Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 45/2021-T
Data da decisão: 2021-08-31  IVA  
Valor do pedido: € 30.835,70
Tema: IVA – Regime nas Transações Intracomunitárias de Bens – Requisitos da isenção prevista no artigo 14º do RITI.
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DECISÃO ARBITRAL  (consultar versão completa no PDF)

 

O Árbitro Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 21 de Maio de 2021, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., Lda., com número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., nº..., freguesia de ..., concelho de Almada, ...-... ... (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 18 de Janeiro de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).

 

1.2.        A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que seja declarada “(…) a ilegalidade e consequente anulação dos seguintes atos tributários de liquidação e respetivas demonstrações de acertos de contas e de juros, referentes a IVA dos períodos de 2018 e de 2019 (…):

 

a)            Período 201802: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020..., o valor a pagar de € 3.544,59 e € 337,17, respetivamente;

b)           Período de 201804: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 1.858,17 e € 164,12, respetivamente;

c)            Período 2018 05: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., o valor a pagar de € 1.821,37 e € 155,09, respetivamente;

d)           Período 201806: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 1.814,47 e € 148,33, respetivamente;

e)           Período de 201808: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 1.583,04 e € 118,83, respetivamente;

f)            Período 201809: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 2.066,83 e € 147,67, respetivamente;

g)            Período de 201811: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020..., com o valor a pagar de € 1.857,94 e € 120,74, respetivamente;

h)           Período de 201901: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 1.689,12 e € 98,66, respetivamente;

i)             Período de 201902: liquidação de IVA nº 2020... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 1.857,94 e € 102,41, respetivamente;

j)             Período de 201904: liquidação de IVA nº 2020... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e º Q2020..., com o valor a pagar de € 1.857,94 e € 89,79, respetivamente;

k)            Período de 201905: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 1.857,94 e € 83,88, respetivamente;

l)             Período de 201907: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 1.319,50 e € 50,61, respetivamente;

m)          Período de 201908: liquidação de IVA nº 2020 ... e respetiva demonstração de acerto de contas com compensação nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 452,99;

n)           Período de 201910: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 3.632,51 e € 100,71, respetivamente;

o)           Período de 201911: liquidação de IVA nº 2020 ... e de juros compensatórios nº 2020 ... e respetivas demonstrações de acerto de contas com compensação nº 2020 ... e nº 2020 ..., com o valor a pagar de € 1.857,94 e € 45,40, respetivamente”.

 

1.3.        A Requerente finaliza o pedido arbitral no sentido de o Tribunal Arbitral “(…) declarar a ilegalidade dos atos tributários (…) impugnados e, consequentemente, proceder à sua anulação, condenando a Requerida a proceder ao reembolso integral do montante de

€ 30.835,70 indevidamente pago pela Requerente, assim como ao pagamento de juros indemnizatórios devidos, assim como dos juros de mora”.

 

1.4.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 20 de Janeiro de 2021e foi notificado à Requerida na mesma data.

 

1.5.        Tendo em consideração o disposto na Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que veio aditar o artigo 6º-B (Prazos e Diligências) à Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, o nº 1 e nº 3 daquele artigo vieram prever a suspensão de “(…) todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos (…) tribunais arbitrais (…)”, com efeitos a 22 de Janeiro de 2021, bem como a suspensão dos "(…) prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados (…)”, sendo que aquelas suspensões de prazos foram levantadas, com efeitos a 6 de Abril de 2021, pelo disposto na Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril de 2021.

 

1.6.        A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 3 de Maio de 2021, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.7.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.8.        Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 21 de Maio de 2021, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para “nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional”.

 

1.9.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.10.      Em 23 de Junho de 2021 a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído a mesma no sentido de que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

1.11.      Na mesma peça, a Requerida protestou juntar o processo administrativo.

 

1.12.      Por despacho arbitral de 1 de Julho de 2021 (notificado às Partes em 2 de Julho de 2021) foi decidido que, “tendo em consideração: a) A Resposta apresentada pela Requerida, (…), na qual esta se defendeu por impugnação; b) O facto da posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental apresentados; c) O facto de as Partes não terem arrolado Testemunhas; d) O facto de a questão controvertida nos presentes autos ser exclusivamente de direito; (…)” entendeu este Tribunal Arbitral não ter haver “(…) utilidade em realizar a reunião prevista no artigo 18º do (…) (RJAT)” e, dado que “(…) as questões a decidir estão suficientemente debatidas nas peças processuais apresentadas pelas Partes, (…) se entende não ser necessária a apresentação de alegações”.

 

1.13.      “Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral:

1.            Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como dispensar a apresentação de alegações;

2.            Determinar que a Decisão Arbitral seja proferida até ao dia 31 de Agosto de 2021 devendo a Requerida remeter a este Tribunal Arbitral o processo administrativo no prazo de dez dias”.

 

1.14.      No mesmo despacho, o Tribunal Arbitral advertiu ainda a Requerente para, até dez dias antes do termo do prazo acima referido, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral que o Tribunal Arbitral declare “(…) a ilegalidade dos atos tributários (…) impugnados e, consequentemente (…)” proceda “(…) à sua anulação, condenando a Requerida a proceder ao reembolso integral do montante de € 30.835,70 indevidamente pago pela Requerente, assim como ao pagamento de juros indemnizatórios devidos, assim como dos juros de mora”.

 

2.2.        Neste âmbito, começa a Requerente por referir que “no presente pedido de pronúncia arbitral encontra-se em discussão a aplicação da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens efetuadas pela Requerente no período em apreço e que cujo enquadramento jurídico se encontra plasmado no artigo 14º, alínea a), do Regime do IVA nas Transmissões Intracomunitárias ("RITI")”, entendendo que “(…) os atos tributários sub judice são ilegais, por padecerem de vício de violação de lei”.

 

2.3.        A Requerente alega, preliminarmente, que “(…) o pedido se afigura, inequivocamente, tempestivo e o meio é o próprio, (…), considerando que é da competência dos tribunais arbitrais a declaração de i1egalidade de atos de liquidação de tributos, sendo que a Requerente tem legitimidade processual (…)”.

 

2.4.        No que diz respeito à factualidade que está na base do pedido, a Requerente refere que parte da sua actividade “(…) assenta na transmissão de bens de por si produzidos a adquirentes, também eles sujeitos passivos de IVA, situados noutros territórios da União Europeia, o que foi se verificou, concretamente, nos exercícios de 2018 e de 2019 (…)”.

 

2.5.        Segundo a Requerente, “em 2018 e 2019, (…) efetuou transmissões intracomunitárias de bens (…) de produtos de pastelaria, nos montantes globais de € 78.683,00 e de

€ 64.113,00 (…)”, em conformidade com o evidenciado nas cópias “(…) das declarações periódicas de IVA dos aludidos períodos e (…) das respetivas declarações recapitulativas juntas (…)”.

 

2.6.        Alega a Requerente que “tais vendas corresponderam, material e formalmente, a transmissões intracomunitárias de bens, uma vez que (…) efetivamente, todas as mercadorias foram vendidas e expedidas para os clientes da Requerente situados num outro Estado-Membro da União Europeia (…) sendo regularmente evidenciadas nas respetivas guias de transporte e faturas a identificação fiscal dos destinatários de tais produtos”.

