do extrato supra referido, o sujeito passivo apresentou apenas o seguinte quadro excel, no qual consta somente o desdobramento de quatro lançamentos e a indicação da natureza de cada operação:
[…]
A.2. # 72881373 - PERDAS CUSTO RISCO - MC - € 17.185.081,95
Da análise ao extrato da rubrica # 72881373 — Perdas Custo Risco — MC, verificou-se que, este, apresenta, efetivamente, o saldo de € 17.185.081,95. Este valor resulta da diferença entre o saldo a débito de € 34.151.604,91 e o saldo a crédito de € 16.966.522,96, (cfr. anexo 2).
De acordo com o sujeito passivo, do saldo a crédito fazem parte diversos valores sombreados que apresentam a designação de «12 - Regul DAH», com data efeito a 30-12-2016, os quais totalizam € 16.957.951,20 e que correspondem à anulação do lançamento a débito de €16.958.448,28, com data efeito de 28-12-2016 e que apresenta a designação de «WRITTE OFF efetuado indevidamente e estornado em 31/12/2016 (Valores a crédito a amarelo). A diferença, o valor de 497,07€ apenas foi regularizado em Jan/17, devido a problemas técnicos.»
Contudo, em 03-01-2017 (data de evento) foi efetuado um lançamento a débito no valor de € 16.954.747,32, com data de efeito de 31-12-2016, ou seja, reportado ao período de tributação de 2016 e com a designação de «Writte Off».
Para justificar e comprovar os lançamentos materialmente relevantes constantes do extrato supra referido, o sujeito passivo apresentou apenas o seguinte quadro excel, no qual consta somente o desdobramento de quatro lançamentos e a indicação da natureza de cada operação:
[…]
A.3. # 72881374 - PERDAS CUSTO RISCO - TOP € 20.783.398,13
Da análise ao extrato da rubrica # 72881374 — Perdas Custo Risco — TOP, verificou-se que, este, apresenta, efetivamente, o saldo de € 20.783.398,13. Este valor resulta da diferença entre o saldo a débito de € 41.294.042,61 e o saldo a crédito de € 20.510.644,48, (cfr. anexo 3).
De acordo com o sujeito passivo, do saldo a crédito fazem parte diversos valores sombreados que apresentam a designação de «12 - Regul DAH», com data efeito de 30-12-2016, os quais totalizam € 20.506.452,65 e que correspondem à anulação do lançamento a débito de €20.506.452,65, com data efeito de 28-12-2016 e que apresenta a designação de «WRITTE OFF efetuado indevidamente e estornado em 31/12/2016 (Valores a crédito a amarelo).»
Contudo, em 03-01-2017 (data de evento) foi efetuado um lançamento a débito no valor de € 20.525.340,00 com data de efeito de 31-12-2016, ou seja, reportado ao período de tributação de 2016 e com a designação de «Writte Off».
Para justificar e comprovar os lançamentos materialmente relevantes constantes do extrato supra referido, o sujeito passivo apresentou apenas o seguinte quadro excel, no qual consta somente o desdobramento de quatro lançamentos e a indicação da natureza de cada operação:
[…]
Tendo em conta que o sujeito passivo, para justificar os quatro (4) maiores valores de cada rubrica ora em apreço (#72881370, #72881373, #72881374), apresentou apenas os quadros em excel supra com as justificações constantes da coluna designada por «Descrição Perdas resumo», na qual constam as seguintes justificações:
Regularização Recuperação Amigável/Gestão Avançada;
Parecer Jurídico;
Um (1) lançamento Burla/Fraude no valor de € 16.972,54;
no ponto A.59 do pedido de elementos n.º 3, de 24-09-2018, reforçamos que se encontrava em falta a documentação comprovativa daqueles lançamentos, da qual deveria constar, nomeadamente:
Contrato inicial do crédito concedido, aditamentos e alterações;
Acordo/contrato/qualquer outro documento assinado com o cliente onde se comprove os motivos indicados na vossa coluna «Descrição Perdas resumo»;
Informação/outro documento apresentado superiormente a justificar cada situação e onde se propõe a solução adotada, devidamente aprovada/autorizada;
Registo contabilístico do valor do crédito, juros e outros valores considerados em incumprimento em 31-12-2016;
Registo contabilístico da utilização da perda por imparidade, se for o caso.
Na sua resposta entregue em CD, em 17-10-2018, veio o sujeito passivo apresentar os contratos referentes às situações que constituem os lançamentos selecionados das rubricas ora em análise (#72881370, #72881373, #72881374), tendo-se verificado que correspondem a créditos em conta corrente no âmbito dos seguintes produtos: Vida Livre, Maxi Crédito e Valor Top.
E justifica ainda que:
«(…)
2º ponto - os contratos selecionados (valores »=1.000€) não têm extratos para os clientes, pois tratam-se de contratos em contencioso, e para estes clientes em contencioso não são enviados extratos, nem cartas a informar da liquidação da dívida. Apenas emitimos estas cartas a pedido dos clientes.
3º ponto - abaixo fazemos a descrição de todo o processo de pedido de passagem a perdas (o qual consta no manual interno de Regras e Procedimentos, no circuito de ligação das áreas operacionais à Contabilidade):
a) Sempre que seja identificada uma regularização no dossier pelas áreas operacionais, que implique uma passagem a perdas de um determinado valor, é efetuado um pedido de regularização à Contabilidade via email, com a respetiva validação superior, de acordo com a delegação de poderes.
b) Em baixo apresentamos o fluxograma do circuito de ligação das áreas Operacionais à Contabilidade, bem como as regras definidas para a realização das passagens a perdas»
(ver anexo 4).
Na resposta entregue em CD, em 26-06-2018, o sujeito passivo veio apresentar, adicionalmente, uma listagem em ficheiro informático designado por «Woffs_dez2016», no qual identifica por numero de dossier as situações designadas por «Passagem a Write Off» e que totalizam o montante de € 48.336.357,45, ou seja, corresponde ao somatório dos lançamentos a débito efetuados com data de evento de 03-01-2017 e data de efeito de 31-12-2016 nas três rubricas acima descritas:
# 72881370 - PERDAS CUSTO RISCO – VL: € 10.856.270,13
# 72881373 - PERDAS CUSTO RISCO – MC: € 16.954.747,32
# 72881374 - PERDAS CUSTO RISCO – TOP: € 20.525.340,00
€ 48.336.357,45
E, através de cinco (5) emails enviados em 24-10-2018, veio o sujeito passivo apresentar «(...) os documentos comprovativos do pedido de passagem a perdas pelas áreas operacionais à Contabilidade» relativamente aos lançamentos selecionados que constam dos três quadros supra.
Da análise aos elementos recebidos, verificou-se que na sua maioria, quer os valores selecionados, quer outros valores que constavam dos mapas apresentados pelo sujeito passivo, respeitavam a situações que classificou como «Passagem a Perdas — Perdão de Dívida», (cfr. anexo 6).
No seu email com o «Assunto: RE:Pedido de Elementos n. 0 3, A59) #72881_Perdas_Custo_Risco», com os «Anexos: DocA59_373_maiores valores_1.zip» e que identificou como «Anexo 3», consta uma comunicação interna enviada por uma Técnica de Gestão Outsourcing do Setor Acompanhamento Parceiros Externos da Direção de Recuperação de Crédito para a Responsável do Setor Contabilidade Clientes e Reporte da Direção Financeira, Jurídica e de Risco com o «print screen do Manual de Processos Gestão Avançada onde consta a ferramenta de negociação «Perdão de Dívida» (Anexo 7).
Trata-se da «Regra 37 — Pagamento Parcial com Perdão de Dívida para Dossiers em Contencioso Externo» que estabelece as condições a verificar para que, «Caso um cliente em Contencioso externo demonstre capacidade e disponibilidade para efetuar um pagamento elevado, mas que não seja suficiente para liquidação poderá ser aplicado um perdão de dívida». E da «Regra 16 — Pagamento Parcial com Perdão de Dívida para Dossiers em Contencioso Interno», que apresenta as regras a verificar para o «Caso um cliente em Contencioso demonstre capacidade e disponibilidade para efetuar um pagamento elevado, mas que não seja suficiente para a liquidação, poderá ser aplicado um perdão de dívida».
Atentos os factos acima relatados, em 28 de novembro de 2018 notificou-se o sujeito passivo para que, relativamente às rubricas contabilísticas ora em apreço (#72881370, #72881373 e #72881374) justificar e suportar documentalmente se constituíam perdas definitivas ou se eram valores passíveis de recuperação e, como tal, passaram a estar evidenciados em contas extrapatrimoniais e que quantificassem cada uma das situações.
Na sua resposta datada de 10-12-2018, veio o sujeito passivo justificar que, nas rubricas ora em apreço encontram-se refletidas perdas definitivas no montante de € 723.816,10 […]
E apresenta o «(…) ficheiro com desdobramento de todas as situações de «Passagem a perdas — Perdão Dívida», no valor de 370.107,56€», o qual juntamos no anexo 8.
Considera o sujeito passivo que:
«Conforme resulta do detalhe apresentado no ficheiro, a quase totalidade dos valores registados nesta rúbrica respeitam a créditos cuja imparidade já estava reconhecida e aceite fiscalmente. Assim, o reconhecimento nestas rúbricas dos valores cuja imparidade já estava registada (e aceite para efeitos fiscais), não tiveram qualquer efeito direto em resultado (gasto) — em substância, tratam-se de utilização direta das imparidades já reconhecidas embora, em termos de registo contabilístico, o procedimento tenha sido a reposição do valor em imparidade (ganho) e o registo do gasto nestas rúbricas — de efeito nulo, portanto, nos resultados.
Concluindo, os valores foram reconhecidos como uma perda de imparidade, dedutível para efeitos fiscais nos termos dos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC. A passagem destes valores pelas contas #7288 é meramente por razões de operacionalização da regularização dos saldos dos clientes, não alterando a relevância fiscal da perda por imparidade já reconhecida.
De facto, apenas €22.270,55 podem ser considerados como diretamente registados em gastos, pelo facto do valor da perda ser superior ao valor da imparidade que estava registada e aceite para efeitos fiscais de acordo com o Aviso 3/95:
Perda > Provisão 3/95
Conta Perda-Provisão 3/95
(8)=(1)-(2)
72881370 4 709,19
72881373 3 145,34
72881374 14 416,02
Total Geral 22 270,55
Sobre estes valores, os mesmos são considerados gastos dedutíveis para efeitos fiscais nos termos gerais, sendo inquestionável que os mesmos são decorrentes das especificidades da atividade da Empresa. A atividade de crédito ao consumo tem particularidades que aumentam significativamente o risco das operações de crédito. Aliás, é a existência deste risco acrescido de cobrança, aliado à ausência de garantias reais subjacentes, que justifica as taxas de juro superiores face a outras modalidades de crédito. Assim, situações excecionais e devidamente suportadas pela avaliação interna que é feita sobre a recuperabilidade do crédito (incluindo solvabilidade dos clientes), justificam que sejam tomadas decisões de remissão dos créditos com acordo de pagamento parcial das prestações em mora. Estas decisões de recuperação parcial são sempre tomadas quando essa é a melhor decisão de gestão, face ao insucesso das iniciativas de cobrança total e os próprios gastos associados à manutenção dos esforços de cobrança por via contenciosa. Estas decisões são sempre tomadas com base nos procedimentos internos devidamente documentados.»
Contudo, na mesma resposta de 10-12-2018, a A... apresentou o seu Manual da Política de Facilidades da responsabilidade da Direção de Crédito, o qual determina as seguintes opções:
1. Adiamentos;
2. Multibarrème [redução da mensalidade]
3. Reestruturação do atraso (PRA);
4. Reestruturação de Dívidas;
5. Planos de Pagamento;
6. Anulação de Comissões;
7. Perdões de Dívida.
Da análise ao capítulo «9. Perdões de Dívida» do referido Manual da Política de Facilidades, verifica-se a existência, para além das condições gerais, das seguintes «Condições Específicas» a observar para que sejam concedidos os respetivos perdões da dívida:
«Fase 3:
A proposta de perdão de dívida deve incidir sobre clientes com reincidência constante (…) que demonstram a vontade de liquidar, e até têm essa possibilidade, mas não dispõem do valor total da dívida. Esta ação apenas pode ser efetuada com a validação prévia do Responsável de Serviço (Registo em MEMO com a justificação), e do Diretor se o perdão for acima de 20% do total em dívida.
Exceção:
Um cliente pode usufruir do Perdão de Dívida noutras fases se existirem pedidos da Direção Geral ou do Provedor do Cliente (relativamente a casos de reclamação ou solicitação do cliente e/ou entidades intermediárias). Também estas devem ficar registadas em Memo com a respetiva justificação.»,
Tendo em conta que as situações aqui em análise, que totalizam o valor de € 370.107,56, relativamente às quais o próprio sujeito passivo veio identificá-las como «Passagem a Perdas — Perdão de Dívida», apresentando apenas como comprovativos das mesmas os «Formulários Ligação Áreas Operacionais / Contabilidade Clientes» que indicam como «Motivo» precisamente a «Passagem a Perdas — Perdão de Dívida», que, inclusivamente, encontram-se sancionadas superiormente e, por isso mesmo, podemos afirmar que verificam as condições determinadas pela A... para procederem ao perdão da dívida existente ou remanescente para cada um dos clientes/dossiers em causa, ainda que esta operação pudesse ser classificada no âmbito da utilização de imparidade, tal utilização apresenta um caráter de liberalidade que não se demonstra passível de ser aceite como dedutível para efeitos fiscais, pelo que deveria de ser acrescida para efeitos do apuramento do lucro tributável no Quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, conforme passaremos a demonstrar.
B - Enquadramento Fiscal
Resumidamente, os casos aqui analisados, decorrem de contratos de crédito concedidos pelo sujeito passivo que entraram em situação de incumprimento, de que resultam "perdões de divida", uma vez que a A... decide reduzir as dívidas inicialmente acordadas com os clientes, pagando estes uma parte substancial do montante em dívida, optando por renunciar à exigibilidade do remanescente, que é anulado por contrapartida direta da conta de perdas.
Considera-se, aqui, relevante deixar claro que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) está perfeitamente ciente de que não lhe compete questionar ou colocar em causa as opções de gestão dos contribuintes, peio que, não contesta nem se imiscui nessas mesmas opções. Não obstante, incumbe-lhe, retirar os efeitos fiscais decorrentes dos factos e operações que derivaram dessas opções, nomeadamente a dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos para fazer face à atividade desenvolvida e, no caso em particular, aos gastos que decorrem dos "perdões de divida".
Na situação em apreço, a questão que é essencial esclarecer é se, tendo a A... procedido ao perdão das dívidas e registado o correspondente valor em gastos, se estes verificam os requisitos previstos no Código do IRC para serem considerados fiscalmente dedutíveis.
Nos termos do art.º 17.º do Código do IRC - determinação do lucro tributável - o lucro tributável reporta-se, na sua origem, ao resultado líquido contabilístico constante das demonstrações financeiras, ao qual acrescem as variações patrimoniais positivas ou negativas neste não refletidas, nos termos daquele normativo legal, ficando ainda o referido resultado líquido sujeito a correções positivas ou negativas de acordo com as disposições previstas no mesmo diploma legal.
