Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 230/2020-T
Data da decisão: 2021-08-20  IUC  
Valor do pedido: € 3.090,87
Tema: IUC – impugnação extemporânea; IRS - Incapacidade igual ou superior a 60%.
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Sumário:

 

I – Em relação às liquidações de IUC dos anos 2018 e 2019, objeto do presente processo arbitral, tendo o pedido arbitral sido precedido de reclamação graciosa, e tendo esta sido extemporânea, por ter operado a caducidade do direito à impugnação, seja pela via arbitral seja por recurso ao Tribunal Administrativo e Fiscal.

II - Com a solução normativa gizada nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23,01, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12.10, o legislador salvaguardou a situação dos portadores de incapacidade que tendo sido sujeitos à realização de uma nova junta médica, viram o grau de incapacidade que lhes foi fixado à data da avaliação ou da última reavaliação alterado em consequência de modificações efetivamente verificadas no seu estado clínico. Nessas situações, o legislador permite à junta médica que mantenha o anterior grau de incapacidade do avaliado, quando estejam em causa situações das quais possa resultar a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.

III- Contudo, para poder beneficiar do disposto neste normativo legal afigura-se necessário cumprir o pressuposto legal da entrega do Certificado de incapacidade até 31 de dezembro de cada ano, pelo que, não tendo a Requerente cumprido esse dever nos anos em referência, não pode imputar qualquer ilegalidade aos atos tributários impugnados, pelo que improcede o pedido.

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

1.            A..., contribuinte nº ..., residente na Rua ... nº..., ...-... ..., Mafra, apresentou em 17-04-2020, pedido de constituição de tribunal arbitral, com fundamento no artigo 99º, alínea a) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou AT), para anulação do ato de indeferimento da Reclamação graciosa nº ...2020..., proferida em 24-01-2020, a qual teve por objeto a impugnação dos atos tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), referente aos anos 2018 e 2019 e da correção à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2017 e 2018. Em causa está o reconhecimento do grau de incapacidade de 60%, atribuída à Requerente e os benefícios fiscais daí decorrentes.

 

2.            Assim, do pedido arbitral formulado resulta que a Requerente pretende a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa e, por consequência, a anulação das liquidações de IUC, referentes aos anos de 2018 e 2019, bem assim como da liquidação corretiva do IRS de 2017 e 2018, no valor total de €3.090,87. Junta com o pedido arbitral um conjunto de documentos, não numerados, mas paginados com início na página 6 a 29, como resulta do sistema de gestão processual. Entende a Requerente que os atos tributários impugnados são ilegais por não terem considerado, para os anos em causa, o grau de incapacidade de 60%, atribuída por Junta Médica realizada em 2010. Os atos tributários partem do pressuposto que a incapacidade relevante para os anos em causa é a atribuída pela Junta Médica realizada em 2015, a qual fixou a incapacidade em 19%, o que não confere à Requerente os benefícios fiscais por si invocados.

 

Nesta conformidade a Requerente peticiona a anulação dos atos impugnados e o consequente reembolso dos seguintes valores:

a.            Valor do IRS de 2017, pelo remanescente que devia ter sido reembolsado à Requerente, no montante de €1.754,53;

b.            Valor de IRS de 2018, pelo remanescente que devia ter sido reembolsado à Requerente, no montante de €1.132,04;

c.            Valor do IUC liquidado em 2018, no valor de €101,49;

d.            Valor do IUC liquidado em 2019, no valor de €101,49.

 

No valor total de €3.090,87, que devia ter sido reembolsado à Requerente, considerando o seu grau de incapacidade, que no seu entender, para efeitos fiscais, deve continuar a de 60%.

 

Esta é, pois, a questão de direito a decidir.

 

3.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-04-2020. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a aqui signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação da designação dentro do respetivo prazo. As partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento pelo que, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 06-08-2020.

 

4.            Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído desde 06-08-2020 para apreciar e decidir o objeto do processo e nesta mesma data foi a AT notificada do despacho arbitral proferido para se pronunciar nos termos do artigo 17º do RJAT.

 

5.            Em 16-09-2020 foi junta aos autos a resposta da AT e respetivo processo administrativo (PA). Em 01/10/2020 foi proferido despacho arbitral, devidamente notificado às partes, nos termos do qual se auscultou a sua opinião sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, o qual apresenta o seguinte conteúdo: «Analisado o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a Resposta, junta aos autos pela AT na qual se requer a dispensa de realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, constata-se não haver divergência sobre os factos  mas sim quanto às questões de direito a decidir por este Tribunal. Nesta conformidade notifique-se a requerente para vir aos autos pronunciar-se sobre, no prazo de cinco dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT. Quanto à matéria de exceção invocada pela AT a requerente poderá exercer o contraditório no prazo a fixar pelo tribunal para apresentação das alegações escritas. (…)»

 

6.            A Requerente não se pronunciou, sendo que a AT já o havia manifestado na sua Resposta. Pelo que, o Tribunal, em 28-10-2020 proferiu o seguinte despacho arbitral: «Considerando o teor do Despacho Arbitral de 01-10-2020, imediatamente notificado à Requerente, e a ausência de pronúncia no prazo fixado é de presumir que concorda com a proposta de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

(…)

no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, como bem resulta do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT:

- Dispensa-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

- Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, podendo a Requerente fazê-lo no prazo de 10 dias, contados da notificação do presente despacho, e a AT no mesmo prazo, contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.