 

2.7.        Assim, entende a Requerente que “(…) atendendo a que tais transmissões de bens reuniram todos os requisitos previstos no artigo 14º, alínea a), do RITI, (…) a Requerente isentou aquelas transmissões de imposto (…) apondo, nas correspondentes faturas, a (…) menção Isento Artigo 14ºdo RITI”.

 

2.8.        Acrescenta a Requerente que “nos exercícios fiscais em análise, parte substancial daquelas transmissões intracomunitárias de bens, nos montantes de € 63.990,00 e de

€ 63.156,00, respetivamente, foram realizadas a um só cliente da Requerente - a sociedade comercial de direito espanhol B... SL, com número de identificação fiscal ..., legalmente constituída e devidamente inscrita perante as autoridades fiscais espanholas”, sendo que “as mercadorias vendidas àquele sujeito passivo de direito espanhol foram efetivamente expedidas e transportadas para Espanha, saindo fisicamente, do território Português - tal como resulta das faturas subjacentes aquelas vendas cujas cópias se juntam (…) e, bem assim, das Declarações de Expedição Internacional (CMR) (…)”.

 

2.9.        Assim, reitera a Requerente que cumpriu “(…) com todos os requisitos de que a lei faz depender a isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens (…)”.

 

2.10.      Contudo, refere a Requerente que “pelas Ordens de Inspeção nºs 012020... e 012020..., emitidas em 15.05.2020, a Requerente foi objeto de ação de inspeção tributária interna de âmbito parcial (…), através da qual a AT veio a colocar em causa a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 14º, alínea a), do RITI às transmissões de bens efetuadas ao citado sujeito passivo de direito espanhol” porquanto “(…) por consulta ao sistema VIES (VAT Information Exchange System), considerou a AT, em sede de inspeção, que a Requerente apresentava (…)” determinadas anomalias, que elenca no pedido.

 

2.11.      Ora, “por considerar que a Requerente aplicou indevidamente a isenção de IVA prevista no artigo 14º, alínea a), do RITI, propôs a AT proceder a correções em sede de IVA (…)” nos termos apresentados no projecto de relatório de inspeção e que a Requerente apresenta no pedido de pronúncia arbitral, no montante global de imposto de EUR 29.243,58.

 

2.12.      “Em 20.07.2020, por não concordar com tais correções propostas, a Requerente exerceu o competente direito de audição (…)” no sentido de “(…) demonstrar que, embora o registo do adquirente dos bens como sujeito passivo de IVA no Estado-Membro de entrega dos bens alienados, constitua uma exigência formal, o facto de o sujeito passivo espanhol não existir, por lapso, no cadastro do VIES, não poderá, por si só, colocar em causa o direito de beneficiar da isenção de IVA (…)” acima referida “(…) desde que se verifiquem os requisitos materiais subjacentes ao direito a isenção de IVA nas entrega intracomunitária de bens (…)” dado que no mesmo sentido pugna, segunda alega a Requerente, nº1 do artigo 138º da Directiva IVA.

 

2.13.      Prossegue a Requerente referindo que “não obstante a argumentação aduzida em sede de direito de audição, nomeadamente toda a prova documental apresentada - que demonstrou a efetiva existência de uma transmissão intracomunitária de bens (…) foi com surpresa que a Requerente teve conhecimento que a AT manteve, na íntegra, as correções e emitiu o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) (…)” na sua versão final.

 

2.14.      Com efeito, segundo alega a Requerente, “(…) decorre do RIT que (…) a isenção de uma transmissão intracomunitária de bens só se verifica se, para além das condições impostas relativamente ao adquirente (…), ocorrer a saída física dos bens do território nacional, tal como advém da expressão a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente (…), condição (…) determinante na qualificação da natureza intracomunitária de uma transmissão. A verificação de tais condições, com vista à aplicação da isenção mencionada em determinada transação, incumbe ao sujeito passivo vendedor, o qual deve ser capaz de comprovar todos os elementos exigidos naquela disposição legal (…)” pelo que entende a Requerente que se afigura “(…) ser de considerar tais documentos válidos para efeitos de comprovação do pressuposto para o reconhecimento da transmissão intracomunitária prevista na primeira parte da al. A) do artº 14º do RITI”.

 

2.15.      Não obstante, refere a Requerente que “(…) considerou (…) a AT que (…) não se verifica o pressuposto exigido na parte final da referida disposição legal [de que] se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. (...)” porquanto “a reduzir a um mero formalismo a inscrição no VIES (…), em última análise, todos os operadores económicos da União Europeia poderiam não cumprir, o sistema considerado pelo Conselho como indispensável, cuja informação deverá estar atualizada e ser exata, de forma a garantir a sua fiabilidade, ficaria completamente esvaziado, sem dados e, por conseguinte, sem qualquer valor prático”.

 

2.16.      Acrescenta a Requerente que “(…) a AT se baseou em instruções internas (…)” nas quais se evidencia a “(…) posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (…)”, “(…) concluindo que, por nos períodos em causa, o sujeito passivo adquirente espanhol não (…) [tinha] um registo valido no VIES (…)” pelo que “(…) a Requerente (…) não poderia ter isentado de IVA as transmissões intracomunitárias de bens efetuadas àquele destinatário, nos termos do artigo 14º, alínea a), do RITI, motivo pelo qual, na ótica da (…) Requerida, estaria alegadamente em falta IVA, nos períodos de 2018 e de 2019, no valor global de € 29.243,58”.

 

2.17.      Ora, refere a Requerente que “(…) somente por pretender manter a sua situação fiscal regularizada (…) procedeu ao integral pagamento [do imposto], acrescido dos juros indevidamente liquidados pela AT, num total pago de € 30.835,70”.

 

2.18.      Entende assim Requerente que se encontra “(…) em discussão, nos presentes autos, a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 14º, alínea a), do RITI, naquelas aludidas transmissões de bens efetuadas, em 2018 e em 2019, pela Requerente ao seu cliente (residente fiscal em Espanha e aí sujeito a IVA) B... SL, isenção esta cuja aplicação é (…) totalmente independente da valida inscrição no VIES do contribuinte fiscal espanhol”, acrescentando que “(…) como refere expressamente a AT em sede de RIT, a Requerente demonstrou indubitavelmente a existência de uma transmissão intracomunitária de bens realizada entre si e aquele seu cliente espanhol, pelo que a Requerente não se pode compadecer com a não aplicação da isenção de IVA em tais transmissões intracomunitárias de bens, e, consequentemente, com a emissão dos atos tributários sub judice”.

 

2.19.      Segundo a Requerente, “(…) tal entendimento [da Requerida] padece de vício de violação de lei, por corresponder a uma errada interpretação e aplicação das normas fiscais aplicáveis (…), sendo que, em sentido contrário ao pugnado pela AT, tanto a jurisprudência nacional (designadamente o Supremo Tribunal Administrativo) como a jurisprudência comunitária (Tribunal de Justiça da União Europeia) são claras e uniformes a estatuir que a inscrição do adquirente dos bens numa transmissão intracomunitária de bens, é um mero formalismo que não pode colocar em causa a aplicação da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens (…)”.  