Por sua vez, o n.º 1 do art.º 18.º do Código do IRC — periodização do lucro tributável — estabelece que «Os rendimentos e os gastos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.»
Já no que concerne aos gastos e perdas, dispõe o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, que para a «… determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC», conforme redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (Lei da Reforma do IRC). E de entre estes destacam-se, para a situação em apreço, as perdas por imparidade previstas na alínea h) do n.º 2 do art.º 23 do referido código.
Desde logo, cumpre referir que no «Relatório Final - Uma Reforma do IRC orientada para a competitividade, o crescimento e o emprego» (páginas 128 e 129), consta, com respeito a este artigo, o seguinte:
«Ora, na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos.
A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.
Neste contexto, entendeu a Comissão propor uma evolução normativa quanto ao princípio geral da aceitação dos gastos. Tal proposta acolhe a linha que a doutrina e a jurisprudência vêm sustentando, e pode revelar-se um meio para incrementar o grau de certeza na aplicação concreta do princípio basilar relativo à dedutibilidade. Adicionalmente, pode ainda constituir uma via para o decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa.
Assim, o artigo 23.º do Código do IRC passa a consagrar como princípio geral que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados.»
Refira-se que o sujeito passivo considera que «(…) tratam-se de utilização direta das imparidades já reconhecidas (...)» e «(…) dedutível para efeitos fiscais nos termos dos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC.»
A questão que é aqui absolutamente essencial esclarecer é se, tendo o sujeito passivo procedido ao perdão de dívidas se, consequentemente, o correspondente gasto/perda verifica os requisitos dispostos nos art.ºs 28.º-A, 28.º-c e 41.º, todos do CIRC, para serem considerados fiscalmente dedutíveis.
Tendo a A... utilizado perdas por imparidade14, no montante total de € 370.107,56 para fazer face a «Perdões de dívida», estes só seriam aceites na estrita medida em que o próprio gasto ou perda fosse fiscalmente dedutível, ao abrigo dos referidos artigos.
14 Ainda que contabilisticamente tenha procedido à reversão da perda por imparidade e ao registo do encargo em rubricas de perdas, o efeito é o mesmo que se tivesse efetuado a utilização direta das imparidades anteriormente reconhecidas.
B.1 - Da não aceitabilidade fiscal dos gastos suportados pelo sujeito passivo com perdões de dívida, nos termos dos art.os 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC:
A constituição de perdas por imparidade tem em consideração o princípio da prudência, uma vez que está associada a um risco de incobrabilidade do crédito. Esta operação contabilística pretende refletir em gastos ou perdas valores que de outro modo apenas seriam relevados aquando do reconhecimento da incobrabilidade do crédito.
Por outro lado, no momento da utilização da perda por imparidade, reflete-se a efetiva incobrabilidade do crédito, apesar de não serem relevados contabilisticamente quaisquer gastos (afetação do resultado contabilístico ocorre no momento da dotação da perda por imparidade).
Porém, a utilização da perda por imparidade em dívidas a receber só deve ocorrer para factos e realidades que determinariam a inclusão dos respetivos encargos como gastos fiscalmente elegíveis, previstas no Código do IRC.
As dívidas a receber de clientes e outras contas a receber constitui um ativo financeiro que apenas deve ser reconhecido quando a entidade se torne parte das disposições contratuais do instrumento financeiro, ou seja, quando satisfaz as condições de definição de ativo financeiro, isto é, quando for um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.
Os ativos financeiros relativos a dívidas de clientes e outros devedores devem ser avaliados quanto à imparidade no final de cada exercício. Caso sejam identificados indícios efetivos de imparidade, a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade nos seus resultados do período.
Com respeito a este tema, consta na Instrução n.º 7/2005 (Imparidade), de 15 de março, do Banco de Portugal, o seguinte:
«No que respeita aos ativos financeiros, e de acordo com as disposições relevantes da Norma Internacional de Contabilidade 39, existe imparidade ou são incorridas perdas por imparidade num ativo financeiro ou num grupo de ativos financeiros se, e apenas se, existir prova objetiva de imparidade como resultado de um ou mais acontecimentos que ocorreram após o reconhecimento iniciai do ativo (‘um acontecimento de perda’) e se esse acontecimento (ou acontecimentos) de perda tiver um impacto nos fluxos de caixa futuros estimados do ativo financeiro ou do grupo de ativos financeiros que possa ser fiavelmente estimado.
A prova objetiva de que um ativo financeiro ou um grupo de ativos está com imparidade inclui dados observáveis que chamam a atenção do detentor do ativo acerca, designadamente, dos seguintes acontecimentos de perda:
a) evidente dificuldade financeira do emitente ou do devedor;
b) quebra de algum contrato, tal como incumprimento ou atraso nos pagamentos de juro ou de capital;
c) probabilidade significativa de o mutuário entrar em falência ou noutra reorganização financeira;
d) desaparecimento, para esse ativo financeiro, de um mercado líquido e com suficiente profundidade, se devido a dificuldades financeiras do emitente.»
Se num período subsequente a perda por imparidade diminuir, a perda reconhecida anteriormente deve ser revertida e considerada no resultado do período.
O até aqui exposto decorre das regras contabilísticas aplicáveis, ou seja, Normas Internacionais de Contabilidade e Normas Internacionais de Relato Financeiro.
No plano fiscal, para que as perdas por imparidade possam ser aceites como gastos fiscais terão que estar contabilizadas e respeitarem a créditos de cobrança duvidosa como tal evidenciados na contabilidade.
Adicionalmente, encontramos no Código do IRC, quais as perdas por imparidade em dívidas a receber que são dedutíveis para efeitos fiscais, as quais são dedutíveis desde que:
- resultem de créditos da atividade normal da empresa, incluindo os juros pelo atraso no incumprimento (alínea a) do n.º 1 do art.º 28.º-A do Código do IRC);
- possam ser consideradas de cobrança duvidosa e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento (alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º-B do Código do IRC);
- o cliente tenha pendente «processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto» e os mesmos se encontrem devidamente comprovados com as respetivas certidões emitidas pelo tribunal (alínea a) do n.º 1 do art.º 28.º-B do Código do IRC);
- os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral, devidamente comprovados por certidão do tribunal (alínea b) do n.º 1 do art.º 28.º-B do Código do IRC).
Porém, nos termos do n.º 3 do art.º 28.º-B do Código do IRC, não são considerados de cobrança duvidosa:
- os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;
- os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;
- os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas que detenham, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, mais de 10 % do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1;
- os créditos sobre empresas participadas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.
Encontra-se ainda prevista no Código do IRC a aceitação como gasto na determinação do resultado tributável de outras perdas por imparidade:
- as relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros;
- as constituídas pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, nos termos definidos nos artigos 28.º-A e 28.º-C, ambos do Código do IRC.
E, no que respeita às perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito, em títulos e em outras aplicações, constituídas pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, estas podem também ser deduzidas para efeitos fiscais desde que:
- contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores;
- sigam as normas contabilísticas aplicáveis, e
- sujeitos aos seguintes limites:
- Quanto às perdas por imparidade para risco específico de crédito, os montantes anuais acumulados são determinados com observância das regras definidas em decreto regulamentar, que estabelece:
As classes de mora em que devem ser enquadrados os vários tipos de crédito e juros vencidos, de acordo com o período decorrido após o respetivo vencimento ou o período decorrido após a data em que tenha sido formalmente apresentada ao devedor a exigência da sua liquidação;
As percentagens aplicáveis em cada classe em função da existência ou não de garantia e da natureza da garantia, e
Os créditos cujas imparidades, em função da sua própria natureza ou tipo de devedor, não são dedutíveis.
Não obstante, alerta-se que para os períodos de tributação iniciados ou que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2016, os limites máximos das perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável são os estabelecidos no Decreto Regulamentar n.º 5/2016, de 18 de novembro.
Sucede porém que, de acordo com disposto nas informações vinculativas relativas ao processo n.º 1759/93, que mereceu despacho do Subdiretor-Geral em 08-11-1993, e processo n.º 3783/02, que mereceu despacho da Diretora de Serviços do IRC de 04-09-2004, a utilização de perdas por imparidade para créditos decorrentes de perdões de dívida não se mostram fiscalmente ao abrigo do disposto nos artigos 28.º-A e 28.º-C, ambos do Código do IRC, conforme se passa a evidenciar (mediante a transcrição de parte do conteúdo daquelas informações):
«Face ao disposto na alínea b) do n.º 3 do art.º 35.º do Código do IRC [atual alínea b) do n.º 3 do art.º 28.º-B], a percentagem dos saldos dos créditos incobráveis não cobertos por seguro são susceptíveis de serem provisionados apenas em função da mora, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do art.º 35º do CIRC, não podendo ser considerados diretamente como créditos incobráveis porque o art.º 39.º [atual art.º 41.º] do mesmo diploma não pode ser acionado, por falta de base legal.
Os créditos em mora há mais de 2 anos e provisionados a 100% podem ser anulados, independentemente de terem sido ou não reclamados judicialmente ou de existir ou não processo especial de recuperação de empresas e proteção de credores, ou processo de execução, falência ou insolvência.
Para o efeito deverá o sujeito passivo integrar no dossier fiscal todos os documentos justificativos da anulação dos créditos.
Caso ocorra o recebimento de alguns valores dos créditos anulados, o proveito será relevado contabilisticamente e tributado no exercício em que tal se verifique.»
Conforme descrito no ponto A, a A... utiliza perdas por imparidade para créditos em situações em que efetua um perdão (parcial) da dívida, ou seja, em situações em que, após negociação com o cliente (devedor), e face ao acordado entre credor e devedor, prescinde definitivamente de cobrar uma parte da dívida (ou crédito) perante a regularização da dívida remanescente por parte do devedor. Porém, conforme anteriormente descrito, a anulação do crédito mediante a utilização da perda por imparidade é possível, se existir uma perda por imparidade integral (100% do valor do crédito), mas mantendo sempre em aberto a possibilidade de recuperação, pois «Caso ocorra o recebimento de alguns valores dos créditos anulados, o proveito será relevado contabilisticamente e tributado no exercício em que tal se verifique.» Daqui se conclui que os perdões de dívida não têm enquadramento legal no disposto nos artigos 28.º-A e 28.º-B, ambos do Código do IRC.
Acresce o facto de constar do «Manual de Processos Gestão Avançada», no que se refere à ferramenta de negociação «Perdão de Dívida», nas suas regra 16 — Pagamento Parcial com Perdão de Dívida para Dossiers em Contencioso Externo e regra 37 - Pagamento Parcial com Perdão de Dívida para Dossiers em Contencioso Interno regras para a aplicação do perdão de dívida nos casos em que o «cliente demonstre capacidade e disponibilidade para efetuar um pagamento elevado, mas que não seja suficiente para liquidação (…)» parece ter um caráter discricionário, na medida em que a capacidade de pagamento do cliente não é avaliada judicialmente, sendo o valor do perdão uma percentagem do valor em dívida de 15%, 10% ou 5% consoante o prazo de pagamento seja de três, seis ou doze meses, prescindido a A... em definitivo do seu direito de ser ressarcida daquelas percentagens dos créditos em dívida.
Refira-se, por fim, por ser o mais recente e também por ir de encontro ao até aqui fundamentado, o entendimento sancionado pelo Despacho do SEAF, n.º 97/2016.XXI, de 2016-05-12, que passamos a transcrever parcialmente:
«1. Não se aplicando, para efeitos contabilísticos a exigência de verificação de uma das condições identificadas no atual parágrafo 31 da NCRF 27 ao desreconhecimento de um «ativo financeiro» que esteja nas condições atrás referidas, uma vez que o elemento já não obedece ao conceito e critérios de reconhecimento de um ativo, permite-se, também para efeitos fiscais que, num cenário de imparidade total, seja removido do balanço e, portanto, desreconhecido, um crédito de cobrança duvidosa que, por estar em mora há mais de dois anos e por ter sido já reconhecida (e aceite fiscalmente) uma perda por imparidade de valor igual ao do crédito, tem uma quantia monetária de zero.
2. Verifica-se um cenário de imparidade total «quando uma entidade, depois de ter efetuado as diligências de cobrança consideradas adequadas e reunir as provas disponíveis, concluir que já não existem expetativas razoáveis de recuperação de crédito.»
Também aqui, não tem enquadramento legal as utilizações de perdas por imparidade em crédito, em que o credor, por perdoar (parcialmente) parte da dívida, prescinde em definitivo do direito a recuperá-la junto do devedor.
B.2 - Da não aceitabilidade fiscal dos gastos suportados pelo sujeito passivo com perdões de dívida, nos termos do art.º 41.º do Código do IRC:
Os créditos sobre clientes [vide alínea A)] poderiam, em alternativa, ser considerados como gastos ou perdas do período de tributação se a sua incobrabilidade decorresse da verificação das condições estatuídas no art.º 41.º do Código do IRC - «Créditos Incobráveis».
Ou seja, o Código do IRC especifica expressamente as situações relacionadas com créditos que, encontrando-se em incumprimento e verificados um conjunto de requisitos podem ser qualificados de incobráveis e, consequentemente, os correspetivos gastos e perdas serem fiscalmente dedutíveis.
Assim, determina o art.º 41.º do Código do IRC que:
«1 - Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de nas seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:
a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código de Processo Civil;
b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código;
c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
d) Nos termos previstos no SIREVE, após celebração do acordo previsto no artigo 12.º do referido regime;
e) No âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais, após decisão arbitral;
f) Nos termos do regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais, os créditos se encontrem prescritos e o seu valor não ultrapasse o montante de € 750.».
Em conformidade com o disposto no art.º 41.º do Código do IRC, os gastos provenientes dos riscos de realização ou recuperação dos créditos concedidos são reconhecidos diretamente em gastos, ou seja, podem ser classificados como créditos incobráveis, se respeitarem a alguma das situações a seguir indicadas e desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou essa se mostre insuficiente.
Relativamente à extinção do crédito em análise, verifica-se que o mesmo ocorreu em virtude de um perdão de dívida, o qual não se enquadra em nenhuma das condições previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do no art.º 41.º do Código do IRC, pelo que, não poderão ser, aqueles, aceites para efeitos fiscais.
Com efeito, o perdão de dívida consiste numa situação em que o credor, no caso a A..., prescinde de receber do devedor a prestação devida. Entre as partes, o perdão de dívida produz a extinção da obrigação, ficando o devedor liberado de uma obrigação, e perdendo o credor, definitivamente, o seu direito de crédito.
Já na situação de créditos em mora estamos na presença de um caso em que a prestação, embora ainda possível, não foi realizada no devido tempo por facto imputável ao devedor. Verificamos desta forma que, para ocorrer uma situação de mora, é necessário que seja ainda possível realizar a prestação em data futura, uma vez que o devedor a ela continua obrigado.