A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT, com as eventuais prorrogações nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, devendo a Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente.»

 

7.            As partes apresentaram as suas alegações, respetivamente, a Requerente em 12-11-2020 e a Requerida em 23-11-2020.

 

8.            Por força do disposto na Lei nº 4-B/2021, de 01-02-2021, que procede à nona alteração à Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, o prazo de seis meses para proferir a decisão arbitral encontra-se suspenso, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3, do artigo 6º B, desde o dia 22 de janeiro de 2021. Não foi possível concluir a Decisão arbitral, devido à acumulação de decisões, singulares e coletivas, para o mesmo período, bem assim como outros constrangimentos decorrentes da situação de pandemia. Assim, o Tribunal, por despacho de 11-03-2020, veio esclarecer os termos da contagem e fixação do prazo para decisão, e, ao abrigo do disposto no artigo 21º, nº2 do RJAT. Em 07-04-2020 o Tribunal proferiu o seguinte despacho arbitral, para esclarecimento da contagem dos prazos e fixação da data-limite para a decisão, com o seguinte teor:

 

«Despacho Arbitral

Esclarecimento sobre a data-limite para decisão arbitral: contagem de prazo.

 

Considerando o Despacho proferido em 11-03-2021 e a suspensão de prazos operada desde 22 de janeiro de 2021, decorrente do disposto no artigo 4º, da Lei nº 4-B/2021 de 01 de fevereiro, que procede à nona alteração à Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março,  que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS -COV - 2 e da doença COVID -19, esclarece-se que, nos presentes autos, com a prorrogação do prazo decidida por despacho de 06-02-2021, a data limite para prolação da decisão arbitral passa a ser o próximo dia 22-06-2021, dado que a suspensão operou 16 dias antes da data limite para a decisão (06-02-2021), contando-se os dois meses da prorrogação a partir do próximo dia 22-04-2021.(…)»

 

9.            Em 22-06-2021 foi ainda proferido novo despacho, prorrogando por mais dois meses o prazo para prolação da decisão arbitral, nos termos previstos no nº2 do artigo 21º do RJAT, porquanto face à enorme acumulação de diligências e prazos de prolação de decisões arbitrais singulares e coletivas, determinada por força da suspensão dos prazos determinada pela legislação COVID 19, não foi possível finalizar a decisão arbitral dentro do prazo inicialmente previsto. Assim, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão por mais dois meses, ou seja, até 22-08-2021, que por coincidir com domingo, passa para 23-08-2021.

 

10.          A Autoridade Tributária e Aduaneira na sua resposta, veio invocar a exceção da extemporaneidade da impugnação das liquidações de IUC, e pugna pela legalidade dos demais atos tributários impugnados.

 

No que se refere às liquidações de IRS de 2017 e 2018, entende que, nos anos em causa a Requerente não beneficiava dos benefícios decorrentes da invalidez de 60%, por não ter sido entregue Certificado de incapacidade conforme, desde 2015, e, por outro lado, porque considera ainda que a Requerente, face à redução da percentagem de incapacidade revelada no Certificado emitido em 2015 e que a Requerente apresenta junto do Serviço de Finanças em dezembro de 2019, e dado que esta foi reduzida pela Junta Médica que reavaliou a situação clínica da Requerente em 2015, aquela já não pode usufruir dos benefícios que reclama. Estas são, pois, as questões a decidir.

A AT conclui pugnando pela procedência da exceção de intempestividade da impugnação dos IUC e pela improcedência do restante pedido da Requerente, pela manutenção de todos os atos tributários impugnados.

 

 

II – SANEAMENTO

 

11.          O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

 

12.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

13.          O processo não enferma de nulidades.

 

14.          Como vimos, a Requerida AT alegou exceção de extemporaneidade da impugnação das liquidações de IUC, a qual constitui uma exceção perentória, nos termos do artigo 576º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º do RJAT, que terá como consequência a absolvição no pedido, em caso de procedência. Importa, pois, fixar a matéria de facto, a qual se revela essencial para poder decidir, também, sobre a invocada exceção.

 

Não foram suscitadas outras exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

15.          Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos – tendo presente que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado (cfr. artº. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC), e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº. 123.º, nº.2, do CPPT). Nesta conformidade fixa-se a matéria de facto a seguir indicada.

 

A)           Matéria de facto:

16.          Consideram-se, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:

a.            A Requerente foi submetida a uma Junta Médica em 2010, da qual resultou a atribuição de uma incapacidade de 60% nos termos da Tabela Nacional de Incapacidade (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei Nº 52/2007, de 23 de outubro;

b.            Desde 2010 a Requerente usufruiu dos benefícios fiscais inerentes à sua condição decorrente da incapacidade fixada em 60%, previstas no artigo 87º, nº5 do CIRS e do artigo 5º, nº 2, alínea a) do CIUC;

c.            Em 2015 a Requerente foi submetida a nova Junta Médica, ao abrigo da mesma TNI, aprovada pelo Decreto-Lei Nº 52/2007, de 23 de outubro, no seguimento da qual resultou uma incapacidade de 19%;

d.            Em 18-12-2019 a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, na qual requer a anulação das autoliquidações do IUC de 2016, 2017, 2018 e 2019, referente ao veículo com a matrícula ..., com data de matrícula em 20/04/2010, bem assim como a correção das declarações de IRS relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018;

e.            De 2010 a 2019 a Requerente não procedeu à apresentação anual do Certificado de incapacidade;