 

2.20.      Reitera a Requerente que “(…) como é (…) evidente, até ao dia 31 de dezembro de 2019 a exigência de um NIF do adquirente válido no VIES era um mero requisito formal e que não colide com o direito de a Requerente beneficiar da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens que efetuou nos anos de 2018 e de 2019, verificados que estão, como se demonstrou (…) e como a AT atestou, todos os requisitos para beneficiar da mesma”.

 

2.21.      Assim, entende a Requerente que “(…) as liquidações em apreço são ilegais, por violação do artigo 131.º e 138.º n.º 1 da Diretiva do IVA, do artigo 14.º, alínea a) do RIT e (…) do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, motivo pela qual as mesmas deverão ser anuladas (…)”.

 

2.22.      Por último, entende a Requerente que “(…) caso venha a ser requerido o reenvio prejudicial para o TJUE (…) o mesmo não deverá ser admitido” porquanto alega que “(…) tendo decidido o TJUE(…) que, à data da realização das operações sub judice, a inscrição do VIES por parte do adquirente dos bens numa transmissão intracomunitária mais não é do que um mero requisito formal - e não material- para a aplicação da isenção de IVA prevista no (…) RITI (…), também este Tribunal deverá concluir no sentido de que o incumprimento do registo no VIES, por parte do adquirente e destinatário espanhol dos bens transmitidos em 2018 e em 2019 (…) não poderá afastar a isenção de IVA em apreço, dispensando a necessidade do reenvio prejudicial para o TJUE”.

 

2.23.      Nestes termos, peticiona a Requerente que “(…) deverá este (…) Tribunal Arbitral declarar não só a ilegalidade e respetiva anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros, e correspondentes desmonstrações de acertos de contas (…), por padecerem de evidente erro sobre os pressupostos de direito, como também ordenar o reembolso integral do montante de € 30.835,70 indevidamente pago pela Requerente (…), acrescido de juros indemnizatórios até efetivo e integral pagamento”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por impugnação, começando por confirmar que “as liquidações (…) identificadas provêm do procedimento interno de inspeção efetuado a coberto das ordens de serviço OI2020... e OI2020... emitidas em 2020-05-15, de âmbito parcial, visando a análise da situação tributária em sede de IVA relativamente aos anos de 2018 e 2019, nos termos do art.º 14.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do RCPITA, porquanto, da consulta às diversas aplicações informáticas da Autoridade Tributária (AT), nomeadamente, consulta ao sistema VIES (VAT Information Exchange System)” porquanto “verificou-se que a Requerente, nos anos em causa, apresentava anomalias relativas a transmissões intracomunitárias de bens para adquirentes que não têm o número de identificação fiscal válido no VIES”.

 

3.2.        Segundo a Requerida, “na sequência da ação inspetiva, os Serviços lograram apurar (…)”, o que consta do Relatório de Inspecção, que a Requerida cita e para o qual remete, confirmando que “a Requerente vem arguir que o requisito de inscrição das sociedades para a consideração da isenção de IVA nas transmissões de bens intracomunitárias, nos termos e para os efeitos do artigo do 14º (…) do RITI é meramente formal, facto que a jurisprudência comunitária e nacional já veio, por diversas vezes, esclarecer”, reiterando que “o entendimento da Requerente, conforme se demonstrará, é errado e viola a lei de modo manifesto”.

 

3.3.        Com efeito, segundo a Requerida, “(…) a isenção duma transmissão intracomunitária de bens só se verifica se, para além das condições impostas relativamente ao adquirente (…), ocorrer a saída física dos bens do território nacional, tal como advém da expressão a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente (…), condição, aliás, determinante na qualificação da natureza intracomunitária de uma transmissão” sendo que “a verificação de tais condições, com vista à aplicação da isenção mencionada em determinada transação, incumbe à Requerente, a qual deve ser capaz de comprovar todos os elementos exigidos naquela disposição legal”.

 

3.4.        Confirma a Requerida que “a Requerente fez prova da saída física dos bens do território nacional, enviando cópias das faturas emitidas ao seu cliente espanhol, bem como cópias das declarações de expedição internacional (CMR)” mas, “todavia, não se verifica o pressuposto exigido na parte final da referida disposição legal, se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens”.

 

3.5.        Ainda segundo a Requerida, “(…) o Regulamento n.º 904/2010 do Conselho, de 7 de Outubro, veio aumentar o nível de exigência quanto à armazenagem e troca de informação entre os Estados-Membros” sendo que “(…) nesse âmbito, o VIES, sendo a base do sistema que permite a armazenagem e a transmissão eletrónica de dados, assume verdadeira importância no controlo das transmissões intracomunitárias de bens”.

 

3.6.        Ora, alega a Requerida que “(…) se por um lado é obrigação dos Estados-Membros manter actualizadas as bases de dados e as informações facultadas no sistema eletrónico a que se refere o artigo 17.º do dito Regulamento, por outro, constitui obrigação dos sujeitos passivos efectuar a comprovação referente aos números fiscais, sobre se são válidos para efeitos de transacções intracomunitárias, o que deverá ocorrer na data da emissão das facturas”.

 

3.7.        Assim, entende a Requerida que “por não ter sido produzida prova no sentido de que o NIF da sociedade espanhola adquirente era válido e constava do VIES ao tempo das transacções, conclui-se que o pedido de pronúncia arbitral não merece acolhimento, uma vez que os Serviços procederam de acordo com a lei”, concluindo que “(…) devem os actos de liquidação impugnados manter-se na ordem jurídica, dado as correcções técnicas que lhe deram origem não serem merecedoras de qualquer censura”.

 

3.8.        Nestes termos, conclui a Requerida que deve “(…) o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.        O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.        Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.        Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        A Requerente encontra-se é uma sociedade por quotas, constituída em 1980, que se dedica ao fabrico de bolos, pastelaria, pão e produtos derivados do pão, encontrando-se registada pela actividade de “Pastelaria – CAE 10720” (em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral e Doc. nº 2).

 

5.4.        Em matéria fiscal, a Requerente encontra-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal por opção e, em sede de IRC, no regime normal de tributação (em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral).

 

5.5.        A Requerente, nos anos de 2018 e 2019, efectuou transmissões intracomunitárias de bens, no montante global de EUR 78.683,00 e EUR 64.113,00, repectivamente [em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 7 (projecto) e Doc. nº 9 (final) do pedido arbitral, bem como Doc. nº 3 e Doc. nº 4 do pedido arbitral].

 

5.6.        A Requerente isentou de IVA as transmissões intracomunitárias referidas no ponto anterior, apondo nas respectivas facturas a seguinte menção – “Isento Artigo 14º do RITI” (em conformidade com cópia das faturas anexadas como Doc. nº 5 do pedido arbitral).

 

5.7.        Das transmissões de bens referidas no ponto anterior, EUR 63.990,00 e EUR 63.156,00, foram efectuadas, em 2018 e 2019, para o cliente “B... SL”, sociedade de direito Espanhol, com o número de identificação fiscal B... (em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral e Doc. nº 4 e Doc. nº 5 do pedido arbitral).