Ora, numa situação/acordo em que se perdoa a dívida, nunca é possível realizar a prestação em data futura, uma vez que, desde do momento do perdão de dívida, o devedor fica dela expressamente desobrigado. Refira-se que esta última situação é a que resulta incontestavelmente das situações
Dito isto, impõe-se concluir que a aceitação fiscal dos créditos incobráveis não compreende a situação de «perdão de dívida» (ou remissão de dívida), pois esta não só determina a perda do direito de crédito, como também desonera, a título definitivo, o devedor do dever de liquidar a sua dívida, caraterísticas que, como se evidenciou, não definem a situação da mora no cumprimento das obrigações.
Ora, sendo facto que as pessoas coletivas em geral e as sociedades em particular, não podem perdoar dívidas e, fora do âmbito em que a lei permite, daí retirar efeitos fiscais, ao permitir-se, para efeitos fiscais, a consideração do perdão de divida fora das regras expressamente previstas no art.º 41.º do Código do IRC para as dívidas incobráveis, estar-se-ia a admitir no Código do IRC que os perdões de dívidas ou as dívidas incobráveis seriam elegíveis para efeitos fiscais em qualquer circunstância.
O objetivo do legislador com o art.º 41.º do Código do IRC foi o de, para efeitos fiscais, não deixar determinadas questões, como os perdões de dívida aqui em apreço, ao arbítrio ou subjetividade dos critérios de cada contribuinte e, portanto, à margem de regras fixadas pelo legislador fiscal. Ou, dito de outro modo, é certo que entre as finalidades prosseguidas pela A... não está certamente a concessão de perdões de dívidas ou de outras liberalidades, pelo que o legislador procurou limitar a criação de gastos fora do âmbito de determinadas regras procurando assim prevenir quer eventuais fraudes quer a ilegítima manipulação do lucro tributável.
Com o perdão de dívida, o sujeito passivo abdicou, por sua opção, dos direitos contratuais aos recebimentos do capital (e juros) de que era titular, não se encontrando assim reunidos os requisitos para que o crédito em apreço possa ser fiscalmente considerado como incobrável. Tal só se verificaria se estivessem cumpridos, desde logo, os requisitos do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.
Dito de outra forma, as situações aqui em análise não se podem considerar relevantes para efeitos fiscais uma vez que o sujeito passivo (credor) desconsiderou da sua contabilidade o crédito, por contrapartida de contas de gastos e perdas (através da figura de «perdões de dívida»), não tendo, deste modo, acionado judicialmente, em sede de tribunal arbitral, ou de outros processos previstos no art.º 41.º do Código do IRC, para ressarcimento dos montantes em dívida.
A sua conduta evidencia que abdicou, por sua livre iniciativa, do direito contratual que lhe assiste de recuperar tais créditos.
Reforce-se o até aqui disposto, com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que, no processo n.º 01576/07, de 13-03-2007, decidiu o seguinte:
«3. O não pagamento de tais trabalhos a mais realizados, não pode ser considerado um custo no exercício seguinte, à margem das regras fiscais, como seja pela não constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa (art.ºs 33.º e 34.º do CIRC) ou através do regime dos créditos incobráveis (art.º 35.º do mesmo CIRC);
4. As pessoas colectivas em geral e as sociedades em particular, têm a capacidade de exercício de direitos limitada aos fins que visam prosseguir, não podendo perdoar dívidas e daí retirar efeitos fiscais, como seja o de constituir um custo fora do âmbito em que a lei permite a constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa ou do regime dos custos por créditos incobráveis.»
Também neste sentido, veja-se o disposto no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-11-2015, relativamente ao Processo n.º 0963/13, em que, no que respeita a perdões de dívida, consta o seguinte:
«E bem se compreende a teleologia desta norma: admitindo que não devem deixar de relevar negativamente na formação do lucro tributável os créditos que comprovadamente as empresas têm dificuldades ou não conseguem cobrar, o legislador criou um regime de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, bem como um regime de custos por créditos incobráveis; mas, sendo certo que entre as finalidades prosseguidas pelas empresas não está a concessão de perdões de dívidas ou outras liberalidades, procurou evitar-se que as sociedades criem custos fora do âmbito daqueles regimes, prevenindo quer a ilegítima manipulação do lucro tributável, quer eventuais fraudes à lei.»
Face ao exposto, os gastos e perdas com os perdões de dívida atribuídos a clientes, não cumprem os requisitos legalmente previstos para serem considerados créditos incobráveis nos termos do art.º 41.º do CIRC.
C. Conclusão
Identificadas as situações ora em crise pelo próprio sujeito passivo como «Passagem a Perdas — Perdões de Dívida», cujas diretrizes internas encontram-se vertidas no capítulo 9 do seu Manual da Política de Facilidades da responsabilidade da Direção de Crédito.
Verificando-se as seguintes «Condições Específicas» no capítulo 9. Perdões de Dívida do referido Manual da Política de Facilidades, a observar para que sejam concedidos os respetivos perdões da dívida existente:
«Fase 3:
A proposta de perdão de dívida deve incidir sobre clientes com reincidência constante (...) que demonstram a vontade de liquidar, e até têm essa possibilidade, mas não dispõem do valor total da dívida. Esta ação apenas pode ser efetuada com a validação prévia do Responsável de Serviço (Registo em MEMO com a justificação), e do Diretor se o perdão for acima de 20% do total em dívida.
Exceção:
Um cliente pode usufruir do Perdão de Dívida noutras fases se existirem pedidos da Direção Geral ou do Provedor do Cliente (relativamente a casos de reclamação ou solicitação do cliente e/ou entidades intermediárias). Também estas devem ficar registadas em Memo com a respetiva justificação.»,
Tendo em conta que as situações aqui em análise, que totalizam o valor de € 370.107,56 e que consta do anexo 8, relativamente às quais o próprio sujeito passivo veio identificá-las como «Passagem a Perdas — Perdão de Dívida», apresentando apenas como comprovativos das mesmas os «Formulários Ligação Áreas Operacionais / Contabilidade Clientes» que indicam como «Motivo» precisamente a «Passagem a Perdas — Perdão de Dívida», que, inclusivamente, encontram-se sancionadas superiormente e, por isso mesmo, podemos afirmar que se verificam as condições determinadas pela A... para procederem ao perdão da dívida existente ou remanescente para cada um dos clientes/dossiers em causa, ainda que esta operação pudesse ser classificada no âmbito da utilização de imparidade, tal utilização mão tem cabimento legal no regime de perdas por imparidade para créditos e no regime de créditos incobráveis, pelo que deveria ter sido acrescida para efeitos do apuramento do lucro tributável no Quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, por não verificam das condições vertidas nos art.º 28.º-A, 28.º-C e 41.º , todos do Código do IRC.
A reforçar esta posição temos não só as informações vinculativas (fichas doutrinárias) emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (processo n.º 1759/93, que mereceu despacho do Subdiretor-Geral em 08-11-1993, processo n.º 3783/02, que mereceu despacho da Diretora de Serviços do IRC de 04-09-2004 e processo 2014 002462, com Despacho do SEAF XXI n.º 97/2016, de 2016-05-12), que salvaguardando a eventual recuperação, total ou parcial, que resulte em rendimento tributável, veio clarificar que se referem apenas e só a situações de desreconhecimento de valores de balanço por contrapartida do seu registo em rubricas extrapatrimoniais, pois só assim é possível de verificar que, em caso de recebimento de algum valor, seja efetuado o correspondente registo em rendimentos, como também a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão proferido no processo n.º 01576/07) e Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão proferido no processo n.º 0963/13).
Nas situações em apreço, o sujeito passivo registou os valores em causa em rubricas de gastos, assumindo, assim, uma perda definitiva, prescindindo de qualquer hipótese de recuperação de algum valor e assumindo perante os clientes que, a partir daquele momento, muito embora tenham assinado um contrato de crédito que os obrigava a efetuar pagamentos periódicos para ressarcir a A... do empréstimo concedido, encontram-se desobrigados a liquidar qualquer valor que se encontre em falta.
De igual modo os valores considerados não dedutíveis («ND») pelo próprio sujeito passivo (coluna «dedutibilidade») no âmbito das operações selecionadas das contas #72881370 (€ 1.222,91 — 4 registos), #72881373 (€ 1.722,60 - 4 registos) e #72881374 (€ 19.187,40 - 4 registos), que totalizam € 22.132,91, irão ser fiscalmente desconsiderados, com base no disposto nos art.ºs 28.º-A, 28.º-C e 41.º, todos do Código do IRC, e pelo facto do sujeito passivo não ter logrado demonstrar o correspondente acréscimo ao lucro tributável.
Em síntese, nos termos dos art.º 28.º-A, 28.º-C e art.º 41.º, todos do CIRC, procede-se ao ajustamento ao lucro tributável do montante de € 392.240,47 (€ 370.107,56 + € 22.132,91).
O sujeito passivo não exerceu o direito de audição com respeito à presente correção, conforme ponto IX.1.1.1. do presente Relatório de Inspeção Tributária, pelo que esta não sofre alterações.
III.1.1.2. Perdas com créditos não aceites para efeitos fiscais (art.º 41.º do CIRC)
- € 208.342,84 -
Tal como já foi referido no ponto anterior, na análise ao balancete da A... em 31-12-2016, verificou-se a existência de diversas subcontas da rubrica contabilística #72881 — Perdas Custo Risco que apresentavam saldos elevados, pelo que, no ponto 57 do pedido de elementos n.º 1, datado de 24-05-2018, solicitou-se ao sujeito passivo que justificasse a natureza das mesmas.
Na sua resposta entregue em CD, em 26-06-2018, veio o sujeito passivo justificar que as rubricas em apreço:
«Tratam-se de regularizações por passagens a perdas que se efetua nos contratos dos clientes por vários motivos.
Motivos de Passagem a Perdas
As passagens a perdas têm como origem as seguintes situações identificadas:
Situações Comuns a Várias Áreas
1 - Montante em dívida facultado incorretamente para liquidação de um dossier;
2 - Financiamento do disponível ou com origem em um aumento de plafond ou em uma operação de reabertura, realizado incorretamente e que entretanto gerou uma ou mais mensalidades;
3 - Anomalias técnicas que se reflitam num aumento do montante em dívida do dossier;
4 - Prémios de Seguro vencidos em dossiers com seguro ativam indevidamente;
5 - Incobráveis Judiciais com a respetiva informação.
Situações Específicas
1 - Regularizações, de acordo com as regras do Procedimento do Manual de Política de Facilidades, somente para o Serviço de Recuperação Amigável.
2 - Regularizações para dossiers em contencioso, do Manual de Gestão Avançada, somente para a Fase de Gestão Avançada;
3 - Valor em dívida inferiores a 2,5€, de dossiers em Contencioso, somente para a Fase de Gestão Avançada;
4 - Gestão de Insolvências e Gestão Judicial, somente para a Fase de Gestão Avançada;
5 - Uma situação comprovada de burla/fraude, somente para a Direção de Risk Management e Qualidade;
6 - Estorno de dossiers porque o Parceiros foi encerrado e outas situações comerciais específicas, somente para o Setor de Apoio Comercial;
7 - Decorrente de Operação Interna de Liquidação de Dívida, somente no Serviço de Análise de Crédito;
8 - Situação de erro de financiamento NIB, no Serviço de Análise de Crédito ou Serviço de Clientes.»
E, no ponto 59 do pedido de elementos supra referido, solicitaram-se os extratos das rubricas a seguir identificadas, bem como os documentos justificativos dos cinco (5) maiores registos em cada uma:
# 72881370 - PERDAS CUSTO RISCO – VL - € 11.093.716,29;
# 72881373 - PERDAS CUSTO RISCO – MC - € 17.185.081,95;
# 72881374 - PERDAS CUSTO RISCO – TOP - € 20.783.398,13;
Após análise aos elementos apresentados pelo sujeito passivo, (e conforme descrito no ponto anterior) acima descritas, foram identificadas operações com as seguintes naturezas:
1) Write off’s;
2) Perdões de dívida (vide itens A.1, A.2 e A.3 do ponto anterior do presente documento);
3) Créditos incobráveis judiciais, Insolvências.
No que se refere às situações da alínea 3) verificou-se que o sujeito passivo as considerou como perdas definitivas suportadas por considerar tratarem-se de créditos incobráveis judiciais e insolvências (anexo 9).
Assim, no ponto 1 da notificação de 28-11-2018 solicitou-se ao sujeito passivo que indicasse e comprovasse documentalmente se as situações registadas nas três rubricas de perdas supra se referiam a perdas definitivas ou se se tratavam de situações ainda passíveis de recuperação.
Na sua resposta datada de 10-12-2018, indica o sujeito passivo que:
«Estas contas incluem € 723.816,10 relativos a perdas definitivas.
(…)
Entre os valores de perdas definitivas estão os resultantes de acordos de remissão de créditos, também identificados como «passagem a perdas — perdão de dívida», no valor total de € 370.107,56€. Os valores remanescentes respeitam essencialmente a créditos incobráveis nos termos do artigo 41.º do Código do IRC.
Quanto ao suporte documental das situações registadas como perdas definitivas, (...) remetemos para a informação já disponibilizada em 24/10/2018, relativa ao pedido de informação n.º 3 (A59).
(…)
Concluindo, os valores foram reconhecidos como uma perda de imparidade, dedutível para efeitos fiscais nos termos dos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC. A passagem destes valores pelas contas #7288 é meramente por razões de operacionalização da regularização dos saldos dos clientes, não alterando a relevância fiscal da perda por imparidade já reconhecida.»
E, em 12-12-2018, enviam por email diversos documentos que designam por «sentenças dos créditos incobráveis judiciais dos movimentos das contas 72881370, 72881373 e 72881374».
Ora tratando-se de perdas definitivas, aquelas apenas serão aceites para efeitos fiscais se essas perdas reunirem as condições vertidas no art.º 41.º do CIRC para serem classificadas de créditos incobráveis.
Determina aquele art.º 41.º do CIRC que:
«1 - Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação nas seguintes situações, desde que não tenha sido admitida perda por imparidade ou esta se mostre insuficiente:
a) Em processo de execução, após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código de Processo Civil;
b) Em processo de insolvência, quando a mesma for decretada de caráter limitado, após o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou, quando exista, a homologação do plano objeto da deliberação prevista no artigo 156.º do mesmo Código;
c) Em processo especial de revitalização, após homologação do plano de recuperação pelo juiz, previsto no artigo 17.º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
d) Nos termos previstos no SIREVE, após celebração do acordo previsto no artigo 12.º do referido regime;
e) No âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais, após decisão arbitral;
f) Nos termos do regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais, os créditos se encontrem prescritos e o seu valor não ultrapasse o montante de € 750.».
Consequentemente, não tendo sido apresentado, para os casos em apreço, a respetiva sentença judicial de insolvência, nem a sentença judicial de graduação de créditos, ou sequer qualquer outro documento apresentado em tribunal que comprove que ali corre os seus termos, mas tão simplesmente entregaram pedidos internos para a autorização da regularização de créditos em mora através do reconhecimento de perdas efetivas, considera-se que não temos na nossa posse documentação que comprove inequivocamente estarmos perante situações passiveis de serem enquadradas, para efeitos fiscais, como créditos incobráveis, pelo que, não poderemos reconhecer a sua dedutibilidade fiscal.
