Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 425/2018-T
Data da decisão: 2019-08-07  IVA  
Valor do pedido: € 62.536,48
Tema: Imposto sobre o Valor Acrescentado, direito à dedução nas despesas de alimentação – Reenvio prejudicial para o TJUE – Suspensão da instância.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Acordam os Árbitros Dr. Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr.ª Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 3 de setembro de 2018, A... Lda., NIPC..., com sede na ..., ..., ...-..., em Lisboa, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10, no montante global de € 62.536,48 (sessenta e dois e quinhentos e trinta e seis euros e quarenta e oito cêntimos).
  2. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.
  3. O presente Tribunal foi constituído no dia 13 de novembro de 2018, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.
  4. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 17 de dezembro de 2018.
  5. No dia 10 de janeiro de 2019 a Requerente apresentou resposta às exceções invocadas pela AT.
  6. No dia 13 de fevereiro de 2019, por despacho, o Tribunal notificou a Requerente para se pronunciar sobre a proposta da AT no sentido da dispensa da prova testemunhal indicada pela Requerente, e em caso de discordância com a mesma, vir indicar aos autos os factos sobre os quais serão inquiridas as testemunhas.
  7. No dia 19 de fevereiro de 2019, a Requerente apresentou um requerimento de resposta ao despacho indicado em 6 supra, nele tendo manifestado o seu interesse quanto à realização da prova testemunhal e indicando os artigos sobre os quais serão as testemunhas inquiridas.
  8. Por despacho de 4 de março de 2019, o Tribunal designou o dia 29 de março de 2019 para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e produção de prova testemunhal arrolada.
  9. Em virtude da impossibilidade de comparência de uma das testemunhas, no dia 12 de março a Requerente apresentou um requerimento solicitando como data alternativa para a diligência de inquirição das testemunhas e realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT o dia 10 ou 11 de Abril de 2019.
  10. Por despacho de 19 de março de 2019, o Tribunal designou o dia 30 de abril de 2019 como nova data para a inquirição de todas as testemunhas arroladas e realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. 
  11. No dia 26 de abril de 2019 a Requerente vem informar que uma das testemunhas indicadas tem dificuldade em se exprimir em língua portuguesa, solicitando que a testemunha se faça acompanhar por interprete de língua inglesa, pedido que o Tribunal deferiu por despacho proferido a 26 de abril de 2019.
  12. No dia 29 de abril de 2019 a AT vem requerer, ao abrigo dos princípios da confiança e segurança jurídica, que o interprete a nomear seja reconhecido oficialmente como intérprete capaz de traduzir da língua inglesa para a língua portuguesa e se encontre nomeado pela Embaixada do Reino Unido para o efeito.
  13. No dia 29 de abril de 2019, em resposta ao requerimento da AT, a Requerente vem pedir o adiamento da data para a inquirição das testemunhas e realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.  
  14. No dia 29 de abril de 2019, ponderados os argumentos das partes, o Tribunal profere despacho no sentido de dar sem efeito a realização da diligência indicada em 10 supra, notificando a Requerente para no prazo de 10 dias indicar interprete certificado em língua inglesa.
  15. No dia 2 de maio de 2019, em função dos incidentes processuais verificados e da impossibilidade de cumprir o prazo previsto no artigo 21º do RJAT, o Tribunal profere despacho no uso da faculdade prevista no artigo 21º n.º 2, do RJAT, prorrogando aquele prazo, por mais dois meses, com início a 13 de maio de 2019. Adicionalmente, o Tribunal indica como data para a realização da inquirição das testemunhas e reunião do artigo 18.º do RJAT, o dia 28 de junho de 2019.
  16. No dia 11 de junho de 2019, o Tribunal designa nova data para a realização da diligência referida em 15 supra, indicando o dia 2 de julho de 2019, em virtude de imprevisto compromisso profissional urgente e inadiável de um dos membros que integram o Coletivo.
  17. No dia 18 de junho de 2019, em virtude da impossibilidade de comparência de uma das testemunhas arroladas, a Requerente apresentou requerimento para alteração da data da diligência referida em 15 supra, para os dias 11, 12 ou 17 de setembro de 2019.
  18. No dia 24 de junho de 2019 o Tribunal proferiu despacho indeferindo o requerimento da Requerente, considerando que o novo pedido de adiamento, conjugado com os supra referidos atrasos na marcha do processo, seriam insustentáveis e comprometeriam gravemente o cumprimento dos princípios  que enformam o processo arbitral tributário e a prolação da decisão no prazo regulamentar (Cf., v. g., artigos 16º, al. c) e e), e 21ºn.º 1 e 2, do RJAT).
  19.  No dia 2 de julho de 2019, teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. Na referida reunião o Tribunal notificou a Requerente e Requerida para apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 10 dias, designou o dia 13 de setembro de 2019 para o efeito de prolação de decisão arbitral, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT e, por último, advertiu a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  20. Nesta sequência, nos dias 12 e 15 de julho de 2019, a AT e a Requerente apresentaram respetivamente alegações escritas.