 

5.8.        As transmissões de bens referidas no ponto anterior saíram fisicamente do território nacional com destino a outro Estado-Membro da UE (em conformidade com cópia dos respectivos CMR, anexados como Doc. nº 6 do pedido arbitral e em conformidade com cópia do RIT final, anexado como Doc. nº 9).

 

5.9.        A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva enquadrada pelas Ordens de Inspeção nºs 012020... e 012020..., emitidas em 15-05-2020 [em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 7 (projecto) e Doc. nº 9 (final) do pedido arbitral].

 

5.10       A referida acção de inspeção foi interna de âmbito parcial (IVA), tendo incidido sobre a análise da situação tributária da Requerente, em sede de IVA, relativa aos anos de 2018 e 2019 [em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 7 (projecto) e Doc. nº 9 (final) do pedido arbitral].

 

5.11.      O motivo da acção inspectiva deveu-se ao facto de, conforme referido no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), “da consulta às diversas aplicações informáticas da Autoridade Tributária (AT), nomeadamente consulta ao sistema VIES (VAT Information Exchange System), verificou-se que o sujeito passivo nos anos em causa, apresenta anomalias relativas a transmissões intracomunitárias de bens, para adquirente que não têm o número de identificação válido no VIES (…)”, conforme a seguir se detalha no RIT e aqui se transcreve (montantes expressos em Euros – EUR) [em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 7 (projecto) e Doc. nº 9 (final) do pedido arbitral]:

ANO 2018

PERÍODO             Nº DE IVA DO ADQUIRENTE        EM         NOME DO ADQUIRENTE               BENS SERVIÇOS TIPO DE ANOMALIA        IMPORTÂNCIA

1801      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

1802      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

1804      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.079,00

1805      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             7.919,00

1806      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             7.889,00

1808      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             7.791,00

1809      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

1811      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

TOTAL 2018        63.990,00

 

ANO 2019

PERÍODO             Nº DE IVA DO ADQUIRENTE        EM         NOME DO ADQUIRENTE               BENS SERVIÇOS TIPO DE ANOMALIA        IMPORTÂNCIA

1901      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             7.344,00

1902      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

1904      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

1905      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

1907      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             7.344,00

1908      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

1910      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

1911      B...         ES           --            BENS     Contribuinte não existe no cadastro VIES             8.078,00

TOTAL 2019        63.156,00

 

5.12.      Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) entenderam que a Requerente aplicou indevidamente a isenção de IVA prevista no artigo 14º, alínea a) do RITI, propondo no projecto de relatório proceder a correcções em sede de IVA no montante total de

EUR 14.717,70, relativamente aos períodos de 1802, 1804, 1805, 1806, 1808, 1809 e 1811 e IVA no montante total de EUR 14.452,88 referente aos períodos de 1901, 1902, 1904, 1905, 1907, 1908, 1910 e 1911 [em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 7 (projecto) e Doc. nº 9 (final) do pedido arbitral].

 

5.13.      Os SIT fundamentaram as correções no RIT nos seguintes termos [em conformidade com cópia do RIT, anexado como Doc. nº 7 (projecto) e Doc. nº 9 (final) do pedido arbitral]:

 

5.14.      Em consequência, os SIT propuseram no projecto de RIT uma correcção em sede de IVA no montante global de EUR 29.243,58, nos seguintes termos (montantes em Euros – EUR) (em conformidade com cópia do projecto de RIT, anexado como Doc. nº 7 do pedido arbitral):

ANO 2018            ANO 2019

DP IVA  Montante           DP IVA  Montante

1801      1.857,94               1901      1.689,12

1802      1.857,94               1902      1.857,94

1804      1.858,17               1904      1.857,94

1805      1.821,37               1905      1.857,94

1806      1.814,47               1907      1.689,12

1808      1.791,93               1908      1.857,94

1809      1.857,94               1910      1.857,94

1811      1.857,94               1911      1.857,94

Total      14.717,70             Total      14.525,88

 

5.15.      De acordo com o projecto de RIT, o imposto que resultasse das correções propostas encontrar-se-ia sujeito à liquidação de juros compensatórios à taxa legal em vigor (em conformidade com cópia do projecto de RIT, anexado como Doc. nº 7 do pedido arbitral).

 

5.16.      A Requerente foi notificada do Ofício nº..., de 18-06-2020 relativo ao projecto de RIT, bem como para exercer no prazo de quinze dias o respectivo direito de audição (em conformidade com cópia do projecto de RIT, anexado como Doc. nº 7 do pedido arbitral).

 

5.17.      A Requerente apresentou em 08-07-2020 um pedido de prorrogação do prazo para exercício do direito de audição, o qual foi concedido por mais dez dias, num total de vinte e cinco dias (em conformidade com cópia do RIT final, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral).

 

5.18.      A Requerente exerceu o seu direito de audição em 20-07-2020, com o qual foram anexaram cópias das faturas emitidas ao cliente espanhol B... SL e cópias das declarações de expedição internacional (CMR) (em conformidade com cópia do RIT final, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral).

 

5.19.      A Requerente, no seu direito de audição, assentou a sua defesa não só no Acórdão do STA proferido no âmbito do processo nº 0696/17, de 03-05-2018, nos termos do qual “o registo do adquirente dos bens como sujeito passivo de IVA no Estado membro de entrega, constitui uma exigência formal que, de per si, não põe em causa o direito do fornecedor à isenção de IVA de uma entrega intracomunitária na aceção do artigo 138º, nº 1, da Diretiva IVA”, bem como em Jurisprudência do TJUE, nomeadamente a que decorre do Acórdão proferido no âmbito do processo C-21/2017, de 09-02-2017 (em conformidade com cópia do RIT final, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral e cópia do direito de audição, anexado como Doc. nº 8 do pedido arbitral).

 

5.20.      Os SIT apreciaram a argumentação, apresentada pela Requerente, nos seguintes termos (em conformidade com cópia do RIT final, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral):

 

 

 

 

 

5.21.      Os SIT concluíram no RIT final que não assistia razão ao sujeito passivo (aqui Requerente), tendo decidido manter as correções propostas em sede de projecto de RIT (em conformidade com cópia do RIT final, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral).

 

5.22.      A Requerente foi notificada do Ofício nº ..., de 29-09-2020 relativo ao RIT final, no qual se mantiveram as correções anteriormente propostas (em conformidade com cópia do RIT final, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral).