Deste modo, após validação atenta de toda a documentação apresentada pelo sujeito passivo através do número de "Dossier" identificado, igualmente por aquele, verificou-se que, ainda assim, subsistiam diversas situações carentes de prova documental a atestar a publicação da efetiva declaração judicial de insolvência e. consequentemente, não se comprova a sua dedutibilidade fiscal, pelo que, nos termos do art.º 41.º do CIRC, procede-se ao ajustamento de € 208.342,84 (Anexo 9).
Na sequência da apreciação dos argumentos e elementos facultados pelo sujeito passivo em sede de direito de audição, originou que a correção fosse ajustada para € 46.756,94, conforme ponto IX.1.1.2. do presente Relatório de Inspeção Tributária.
[…]
IX. Direito de Audição
Em face do disposto nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária e do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, aprovados pelos Decretos — Lei n.os 398/98, de 17 de dezembro, e 413/98, de 31 de dezembro, respetivamente, notificou-se o sujeito passivo, em 2019-04-30, para exercer, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, o direito de audição sobre o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária da ação inspetiva em apreço.
O sujeito passivo exerceu o direito de audição por via escrita, em 2019-05-15, o qual foi rececionado nos nossos serviços na mesma data (com o n.º de entrada 4293), tendo-se manifestado apenas no que respeita à correção proposta no ponto III.1 .1.2 do Projeto de Relatório.
Relativamente ao exposto no mesmo, cumpre-nos informar o seguinte:
IX.1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS – IRC
IX.1.1. CORREÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Perdas por imparidade e créditos incobráveis não aceites fiscalmente - «Perdões de Dívida» (art.os 28.º-A, 28.º-C e 41.º, todos do Código do IRC)
- € 392.240,47 -
No que respeita à correção proposta no valor de € 392.240,47 pelo facto do sujeito passivo ter assumido como perdas definitivas fiscalmente dedutíveis os valores suportados com perdões de dívidas efetuados a clientes, aquele, veio apenas referir a sua discordância da mesma, não apresentando qualquer argumentação que justificasse a sua posição. Contudo, não deixou de manifestar que se reserva o direito de vir a contestar através dos meios legais disponíveis, seja reclamação graciosa, impugnação judicial ou outro.
Face ao exposto, a correção inicialmente proposta torna-se definitiva em sede do presente Relatório de Inspeção Tributária.
IX. 1.1.2. Perdas com créditos não aceites para efeitos fiscais (41.º do Código do IRC)
- € 46.756,94 -
No que respeita à correção inicialmente proposta pela Inspeção Tributária, no valor de € 208.342,84, a mesma resultou do facto do sujeito passivo ter considerado como fiscalmente dedutíveis gastos decorrentes de operações que o próprio classificou como «Créditos incobráveis judiciais, insolvências» enquadráveis no art.º 41.º do CIRC, não tendo, no entanto, comprovado documentalmente que as mesmas configuram alguma das situações insertas naquele normativo legal, nomeadamente a publicação da sentença judicial de insolvência.
Agora, em sede de direito de audição, veio o sujeito passivo indicar que o valor ora em crise se subdivide nas seguintes situações:
(i) Insolvências e exoneração de passivos - € 130.984,30;
(ii) Comissões de mora - € 38.091,26;
(iii) Amortização e passagem a proveitos - € 26.691,17;
(iv) Perdões de dívida - € 12.576,11;
que passaremos desde já a analisar:
(i) Insolvências e exoneração de passivos - € 130.984,30
No que respeita a este valor, o sujeito passivo veio justificar que se tratam de onze (11) situações de créditos em mora de clientes seus relativamente aos quais apresenta «documentação comprovativa das perdas referentes a insolvências e exoneração de passivos»:
[…]
Analisada a documentação entregue, verificou-se que, no que respeita a dez (10) das referidas situações, as quais totalizam o montante de € 123.494,64, o sujeito passivo apresentou efetivamente as sentenças judiciais da exoneração de passivos de sujeitos passivos singulares declarados insolventes, pelo que se procede à anulação do respetivo ajustamento inicialmente proposto.
Contudo, relativamente ao Dossier n.º..., com o nome do devedor B... e C..., no valor de € 7.489,66, os documentos apresentados pelo sujeito passivo (anexo 10 do seu direito de audição) respeitam a:
Sentença do Tribunal da Comarca de Santarém — Inst. Local — Secção Cível — J1, datada de 02-07-2015, no processo n.º .../14...YIPRT – Ação Esp.Cump.Obrig.DL269/98 (superior Alçada 1ª Instaª), que o sujeito passivo intentou contra o seu cliente por falta de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de crédito, que julgou a ação improcedente, tendo absolvido os réus (os clientes da A...);
Sentença do Tribunal da Relação de Évora, apelação n.º.../14... YIPRT.E1, datada de 21-04-2016, em que o sujeito passivo recorreu da decisão supra, que considera o recurso improcedente e mantém a sentença recorrida.
Em face do exposto supra, na medida em que o sujeito passivo, tendo, mais uma vez, justificado tratar-se de créditos incobráveis judiciais, insolvências, continua sem fazer prova documental que, inequivocamente, se trata de uma situação enquadrável no âmbito do art.º 41.º do Código do IRC, considera-se ser de manter a correção de € 7.489,66.
(ii) Comissões de mora - € 38.091,26
Veio o sujeito passivo justificar que o valor em causa refere-se a comissões de mora que são «(...) indevidamente cobradas ao nível do sistema informático» a dossiers (clientes) que se encontram em «processo de sinistro».
E expõe que:
«Neste processo e por limitações de carácter informático a contribuinte não consegue executar o estorno automático destas comissões. Para colmatar este problema a Contribuinte executa este estorno em duas fases: uma primeira em que contabiliza o valor de cada comissão de mora, na conta 72881, por contrapartida de um crédito na conta de cada cliente; e uma segunda fase, em que a contribuinte salda estes movimentos na conta 72881 pelo seu valor agregado por contrapartida da conta 81391, refletindo desta forma a devida anulação de proveitos.», tendo apresentado documentação comprovativa da movimentação contabilística.
Argumenta, ainda, que os valores que foram objeto de proposta de correção pela Inspeção Tributária, indicados nos dois quadros supra como «Valor da proposta de correção», não respeitam aos dossiers (clientes) em causa, pois representam o somatório de diversas situações idênticas, o que comprovou documentalmente.
Perante os factos supra, considera-se ser de conceder razão ao contribuinte relativamente ao montante parcial de € 38.091,26.
(iii) Amortização e passagem a proveitos - € 26.691,17
[…]
O sujeito passivo veio justificar que os pedidos de regularizações de contratos respeitavam à passagem a proveitos e não a passagem a gastos, tendo apresentado o respetivo registo. Contudo, muito embora o sujeito passivo venha argumentar que os valores relativos aos dois dossiers «...não tiveram qualquer perda no período de tributação de 2016...», se é certo que o valor de € 26.691,17 se encontra refletido na conta de gastos «72881 — PERDAS CUSTO RISCO», a documentação aduzida pelo sujeito passivo nesta fase não demonstra ou comprova o registo do mesmo valor em contas de rendimentos.
Assim sendo, mantém-se a proposta de correção do valor parcial de € 26.691,17.
(iv) Perdões de dívida - € 12.576,11
Considera-se pertinente voltar aqui a referir que este valor parcial faz parte do total de € 208.342,84 inicialmente proposto pela Inspeção Tributária para correção pelo facto de, tendo o sujeito passivo identificado determinadas gastos como créditos incobráveis judiciais, insolvências, não comprovou documentalmente, em sede do procedimento Inspetivo, que os mesmos respeitavam a situações previstas no art.º 41.º do Código do IRC e, consequentemente, não ficou comprovado que os respetivos gastos reuniam as condições necessárias para puderem ser considerados como fiscalmente dedutíveis.
Relativamente a este valor parcial proposto para correção, veio o sujeito passivo, no exercício do seu direito de audição, justificar que:
«Perdões de dívida
No que se refere aos restantes dossiers (42..., 425... e 50...) que se encontram detalhados na tabela abaixo, efectivamente são situações análogas às referidas no ponto Ponto III.1.1.1.Perdas por imparidade e créditos incobráveis não aceites fiscalmente — «Perdões de Divida» (art.º 28.º-A, 28.º-C e 41.º, todos do Código do IRC) (…)».
[…]
Assim, atentos os seguintes factos:
Os casos ora em apreço encontram-se incluídos na correção de € 208.342,84 inicialmente proposta pela Inspeção Tributária;
As três situações em causa (€ 1.104,03, € 10,856,30 e € 615,78) foram detetadas no decorrer da ação inspetiva e encontravam-se registadas exatamente nas mesmas rubricas de gastos que constam na correção do ponto III.1.1.1. do presente Relatório de Inspeção;
Estas situações foram inicialmente apresentadas pelo sujeito passivo como «Créditos incobráveis judiciais, insolvências», ou seja, como verificando as condições do art.º 41 do Código do IRC;
Aquelas foram objeto de proposta de correção nos termos do art.º 41.º do Código do IRC apenas e só pelo facto do sujeito passivo não ter apresentado qualquer documento que comprovasse a natureza por ele indicada;
Na medida em que o próprio sujeito passivo assumiu agora, em sede do exercício do seu direito de audição, que as três situações constantes do quadro supra são de natureza idêntica às que a Inspeção Tributária corrigiu no ponto III.1.1.1. do presente Relatório de Inspeção, considera-se ser de manter a correção parcial inicialmente proposta, quer com base nos fundamentos dispostos no ponto III.1.1.1, quer com os fundamentos explanados no ponto III.1.1.2, ambos do presente Relatório de Inspeção Tributária.
Em conclusão, face à documentação e argumentação aduzida pelo sujeito passivo, considera-se ser de manter a correção no valor parcial de € 46.756,94, decomposto nos seguintes valores:
- € 7.489,661 com os fundamentos inicialmente expostos e que constam no ponto III.1.1.2. do presente Relatório de Inspeção Tributária;
- € 26.691,17, com os fundamentos inicialmente expostos e que constam no ponto III.1.1.2. do presente Relatório de Inspeção Tributária e pelo facto do sujeito passivo não ter procedido à demonstração de que este valor foi registado em contas de rendimentos;
- € 12.576,11, com os fundamentos expostos nos pontos III.1.1.1 . e III.1.1.2. do presente Relatório de Inspeção Tributária.” – cf. RIT.
Q. Incluído no valor de € 22.132,91 que a Requerente considerou não dedutível no decurso do procedimento inspetivo (secção III.1.1.1. Perdas por imparidade e créditos incobráveis não aceites fiscalmente do RIT) encontra-se uma parcela de € 13.162,99, registada na rubrica #72881374, que corresponde a um crédito incobrável determinado pelo processo especial de revitalização n.º .../15...T8LRA, do Tribunal da Comarca de Leiria – cf. PA (documentos 3 a 5 anexos ao direito de audição exercido em relação à proposta de indeferimento da reclamação graciosa).
R. Em relação ao valor de € 7.489,66 (constante do ponto IX. 1.1.2. Perdas com créditos não aceites para efeitos fiscais do RIT), relativo a um crédito reclamado judicialmente contra os clientes devedores da Requerente (B... e C...), por falta de cumprimento de obrigações pecuniárias, a sentença de improcedência do Tribunal da Comarca de Santarém, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, refere que : “[...] da matéria provada resulta apenas que o pagamento foi acordado em 58 prestações. A autora [Requerente] não alega que foi acordado outro número de prestações superior ao referido ou que ocorreu qualquer extensão do número de prestações inicialmente acordado, motivo pelo qual, tendo os réus [os clientes da Requerente] provado que pagaram aquele número de prestações, há que considerar que os mesmos lograram provar o pagamento da quantia mutuada”. Concluindo a sentença em apreço que “Efectivamente, afigura-se que chocaria a consciência jurídica a invocação da nulidade do contrato mútuo, nas circunstâncias concretas do caso em apreço, ou seja, depois de paga a totalidade do seu valor” – cf. PA.
S. O valor não aceite pela Requerida de € 26.691,17 sob a epígrafe “Amortização e passagem a proveitos” – constante do ponto IX. 1.1.2. Perdas com créditos não aceites para efeitos fiscais do RIT – desdobra-se em dois movimentos: um de € 26.690,32 e outro de € 0,85. No primeiro caso, trata-se de um movimento originado pela amortização de capital em dívida pelo cliente (dossier n.º 50...) que não gerou qualquer perda ou proveito na rubrica #72881 – Perda Custo Risco), respeitando a uma regularização manual no sistema por forma a que a rubrica #14001101 – Crédito Interno PCC passasse a refletir a amortização de capital que não foi registada automaticamente na rubrica de crédito sobre clientes. O montante de € 0,85 respeita a um valor pago em excesso pelo cliente na liquidação do contrato correspondente ao dossier n.º 42..., tendo sido requalificado para proveito na rubrica #72881 – Perdas Custo Risco (rendimento registado a crédito) – cf. PA (procedimento de reclamação graciosa documentos 11, 12 e 13 e documento 9 anexo à audição prévia).
T. O valor de € 12.576,11, constante do ponto IX. 1.1.2. Perdas com créditos não aceites para efeitos fiscais do RIT, respeita a “perdões de dívida” dos seguintes dossiers – cf. PA (documento 14 anexo à reclamação graciosa):
N.º de Dossier Nome do devedor Valor
42... D... (…) / E... (…) 1.104,03
425... F... (…) / G... (…) *10.856,30
50... H... (…) 615,78
Total 12.576,11
* Do referido valor, a imparidade de € 1.308,71 não estava aceite para efeitos fiscais, por limitação do Aviso n.º 3/95 do BdP.
U. Na sequência das correções à matéria coletável da Requerente globalmente referidas no ponto O supra, esta foi notificada da liquidação de IRC, referente ao período de 2016, emitida sob o n.º 2019..., e da liquidação de juros compensatórios n.º 2019 ... aí incluída no valor de € 7.249,33, perfazendo o valor global a pagar de € 136.701,72, até 24 de julho de 2019, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2019 ... – cf. documentos 2 e 3 juntos pela Requerente.
V. A demonstração de liquidação de juros compensatórios faz referência ao imposto (IRC), ao período de tributação (2016-01-01 a 2016-12-31), ao ato de liquidação (2019...), ao período de contagem dos juros (2017-12-28 a 2019-05-22), ao valor base de incidência (129.452,39), à taxa (4,000), ao fundamento de Recebimento indevido “art.ºs 102º do CIRC e 35º da LGT” e ao valor de juros liquidado (7.249,33) – cf. documento 2 junto pela Requerente.
W. Por não concordar com as identificadas correções, a Requerente apresentou contra a referida liquidação Reclamação Graciosa, que veio a ser indeferida, após notificação do projeto e exercício do direito de audição, com base no entendimento sustentado no âmbito inspetivo – cf. documentos 1, 4, 8 e 9 juntos pela Requerente e PA.
X. A Requerente não procedeu ao pagamento do valor liquidado pela AT, tendo apresentado garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal destinado à sua cobrança coerciva, em conformidade com o disposto no artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) – cf. documento 7 junto pela Requerente.