f.             Em 19-12-2019 a Requerente solicitou o averbamento do Certificado de incapacidade emitido em 2015, por requerimento apresentado no Serviço de Finanças local, com vista à manutenção dos benefícios fiscais;

g.            O Serviço de Finanças recusou o averbamento do novo Certificado, e a Requerente interpôs um recurso hierárquico e uma Reclamação Graciosa, para impugnação das liquidações em discussão nos presentes autos;

h.            O recurso hierárquico não obteve resposta;

i.             No âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia, que exerceu, como bem consta do PA;

j.             A Requerente foi notificada em 27-01-2020 do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada;

k.            Em 17- 04 - 2020 foi apresentado o pedido de constituição arbitral para impugnação, apenas, dos IUC dos anos de 2017 e 2018 e dos IRS de 2018 e 2019.

 

 

B)           Fundamentação da matéria de facto:

 

17.          A matéria de facto dada como provada assentou no exame crítico da prova documental apresentada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos. Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada de não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT, e artigo 670º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis, da(s) questão (ões) de Direito (cfr. artigo 596º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimentos das pessoas (cfr. artigo 670º, nº 3º do Código de Processo Civil (CPC), na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 42/2013, de 26 de junho).

 

18.          Não existem factos dados como não provados, com relevo para a decisão da causa. Como resulta evidenciado por tudo o que vem exposto, há duas questões a decidir, a primeira é, naturalmente, a da exceção perentória invocada pela AT quanto à impugnação das liquidações dos IUC dos anos 2018 e 2019, e a segunda é a questão de direito controvertida que versa sobre a interpretação e aplicação do regime constante do DL nº 291/2009 de 12/10, na parte em que dele resulta a possibilidade de manter os benefícios fiscais associados ao grau de incapacidade atribuído. No caso dos autos, foi atribuído à Requerente em 2010 um grau de incapacidade de 60%, a qual veio a ser reduzida para 19%, em resultado da nova avaliação efetuada em 2015. A Requerente pretende ver reconhecidos os mesmos benefícios fiscais de que antes beneficiava, ancorada no disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 4º do DL nº 291/2009 de 12/10.

A AT tem diferente entendimento, como bem consta do indeferimento da Reclamação Graciosa que antecedeu o presente pedido arbitral e da Resposta junta aos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

19.          Assim sendo, o recorte factual está delimitado aos factos relevantes para a decisão destas questões e esses são os que constam da matéria de facto assente acima mencionada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

20.          Questões a decidir:

a.            A alegada exceção de extemporaneidade;

b.            Ilegalidade dos atos tributários impugnados;

 

Assim, quanto à exceção de extemporaneidade:

 

21.          Conforme resulta do pedido arbitral, a páginas 8, a Requerente solicitou, em 19-12-2019, o averbamento do novo Certificado de incapacidade, por requerimento no qual explicita que requer o averbamento do dito Certificado (emitido em 2015) para manutenção dos benefícios fiscais atribuídos anteriormente. Por isso, a data relevante para determinar a extemporaneidade dos pedidos de impugnação das liquidações de IUC em causa, é a da apresentação da Reclamação Graciosa. Esta deve ser apresentada, no prazo de 120 dias, a contar da notificação do ato tributário a impugnar, no caso, a contar da autoliquidação do IUC respetivo, como bem resulta do disposto no artigo 70º do CPPT.

Estando em causa autoliquidações de IUC, releva o disposto no artigo 131º do CPPT o seguinte:

«Artigo 131.º - Impugnação em caso de autoliquidação

 

1 — Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.

2 — Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efectuou, contados, respectivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.

3 — Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for    orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º»

 

O caso dos autos enquadra-se no nº 3 deste dispositivo legal, já que se discute matéria exclusivamente de Direito.

 

22.          Ora, está em causa o IUC referente ao veículo de matrícula ..., com data de matrícula em 20-04-2010, a qual determina o período de autoliquidação e pagamento do imposto. Como bem alega a AT, «o IUC é um imposto anual, sendo devido em cada ano a que respeita (cfr. Artigo 4º do CIUC), considerando-se exigível no primeiro dia do período de tributação que corresponda à data da matrícula ou do seu aniversário, conforme determinado pelo artigo 6º, nº 3 conjugado com o artigo 4º, nº 2, ambos do CIUC.»

 

Considerando o regime legal em vigor, resulta no caso dos autos que o período de liquidação do imposto ocorre a partir da data da matrícula, ao qual acrescem os 30 dias previstos na lei para proceder ao pagamento do imposto. Como resulta do disposto no artigo 17º, nº 1 do CIUC, o imposto deve ser liquidado até ao termo do mês em que se torna exigível, nos termos do artigo 4º, nº 2 do CIUC.

 

Por sua vez, do disposto no artigo 70º do CPPT, resulta que o prazo para apresentar Reclamação Graciosa é de 120 dias a contar da data-limite para pagamento do imposto. E, segundo o artigo 10º do RJAT o prazo para apresentação do pedido arbitral deve ocorrer nos 90 dias seguintes, entre outros factos, ao da data da notificação do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa.

Por outro lado, face ao disposto no artigo 131º do CPPT constata-se que, no seu nº 3, se remete para o prazo do artigo 101º, nº2 do mesmo CPPT.

Importa, ainda, ter em conta o disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, no qual se dispõe que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado:

“a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas

b) e c) do artigo 2.º, nos restantes casos.”