 

5.23.      A Requerente foi notificada das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios (montantes expressos em Euros – EUR) (em conformidade com cópia das respectivas liquidações de imposto, juros e demonstrações de acertos de contas, anexados como Doc. nº 1 do pedido arbitral):

 

LIQUIDAÇÕES RELATIVAS AO ANO 2018

PERÍODO             Nº DA LIQUIDAÇÃO        NATUREZA         DATA     MONTANTE       DATA DE PAGAMENTO

1802      2020 ... IVA         24-11-2020         3.544,59               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  337,17  

1804      2020 ... IVA         24-11-2020         1.858,17               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  164,12  

1805      2020 ... IVA         24-11-2020         1.821,37               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  155,09  

1806      2020 ... IVA         24-11-2020         1.814,47               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  148,33  

1808      2020 ... IVA         24-11-2020         1.583,04               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  118,83  

1809      2020 ...                 IVA        24-11-2020         2.066,83               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  147,67  

1811      2020 ... IVA         24-11-2020         1.857,94               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  120,74  

TOTAL 2018        15.738,36            

 

LIQUIDAÇÕES RELATIVAS AO ANO 2019

PERÍODO             Nº DA LIQUIDAÇÃO        NATUREZA         DATA     MONTANTE       DATA DE PAGAMENTO

1901      2020 ... IVA         24-11-2020         1.689,12               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  98,66    

1902      2020 ... IVA         24-11-2020         1.857,94               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  102,41  

1904      2020 ... IVA         24-11-2020         1.857,94               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  89,79    

1905      2020 ... IVA         24-11-2020         1.857,94               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  83,88    

1907      2020 ... IVA         24-11-2020         1.319,50               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  50,61    

1908      2020 ... IVA         24-11-2020         452,99   07-01-2021

1910      2020 ... IVA         24-11-2020         3.632,51               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  100,71  

1911      2020 ... IVA         24-11-2020         1.857,94               07-01-2021

                2020 ... JUROS                  45,40    

TOTAL 2019        15.097,34            

 

5.24.      A Requerente efectuou o pagamento dos montantes liquidados, identificados no ponto anterior, em 07-01-2021, ou seja, dentro do prazo para pagamento voluntário (12-01-2021) (em conformidade com cópia do RIT final, anexado como Doc. nº 9 do pedido arbitral e cópias dos comprovativos de pagamento, anexados como Doc. nº 10 do pedido arbitral).

 

5.25.      A Requerente apresentou, em 18-01-2021, pedido de pronúncia arbitral no sentido de obter a declaração da “(…) ilegalidade e consequente anulação dos (…) atos tributários de liquidação e respetivas demonstrações de acertos de contas e de juros, referentes a IVA dos períodos de 2018 e de 2019 (…)” com o consequente “(…) reembolso integral do montante de € 30.835,70 (…) assim como ao pagamento de juros indemnizatórios devidos (…)”.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.26.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), nos factos não contestados pela Requerida e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente.

 

Dos factos não provados

 

5.27.      Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        A questão a esclarecer no âmbito deste processo é a de saber se a Requerida, enquanto Administração Fiscal nacional pode recusar-se a isentar de IVA as transmissões de bens efectuadas pela Requerente, em 2018 e 2019, para o seu cliente B... SL, sedeado no território do outro EstadoMembro (Espanha) de destino dos bens e titular de um número de identificação de IVA válido para as operações nesse Estado (), com base no facto de o adquirente dos bens não se encontrar validamente registado no sistema VIES, nem está abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias?

 

6.2.        Segundo a Requerente, em discussão, nos presentes autos, está a aplicação dos requisitos da isenção de IVA prevista no artigo 14º, alínea a), do RITI (na redação em vigor até 31 de Dezembro de 2019), às transmissões de bens que efetuou, em 2018 e em 2019, ao seu cliente B... SL (contribuinte Espanhol), isenção esta cuja aplicação é, segundo alega, “(…) totalmente independente da valida inscrição no VIES do contribuinte fiscal espanhol”, entendendo a Requerente que “(…) como refere expressamente a AT em sede de RIT, (…) demonstrou indubitavelmente a existência de uma transmissão intracomunitária de bens realizada entre si e aquele seu cliente espanhol, pelo que a Requerente não se pode compadecer com a não aplicação da isenção de IVA em tais transmissões intracomunitárias de bens (…)”.

 

6.3.        Defende a Requerente que o entendimento da Requerida “(…) padece de vício de violação de lei (…)” porquanto entende que a sua posição está suportada tanto na jurisprudência nacional (designadamente do STA) como na jurisprudência comunitária (TJUE), ao ser entendido que “(…) a inscrição do adquirente dos bens numa transmissão intracomunitária de bens, é um mero formalismo que não pode colocar em causa a aplicação da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens (…)”.

 

6.4.        Reitera ainda a Requerente que “(…) até ao dia 31 de dezembro de 2019 a exigência de um NIF do adquirente válido no VIES era um mero requisito formal e que não colide com o direito de a Requerente beneficiar da isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens que efetuou  nos anos de 2018 e de 2019, verificados que estão, como se demonstrou (…) e como a AT atestou, todos os requisitos para beneficiar da mesma”, nomeadamente a saída dos bens de território nacional com destino a Espanha.

 

6.5.        Por outro lado, entende a Requerida que não assiste razão à Requerente, porquanto, no âmbito da inspeção tributária se verificou que, relativamente aos anos 2018 e 2019, esta “(…) apresentava anomalias relativas a transmissões intracomunitárias de bens para adquirentes que não têm o número de identificação fiscal válido no VIES”.

 

6.6.        Segundo a Requerida, inicialmente em sede de RIT e depois, na Resposta apresentada em no pedido de pronúncia arbitral, “(…) a isenção duma transmissão intracomunitária de bens só se verifica se, para além das condições impostas relativamente ao adquirente (…), ocorrer a saída física dos bens do território nacional, tal como advém da expressão a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente (…), condição, aliás, determinante na qualificação da natureza intracomunitária de uma transmissão” sendo que “a verificação de tais condições, com vista à aplicação da isenção mencionada em determinada transação, incumbe à Requerente, a qual deve ser capaz de comprovar todos os elementos exigidos naquela disposição legal”.

 

6.7.        Ora, alega a Requerida que “a Requerente fez prova da saída física dos bens do território nacional, enviando cópias das faturas emitidas ao seu cliente espanhol, bem como cópias das declarações de expedição internacional (CMR)” mas, “todavia, não se verifica o pressuposto exigido na parte final da referida disposição legal, se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens” pelo que entende que “por não ter sido produzida prova no sentido de que o NIF da sociedade espanhola adquirente era válido e constava do VIES ao tempo das transacções (…)” pelo conclui a Requerida, quer no RIT final, quer na Resposta, que a Requerente não tem qualquer razão, entendendo que “(…) o pedido de pronúncia arbitral não merece acolhimento, uma vez que os Serviços procederam de acordo com a lei”, concluindo assim que “(…) devem os actos de liquidação impugnados manter-se na ordem jurídica (…)” (sublinhado nosso).

 

6.8.        Nestes termos, em face das posições acima apresentadas, cumpre analisar se estavam ou não cumpridos todos os requisitos necessários, previstos na legislação aplicável, de modo a considerar se as transmissões efectuadas pela Requerente para o seu cliente Espanhol B... SL podem ou não ser enquadradas como sendo TIB e, nessa medida, serem isentas de IVA em Portugal ou não.

 

6.9.        Para este efeito será analisada a legislação aplicável à data em que as transmissões ocorreram, ou seja 2018 e 2019.

 

Normativo da União Europeia – Directivas e Regulamentos

 

6.10.      Nos termos do disposto no artigo 9°, n° 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro (Directiva IVA), entendese por sujeito passivo qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade, sendo que a actividade económica é definida, nesta disposição, como qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas.

 

6.11.      Nos termos do disposto no artigo 131° da referida Directiva, “as isenções previstas nos capítulos 2 a 9 aplicamse sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos EstadosMembros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.