Y. Mantendo a discordância em relação aos atos tributários de liquidação de IRC e juros compensatórios referentes ao período de 2016, a Requerente apresentou no CAAD, em 22 de maio de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.
2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições assumidas pelas Partes em relação aos factos essenciais, e no depoimento das testemunhas inquiridas, I..., responsável pela contabilidade e tesouraria da Requerente desde 2005, e J..., técnica de contabilidade da Requerente.
As testemunhas responderam de forma objetiva e aparentaram credibilidade, manifestando conhecimento direto da atividade da Requerente. Confirmaram que a renegociação apenas ocorria em casos pontuais, residuais face ao universo de incobrabilidade resultante da atividade da Requerente e que implicava sempre um acordo de pagamento na ordem dos 80% do valor total em dívida, abdicando a Requerente da parte restante, numa ponderação custo/benefício, pois a alternativa da via judicial seria sempre morosa e dispendiosa. As testemunhas não participavam nas renegociações de dívida com os clientes inadimplentes.
FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
4. DO MÉRITO
4.1. Da alegada falta de fundamentação
A Requerente suscita vício de forma por insuficiente fundamentação relativamente ao acréscimo à sua matéria coletável da importância de € 22.132,91, por não ser possível compreender da leitura do RIT em qual dos regimes – dos artigos 28.º-A e 28.º C, ou do artigo 41.º, ambos do Código do IRC – a Requerida suporta esta correção.
Para este efeito, invoca os artigos 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 268.º, n.º 3 da Constituição, que consagram o dever de fundamentação, a concretizar de forma clara, congruente e expressa, equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de agosto de 2015, processo n.º 01173/14, e ainda o artigo 153.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT).
O dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão, permitindo o controlo da sua validade através da análise dos respetivos pressupostos e o acesso à garantia contenciosa.
No caso concreto, a correção em apreço enquadra-se na secção III.1.1.1 do RIT, sob a epígrafe “Perdas por imparidade e créditos incobráveis não aceites fiscalmente – «Perdões de Dívida» (art.os 28.º-A, 28.º-C e 41.º, todos do Código do IRC)”, sendo percetível com clareza que estão em causa as situações em que o sujeito passivo procedeu à renegociação com os seus clientes de créditos vencidos, com imparidade total, prescindindo de receber uma parte destes, perdoada por contrapartida do recebimento efetivo do remanescente dos créditos.
Neste contexto específico (dos perdões de dívida), no decurso do procedimento inspetivo, a AT solicitou esclarecimentos em relação a lançamentos selecionados das contas “Perdas Custo Risco”, tendo a Requerente apresentado tabelas nas quais ela própria qualificou os montantes em questão (que totalizam o citado valor de € 22.132,91) como não dedutíveis. Deste modo, com base na informação fornecida pela Requerente a Requerida conclui que,
à semelhança das demais correções referentes aos perdões de dívida, estes não são fiscalmente dedutíveis por falta de subsunção, quer no regime das perdas por imparidade em créditos (artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC), quer do regime de créditos incobráveis (artigo 41.º daquele diploma), como se constata do seguinte excerto ilustrativo do RIT:
“Nas situações em apreço, o sujeito passivo registou os valores em causa em rubricas de gastos, assumindo, assim, uma perda definitiva, prescindindo de qualquer hipótese de recuperação de algum valor e assumindo perante os clientes que, a partir daquele momento, muito embora tenham assinado um contrato de crédito que os obrigava a efetuar pagamentos periódicos para ressarcir a A... do empréstimo concedido, encontram-se desobrigados a liquidar qualquer valor que se encontre em falta.
De igual modo os valores considerados não dedutíveis («ND») pelo próprio sujeito passivo (coluna «dedutibilidade») no âmbito das operações selecionadas das contas #72881370 (€ 1.222,91 — 4 registos), #72881373 (€ 1.722,60 - 4 registos) e #72881374 (€ 19.187,40 - 4 registos), que totalizam € 22.132,91, irão ser fiscalmente desconsiderados, com base no disposto nos art.ºs 28.º-A, 28.º-C e 41.º, todos do Código do IRC, e pelo facto do sujeito passivo não ter logrado demonstrar o correspondente acréscimo ao lucro tributável."
Assim, não só foi a Requerente que deu origem a esta correção, ao classificar, ela própria, como não dedutível, o valor em causa, como é inteligível que a Requerida reputou esse montante como respeitante a perdões de dívida cuja dedução fiscal desconsidera por falta de enquadramento em qualquer dos dois regimes que, em seu entender, legitimariam essa dedução.
Desta forma, não se verifica o vício de falta de fundamentação, tendo a Requerente percecionado os argumentos da Requerida, pois esgrime contra os mesmos laboriosa oposição demonstrativa de ter compreendido os factos e o enquadramento técnico preconizado pela AT.
Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados os pressupostos de tributação nela retratados, nomeadamente em relação à não satisfação do ónus da prova e aplicação do regime da fundada dúvida (artigo 100.º do CPPT). Neste caso, não se trata de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, que de seguida se aprecia (sobre esta distinção v. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de novembro de 2019 ).
4.2. Vício substantivo de erro nos pressupostos: correção da dedução fiscal de perdas por imparidade e créditos incobráveis não aceites fiscalmente – “perdões de dívida” – artigos 28.º-A, 28.º-C e 41.º do Código do IRC
A principal correção que se discute nos presentes autos, no valor de € 392.240,47 , prende-se com a desconsideração, pela Requerida, da dedução fiscal, do gasto relativo à parte dos créditos perdoados pela Requerente aos seus clientes, no âmbito da renegociação de créditos vencidos e em mora há mais de dois anos.
Ficou demonstrado nos autos que a renegociação dos créditos “mal parados” que a Requerente levou a efeito visava a recuperação efetiva dos créditos e em montante substancial – de aproximadamente 80% do valor em dívida. A concessão do benefício de redução da dívida em cerca de 20%, era o argumento negocial utilizado para convencer os clientes a pagar o valor que remanescia (os ditos 80%), poupando-se diligências judiciais onerosas, demoradas e de sucesso não garantido, com o encaixe financeiro imediato na esfera da Requerente e o inerente desaparecimento do risco de cobrança de uma parte substancial dos créditos em mora prolongada.
É claro que, com a remissão parcial dos créditos, a Requerente reduzia o seu direito de crédito, desobrigando os clientes da parcela da prestação perdoada, extinguindo-se a dívida nessa parte. No entanto, segundo a Requerente, o recebimento imediato de cerca de 80% dos créditos constitui uma solução vantajosa do ponto de vista da recuperação do crédito, que se encontrava vencido há mais de dois anos e cuja expetativa de cobrança, volvido esse período, se encontrava manifestamente diminuída, para não dizer comprometida. Explicação a que este Tribunal adere, sendo do conhecimento geral, quer os custos e morosidade associados ao contencioso de recuperação de créditos, quer a incerteza do seu desfecho, nada havendo a estranhar em tal atuação, que visa acautelar o efetivo recebimento dos valores em dívida à Requerente e é desenvolvida no seu interesse (nem a Requerida questiona este quadro fáctico).
Aliás, situação similar ocorre com frequência nos processos especiais de revitalização “PER” em que as negociações dos credores com os devedores podem concluir-se com a aprovação de um plano (de recuperação, artigo 17.º-F do CIRE) que usualmente contempla (além da moratória) o perdão parcial dos créditos concedidos pelos credores na perspetiva, e na condição, de serem satisfeitos os créditos subsistentes [não perdoados] em conformidade com o plano de pagamentos acordado.
Interessa, a este respeito, ter de igual modo em conta que a referida renegociação se reporta a situações que se encontravam em mora há mais de dois anos e em relação às quais a Requerente já tinha alcançado a dedução fiscal, por via do reconhecimento de uma imparidade dos ativos em questão (créditos), nos termos do disposto nos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC. Por esta razão, fica afastada a possibilidade de uma motivação ou intuito de obtenção de vantagem fiscal subjacente à renegociação dos créditos por parte da Requerente (nomeadamente, a dedução do gasto com o seu abatimento ao lucro tributável), porquanto tal objetivo estava plenamente alcançado e não tinha sido questionado pela AT. Acresce não terem sido identificadas relações especiais entre a Requerente e os clientes cujas dívidas foram parcialmente remitidas.
Ambas as Partes entendem que os créditos remitidos (“perdoados”) não são qualificáveis como créditos incobráveis, passíveis de enquadramento no disposto no artigo 41.º do Código do IRC, pelo que neste ponto não existe dissensão. Conclusão que subscrevemos, pois com o perdão de dívida acordado entre a Requerente e os seus clientes, na parte aplicável, extinguiu-se o direito de crédito que esta detinha sobre aqueles, deixando de este de ser exigível.
Com efeito, um crédito incobrável pressupõe a existência de um crédito válido e exigível. Numa situação de incobrabilidade, o direito de crédito subsiste, embora não tenha sido lograda a sua satisfação/cobrança. Juridicamente, incobrabilidade e extinção do crédito são situações distintas. Como aliás parece reconhecer o RIT quando assinala que “o perdão de dívida produz a extinção da obrigação, ficando o devedor liberado de uma obrigação, e perdendo o credor, definitivamente, o seu direito de crédito”.
No mesmo sentido, a Requerente pugna pela inaplicabilidade do artigo 41.º do Código do IRC, referindo que os gastos não foram considerados como tais por serem incobráveis, nem o poderiam ser, uma vez que o regime desta norma pressupõe que não tenha sido admitida, quanto aos créditos, uma perda por imparidade ou que esta seja insuficiente e, no caso, tinha sido reconhecida a imparidade total dos créditos.
Entendemos que, em rigor, o crédito perdoado, na parte em que o foi, não é qualificável como crédito incobrável e sujeito ao seu regime, pois o perdão, juridicamente remissão, é causa de extinção das obrigações e, bem assim, em consequência, dos correlatos direitos de crédito (v. artigos 863.º e seguintes do Código Civil), e o regime de incobrabilidade pressupõe a existência de um crédito exigível.
Assim, não estando preenchidos os pressupostos do citado artigo 41.º, desde logo porque, como assinalado, os créditos em causa se extinguiram e deixaram de ser exigíveis (referimo-nos à parte remitida), e portanto não são mais créditos , coloca-se a questão de saber a que título pode ser admitida, se o for, a dedução dos gastos registados com a anulação dos créditos.
Aqui chegados, para a Requerida, ao perdão de dívidas não é aplicável o regime das perdas por imparidade dos créditos relativos à atividade da Requerente (v. artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC), pois estas perdas pressupõem que exista um ativo – o crédito a receber. Com o perdão, esse ativo deixa de existir, pelo que em relação ao mesmo não se pode reconhecer uma (perda por) imparidade. Silogismo do qual deriva que, não tendo o perdão de dívida enquadramento no regime dos incobráveis, como atrás referido, nem no regime de perdas por imparidade mencionado, não existe suporte legal para a dedução fiscal do gasto inerente, que qualifica como liberalidade, em linha com a jurisprudência do CAAD e do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria.
Tem razão a Requerida, quando afirma não ser aplicável o regime das perdas por imparidade dos créditos, uma vez que deixaram de existir os direitos de crédito (ativos financeiros) a que esta se reportava.
Neste âmbito, os citados artigos 28.º-A e 28.º-C dispõem o seguinte, na redação aplicável à data dos factos [2016]:
“Artigo 28.º-A
Perdas por imparidade em dívidas a receber
1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b) As relativas a recibos por cobrar reconhecidas pelas empresas de seguros.
2 - Podem também ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável as perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito, em títulos e em outras aplicações, contabilizadas de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis, no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, nos termos e com os limites previstos no artigo 28.º-C.
3 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação.
Artigo 28.º-C
Empresas do setor bancário
1 - Os montantes anuais acumulados das perdas por imparidade para risco específico de crédito dedutíveis, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º-A, são determinados com observância das regras definidas em decreto regulamentar, que estabelece as classes de mora em que devem ser enquadrados os vários tipos de créditos e os juros vencidos de acordo com o período decorrido após o respetivo vencimento ou o período decorrido após a data em que tenha sido formalmente apresentada ao devedor a exigência da sua liquidação, as percentagens aplicáveis em cada classe em função da existência ou não de garantia e da natureza da garantia bem como os créditos cujas imparidades, em função da sua própria natureza ou do tipo de devedor, não são dedutíveis naqueles termos.
2 - As perdas por imparidade para risco específico de crédito referidas no n.º 2 do artigo 28.º-A apenas são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável quando relacionadas com créditos resultantes da atividade normal do sujeito passivo.
3 - As perdas por imparidade em títulos, dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 28.º-A, são determinadas de acordo com a normalização contabilística ou outra regulamentação aplicável, desde que exista prova objetiva de imparidade.
4 - (Revogado.)
5 - As perdas por imparidade em outras aplicações, dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 28.º-A, não podem ultrapassar o montante que corresponder ao total da diferença entre a quantia escriturada das aplicações decorrentes da recuperação de créditos resultantes da atividade normal do sujeito passivo e a respetiva quantia recuperável, quando esta for inferior àquela.
6 - Quando se verifique a anulação de provisões para riscos gerais de crédito, bem como de perdas por imparidade e outras correções de valor não previstas no n.º 2 do artigo 28.º-A, são consideradas rendimentos do período de tributação, em 1.º lugar, aquelas que tenham sido aceites como gasto fiscal no período de tributação da respetiva constituição.”
Esta disciplina era complementada pelo Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal , no caso das entidades abrangidas pelo Regime das Instituições de Crédito, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, como sucede com a Requerente, que regulamentava e impunha limites específicos à constituição de provisões com a finalidade de risco específico de crédito e riscos gerais de crédito, entre outras, cuja aplicação pela Requerente não foi posta em crise.
Retomando a análise concreta, verifica-se que a renegociação dos créditos pela Requerente implicou que deixaram de se verificar as condições objetivas que determinaram as perdas por imparidade, pois esses créditos foram em parte recebidos, cessando nessa parte a “presumida” desvalorização do ativo financeiro, motivada pelo fundado receio de não pagamento. Em relação à parte perdoada, extinguiu-se o direito de crédito, impondo-se o desreconhecimento contabilístico desse ativo. Desaparecendo o ativo, não se pode relativamente ao mesmo colocar a questão do seu valor, pois não há nada a (des)valorizar.
O procedimento contabilístico da Requerente foi consistente com o entendimento supra enunciado e não foi questionado pela Requerida, que o considerou conforme às regras contabilísticas aplicáveis às instituições de crédito: as Normas de Contabilidade Ajustadas (“NCA”), definidas pelo Banco de Portugal, nos termos do Aviso n.º 1/2005, de 28 de fevereiro, que têm por base as normas internacionais de contabilidade (NIC ) adotadas, em cada momento, por regulamento da União Europeia e, bem assim, a estrutura conceptual para a apresentação e preparação de demonstrações financeiras que enquadra aquelas normas .