 

Posto isto,

 

23.          No caso dos presentes autos, constata-se que o pedido arbitral foi apresentado dentro do prazo previsto no artigo 10º do RJAT, porém, este facto não permite ao sujeito passivo recuperar o prazo que já caducara ao tempo da apresentação da Reclamação Graciosa. Dito de outro modo, para que o pedido arbitral seja considerado tempestivo, no caso em que é apresentado após prévia reclamação graciosa, é necessário que esta tenha sido apresentada dentro do prazo legal (120 dias após a data-limite para pagamento).

 

Vejamos o que sucedeu no caso em apreço: a data-limite para pagamento do IUC da viatura identificada nos presentes autos ocorreu até ao termo do mês de abril (mês do aniversário da matrícula), ou seja, até ao dia 30.04.2018 e 20.04.2019, respetivamente. Na verdade, considerando que a matrícula foi atribuída, conforme informação constante no processo administrativo, em 2010/04/20, esta é a conclusão lógica que decorre da aplicação do regime legal do CIUC, já supramencionado.

Sendo assim, a Requerente devia ter apresentado Reclamação Graciosa, respetivamente, até 29-08-2018 e 29-08-2019, respetivamente. Mas resulta dos autos que a Reclamação Graciosa referente aos impostos dos anos em causa foi apresentada em 18-12-2019, ou seja, muito para além dos 120 dias previstos na lei.

E, mesmo que por hipótese se considerasse a aplicação do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 131º do CPPT, sempre seria extemporânea a apresentação do pedido arbitral, porque ocorreu depois dos 30 dias previstos no seu nº 2.

Mas, como se disse antes, entendemos que o caso dos autos se enquadra mais propriamente no nº 3 daquele artigo que por sua vez remete para o prazo do artigo 101º, nº2 do CPPT.

Assim, sem mais considerandos, conclui-se que, em relação às liquidações de IUC dos anos 2018 e 2019, objeto do presente processo arbitral, tendo o pedido arbitral sido precedido de reclamação graciosa, e tendo esta sido extemporânea, por ter operado a caducidade do direito à impugnação, seja pela via arbitral seja por recurso ao Tribunal Administrativo e Fiscal.

É certo que o pedido arbitral foi apresentado no prazo dos 90 dias seguintes ao indeferimento da Reclamação Graciosa, mas a verdade é que a caducidade do direito já havia operado muito antes da apresentação da Reclamação Graciosa, não podendo este Tribunal deixar de considerar procedente a exceção invocada pela AT e, em consequência absolver a Requerida no pedido formulado quanto às liquidações de IUC impugnadas.

 

24.          Na sua resposta a AT menciona, a este propósito, que estar em caus o IUC dos anos de 2016 a 2019, seguindo o objeto da Reclamação Graciosa, mas no pedido arbitral a Requerente restringiu o pedido à impugnação dos IUC referentes aos anos de 2018 e 2019. De todo o modo, pelas razões supra apontadas e por maioria de razão, a caducidade do direito a impugnar todas estas liquidações de IUC há muito havia operado, pelo que a conclusão teria de ser idêntica para todos os anos em causa.

 

Em conclusão, nos termos do artigo 70.º e al. a) do n.º 1 do artigo 102.º CPPT, o pedido arbitral é intempestivo, pelo que procede a exceção invocada pela AT.

 

b.            Quanto à Ilegalidade dos restantes atos tributários impugnados;

 

25.          Face ao que vem exposto subsiste ainda uma questão a decidir, a qual se reporta à impugnação das liquidações de IRS dos anos de 2017 e 2018, porquanto a Requerente alega que estas padecem de ilegalidade e deviam ser corrigidas pela AT, tendo solicitado essa correção utilizando a via da Reclamação Graciosa, Entende a Requerente que tal correção deve ser operada de modo a considerar os benefícios fiscais de que beneficiou desde 2010, dos quais devia continuar a beneficiar mesmo depois da reavaliação operada em 2015 e da redução da incapacidade para 19%, porquanto o disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 4º do Decreto-Lei Nº DL nº 291/2009 de 12/10, salvaguarda os direitos adquiridos pela atribuição do grau de invalidez mais elevado atribuído na avaliação anterior.

 

Na verdade, no caso concreto da Requerente, verifica-se que por força da incapacidade de 60% atribuída e comprovada pelo Certificado emitido em 2010 (documento que junta ao pedido arbitral a folhas 6) esta beneficiou dos benefícios fiscais previstos em sede de IUC e de IRS, durante os anos seguintes e até a reavaliação da incapacidade ocorrida em 2015. Releva para a análise do caso que, quer a primeira avaliação de incapacidade, quer a reavaliação efetuada em 2015, obedeceram à mesma legislação e à mesma TNI, seguindo ambas o disposto no Decreto-Lei Nº 352/2007, de 23 de outubro.

 

Constata-se que por desconhecimento da lei, confrontada com o novo grau de incapacidade (19%), atribuído em 2015, resultante da evolução positiva da sua situação clínica, a própria Requerente ficou convencida de que os benefícios até então usufruídos cessaram e, certamente por isso, não procedeu à entrega do novo Certificado no Serviço de Finanças. Estava convencida que perdera esses direitos pelo que não mais procedeu à entrega do Certificado de incapacidade. Foi esta a situação de facto que perdurou de 2015 a 2019.