 

6.12.      De acordo com o disposto no artigo 138°, n° 1, da mesma Diretiva, é referido que “os EstadosMembros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território, mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num EstadoMembro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.

 

6.13.      Já o disposto no artigo 214°, n° 1, alínea a) da Diretiva IVA prevê que “os EstadosMembros tomam as medidas necessárias para que sejam identificadas através de um número individual (…) os sujeitos passivos, com exceção dos referidos no n° 2 do artigo 9°, que efetuem, no respetivo território, entregas de bens ou prestações de serviços que lhes confiram direito a dedução e que não sejam entregas de bens ou prestações de serviços em relação às quais o IVA seja devido unicamente pelo destinatário (…)”.

 

6.14.      Por outro lado, de acordo com o artigo 17º, nº 1 do Regulamento (UE) n° 904/2010, de 7 de Outubro de 2010 (relativo à cooperação administrativa e à luta contra a fraude no domínio do IVA), “cada EstadoMembro deve armazenar num sistema eletrónico as informações seguintes: a) Informações que recolha por força do capítulo 6 do título XI da Diretiva [IVA]; b) Dados relativos à identidade, atividade, forma jurídica e endereço das pessoas a quem tenha atribuído um número de identificação IVA, recolhidos por força do artigo 213.° da Diretiva [IVA], bem como a data de emissão desse número; c) Dados relativos aos números de identificação IVA que tenha emitido que tenham perdido a validade, bem como a data em que esses números perderam a validade; (…)”.

 

Normativo nacional – Código do IVA

 

6.15.      De acordo com o previsto no artigo 3º, nº 1, do Código do IVA “considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao direito de propriedade”.

 

6.16.      Assim, para que uma transmissão de bens possa ser qualificada como tal, para efeitos de IVA, é necessário que essa transacção seja considerada:

 

6.16.1.  Uma transferência onerosa, no sentido em que apenas as transmissões efectuadas a título oneroso são sujeitas a IVA ficando, em princípio, excluídas do âmbito deste imposto as transmissões efectuadas a título gratuito;

6.16.2.  De bens corpóreos, móveis ou imóveis, ficando excluídas deste conceito as transferências onerosas de bens incorpóreos, as quais serão tributadas como prestações de serviços;

6.16.3.  Por forma correspondente ao direito de propriedade, ou seja, ainda que não se proceda à transferência da propriedade jurídica do bem, bastando apenas que a transferência em causa confira ao adquirente o poder (económico) de disposição dos bens em causa, como se, de facto, fosse o proprietário dos mesmos.

 

6.17.      No que diz respeito ao conceito de TIB, apesar de este não encontrar definição legal no RITI, este regime define aquilo que deve ser entendido por aquisição intracomunitária de bens (AIB) sendo possível, a partir deste, construir “a contrario” o conceito de TIB.

 

6.18.      Com efeito, nos termos do disposto no artigo 3º do RITI, “considera-se, em geral, AIB a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo, cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado-membro”.

 

6.19.      Nestes termos, simetricamente, uma TIB corresponderá à transmissão do poder de dispor, por forma correspondente ao direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo, cuja expedição ou transporte para o território de outro Estado-membro, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início no território nacional.

 

6.20.      Contudo, tendo em conta o disposto no artigo 7º, nº 1 do RITI, o leque de operações abrangidas pelo conceito de TIB tornar-se-ia demasiado amplo, pelo que o legislador teve a necessidade de excluir determinado tipo de transacções, procedendo assim, no seu nº 2, a uma delimitação negativa da incidência, não sendo deste modo consideradas TIB as transferências de bens aí elencadas.  

 

6.21.      Tendo em consideração o princípio da tributação no país de destino e o da neutralidade do imposto, aplicável às transmissões de bens efectuadas entre sujeitos passivos nacionais e sujeitos passivos registados em outros Estados-membros, a principal consequência da qualificação de uma operação como TIB é que esta (à semelhança das operações de exportação) será, em princípio, isenta no Estado-membro de origem (i.e., no Estado-membro onde teve início a expedição ou transporte do bem com destino a um outro Estado-membro).

 

6.22.      Todavia, não basta que uma operação seja, a priori, qualificada como TIB para se assegurar que a mesma possa beneficiar da isenção em matéria de IVA.

 

6.23.      Com efeito, para além de ser necessário que essa operação reúna os pressupostos legais da isenção do imposto [previstos no artigo 14º, alínea a), do RITI na redação em vigor à data das operações – 2018 e 2019], o transmitente deverá ser capaz de evidenciar a verificação desses mesmos pressupostos.

 

6.24.      Na verdade, nos termos do disposto no artigo 14º, alínea a), do RITI, “estão isentas do imposto, as transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo (…), expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado-membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos de IVA noutro Estado-membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens”.

 

6.25.      Assim, de acordo com o artigo transcrito no ponto anterior, a isenção de IVA aí mencionada depende da verificação das seguintes condições:

 

6.25.1.  Tratar-se de uma transmissão de bens entre um sujeito passivo de IVA em Portugal e um sujeito passivo de IVA noutro Estado-membro;

6.25.2.  A transmissão de bens ter como destino o adquirente, sujeito passivo no outro Estado-membro, existindo expedição do bem de Portugal para esse

Estado-membro;

6.25.3.  O adquirente dos bens no outro Estado-membro tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido pelo regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.

 

6.26.      Ora, assim sendo, duas das condições para a qualificação de uma operação como TIB dizem respeito ao adquirente dos bens, porquanto é necessário que este seja um sujeito passivo de IVA no outro Estado-membro (vide ponto 6.25.1.) e tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição, aí se encontrando abrangido, em sede de IVA, pelo regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens (vide ponto 6.25.3.), sendo que a terceira das condições diz respeito à saída física dos bens de território nacional com destino a outro Estado-Membro (vide ponto 6.25.2.).

 

6.27.      Quanto ao requisito material da saída dos bens de território nacional para o território de outro Estado-Membro, não foi posto em causa pelos SIT no RIT, porquanto a Requerente apresentou a respectiva prova, pelo que o referido requisito também foi dado como provado por este Tribunal Arbitral (vide ponto 5.8., supra).

 

6.28.      Quantos aos requisitos que dizem respeito ao adquirente dos bens (vide pontos 6.25.1, 6.25.3. e 6.26., supra), é necessário aferir se os mesmos devem assumir a natureza de requisitos materiais da isenção de IVA de uma entrega intracomunitária ou se são apenas exigências formais que não podem pôr em causa o direito do alienante à isenção de IVA, na medida em que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária estejam verificados.