Assim, a Requerente desreconheceu e eliminou do balanço, na sua totalidade, os saldos referentes a créditos com imparidade totalmente reconhecida objeto de renegociação (que foram parcialmente pagos e na parte remanescente, de cerca de 20%, perdoados), em linha com o disposto na IAS 39 (§17) que estabelece que uma entidade deve desreconhecer um ativo financeiro quando (e apenas quando) os direitos contratuais aos fluxos de caixa resultantes do ativo financeiro expiram, atendendo a que o crédito foi, em parte satisfeito (mediante pagamento) e em parte extinto (por remissão).
Ainda do ponto de vista contabilístico, no desreconhecimento de um ativo financeiro na sua totalidade, a diferença entre a quantia escriturada (à data do desreconhecimento) e a retribuição recebida deve ser reconhecida nos lucros ou prejuízos, nos termos da IAS 39 (§26, i.e., em resultados), o que foi observado pela Requerente que na reversão das perdas por imparidade dos créditos renegociados (repondo-as) reconheceu um ganho no valor total do crédito e, em simultâneo, um gasto pelo valor parcial do crédito perdoado (pela diferença entre o valor nominal do crédito inicial e aquele que acabou por receber depois de renegociada a dívida com o cliente).
Assim, o perdão de dívida teve efeito direto em resultados, embora na parte do crédito perdoado a reversão da imparidade (em ganhos) tenha compensado o registo do perdão de dívida (em gastos), pelo que na perspetiva contabilística se cifrou em resultado “zero”, ocorrendo uma movimentação de contas sem impacto em termos de resultado contabilístico. No entanto, isso não significa que, do ponto de vista fiscal esse impacto não deva existir e que a dedução desse gasto continue a ser legalmente permitida como a perda por imparidade [agora revertida] o foi.
De acordo com o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade , segundo o qual a primeira, em regra, segue a segunda, o resultado líquido apurado de acordo com a contabilidade é objeto de diversos ajustamentos consagrados no Código do IRC, com particular incidência na matéria da dedutibilidade dos gastos e perdas, que tem de observar os requisitos, na matéria que aqui releva, dos artigos 28.º-A, 28.º-C, 41.º e 23.º do citado Código.
Isto significa que um gasto contabilístico nem sempre será um gasto fiscal, necessitando, para tal, de reunir as condições previstas na legislação tributária. Porém, sempre que a lei fiscal não disponha diversamente, o regime contabilístico rege o apuramento do lucro tributável.
Deste modo, quando os artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC se referem a perdas por imparidade, permitindo a sua dedução para efeitos fiscais em determinadas condições neles estipuladas, estão a operar uma remissão para os conceitos contabilísticos (nomeadamente o de imparidade), sem prejuízo de adicionarem requisitos para que aquelas perdas sejam fiscalmente dedutíveis.
De acordo com as normas contabilísticas, uma perda por imparidade corresponde à diferença, para menos, entre o valor escriturado de um ativo e o seu valor real (a quantia recuperável através do uso ou da venda do ativo) , impondo-se o seu reconhecimento sempre que tal circunstância se constate.
Ora, não existem perdas por imparidade em relação a direitos de crédito extintos e inexigíveis. Conforme argui a Requerida, os gastos registados pelo perdão de dívidas suscitado pela renegociação dos créditos no período tributário de 2016, não resultam do reconhecimento de perdas por imparidade, nem faz sentido falar, com a Requerente, em “utilização de imparidade”. No balanço desse ano [2016] da Requerente já não constavam esses ativos (créditos a receber), pois os créditos tinham-se extinguido por remissão (nessa parte) e foram, consequentemente, desreconhecidos. O desvalor da imparidade é aferido por referência a um ativo escriturado. No caso, esse(s) ativo(s) deixou(aram) de existir. Sem ativo não há imparidade.
Nestes termos, não podemos deixar de acompanhar a Requerida na conclusão de que não pode aplicar-se a disciplina das perdas por imparidade prevista nos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC aos gastos registados em decorrência do perdão de dívidas, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos, pelo que a dedução fiscal destes gastos a alcançar-se, sê-lo-á por outra via, em concreto, com suporte no artigo 23.º do mesmo Código, cujo n.º 1 contém o princípio geral de dedutibilidade fiscal dos gastos: “são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
A este respeito importa compulsar o entendimento perfilhado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de novembro de 2015, no processo 0963/13, que manifesta a posição consolidada na jurisprudência de que é “ao contribuinte e não à AT que cabe demonstrar os custos que suporta[ ] para obter os proveitos, sendo certo que no caso em análise, só a recorrente está em condições de convencer que lhe não foi possível cobrar os créditos que detém sobre outrem”, em aplicação do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT que consagra a regra geral de repartição do ónus da prova no domínio tributário.
Declara-se ainda que “à luz do disposto no art. 39.º do CIRC, na referida versão (A que, hoje, i.e., a partir de 1 de Janeiro de 2010, data em que entrou em vigor a versão do CIRC aprovada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, corresponde o art. 41.º.), para que um crédito seja considerado incobrável, permitindo dessa forma o seu reconhecimento direto como custo fiscal do exercício, é necessário que essa incobrabilidade resulte de um processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência (Quanto ao meio de prova da incobrabilidade, vide o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 782/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 […] e é ainda necessário que, relativamente a esses créditos, não seja possível constituir provisão, ou sendo possível constituí-la, esta não se mostre suficiente.
E bem se compreende a teleologia desta norma: admitindo que não devem deixar de relevar negativamente na formação do lucro tributável os créditos que comprovadamente as empresas têm dificuldades ou não conseguem cobrar, o legislador criou um regime de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, bem como um regime de custos por créditos incobráveis; mas, sendo certo que entre as finalidades prosseguidas pelas empresas não está a concessão de perdões de dívidas ou outras liberalidades, procurou evitar-se que as sociedades criem custos fora do âmbito daqueles regimes, prevenindo quer a ilegítima manipulação do lucro tributável, quer eventuais fraudes à lei. […]
O caso é que a ora Recorrente celebrou um acordo em que aceitou diminuir o seu crédito sobre a sociedade […] ou seja, concedeu à devedora um perdão de dívida.
A AT considerou que esse perdão não pode relevar como custo para efeitos fiscais, pois não se mostram verificados os requisitos que permitiriam o reconhecimento direto da incobrabilidade do crédito […].
Na verdade, não tendo sido constituídas provisões para fazer face ao risco de incobrabilidade desse crédito, o mesmo apenas poderia ser reconhecido diretamente como custo para efeitos fiscais caso se verificassem os referidos requisitos do art. 39.º do CIRC [atual artigo 41.º] – ou seja, que a incobrabilidade do crédito resultasse demonstrada de um processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência –, o que não sucede.”
Em sentido equivalente se tinha anteriormente pronunciado o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), por acórdão de 13 de março de 2007, no processo n.º 01576/07, respeitante à anulação de proveitos por recusa de pagamento de trabalhos a mais imputados numa dada obra, circunstância em que a AT acresceu o respetivo valor, não aceitando a dedução fiscal do gasto. O TCAS confirmou o entendimento da AT, declarando que aquela anulação de proveitos não pode ser considerada custo fiscal, pois isso equivaleria a que os perdões de dívidas ou os créditos incobráveis pudessem ser “elegíveis como custos para efeitos fiscais em qualquer circunstância, o que o Código do IRC não admite”, nomeadamente por força do princípio da especialização dos exercícios.
Prossegue o TCA: “Na verdade, foi objetivo claro do legislador, para efeitos fiscais, não deixar tais questões ao arbítrio ou à subjetividade dos critérios de cada contribuinte. Por isso, uma vez que a lei optou por estabelecer critérios objetivos, é inócuo argumentar-se com a credibilidade ou a natureza pública dos devedores, designadamente pelas relações comerciais ou de confiança que os ligavam pois tal contende com a subjetividade; da mesma forma, a opção por não acionar os meios judiciais dessas dívidas e antes negociar outras formas ou condições de pagamento ou, perdoar a dívida para alcançar no futuro uma posição de confiança junto desse devedor, contende com os critérios económicos e de gestão de cada um, para além da sua capacidade financeira, não sendo permitidos.”
Posição similar é adotada na jurisprudência arbitral, nas decisões proferidas nos processos n.ºs 842/2014-T, de 20 de outubro de 2015 e 226/2013-T, de 20 de março de 2014. Neste último caso, fundamenta-se nos seguintes termos:
“Se de facto estamos perante uma situação de mera anulação de saldos devido por exemplo a acordos de dívida, então o custo contabilístico não é custo fiscal, porque não pode ser considerado um crédito incobrável para efeitos fiscais ao abrigo do artigo 39.º do CIRC (atual artigo 41.º CIRC) e, sendo assim, embora em termos contabilísticos o impacto seja nulo, em termos fiscais há que fazer um ajustamento positivo (a favor do Estado) que se traduz num valor a acrescer no quadro 07 da modelo 22.”
Os gastos de anulações de saldos e perdões de dívida são, nos termos expostos, enquadrados pela jurisprudência como não dedutíveis fiscalmente, por não preencherem os requisitos de enquadramento no regime dos créditos incobráveis previsto no artigo 41.º do Código do IRC, no pressuposto de que consubstanciam a concessão de liberalidades. Pretende-se prevenir a manipulação do lucro tributável e da elegibilidade dos gastos, para efeitos fiscais, assente em critérios subjetivos.
Esta linha de argumentação é pertinente. Contudo, afigura-se inaplicável à situação vertente, atentos os contornos fácticos que a mesma apresenta. Com efeito, a Requerente logrou demonstrar que, no caso concreto, a sua atuação foi justificada por razoáveis e sãs decisões de gestão. Estas decisões, referentes a créditos com mora já considerável, sabendo-se que o decurso do tempo diminui as probabilidades de cobrança, permitiram aumentar a possibilidade de recebimento imediato desses créditos, sem os custos e demoras de um processo contencioso, em contrapartida do sacrifício de uma parcela da dívida, menos expressiva, na ordem dos 20%.
O processo negocial da Requerente não é arbitrário e encontra-se balizado por um conjunto de procedimentos e boas práticas de recuperação de créditos, por forma a que apenas sejam perdoadas parcialmente as dívidas no caso de um encaixe financeiro efetivo substancial, de aproximadamente 80%, que constitui condição sine qua non do perdão parcial da dívida e que poucos clientes inadimplentes, com situações de mora há mais de dois anos, têm capacidade para cumprir.
Neste contexto, a remissão dos créditos em causa não constitui propriamente uma liberalidade (v. 863.º e 940.º, n.º 1 do Código Civil), mas uma decisão empresarial orientada por critérios de racionalidade económica. Estamos perante uma medida que permite a recuperação eficiente de um crédito nos casos (residuais) em que, apesar da mora prolongada, o devedor ainda dispõe de capacidade financeira parcial que o decurso do tempo pode comprometer.
Acresce que nesta situação é manifesto que não existe uma intenção fiscal de manipulação subjacente ao perdão de dívida pela Requerente, pois o regime fiscal favorável, de dedução dos gastos associados ao crédito vencido e não pago, já tinha sido alcançado pelo regime das perdas por imparidade em créditos (artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC), pelo que não é esse o objetivo prosseguido com a renegociação dos créditos. Pelo contrário, o sucesso na cobrança do valor aproximado a 80% do valor nominal dos créditos vencidos, conduziu à tributação dessa importância substancial no exercício em apreciação por reversão da imparidade, montante que tinha sido considerado em exercícios anteriores como uma perda (por imparidade) fiscalmente dedutível.
Face à prova produzida, devem considerar-se dedutíveis os gastos provenientes das remissões de dívidas nas circunstâncias descritas, por configurarem encargos conexos com a atividade da Requerente, suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
No sentido preconizado, TOMÁS CANTISTA TAVARES escreve, a propósito dos casos de abandono de créditos intra-grupo: “destes contornos decorre uma enorme cautela na admissibilidade geral desta figura, dado o risco de ilícita modelação do rendimento tributável de cada um dos intervenientes (por transferências de proveitos para sociedades deficitárias e assunção de custos por organizações lucrativas). Note-se, em primeiro lugar, que o abandono de créditos, mesmo em favor de terceiros não constitui, ipso facto, um ato anormal de gestão. Na verdade, nas relações entre parceiros comerciais não enlaçados num mesmo grupo de empresas, o perdão subsume-se no interesse da sociedade credora, desde que o terceiro-devedor se encontre numa difícil situação financeira. Com efeito, a preservação do intercâmbio comercial, (muitas vezes imprescindível à prossecução da atividade do credor) legitima a inserção desse ato de perdão de crédito no interesse empresarial focado a longo prazo” – “Da Relação da Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, C.T.F. n.º 396, p. 151.
Idêntica conclusão deve alcançar-se, mesmo nos casos em que a imparidade dos créditos não está (ou ainda não está) assegurada, como ocorre com o valor de € 22.270,55, sem imparidade registada corrigido pela Requerida (dado que o valor da perda foi superior ao da imparidade registada e aceite para efeitos fiscais, de acordo com os limites do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, que vigoraram até 31 de dezembro de 2015), desde que se verifique, como sucede in casu, a demonstração inequívoca da conexão à atividade. Essa imprescindível demonstração, a cargo do sujeito passivo, afasta o argumento de que os perdões de dívidas “seriam elegíveis para efeitos fiscais em qualquer circunstância”.
Por outro lado, uma interpretação rígida que, mesmo nos casos em que essa prova fosse produzida pelo sujeito passivo (como foi na presente ação), lhe coartasse o direito à dedução de um gasto que efetivamente suportou na sua atividade e por causa dela, conduziria a um resultado antitético à teleologia do artigo 23.º do Código do IRC, que se alicerça numa relação de estrita causalidade económica (o gasto tem de ser realizado no interesse da empresa ), interpretado em conformidade com o princípio da tributação fundamentalmente pelo lucro real, contemplado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição.
À face do exposto, conclui-se ser, neste ponto, procedente o alegado pela Requerente.
Neste contexto específico (dos perdões de dívida), no decurso do procedimento inspetivo, a AT solicitou esclarecimentos em relação a lançamentos selecionados das contas “Perdas Custo Risco”, tendo a Requerente apresentado tabelas nas quais ela própria qualificou alguns dos montantes em questão (que totalizam o citado valor de € 22.132,91), como não dedutíveis. Quanto a esta correção, relativa a valores inicialmente considerados não dedutíveis pela Requerente, de € 22.131,91, apesar de não se constatar o vício formal de fundamentação alegado e acima apreciado, a mesma enferma de erro nos pressupostos, em relação ao valor parcial de € 13.162,99, uma vez que a Requerente logrou provar, na fase do procedimento de reclamação graciosa, que este valor parcial respeita a um crédito incobrável em processo especial de revitalização.
Relativamente à questão temporal (de extemporaneidade) suscitada pela Requerida, em virtude de o crédito já estar em mora em 2015 e de, por conseguinte, ser possível a constituição de imparidade à data, interessa assinalar que, como aponta a Requerente, a situação de mora não é condição única para que o sujeito passivo registe uma imparidade, pois “a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança, de que o crédito é de cobrança duvidosa” – v. acórdão do TCAS, de 25 de abril de 2004, processo n.º 04778/01.