 

Só em 19-12-2019 a Requerente, que alega desconhecimento do regime legal aplicável do qual teve conhecimento através de terceiros que a alertaram para tal, veio apresentar e requerer o averbamento do novo Certificado (emitido em 2015), solicitando que o mesmo fosse tido em conta para o reconhecimento dos seus benefícios fiscais, dos quais usufruiu entre 2010 e 2014. Alega que, apesar de em sede reavaliação ocorrida em 2015 a Junta Médica ter alterado a sua incapacidade para 19%. Invoca a seu favor o disposto nos nºs 1, 7 e 8 do artigo 4º, do Decreto-Lei 291/2009 de 12 de outubro, beneficia da incapacidade anteriormente fixada em 60%, para os efeitos de benefícios fiscais, dos quais já beneficiava. Invoca a seu favor a jurisprudência firmada em dois Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, aos quais nos referimos a seguir e à qual este tribunal arbitral adere integralmente.

Importa, contudo, recentrar a questão em discussão nestes autos, dado que a mesma se refere especificamente à liquidação de IRS dos anos de 2017 e 2018.

Ora, a Requerente apenas apresenta e requer o averbamento do novo Certificado de incapacidade em 19-12-2019, pelo que, este deve ser tido em conta e vincula a AT para o procedimento de liquidação e cobrança do IRS de 2019, já que a Requerente cumpriu o requisito e pressuposto legal para poder usufruir dos benefícios, mas não pode colmatar a falta do cumprimento desse pressuposto relativamente aos anos de 2017 e 2018.

Resta acrescentar que, como bem alega a AT, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém e não pode ser relevado como argumento válido para a procedência do pedido da Requerente.

Estes são os contornos da questão a decidir sobre os quais se explicitará de seguida o alcance da Jurisprudência invocada pela Requerente e à qual este Tribunal adere integralmente, contudo, no caso dos presentes autos verifica-se um facto que faz toda a diferença: a falha na apresentação do Certificado multiusos nos anos de 2017 e de 2018, pressuposto legal para a aplicação dos benefícios fiscais previstos na Lei fiscal (seja à luz do CIUC seja do CIRS).

 

Vejamos mais em pormenor:

 

26.          No seu requerimento de 19-12-2019, bem assim como na Reclamação Graciosa apresentada em 18-12-2019, a Requerente alega que desconhecia o alegado direito a manter os benefícios fiscais de que beneficiara desde 2010. Assume que desconhecia a legislação que agora invoca em sua defesa. Assume também que, por desconhecimento, não entregou o Certificado comprovativo da nova incapacidade atribuída na reavaliação realizada em 2015, o qual, na verdade, chegou ao conhecimento da AT com o requerimento apresentado em 19-12-2019. 

 

27.          Chegados aqui, há que referir, em primeiro lugar, que a Requerente não cumpriu, efetivamente, com um pressuposto essencial para poder continuar a usufruir dos benefícios de que já beneficiara: a entrega do Certificado. Ora, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, logo a alegação da Requerente quanto ao desconhecimento da lei não pode servir de fundamento para a anulação da liquidação de IRS de 2017 e de 2018. Ou seja, sem a apresentação do documento legalmente exigível (Certificado de invalidez atribuída) a AT não tinha qualquer base documental para poder processar a liquidação nos moldes pretendidos pela Requerente. Assim, o meio mais adequado para a Requerente obter o resultado pretendido seria, eventualmente, o procedimento de revisão do ato tributário previsto no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT). Face ao exposto, a liquidação de IRS referente aos anos de 2017 e 2018, impugnadas nos presentes autos, porquanto não padecem de qualquer ilegalidade, já que a AT não podia reconhecer benefícios fiscais sem qualquer suporte legal para o efeito. Coisa diferente seria a Requerente solicitar a revisão das liquidações, como se disse, ao abrigo do artigo 78º da LGT, mas não foi esse o percurso seguido, nem é essa a configuração da questão a decidir.

 

Nessa medida o pedido da Requerente quanto ao IRS de 2017 e 2018 tem de improceder.

 

28.          Claro que, no que se refere ao ano de 2019, considerando que o Certificado foi apresentado em 19-12-2019, a questão que a Requerente coloca faz sentido porquanto nessa data ainda não se iniciara o procedimento de liquidação e cobrança do IRS referente ao ano de 2019. Mas, mais uma vez, não está em causa nos autos a impugnação do IRS de 2019, pelo que o Tribunal apenas tem de decidir, exclusivamente, sobre a legalidade dos atos tributários impugnados: IRS de 2017 e 2018.

 

29.          Dito isto, e para reforçar o que vem exposto, analisando a argumentação da Requerente, diga-se que, o teor dos Certificados juntos aos autos (o emitido em 2010 e o posteriormente emitido em 2015) conclui-se que ambos cumprem os pressupostos legais necessários para que a Requerente possa continuar a usufruir dos benefícios que invoca, no futuro, uma vez que cumpra a obrigação de apresentação anual do Certificado, o que fez em 19-12-2019.desde junto aos autos.

 

A Requerente juntou ao seu pedido arbitral o Certificado emitido em 2010 do qual consta um grau de incapacidade de 60%. Foi com base neste Certificado que a Requerente usufruiu dos benefícios fiscais até 2015, ano em que a sua situação foi reavaliada, ao abrigo da mesma TNI, aprovada pelo Decreto-Lei Nº 352/2007, de 23 de outubro.