 

Da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)

 

6.29.      No que diz respeito à interpretação que o TJUE dá relativamente às matérias aqui em análise, ou seja, quanto aos requisitos aplicáveis para efeitos de isenção de IVA nas TIB, refira-se a posição vertida no Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção), de 9 de Fevereiro de 2017, proferido no âmbito do processo C-21/66 [Reenvio prejudicial – IVA – Diretiva 2006/112/CE – Artigos 131.° e 138.° – Requisitos de isenção de uma entrega intracomunitária – Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES) – Inexistência de inscrição do adquirente – Recusa do benefício da isenção – Admissibilidade], que teve por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267° TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa) (Portugal), por decisão de 30 de Novembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de Janeiro de 2016, no processo Euro Tyre BV – Sucursal em Portugal contra a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6.30.      No âmbito do pedido de reenvio que deu origem ao referido Acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio perguntou, nomeadamente, “(…) se o artigo 131.° e o artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um EstadoMembro se recuse a isentar de IVA uma entrega intracomunitária pelo motivo de que, no momento da referida entrega, o adquirente, sedeado no território do EstadoMembro de destino e titular de um número de identificação IVA válido para as operações nesse Estado, não se encontra registado no sistema VIES nem está abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias.(…)”.

 

6.31.      Ora, segundo o referido Acórdão do TJUE, “23. Antes de mais, há que recordar que o artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva IVA prevê a obrigação de os EstadosMembros isentarem as entregas de bens que satisfaçam as condições aí enumeradas (acórdão de 9 de outubro de 2014, Traum, C492/13, EU:C:2014:2267, n.° 46). 24. Nos termos desta disposição, os EstadosMembros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território mas na União Europeia, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num EstadoMembro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens. 25. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a isenção da entrega intracomunitária de um bem só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o alienante prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro EstadoMembro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo bem saiu fisicamente do território do EstadoMembro de entrega (acórdão de 6 de setembro de 2012, MecsekGabona, C273/11, EU:C:2012:547, n.° 31 e jurisprudência referida). 26.No caso em apreço, resulta dos elementos que constam da decisão de reenvio que as questões submetidas assentam na premissa de que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária na aceção do artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva IVA, como recordados nos n.os 24 e 25 do presente acórdão, estavam verificados. A isenção de IVA foi recusada apenas pelo facto de, no momento das vendas em causa no processo principal, o adquirente não estar registado para efeitos da realização de operações intracomunitárias em Espanha nem inscrito no sistema VIES. Nesse EstadoMembro, o adquirente apenas dispunha de um número de identificação IVA válido para a realização de operações no referido Estado e não para a realização de operações intracomunitárias. 27. A este respeito, há que salientar que, na verdade, no âmbito do regime transitório de tributação do comércio na União, a identificação dos sujeitos passivos de IVA através de números individuais visa facilitar a determinação do EstadoMembro onde ocorre o consumo final dos bens entregues (acórdãos de 6 de setembro de 2012, MecsekGabona, C273/11, n.° 57, e de 14 de março de 2013, Ablessio, C527/11, EU:C:2013:168, n.° 19). Com efeito, o artigo 214.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva IVA impõe aos EstadosMembros que tomem todas as medidas necessárias para que sejam identificados através de um número individual, nomeadamente, todos os sujeitos passivos ou pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que efetuem aquisições intracomunitárias. 28. O registo dos sujeitos passivos que realizam operações intracomunitárias no sistema VIES apresenta igualmente uma importância incontestável neste contexto. Este sistema visa permitir aos operadores obter a confirmação do número de identificação IVA dos seus parceiros comerciais e às Administrações Fiscais nacionais fiscalizar as operações intracomunitárias e detetar eventuais irregularidades. O referido sistema responde, assim, à exigência, prevista no artigo 27.° do Regulamento n.° 1798/2003 e, a partir de 1 de janeiro de 2012, no artigo 17.° do Regulamento n.° 904/2010, de os EstadosMembros disporem de uma base de dados eletrónica contendo um registo das pessoas a quem atribuíram um número de identificação IVA. 29. No entanto, nem o artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva IVA nem a jurisprudência do Tribunal de Justiça referem, entre os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária enumerados exaustivamente, a obrigação de o adquirente dispor de um número de identificação IVA (v., neste sentido, acórdão de 6 de setembro de 2012, MecsekGabona, C273/11, EU:C:2012:547, n.° 59) ou, a fortiori, a obrigação de este estar registado para efeitos da realização de operações intracomunitárias e de estar inscrito no sistema VIES. 30. Contrariamente ao que os Governos português e polaco alegaram, em substância, perante o Tribunal de Justiça, essas obrigações não podem ser deduzidas do requisito de que o adquirente deve ser um sujeito passivo agindo como tal num EstadoMembro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens (v., por analogia, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C587/10, EU:C:2012:592, n.° 40). 31. Com efeito, a definição do sujeito passivo, enunciada no artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva IVA, visa apenas uma pessoa que executa, de forma independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade, sem fazer depender esta qualidade do facto de essa pessoa dispor de um número de identificação IVA (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C587/10, EU:C:2012:592, n.° 49 e jurisprudência referida), específico, se for caso disso, para a realização de operações intracomunitárias, ou de a referida pessoa estar registada no sistema VIES. Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um sujeito passivo age nessa qualidade quando efetua operações no âmbito da sua atividade tributável (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C587/10, EU:C:2012:592, n.° 49 e jurisprudência referida). 32. Por conseguinte, nem a obtenção, pelo adquirente, de um número de identificação IVA válido para a realização de operações intracomunitárias nem o seu registo no sistema VIES constituem requisitos materiais da isenção de IVA de uma entrega intracomunitária. São apenas exigências formais que não podem pôr em causa o direito do alienante à isenção de IVA, na medida em que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária estejam verificados (v., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de 2012, MecsekGabona, C273/11, EU:C:2012:547, n.° 60; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C587/10, EU:C:2012:592, n.° 51; e de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C24/15, EU:C:2016:791, n.° 40). 33. A este respeito, há que recordar que, na falta de uma disposição concreta na Diretiva IVA quanto às provas que os sujeitos passivos devem fornecer para beneficiarem da isenção de IVA, cabe aos EstadosMembros fixar, em conformidade com o artigo 131.° desta diretiva, os requisitos de isenção das entregas intracomunitárias para garantir a aplicação correta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos. Contudo, no exercício dos seus poderes, os EstadosMembros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União (v. acórdãos de 6 de setembro de 2012, MecsekGabona, C273/11, EU:C:2012:547, n.° 36 e jurisprudência referida, e de 9 de outubro de 2014, Traum, C492/13, EU:C:2014:2267, n.° 27). 34. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma medida nacional vai além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta as exigências de fundo e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estas foram respeitadas. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas (acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C24/15, EU:C:2016:791, n.° 37 e jurisprudência referida). 35. Ora, no que se refere às características objetivas de uma entrega intracomunitária, decorre dos n.os 23 a 25 do presente acórdão que se uma entrega de bens cumprir os requisitos previstos no artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva IVA, essa entrega está isenta de IVA (v., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C24/15, EU:C:2016:791, n.° 38 e jurisprudência referida). 36. Daí decorre que o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida se os requisitos de fundo forem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais (acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C24/15, EU:C:2016:791, n.° 39). 37. Por conseguinte, a Administração de um EstadoMembro não pode, em princípio, recusar a isenção de IVA de uma entrega intracomunitária pelo simples motivo de o adquirente não estar inscrito no sistema VIES nem se encontrar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias. 38. Assim, há que salientar que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, apenas existem dois casos em que o desrespeito de uma exigência formal pode implicar a perda do direito à isenção de IVA (v., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C24/15, EU:C:2016:791, n.° 43). () (sublinhado nosso).