 

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

  1. A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA, referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10 no montante total de € 62.536,48, e a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, com base no seguinte:

 

  1. Invoca a Requerente, como questão prévia, um vício de forma de INCOMPETÊNCIA RELATIVA, por entender que: “Nos termos do art. 62.º n.º 6 do RCPITA, o relatório de inspeccção será assinado pelo funcionário ou funcionários intervenientes no procedimento e conterá o parecer do chefe de equipa que intervenha ou coordene, bem como o saneamento superior das suas conclusões.” No caso, no âmbito do procedimento de inspeção,  “o acto foi praticado pelo Chefe de Divisão, como se o mesmo tivesse sido praticado pela Directora de Finanças Adjunta (...) sendo necessário perceber se existe acto de delegação de poderes do Director de Finanças de Lisboa na respectiva Directora de Finanças Adjunta e desta no respectivo Chefe de Divisão que assinou o sancionamento do RIT – o IT 2 B....”;
  2. A Requerente prossegue referindo que se deparou com um despacho de delegação de competências, publicado em Diário da República onde a Diretora de Finanças Adjunta, C..., subdelegou competências no Chefe de Divisão de Apoio Técnico e de Serviços, Técnico de Administração Tributária Nível 2, D..., contudo, nesse despacho não se subdelegaram as competências de sancionamento dos relatórios de ações inspetivas, nem o subdelegado é o técnico que assinou o RIT.
  3. Conclui que, ao agir de tal forma, o chefe de divisão saneou o RIT sem ter competência delegada para o fazer, violando o disposto nos artigos 62.º n.º 6 do RCPITA e 44.º e ss. do CPA, o que implica anulação do RIT, por ter incorrido em incompetência relativa, nos termos do artigo 163.º do CPA.
  4. Refere que o mesmo vale para a decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente, pois nos termos do artigo 75.º do CPPT, a competência para a decisão da reclamação graciosa é do dirigente máximo do órgão periférico regional, isto é, do Diretor de Finanças de Lisboa, não tendo o órgão decisor informado onde e quando foi publicado ato que lhe dá competências para agir, o que configura uma violação dos artigos 75.º do CPPT e 44.º do CPA, tendo a AT incorrido em vício de incompetência relativa, nos termos do artigo 163.º do CPA.
  5. Sem prescindir, quanto ao mérito, a Requerente, argui vício de violação de lei, nomeadamente, do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, e do artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), por entender, ao contrário do que sustenta a Requerida, que o artigo 21.º do Código do IVA é uma norma de delimitação negativa de incidência, admitindo sempre prova em contrário. 
  6. Com efeito, defende a Requerente que o elenco previsto no artigo 21.º do Código do IVA,  “(...) mais não é do que um rol de despesas onde o legislador presume que há um consumo privado do operador económico que as adquire ou onde há um risco de não se conseguir destrinçar o limite entre o uso profissional e o uso privado.”
  7. Portanto, o escopo de tal regime está em desincentivar o agente económico a fazer despesas não relacionadas com a atividade profissional e, sobretudo, impedir que se use abusivamente o mecanismo do direito à dedução com despesas a montante que não contribuem para as operações tributáveis a jusante.
  8. Ora, segundo a Requerente as presunções ínsitas em normas de delimitação negativa de incidência, tal como é o regime do direito à dedução, admitem sempre prova em contrário nos termos do artigo 73.º da LGT, pelo que, se o contribuinte provar que aquelas despesas estão relacionadas com a sua atividade profissional, contribuindo diretamente para as operações tributáveis a jusante, não podem deixar de estar sujeitas à dedução, sob pena de originar um efeito cumulativo e onerar não o cliente final, mas o sujeito passivo do imposto, contrariando o princípio da neutralidade.
  9. Tal entendimento resulta, aliás, de alguns Acórdãos produzidos pelo CAAD, designadamente, no processo arbitral n.º 403/2014-T.
  10. Estando em causa nos autos despesas de alimentação/serviços de catering, a Requerente esclarece que estas são realizadas para cumprir com as necessidades alimentares dos participantes do produto promocional que comercializa junto de clientes internacionais, sendo impreterível, quando realiza filmagens em locais onde não existem restaurantes que disponibilize alimentação aos participantes, pois caso não o fizesse, os seus custos de produção do evento poderiam aumentar exponencialmente.
  11. Portanto, em seu entender, não restam dúvidas que as despesas de alimentação estão diretamente relacionadas com atividade desenvolvida pela Requerente e são uma componente fundamental à boa gestão do negócio, não devendo o IVA incorrido a montante ser excluído do direito à dedução, nos termos do artigo 21.º n.º 1, alínea d) do Código do IVA, sob pena de violação dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade que enformam todo o mecanismo do IVA.
  12. Mais afere a Requerente quanto a esta matéria que “as despesas incorridas com a alimentação dos participantes nos vídeos/filmes promocionais estão fora do regime de exclusão, previsto no art. 21.º/1, al. d), do CIVA, por força da sua inclusão no regime de salvaguarda, previsto no art. 21.º/2, al. c), do CIVA.
  13. Com efeito, no tocante a esta norma, não se verifica a exclusão do direito à dedução, quando as despesas de alimentação sejam efetuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio, mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso.
  14. Contudo, a AT considera que as despesas em causa não estão abrangidas por este regime pois implicaria que se aja por conta de terceiro e que estas estejam discriminadas na fatura ou em alternativa sejam faturadas autonomamente.
  15. Clarifica a Requerente, contrariando a alegação da AT quanto ao requisito da faturação autónoma, que o mesmo não resulta da lei, e que, em substância, o cliente suporta o preço integral do catering e ainda o serviço de handling prestado pela Requerente que corresponde à remuneração do valor acrescentado aportado por esta na gestão de todas as componentes que integram o projeto final.
  16. Por outro lado, deve improceder o argumento da AT de que a Requerente deveria ter tributado uma pretensa operação de prestação de serviços de alimentação, na medida em que este serviço é considerado localizado em território nacional sempre que nele for executado, nos termos do artigo 6.º n.º 8, al c), do Código do IVA.
  17. Ora, a Requerente não presta qualquer serviço de alimentação/catering não tendo essa atividade no seu objeto nem meios materiais e humanos para a sua realização. O serviço que presta é de gestão e produção de vídeos/filmes promocionais, sendo, entre outros serviços, disponibilizada alimentação aos participantes, com recurso a terceiros que subcontrata, motivo pelo qual, tal serviço não deve ser discriminado na fatura final enviada ao cliente.
  18. Assim, a prestação de serviços realizada pela Requerente não é tributada em território nacional ao abrigo da regra especial de localização prevista na alínea c) do n.º 8 do artigo 6.º do Código do IVA, mas ao abrigo da regra geral prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA, que consagra o princípio da tributação no destino.
  19. Finalmente, a Requerente reputa a atuação da AT como contrária aos princípio da justiça da confiança e da boa-fé, uma vez que, a AT já se havia pronunciado sobre a mesma questão em ação  como  inspetiva externa anterior (Ordem de Serviço n.º OI2010...), através da qual a mesma Direção de Finanças, deu instruções precisas e concretas sobre como realizar o tratamento fiscal, em sede de IVA, da atividade desenvolvida pela Requerente, e fê-lo, precisamente, no sentido propugnado pela Requerente.
  20. Por último, requer o pagamento de indemnização derivada da prestação de garantia indevida, de acordo com o artigo 53.º da Lei Geral Tributária e o pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que o reembolso deveria ter sido concretizado.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