Este segundo Certificado, datado de 23-04-2015, é bem explícito quanto à nova percentagem de invalidez atribuída, de 19% de incapacidade, bem assim quanto à percentagem anteriormente atribuída. No referido documento, é mencionado expressamente no segundo campo do documento o seguinte:

«Declaro que o utente é portador de deficiência, que de acordo com os documentos arquivados neste Serviço lhe conferiram em 08/09/2010 pela TNI aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007 de 23 de outubro o grau de incapacidade de 60% (sessenta por cento)».

 

Esta menção justifica-se, precisamente, à luz da legislação invocada pela Requerente, nomeadamente do disposto no nº 8, do artigo 4º, do Decreto-Lei Nº 291/2009 de 12/10 e consta do Certificado, precisamente, para ressalva dos direitos adquiridos aos benefícios de que antes o interessado beneficiava. A AT questiona esta solução legal, o que se compreende, pois o próprio texto legal não é tão claro como deveria, mas a verdade é que à luz do disposto nos referidos nºs 7 e 8 do artigo 4º do referido Decreto-Lei, foi essa a solução gizada pelo legislador, como bem resulta da Jurisprudência que a seguir se refere.

No caso em apreciação, o que falhou, na verdade, foi a Requerente não ter procedido à entrega e requerido o averbamento do respetivo Certificado de incapacidade, no ano de 2015 e seguintes e só o ter feito em 19-12-2019.

 

30.          Os pressupostos de aplicação dos normativos invocados pela Requerente, nomeadamente, estão contidos no DL nº 291/2009 de 12/10 e impõe uma correta interpretação do seu artigo 4, nºs 7, 8 e 9.

Dispõe este artigo o seguinte:

Artigo 4.º - Avaliação de incapacidade

 

1 - A avaliação da incapacidade é calculada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, tendo por base o seguinte:

 a) Na avaliação da incapacidade das pessoas com deficiência, de acordo com o definido no artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18 de Agosto, devem ser observadas as instruções gerais constantes do anexo I ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, bem como em tudo o que não as contrarie, as instruções específicas constantes de cada capítulo ou número daquela tabela;

b) Não se aplicam, no âmbito desta avaliação de incapacidade, as instruções gerais constantes daquela Tabela.

(…)

 4 - Sempre que a lei faça depender a atribuição de benefícios de determinados requisitos específicos, o atestado de incapacidade deve indicar o fim a que se destina e respetivos efeitos e condições legais, bem como a natureza das deficiências e os condicionalismos relevantes para a concessão do benefício.

(…)

 7 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado.

8 - Para os efeitos do número anterior, considera-se que o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a alteração do grau de incapacidade resultante de revisão ou reavaliação implique a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.

9 - No processo de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação.»

 

31.          Como interpretar e conciliar os dispositivos contidos nos nºs 7, 8 e 9, uma vez que não são evidentes nem claras proposições neles contidos. Como alega a própria AT, da análise destes dispositivos afigura-se evidente que «o legislador pretendeu salvaguardar que uma pessoa a quem fosse atestado um grau de incapacidade passível de conferir acesso a medidas e benefícios, de acordo com o critério em vigor numa avaliação anterior, não deixasse de ser considerada pessoa com deficiência, pela introdução de novos critérios técnicos de avaliação decorrentes da entrada em vigor da TNI de 2007 ou outra posterior. Pretendeu-se, assim, salvaguardar o princípio da confiança das pessoas a quem tinha sido atribuído um grau de incapacidade superior a 60% e que, face à alteração de critérios técnicos da avaliação de incapacidade, passassem a possuir um grau inferior a 60%, deixando de ter acesso às medidas e benefícios, nomeadamente fiscais, previstos na Lei.»

 

32.          Porém não é essa a situação da Requerente, a qual viu a sua incapacidade revista por força da evolução positiva da sua situação clínica. De resto as duas avaliações decorreram ao abrigo da mesma legislação, da mesma TNI, pelo que a sua situação não é subsumível ao disposto no nº9, do suprarreferido artigo.

 

No caso em concreto, o que se constata é que a alteração do grau de incapacidade de 60% para 19% não decorreu da alteração dos critérios técnicos, na medida em que foi utilizada a mesma TNI, tanto na avaliação no ano de 2010 como na reavaliação ocorrida no ano de 2015.

Ora, neste caso considera a AT que a situação é diferente e não resulta na manutenção dos mesmos benefícios que anteriormente tivessem beneficiado. Nisto resulta a divergência de entendimento da AT e da posição que alega a Requerente.

Em síntese, considera a AT que: «comprovando este atestado a detenção de uma incapacidade temporária, sujeita a reavaliação no ano de 2015, a sua validade fica estabelecida dentro deste prazo temporal, determinado entre os anos de 2010 e 2015.

Sendo que, na reavaliação efetuada no ano de 2015, face aos mesmos critérios técnicos,

porquanto tiveram sempre por base, tanto na primeira avaliação, como na reavaliação, a mesma TNI, foi conferido um grau de incapacidade de 19%.

Neste desiderato, decorrendo da reavaliação um grau de incapacidade inferior a 60%, não resultante da alteração de critérios técnicos, porquanto foi aplicada a mesma TNI na avaliação ocorrida em 2010 e na reavaliação efetuada no ano de 2015, o grau de 19% que lhe foi atribuído pela junta médica, em sede desta mesma reavaliação, não releva fiscalmente.

Isto porque, nos termos do artigo 87º, nº 5 do Código do IRS, considera-se pessoa com deficiência aquela que apresente um grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60%, devidamente comprovado mediante atestado médico de incapacidade multiuso, emitido nos termos da legislação aplicável.»