Por outro lado, não se acompanha a interpretação de que o artigo 41.º do Código do IRC só podia aplicar-se se não fosse admissível perda por imparidade, no sentido defendido pela Requerida de que, sendo supostamente possível o registo da imparidade, não poderiam ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação por violação do princípio da especialização, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC.
Neste ponto, como preconiza o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 18 de maio de 2005, processo n.º 87/05, numa situação similar, o citado artigo 41.º “estabelece uma medida de proteção para o contribuinte e não um gravame […] Ou seja: esses créditos são imediatamente considerados custos ou perdas do exercício, desde que se verifique a sua incobrabilidade em processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência. O que a lei pretende evitar, segundo nos parece, é que, tendo o contribuinte constituído provisão a título de ‘dívidas de cobrança duvidosa’, venha, depois, a considerar (duplamente) as mesmas dívidas como custos ou perdas do exercício, a título de ‘dívidas incobráveis’.
No caso sub judicio, a Administração Fiscal não permitiu à impugnante, ora, recorrente, considerar diretamente como custos ou perdas do exercício na liquidação de IRC do ano de […] a quantia de […], relativa a dívidas incobráveis, com o único fundamento de que no caso «era admitida a constituição de provisão». Ora, com o fundamento de que no caso «era admitida a constituição de provisão», a liquidação impugnada não pode subsistir”.
Não é pois intempestiva a dedução fiscal da perda referente ao processo especial de revitalização, nem da mesma resulta a violação do princípio da periodização económica que, em qualquer caso, sempre seria superável por parametrização do princípio da justiça, nos moldes enunciados pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 14 de março de 2018, processo n.º 0716/13.
No que se refere ao valor remanescente, de € 8.969,92, foi a própria Requerente a considerá-lo como não dedutível nos esclarecimentos prestados no decurso do procedimento inspetivo, através das suas declarações, que se devem presumir verdadeiras e de boa fé, pelo que o ónus da prova não recai, nestas circunstâncias, sobre a AT, que se suporta no princípio da colaboração e da veracidade das declarações dos sujeitos passivos (v. artigos 75.º e 59.º da LGT e 48.º, n.º 2 do CPPT).
É, desta forma inaplicável o disposto no artigo 100.º do CPPT, não tendo a Requerente alegado ou carreado para os autos qualquer elemento justificativo, no que a este montante [de € 8.969,92] respeita, que permita fundar um enquadramento diverso daquele que foi por ela transmitido à AT no procedimento e que pudesse suscitar uma fundada dúvida, se o ónus probatório recaísse sobre a Requerida.
4.3. Vício substantivo de erro nos pressupostos: perdas com créditos não aceites para efeitos fiscais – artigo 41.º do Código do IRC
A Requerente considerou como perdas definitivas e créditos incobráveis (judiciais e insolvências) diversas situações que, segundo a Requerida, não reúnem as condições do artigo 41.º do Código do IRC e que perfazem o valor de € 46.756,94 . Subdividem-se em três categorias, de seguida analisadas.
(a) Crédito reclamado judicialmente, no valor de € 7.489,66
A Requerente intentou uma ação especial de condenação destinada a exigir dos seus clientes o cumprimento de obrigações pecuniárias no valor de € 7.489,66, que foi declarada improcedente por sentença do Tribunal da Comarca de Santarém, confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora por acórdão datado de 21 de abril de 2016.
De acordo com a decisão judicial em apreço, ficou provado que os clientes pagaram a quantia mutuada pela Requerente, na totalidade das 58 prestações acordadas, pelo que as prestações do contrato de mútuo foram integramente satisfeitas. Assim, não se constata a existência de um crédito exigível nesta importância. Deste modo, o crédito exigido pela Requerente aos seus clientes, na importância de € 7.489,66 foi por esta desreconhecido (contabilisticamente) ocasionando uma perda.
A referida perda não tem enquadramento no artigo 41.º do Código do IRC que se reporta a créditos incobráveis. Conforme se salientou supra, para que um crédito possa ser qualificado como incobrável este tem de existir como tal, o que não se verifica na situação em análise. É, assim, de afastar a aplicabilidade da disciplina dos créditos incobráveis.
Porém, isso não significa que a perda registada em consequência do desreconhecimento do crédito não possa ser deduzida fiscalmente. Um erro – de facto ou de direito – na qualificação de uma quantia como crédito a receber, contabilizado (erroneamente) como tal, deve poder ser revertido, em particular quando, como no caso vertente, é verificado e decretado por sentença judicial. A perda assim determinada pelo Tribunal deve ser considerada dedutível nos termos gerais do artigo 23.º do Código do IRC, porquanto verificada no exercício da atividade normal da Requerente.
Em rigor, estamos perante uma situação em que nem sequer existiu ab initio qualquer crédito a receber (passível de imparidade ou de incobrabilidade), tendo ocorrido um lapso – motivado por erro, de facto ou de direito, na contabilização originária do mesmo, pois foi reconhecido e registado um crédito que nunca existiu. Encontrando-se, como está, devidamente comprovado o erro e tendo o mesmo ocorrido no desenvolvimento da atividade normal da Requerente, em relação a um contrato de mútuo que se inscreve nesse âmbito, está preenchido o requisito causal que o citado artigo 23.º, no seu n.º 1, reclama para que os gastos e perdas sejam dedutíveis para efeitos de IRC.
De notar que a Requerida não tem razão quando sustenta que estas perdas deviam ter sido reconhecidas no período de tributação de 2015, uma vez que a decisão definitiva sobre a inexistência dos créditos só foi proferida pelo Tribunal da Relação de Évora em abril de 2016. Assim, só em 2016 ficou definida a situação jurídica que impôs o desreconhecimento do crédito e a inerente perda, pelo que esta deve ser imputada a este período de tributação.
Em qualquer caso, mesmo que assim não se entendesse, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que o princípio da especialização dos exercícios (“que visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respetivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respetivo recebimento ou pagamento ocorram”) “deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.” – v. acórdão de 14 de março de 2018, processo n.º 0716/13.
Deste modo, nas circunstâncias do caso, não se constatando omissões intencionais ou qualquer prática de transferência de resultados pela Requerente, nem esta tendo sido alegada, sempre seria de aceitar a imputação ao período de 2016 de perdas de exercícios anteriores. Assiste, nestes termos, razão à Requerente em relação a esta correção.
(b) Amortização e passagem a proveitos, no valor de € 26.691,17
Ficou provado nos autos que o valor em causa se desdobra em dois movimentos. Um, residual, de € 0,85, refere-se ao pagamento em excesso de um cliente quando da liquidação do respetivo contrato. Esta importância foi registada a crédito em conta de resultados (embora na rubrica de Perdas Custo Risco #72881 ), e, portanto, tributada, pelo que não pode daí decorrer um ajustamento à matéria coletável da Requerente.
O outro movimento, de € 26.690,32, teve origem na amortização extraordinária de capital em dívida pelo cliente e não gerou uma perda ou um proveito na rubrica #72881 – Perda Custo Risco, respeitando a uma regularização manual no sistema por forma a que a rubrica #14001101 – Crédito Interno PCC passasse a refletir a amortização (extraordinária) de capital que não foi registada automaticamente na rubrica de crédito sobre clientes. Uma vez que tal movimento respeita somente ao reembolso do capital em dívida por parte do cliente, com impacto em contas patrimoniais, de balanço, e sem movimentos e impacto em contas de resultados, não estão em causa gastos deduzidos, pelo que não há a considerar qualquer ajustamento à matéria coletável, no que, de novo, assiste razão à Requerente.
(c) Perdões de dívida, no valor de € 12.576,11
Esta última categoria respeita a três situações de perdão de dívida, i.e., de remissão parcial de créditos, idênticas às referidas no ponto 4.2 supra, para o qual se remete, sendo aplicável o enquadramento aí descrito, considerando-se o gasto dedutível com fundamento no artigo 23.º do Código do IRC.
4.4. Juros compensatórios
No tocante aos juros compensatórios, não se verifica o respetivo requisito constitutivo – de retardamento da liquidação de imposto devido – na parte em que a liquidação de IRC é inválida por vício substantivo de erro nos pressupostos, pelo que devem, nesta medida, ser anulados (artigo 35.º, n.º 1 da LGT).
Quanto à parte da correção à matéria coletável válida – de € 8.969,92 – convém recordar que foi a própria Requerente que a identificou como não dedutível para efeitos fiscais, sendo-lhe imputável a responsabilidade por juros compensatórios, uma vez que o atraso na liquidação foi provocado pela sua conduta desconforme ao direito (ilícita), de onde se retira o juízo de censurabilidade.
Neste sentido, a doutrina e a jurisprudência sufragam a tese de que “quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a atuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infração tributária” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 22 de janeiro de 2014, processo n.º 01490/13 e demais jurisprudência aí citada.
Apesar de a culpa dever ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, tal circunstancialismo específico não se demonstrou na situação vertente.
Adicionalmente, a liquidação de juros compensatórios está devidamente fundamentada, pois contém, ainda que de forma sumária, os elementos essenciais ao cômputo dos juros e ao discernimento da sua motivação, por referência ao “recebimento indevido” de IRC e às normas legais que suportam o direito a estes juros.
4.5. Prestação de garantia indevida
A Requerente peticiona a condenação da Requerida ao pagamento de uma indemnização pela prestação indevida de garantia, nos termos do artigo 53.º da LGT, uma vez que, conforme ficou provado, prestou garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das quantias de IRC e de juros compensatórios liquidadas.
O artigo 171.º do CPPT estabelece que a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda (n.º 1) e que a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência (n.º 2).
O processo de impugnação judicial abrange, desta forma, a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
Constituindo o processo arbitral um meio processual alternativo à impugnação judicial, no qual é discutida a legalidade do ato(s) tributário(s) subjacente(s) à dívida exequenda, sempre que os contribuintes optarem pela via arbitral, é neste processo que deve ter lugar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Neste sentido se pronuncia a jurisprudência consolidada dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD que afirmam ser a ação arbitral o meio próprio para conhecer e apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida (cf. as decisões arbitrais proferidas em 04.11.2013, no processo n.º 66/2013-T, em 18.05.2016, no processo n.º 695/2015-T, em 02.01.2017, no processo n.º 220/2016-T e em 28.06.2017, no processo n.º 508/2016).
O artigo 53.º da LGT dispõe, no seu n.º 1, que o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida. Este prazo não se aplica quando se verifique que houve erro imputável aos serviços, conforme estabelece o n.º 2 do preceito em apreço. A indemnização por prestação de garantia indevida tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios (n.º 3).
Na situação vertente, demonstrada a existência de erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade do ato tributário controvertido e, consequentemente, à indevida prestação de garantia para suspensão da execução fiscal, assiste ao contribuinte o direito a ser ressarcido dos custos incorridos com a prestação e manutenção da garantia, com exceção do acréscimo à matéria coletável do valor de € 8.969,92, que se mantém válido.
Neste sentido, conforme preconiza o Acórdão do STA, de 21.11.2007, no processo n.º 633/07: “o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal atuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua atuação, não teria sido necessária prestar”.
Compulsados os autos, foi o que ocorreu na situação vertente, tendo a Requerente sido alvo da liquidação ilegal de IRC e de juros compensatórios, da exclusiva iniciativa da AT, sem ter contribuído para que os mesmos fossem praticados, com exceção da quantia de € 8.969,92 acrescida à matéria coletável, que se afigura correta, e dos juros compensatórios proporcionais.
Por outro lado, resultou provado que a Requerente prestou garantia bancária para suster a execução.
Deste modo, procede o pedido de condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida até ao respetivo cancelamento, exceto na parte relativa ao IRC correspondente ao acréscimo de € 8.969,92 à matéria coletável da Requerente adicionado dos juros compensatórios correspondentes. Isto, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no artigo 53.º, n.º 3 da LGT.
4.6. Questões de conhecimento prejudicado
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada ou cuja apreciação seria inútil, nomeadamente as respeitantes à violação dos princípios constitucionais (justiça, igualdade, proporcionalidade, boa fé, segurança e confiança legítima, e tributação pelo lucro real), nos termos do disposto no artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
EM SÍNTESE,
A correção ao IRC de 2016 da Requerente, enferma de erro de direito, por violação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC e por erro nos pressupostos (em relação à amortização e à passagem de € 0,85 a proveitos) e é, por conseguinte, anulável, à face do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, exceto na parte referente ao acréscimo de € 8.969,92 à matéria coletável da Requerente, que não padece dos vícios alegados, mantendo-se válida, adicionada dos juros compensatórios correspondentes.
V. DECISÃO
À face do exposto, acordam os árbitros deste tribunal arbitral em:
a) Julgar a ação parcialmente procedente, com a consequente anulação dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios relativos ao período de tributação de 2016, e bem assim do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra tais atos, com exceção da parcela respeitante ao acréscimo de € 8.969,92 à matéria coletável da Requerente, que se mantém válida, e dos juros compensatórios proporcionais;
b) Julgar parcialmente procedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida, com ressalva da parte em que a ação é improcedente, referente ao acréscimo de € 8.969,92 à matéria coletável da Requerente,
tudo com as legais consequências.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 136.701,72, correspondente à liquidação de IRC e de juros compensatórios que a Requerente pretende anular e não impugnado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 3.060,00, sendo € 2.998,80 a cargo da Requerida (98%) e € 61,20 a suportar pela Requerente (2%), em razão da sucumbência, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de julho de 2021
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Jorge Carita
(vencido, conforme declaração de voto junta)
Ricardo Marques Candeias
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não posso acompanhar o sentido que e presente decisão tomou, quando remeteu a resolução da questão controvertida para a aplicação do artº. 23º. do Código do IRC, considerando os custos em causa fiscalmente dedutíveis.
Senão vejamos.
Conforme consta da presente Decisão:
“Neste âmbito, a Requerente opõe-se às duas correções à matéria coletável que subjazem à liquidação de IRC em crise nos presentes autos, relacionadas com a não aceitação da dedução, para efeitos fiscais, de (i) perdas por imparidade e créditos incobráveis – perdões de dívida (€ 392.240,47), e de (ii) perdas com créditos incobráveis (€ 46.756,94). Invoca vício de forma, derivado de fundamentação insuficiente e pouco clara, e vício de violação de lei, incluindo constitucional, por errónea aplicação do direito.”
Dos vícios invocados pela Requerente o Tribunal começa por apreciar o da falta de fundamentação, decidindo e em nosso entende bem, pela sua inexistência.
Passa depois à análise do vício de violação de lei, assim enquadrado:
(f) “O alegado erro de direito na aplicação do regime de dedução de perdas por imparidade, previsto nos artigos 28.º-A, 28.º-C do Código do IRC, e de dedução de créditos incobráveis, constante do artigo 41.º do mesmo diploma, por inaplicabilidade à situação de desreconhecimento de créditos objeto de perda por imparidade anteriormente registada e deduzida para efeitos fiscais pelo seu valor global, na parte que foi remitida por renegociação da Requerente com os seus clientes devedores;” cuja correção efetuada pela AT monta a € 392.240,47.
Com base na factualidade assente e nas normas fiscais supra identificadas, a Decisão conclui, num primeiro momento, quanto a esta matéria, pela ilegalidade da liquidação efetuada, considerando que ao “Perdão de dívidas” em causa no presente processo, não pode ser dado o tratamento fiscal pretendido pela Requerente – a sua consideração como custo fiscal.