 

6.32.      Assim, tendo em consideração o acima exposto, o TJUE conclui no Acórdão acima identificado que “o artigo 131.° e o artigo 138.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um EstadoMembro recuse isentar de imposto sobre o valor acrescentado uma entrega intracomunitária pelo simples motivo de, no momento dessa entrega, o adquirente, sedeado no território do EstadoMembro de destino e titular de um número de identificação de imposto sobre o valor acrescentado válido para as operações nesse Estado, não estar inscrito no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado nem se encontrar abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias, ainda que não exista nenhum indício sério que sugira a existência de fraude e que esteja demonstrado que os requisitos materiais da isenção estão verificados.(…)” (sublinhado nosso).

 

Da Jurisprudência Nacional

 

6.33.      No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) nº 0696/17 de 05-03-2018 (relator Conselheiro pedro Delgado), citado também pela Requerente no pedido, no sentido de que “I - O artigo 138º, nº 1, da Diretiva 2006/112, alterada pela Diretiva 2010/88, deve ser interpretado no sentido de que tem efeito directo, de forma a poder ser invocado pelos sujeitos passivos contra o Estado, nos órgãos jurisdicionais nacionais, com vista a obter uma isenção do imposto sobre o valor acrescentado a título de uma entrega intracomunitária. II - O registo do adquirente dos bens como sujeito passivo de IVA no Estado membro de entrega, constitui uma exigência formal que, de per si, não põe em causa o direito do fornecedor à isenção do IVA, verificados que estejam os requisitos materiais, de fundo, do direito à isenção de IVA de uma entrega intracomunitária na acepção do artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva IVA. III - Demonstrando-se nos autos que os bens em causa foram expedidos por conta do vendedor (a recorrente) e saíram fisicamente do território nacional para outro Estado membro, tendo sido entregues a um legal representante do adquirente, ao qual foi transmitido o direito de dispor dos mesmos como proprietário, estando também comprovado que o adquirente é um sujeito passivo que age enquanto tal nas operações em causa, haverá de se concluir que estão verificados os requisitos materiais, de fundo, do direito à isenção de IVA de uma entrega intracomunitária na acepção do artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva IVA” (sublinhado nosso).

 

6.34.      Também de acordo com o Acórdão do STA 0451/10.2BEBRG, de 16-12-2020 (relatora Conselheira Anabela Russo), igualmente citado pela Requerente, é referido que “I - Até à entrada em vigor da Directiva (EU) 2018/1910, a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, não constituía condição substantiva para a aplicação da isenção, mas mero requisito formal. II – Nesse contexto jurídico, sempre que o sujeito activo alega e prova a efectiva realização da operação, deve ser-lhe reconhecido o direito à isenção. III – Se a Administração Fiscal não questiona a materialidade das operações económicas e elege como fundamento das liquidações impugnadas exclusivamente a preterição do apontado requisito formal, há que concluir pela ilegalidade das referidas liquidações” (sublinhado nosso).

 

6.35.      E, da leitura do Acórdão identificado no ponto anterior, a propósito das alterações introduzidas pela Directiva (UE) 2018/1910 do Conselho, de 4 de Dezembro na Directiva IVA, não restam dúvidas quanto à inaplicabilidade desta alteração a situações ocorridas antes da sua entrada em vigor (01-01-2020) porquanto nele se refere que “o Conselho Europeu foi bem claro ao expressar que pretendia fazer uma alteração de fundo, mantendo (…) mesmo assim, que a mesma comportava ainda uma excepção: o objectivo era alterar a natureza do requisito de natureza formal para uma condição ou requisito substancial. Foi claro ao legislar sob proposta cujos considerandos revelavam claramente esse objectivo: (7) No que diz respeito ao número de identificação IVA relativo à isenção das entregas de bens nas trocas comerciais intracomunitárias, propõe-se que a inclusão do número de identificação IVA do adquirente dos bens no Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA («VIES»), atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens, passe a constituir, para além da condição relativa ao transporte dos bens para fora do Estado-Membro de entrega, uma condição substantiva para a aplicação da isenção, em vez de um requisito formal. (…). Assim sendo, os Estados-Membros deverão assegurar que a isenção não seja aplicada quando o fornecedor não cumprir as suas obrigações em matéria de registo no VIES, exceto quando o fornecedor atuar de boa fé, ou seja, quando puder justificar devidamente, perante as autoridades fiscais competentes, as suas falhas (…). Foi claro ao adoptar essa proposta que passou a forma de Lei, com o aditamento normativo realizado na Directiva 2006/112/CE, passando a inclusão do número de contribuinte do adquirente no VIES a ser um requisito material da aplicação da isenção de IVA nas transacções intracomunitárias – e não apenas um requisito formal. Em suma, à data em que as transacções intercomunitárias se realizaram (…) a não inscrição do sujeito passivo adquirente no sistema VIES não constituía, per se, fundamento para afastar a isenção de tributação, desde que o sujeito activo alegasse e provasse a efectiva realização da operação (…)” (sublinhado nosso).

 

6.36.      Assim, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que, à data a que se reportam as operações subjacentes às liquidações em crise, a inscrição (válida) no VIES pelo adquirente dos bens transmitidos pela Requerente deveria ser encarado como um requisito formal no âmbito da aplicabilidade da isenção de IVA prevista no artigo 14º, alínea a) do RITI, não podendo assim a Requerida fazer depender o direito à isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias de bens do não cumprimento de um mero requisito formal, sendo assim negativa a resposta a dar à questão enunciada no ponto 6.1., supra.

 

6.37.      Tendo em consideração a posição assumida quanto a esta questão pelo TJUE não se vê qualquer necessidade de reenvio prejudicial para efeitos interpretativos do artigo 138º da Directiva IVA, na redação em vigor antes da alteração produzida pela Directiva (UE) 2018/1910 do Conselho, de 4 de Dezembro (com efeitos em Portugal a partir de 01-01-2020).

 

6.38.      Nestes termos, conclui-se que as liquidações de IVA e juros aqui impugnadas padecem de ilegalidade, justificando-se a sua anulação.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.39.      A par do pedido de declaração da ilegalidade dos actos tributários aqui impugnados (IVA e juros), a Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante total cobrado em excesso de EUR 30.835,70.

 

6.40.      No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.41.      De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.42.      Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).  

 

6.43.      Ora, na sequência da declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e juros objecto do pedido de pronúncia arbitral, com os fundamentos acima enunciados, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.44.      Nestes termos, terá de haver lugar ao reembolso do montante total de imposto e juros pago pela Requerente, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade acima assinalada.

 

6.45.      Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, a Requerente terá direito aos referidos juros, calculados à taxa legal em vigor, sobre a quantia de imposto e juros indevidamente cobrada e paga, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.46.      Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC em vigor (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.47.      Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.48.      Nestes termos, face ao acima exposto, da análise efectuada resulta que deverá ser imputada à Requerida a responsabilidade total em matéria de custas arbitrais.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, determinando-se a anulação das liquidações de IVA e juros objecto do pedido, com o consequente reembolso do montante total pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;

7.1.2.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 30.835,70.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.836,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Agosto de 2021

 

A Árbitro,

Sílvia Oliveira