 

33.          Ora, o Tribunal arbitral não acompanha esse entendimento da AT, embora isso não interfira com a decisão final a proferir, dado que falhou um pressuposto essencial: a entrega do Certificado em tempo junto do Serviço de Finanças. Sobre esta questão já se pronunciou o TCAN nos Acórdãos 00144/18.2BECBR de 28-06-2019, que reproduziu o entendimento vertido no Acórdão nº 02715/11.9PRT, de 20.03.2015, a cuja jurisprudência se adere na íntegra.  Assim, vejamos os tópicos fundamentais constantes dos referidos Acórdãos, citando o Acórdão de 28-06-2019:

“O Decreto-Lei nº 352/2007, de 23/10, aprovou a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, revogando o Decreto-Lei n.º 341/1993, de 30 de Setembro, e aprova a Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil.

Por sua vez, o D.L. n.º 291/2009, de 12/10, que procedeu à segunda alteração ao D.L. n.º 202/96, de 22/10, e que estabelece o regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na Lei, logo no seu preâmbulo afirma que «Importa, por isso, adequar os procedimentos previstos no Decreto-Lei nº202/96, de 23 de Outubro, às instruções previstas na TNI, de forma a salvaguardar as especificidades próprias das incapacidades das pessoas com deficiência, garantindo que nos processos de revisão ou reavaliação o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais vigente à data de avaliação ou reavaliação seja mantido, sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado».

E no seu artigo 4.º [do D.L. n.º 291/2009, de 12/10], sob a epígrafe “Avaliação de incapacidade” estabelece o seguinte regime legal:

 (…)

Por seu turno, decorre do preceituado no n.º 7 do artigo 4.º do D.L. 202/96, de 23.10, na redação que lhe foi conferida pelo D.L. n.º 291/09, de 12.10, que sem prejuízo do consignado no seu n.º1, nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da TNI vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com a declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado, considerando-se que o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a alteração do grau de incapacidade resultante de revisão ou reavaliação implique a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos [vide n.º8 do art.º 4.º do citado diploma].

Aqui chegados importa delimitar o campo de aplicação do regime legal resultante dos n.º7 e 8 do art.º 4.º do D.L. 202/96, de 23.10., na redação que lhe foi conferida pelo D.L. 291/09, de 12.10 do campo de aplicação do regime previsto no n.º 9 do art.º 4.º do mesmo diploma legal, onde se estabelece que «No processo de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação”, solução que à primeira vista, para além do mais, parece tornar desnecessária a previsão do regime que consta dos n.º7 e 8 do citado art.º 4.º.

Em matéria de interpretação de leis dita o n.º 1, do artigo 9º do Código Civil que à atividade interpretativa não basta o elemento literal das normas e que é essencial a vontade do legislador, captável no quadro do sistema jurídico, das condições históricas da sua formulação e, numa perspetiva atualista, na especificidade do tempo em que são aplicadas. Por sua vez, no n.º 2 desse mesmo preceito, estabelece-se que a determinação da vontade legislativa não pode abstrair da letra da lei, isto é, do significado da sua expressão verbal. Finalmente, no nº 3, dispõe-se, por apelo a critérios de objetividade, que o intérprete, na determinação do sentido prevalente da lei, deve presumir o acerto das soluções consagradas e a expressão verbal adequada (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 3ª ed., págs. 58 e 59).

No fundo, o referido normativo expressa os princípios doutrinários consagrados ao longo do tempo sobre a interpretação das leis, designadamente o apelo ao elemento literal, por um lado, e aos de origem lógica, por outro.

Conforme ensina Manuel de Andrade, in “Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, págs. 21 a 26), interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei. Ou, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “Noções Fundamentais do Direito Civil”, vol. 1º, 6ª ed., pág. 145), interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva.

Tal tarefa tem como único limite o que se consubstancia na impossibilidade de ultrapassar o teor literal da regulamentação e o seu campo de significações adequadas ao entendimento comum e normal das palavras constantes da norma a interpretar.

Partindo destes postulados hermenêuticos vejamos qual a solução normativa que o legislador estabeleceu no artigo 4.º, n.ºs 7, 8 e 9 do D.L. n.º 291/2009, de 12/10.

Tendo presente o disposto nos n.º7 e 8 do artigo 4.º do D.L. 291/2009, de 12/10 e contrapondo a solução normativa aí consagrada ao disposto no n.º9 do mesmo artigo 4.º, é forçoso concluir que as realidades que lhe estão subjacentes têm necessariamente de ser diferentes.

Na verdade, tendo em conta o disposto no n.º9 do art.º 4.º do D.L. 202/96, na redação conferida pelo D.L. 291/09, dele resulta estar assegurado ao trabalhador que tenha visto a sua incapacidade fixada em momento anterior à entrada em vigor da TNI aprovada pelo D.L.352/2007, de 23/10, o direito a ver inalterado esse seu grau de incapacidade sempre que da revisão ou reavaliação dessa sua incapacidade por aplicação da nova TNI resulte um grau de incapacidade inferior ao determinado à data da avaliação ou última reavaliação.