Entendimento relativamente ao qual manifestamos a nossa total adesão, sendo nosso entendimento que a presente Decisão poderia ter ficado por aqui.
Mas sempre faltaria a análise dos termos de interpretação e aplicação do artº. 23º. do CIRC.
A argumentação do presente Acórdão para sustentar tal posição pode ler-se com detalhe da pág. 34 a pág. 45 Segundo parágrafo.
Salientamos, pela sua importância, as seguintes passagens:
Primeiro que tudo aquela que caracteriza a situação da qual parte a Requerente para consumar o sistemático mecanismo de “perdão de dívidas”
“Ficou demonstrado nos autos que a renegociação dos créditos “mal parados” que a Requerente levou a efeito visava a recuperação efetiva dos créditos e em montante substancial – de aproximadamente 80% do valor em dívida. A concessão do benefício de redução da dívida em cerca de 20%, era o argumento negocial utilizado para convencer os clientes a pagar o valor que remanescia (os ditos 80%), poupando-se diligências judiciais onerosas, demoradas e de sucesso não garantido, com o encaixe financeiro imediato na esfera da Requerente e o inerente desaparecimento do risco de cobrança de uma parte substancial dos créditos em mora prolongada.”
Começa por ser esta conclusão que estará, em parte na base do nosso desacordo quanto à solução final dada a este processo.
E isso leva-nos à análise do Probatório, já que considero como insuficientemente provadas as seguintes alíneas:
D. Verificando-se o incumprimento dos clientes, em situações excecionais e suportadas pelos procedimentos de avaliação interna da Requerente sobre a recuperabilidade dos créditos (incluindo a solvabilidade dos clientes), esta decide a remissão (parcial) dos créditos em dívida, desde que acompanhada por um acordo de pagamento/recuperação parcial das prestações em mora – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
Entendo que não ficou suficientemente demonstrado que se trata de situações excecionais, e não de procedimentos geralmente utilizados e divulgados junto dos colaboradores da empresa para resolução mais rápida das situações de contencioso, premiando os clientes com um perdão que, ainda por cima, seria considerado como custo fiscal. A natureza excecional do perdão poderia ser facilmente demonstrada com os dados das cobranças em contencioso ou em mora, o que não foi feito, remetendo-se apenas para o depoimento vago e algo impreciso das testemunhas.
E. A decisão sobre a renegociação e remissão parcial da dívida é tomada com base nos mencionados procedimentos internos documentados e definidos, designadamente, no “Manual de Política de Facilidades da Responsabilidade da Direção de Crédito” da Requerente, que contém um conjunto de regras gerais e específicas às quais ficam subordinados os “perdões de dívida” – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
Em nosso entender não ficou demonstrado no processo que os casos que deram origem à correção em causa resultaram da aplicação rigorosa do dito “Manual”.
F. Tais decisões de recuperação parcial são apenas tomadas perante o insucesso das iniciativas de cobrança total e tendo em conta os próprios gastos associados à manutenção dos esforços de cobrança por via contenciosa que podem ser demasiado pesados face ao valor do crédito em causa mora – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
Não há dados no processo que permitam concluir que assim é, porquanto não se conhecem as diligências prévias que possam ter sido desenvolvidas para viabilizar a cobrança dos créditos em mora.
O “perdão” pode ser assumido como um expediente fácil para recuperar o crédito, sem a ameaça do calvário que o Código impõe aos contribuintes para reconhecimento como custo fiscal destas operações: - a utilização dos Tribunais, que, a ter vencimento a tese do custo fiscal do perdão, constituiria um incentivo para a sua não utilização, em prol de outros métodos – o que não parece consentâneo com um Estado de Direito.
Há muita subjetividade na concessão de cada “perdão”.
G. Com este procedimento de renegociação da dívida, a Requerente procura assegurar o pagamento dos valores remanescentes do crédito, nos casos em que um cliente inadimplente demonstre capacidade e disponibilidade para efetuar um pagamento elevado, mas insuficiente para liquidação, procurando garantir o pagamento de parte substancial da dívida, normalmente 80%, remitindo-se o remanescente – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
Quem conhece o mercado, relativamente às cobranças difíceis sabe que estes clientes “inadimplentes”, não pagam, nem 20%, nem 40%, quanto mais 80% das dívidas acumuladas há mais de dois anos: - não bate certo com o que se passa na realidade…
Nada disto funciona assim na prática das outras instituições de concessão de crédito que existem no mercado.
H. Estas situações de clientes com perfil para satisfação do crédito em 80% são residuais, pois a maior parte dos clientes incumpridores não apresenta esta capacidade financeira – cf. depoimento das testemunhas inquiridas.
A Requerente poderia ter feito mais e o Tribunal mais deveria exigir para que fosse dado como provado que se trata de situações residuais….ou melhor, deveria ter-se concluído que, na maior parte dos casos, quem demonstra capacidade financeira para pagar 80% também paga 100%.
As alterações que se sugerem quanto ao probatório teriam forçosamente que conduzir a conclusão diversa daquela a que se chegou.
Não quanto ao que vem escrito relativamente à aplicação do disposto nos artigos 28º. E 28º-A, 28º.-C e 41º., todos do CIRC.
Porque até aí, na nossa modesta opinião, o Tribunal vai muito bem.
Continuemos.
É reconhecido o acordo das partes quanto ao facto de:
“…os créditos remitidos (“perdoados”) não são qualificáveis como créditos incobráveis, passíveis de enquadramento no disposto no artigo 41.º do Código do IRC, pelo que neste ponto não existe dissensão. Conclusão que subscrevemos, pois com o perdão de dívida acordado entre a Requerente e os seus clientes, na parte aplicável, extinguiu-se o direito de crédito que esta detinha sobre aqueles, deixando de este de ser exigível.” (pág. 36 da Decisão).
Ou seja, já não existe “…um crédito válido e exigível”
E o Tribunal avança na sua reflexão colocando a questão de saber, se, não estando reunidos os pressupostos previstos no artº. 41º. do CIRC para tal reconhecimento como custos, então:
“… a que título pode ser admitida, se o for, a dedução de gastos registados com a anulação dos créditos” (pág. 37 da Decisão).
O Tribunal recorda que a Requerida entende que:
“… ao perdão de dívidas não é aplicável o regime das perdas por imparidade dos créditos relativos à atividade da Requerente (v. artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC), pois estas perdas pressupõem que exista um ativo – o crédito a receber.”, o que já não acontece, por via do perdão.
E neste ponto, o Tribunal adere e, em meu entender, bem, à tese da Requerida, consagrando inclusivamente que:
“…não tendo o perdão de dívida enquadramento no regime dos incobráveis, como atrás referido, nem no regime de perdas por imparidade mencionado, não existe suporte legal para a dedução fiscal do gasto inerente, que qualifica como liberalidade, em linha com a jurisprudência do CAAD e do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria. (pág. 37 da Decisão).
E bem fundamenta a sua posição nas páginas seguintes, cabendo-me realçar o seguinte:
“Retomando a análise concreta, verifica-se que a renegociação dos créditos pela Requerente implicou que deixaram de se verificar as condições objetivas que determinaram as perdas por imparidade, pois esses créditos foram em parte recebidos, cessando nessa parte a “presumida” desvalorização do ativo financeiro, motivada pelo fundado receio de não pagamento. Em relação à parte perdoada, extinguiu-se o direito de crédito, impondo-se o desreconhecimento contabilístico desse ativo. Desaparecendo o ativo, não se pode relativamente ao mesmo colocar a questão do seu valor, pois não há nada a (des)valorizar.” (pág. 39 da Decisão).
E mais adiante:
“Assim, o perdão de dívida teve efeito direto em resultados, embora na parte do crédito perdoado a reversão da imparidade (em ganhos) tenha compensado o registo do perdão de dívida (em gastos), pelo que na perspetiva contabilística se cifrou em resultado “zero”, ocorrendo uma movimentação de contas sem impacto em termos de resultado contabilístico.”
E logo de seguida o Tribunal questiona-se desta forma:
“No entanto, isso não significa que, do ponto de vista fiscal esse impacto não deva existir e que a dedução desse gasto continue a ser legalmente permitida como a perda por imparidade [agora revertida] o foi.” (pág. 41 da Decisão).
Ora, quanto a este aspeto, refere-se que o custo contabilístico terá que ser submetido ao crivo das normas fiscais, para que seja reconhecido como custo fiscal. (Vd. artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC).
E, neste caso concreto, o custo em causa, não passa nesse crivo, pelo que o Tribunal conclui que:
“Nestes termos, não podemos deixar de acompanhar a Requerida na conclusão de que não pode aplicar-se a disciplina das perdas por imparidade prevista nos artigos 28.º-A e 28.º-C do Código do IRC aos gastos registados em decorrência do perdão de dívidas, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos….”
No que estamos inteiramente de acordo.
E aqui termina a nossa adesão ao sentido da decisão tomada no presente acórdão, porquanto a seguir diz-se que tal dedutibilidade só se poderá alcançar por via do regime previsto no artº. 23º. do CIRC.
Ou seja, abre-se pela janela, o que tão bem a porta fechou….
E com todo o respeito, que é muito, não me basto na Douta Jurisprudência citada, principalmente quando se diz que é “ao contribuinte e não à AT que cabe demonstrar os custos que suporta[ ] para obter os proveitos, sendo certo que no caso em análise, só a recorrente está em condições de convencer que lhe não foi possível cobrar os créditos que detém sobre outrem”, em aplicação do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT que consagra a regra geral de repartição do ónus da prova no domínio tributário.
Claro que não cabe à AT essa prova, cabe precisamente ao contribuinte convencer, primeiro a AT, e depois os Tribunais, de que não lhe foi possível cobrar os créditos que detém sobre outrem.
E essa prova não foi produzida neste processo.
Aliás, até seria estranho para um homem comum compreender como é que não se cobra 90% a quem pode pagar 80%. Ou porque é que não se cobra mesmo os 100% a tal devedor que pode pagar 80% e a pronto, ou mesmo que seja a prestações e que, no fundo, revelou essa enorme capacidade financeira.
E porquê um desconto de 20% e não de 30%?
Será que 30% os tribunais já não aceitariam?
E se outra empresa tiver um Regulamento em que faz um “desconto de 40%”, também será custo?
E a venda das carteiras de créditos dos bancos, por vezes, com descontos ainda maiores, o que lhes acontece?
Não pode a interpretação da lei conduzir a situações de dúvida e incerteza, porque sempre terá que prevalecer a segurança jurídica.
Sinceramente, não sei como se dá, justificadamente, a volta a esta afirmação jurisprudencial, com a qual, aliás, estou inteiramente de acordo:
“…admitindo que não devem deixar de relevar negativamente na formação do lucro tributável os créditos que comprovadamente as empresas têm dificuldades ou não conseguem cobrar, o legislador criou um regime de constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa, bem como um regime de custos por créditos incobráveis; mas, sendo certo que entre as finalidades prosseguidas pelas empresas não está a concessão de perdões de dívidas ou outras liberalidades, procurou evitar-se que as sociedades criem custos fora do âmbito daqueles regimes, prevenindo quer a ilegítima manipulação do lucro tributável, quer eventuais fraudes à lei. […] (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de novembro de 2015, no processo 0963/13, transcrito na pág. 43 desta Decisão, com negrito nosso).
Veja-se, igualmente, o bem fundado Acórdão do TCAS de 13 de março de 2007, parcialmente transcrito na presente Decisão. (Pág. 44), quando se refere que a lei (CIRC) não admite que em quaisquer circunstâncias, os perdões de dívidas sejam aceites como custos para efeitos fiscais.
Tudo, menos deixar esta questão à subjetividade e ao livre arbítrio de cada contribuinte, como passaria a acontecer se a Decisão deste Tribunal fizesse jurisprudência.
Faz-se letra morta dos critérios objetivos definidos pelo legislador contabilístico e fiscal, para se passar a aplicar o “Manual de Política de Facilidades da Responsabilidade da Direção de Crédito” de cada uma das empresas que pratique o perdão e não queira ter a “maçada” de utilizar os nossos tribunais para cobrança de dívidas…
Não posso, muito respeitosamente, estar de acordo.
E tudo isto, porque, depois de citada tal jurisprudência, uniforme e coerente, a presente Decisão consagra, de modo surpreendente, o seguinte:
“Esta linha de argumentação é pertinente. Contudo, afigura-se inaplicável à situação vertente, atentos os contornos fácticos que a mesma apresenta.” (Vd. pág. 45 da Decisão).
Ora, o volte face concretizado pelo Tribunal, dá-se em função dos “contornos fácticos” e esses foram por mim acima questionados.
Não concordo, por tudo o que escrevi, que:
“Face à prova produzida, devem considerar-se dedutíveis os gastos provenientes das remissões de dívidas nas circunstâncias descritas, por configurarem encargos conexos com a atividade da Requerente, suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.” (Vd, pág. 46 da decisão).
Com todo o respeito, entendo que a prova produzida não permite, de modo algum, tirar tal conclusão.
Para que os custos fiscais reconhecidos pelos artigos 28º.-A e 28º.-C sejam admitidos é necessário que tenham previamente passado no crivo do artº. 23º. Ou seja, têm sempre que ser encargos conexos com a atividade da empresa, pois caso contrário nunca se aplicaria o artº. 28º.-A e 28º. C e outras disposições colocados na mesma estrutura e sistematização do Código do IRC.
Encargos que não sejam conexos com a atividade, nunca serão custo fiscal.
Uma nota final para a atividade que está aqui em causa:
a). Não há paralelo na banca para este tipo de manuais aqui utilizados, nem para esse tipo de regras; Não pode haver normas cegas, deixadas a um qualquer subjetivo de uma instituição de crédito;
b). A banca discute caso a caso com os seus clientes e para cada um utiliza soluções diferenciadas consoante as circunstâncias do caso concreto, sem uma matriz previamente fixada;
c). A lei exige que a prática bancária imponha uma prova evidente da incobrabilidade, o que no caso concreto não acontece, o que só se consegue com custos elevados, nomeadamente dos departamentos de contencioso;
d). Não consta do presente processo a indicação de que um determinado cliente disse à Requerente que só tinha mesmo 80% do valor da dívida e que nada mais poderia pagar;
e). Não é justo, equitativo e equilibrado, e violador do princípio da igualdade, que outros consigam obter o reconhecimento do custo fiscal da dívida perdoada, sem nada terem feito para a sua cobrança;
f). Os proveitos obtidos do crédito ao consumo são mais elevados por via da prática de taxas de juro e outros encargos de maior relevância, o que permitem dar cobertura a previsíveis maiores dificuldades de cobrança, mas que, no entanto, não legitima o seu reconhecimento como custo fiscal. Digamos que uma coisa serve para compensar a outra;
g). Dado que nos afastámos de critérios objetivos, para darmos primazia aos critérios subjetivos dos manuais, o perdão ficaria absolutamente sem qualquer tipo de controlo fiscal;
Lisboa, 31 de julho de 2021
Jorge Carita