Mas se assim é, que sentido tem a solução normativa prevista nos n.º7 e 8 do art.º 4.º, que faz depender o direito do avaliado à manutenção do seu anterior grau de incapacidade da circunstância da junta médica considerar que o mesmo lhe é mais favorável? É que a junta médica só poderá considerar que a manutenção do grau de incapacidade anterior é mais favorável ao avaliado se concluir que da alteração do grau de incapacidade resulta a perda de direitos que o avaliado já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos, o que conforme nos parece claro, apenas ocorrerá se o grau de incapacidade para o avaliado for menor do que aquele que lhe fora atribuído à data da avaliação ou da última reavaliação, situação que, então, já estaria acautelada pelo n.º 9 do artigo 4.º.

Perante o exposto, afigura-se-nos patente que os campos de previsão dos nºs 7, 8 e 9 do art.º 4.º se dirigem a situações diferentes, que urge identificar de forma a poder perceber-se claramente o alcance da solução normativa que o legislador neles consagrou.

Começando pelo n.º 9 do artigo 4.º do diploma em causa, está bom de ver que a solução nele contemplada só pode respeitar àquelas situações em que o avaliado não sofreu qualquer alteração clínica ao nível das sequelas de que ficou a padecer em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima ou da doença profissional que o atingiu, entre a data da avaliação ou última reavaliação e a data em que foi sujeito a novo processo de revisão ou reavaliação e em que a avaliação da sua incapacidade foi calculada pela nova TNI aprovada pelo D.L. n.º 352/2007, de 23.10, resultando a diminuição do seu grau de incapacidade única e exclusivamente da diferente graduação prevista na nova TNI para a sua incapacidade.

Se assim não fosse, a solução aí prevista não podia aceitar-se, sob pena de termos de admitir que o legislador pactuou com o absurdo de permitir a irrelevância total das modificações que possam surgir na situação clínica do trabalhador que se traduzam numa melhoria da sua situação, ou seja, numa diminuição real do seu grau de incapacidade. O atestado seria então uma pura ficção, sem razão objetiva que o justificasse, ao contrário do que se passa no âmbito dos n.º7 e 8 do art.º4, como veremos.

O D.L. n.º 291/2009, de 12/10, como já supra se referiu, visou adequar os procedimentos previstos no D.L. n.º 202/96, de 23/10 [diploma que estabeleceu o regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei, que remetia para a TNI aprovada pelo D.L. n.º 341/93, de 30/09] às instruções previstas na nova TNI aprovada pelo D.L. n.º 352/2007, de 23/10 de forma a «salvaguardar as especificidades próprias das pessoas com deficiência, garantindo que nos processos de revisão ou reavaliação o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado»- cfr. preâmbulo do diploma.

Isto dito e centrando-nos agora na solução prevista nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º, cremos que com o regime legal aí estabelecido o legislador quis salvaguardar a situação dos portadores de incapacidade que tendo sido sujeitos à realização de uma nova junta médica, viram o grau de incapacidade que lhes foi fixado à data da avaliação ou da última reavaliação alterado em consequência de modificações efetivamente verificadas no seu estado clínico, o mesmo é dizer, de alterações ao nível das sequelas de que ficaram a padecer, quando daí resulte, por força da diminuição que tal implique no grau de incapacidade que lhes tenha sido atribuído, a perda de direitos que já estejam a exercer ou benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos. Esta possibilidade da junta médica manter o anterior grau de incapacidade apenas é consentida pelo legislador quando estejam em causa situações das quais possa resultar a perda de direitos que o avaliado já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.

Em suma, o sentido útil que se extrai do disposto no artigo 4.º, nºs 7, 8 e 9, de acordo com os elementos interpretativos fornecidos pelo artigo 9.º do C. Civil, leva-nos a considerar que nos n.ºs 7 e 8 do art.º 4.º do D.L. 202/96, na versão conferida pelo D.L. 291/09, de 12.10, o legislador gizou uma solução normativa para aquelas situações em que houve uma alteração efetiva na situação clínica do avaliado geradora de uma alteração do grau de incapacidade que lhe fora fixado anteriormente, da qual possa resultar a perda de direitos que o avaliado já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos, ao passo que no n.º 9 do referido preceito, o legislador contemplou aquelas situações em que o grau de incapacidade do avaliado apenas resulta diminuído por força da aplicação da nova TNI, sem que a tal corresponda qualquer efetiva alteração das sequelas de que padece. (…)”

 

34.          Retornando agora ao caso dos presentes autos, a situação da Requerente, claramente, enquadra-se no previsto no nº8 do artigo 4º do supramencionado Decreto-Lei. A única diferença que existe entre o caso supracitado é que não foi cumprido pela Requerente o pressuposto legal da entrega do Certificado, em tempo, e em conformidade com a previsão legal, a não ser para o ano de 2019. Ora, estando em causa os anos de 2017 e 2018, este Tribunal não pode decidir de outra forma senão considerar o pedido de anulação com fundamento em ilegalidade improcedente. Diferente seria a decisão se estivesse em causa o ano de 2019, o que não é o caso.

Não existe ilegalidade dos atos tributários impugnados nos termos alegados pela Requerente.

 

Fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão suscitada nos autos.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)            Julgar procedente a exceção de extemporaneidade do pedido quando às liquidações de IUC dos anos de 2018 e 2019, absolvendo a Requerida no pedido, nesta parte.

b)           Julgar improcedente o pedido de anulação do indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações de IRS, referentes aos anos de 2017 e 2018, nos termos e fundamentos expostos.

c)            Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em €3.090,87, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20-08-2021

 

O Árbitro

(Maria do Rosário Anjos)