  1. Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, começando por esclarecer que a 4 de janeiro de 2017, a Requerente foi notificada por carta registada pela AT, nos termos do artigo 39.º n.º do CPPT, para enviar um conjunto de elementos justificativos do seu pedido de reembolso, nada tendo enviado à AT até ao dia 10.º do mês de Fevereiro de 2017, tendo em consequência sido sujeita a procedimentos inspetivos internos de âmbito parcial.
  2. Acresce, que tendo sido notificada do projeto de relatório, tomando conhecimento do conteúdo do procedimento inspetivo, a Requerente veio exercer o direito de audição limitando-se ao envio dos elementos primeiramente solicitados os quais devidamente escalpelizados não permitiram inverter o entendido no projeto de relatório convolando-o em definitivo.
  3. Em seguida, a AT defende-se por EXCEÇÃO, invocando a incompetência material do CAAD, alegando que o ato tributário de liquidação que está em causa no processo constitui o deferimento parcial de reembolsos solicitados pela Requerente, em relação ao qual a Requerente apresentou reclamação graciosa, que mereceu uma decisão de indeferimento.
  4. Por conseguinte, segundo a AT, do ponto de vista substantivo, um ato de indeferimento de um pedido de reembolso não configura um ato de liquidação de tributos ainda que surja identificado em sede de processo administrativo sob a designação de “liquidação”.
  5. Por conseguinte, a figura do reembolso é uma das modalidades de dedução do imposto, tendo sido criada com o propósito de preservar o princípio da neutralidade fiscal e assim eliminar a distorção de concorrência entre os operadores económicos que se movem nos mesmos meandros comerciais sendo, para estes efeitos, bem distinto o princípio que subjaz ao ato de liquidação, que se coaduna diretamente com a satisfação das necessidades financeiras do Estado, e que trata de dar a conhecer aos sujeitos passivos o valor de imposto devido, calculado a partir da matéria tributável apurada.
  6. Ora, entende a AT que os atos tributários de liquidação em sentido estrito, sendo atos instrumentais que podem integrar vários tipos de atos em matéria tributária, não são, nem nunca seriam, da competência da jurisdição arbitral, pois, ainda que nomenclados de liquidações adicionais, constituem meros deferimentos parciais de reembolsos.
  7. A AT invoca, em favor da sua tese, diversos acórdãos proferidos pelo Tribunal Arbitral e bem assim pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) de acordo com os quais, os atos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.
  8. Por assim ser, a AT invoca a exceção dilatória de incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria a que se reporta os deferimentos parciais de reembolsos solicitados, o que obstaculiza que este Tribunal conheça do mérito da ação pedindo, em conformidade, a absolvição da instância.
  9. Relativamente ao alegado vício de forma de incompetência relativa por falta de despacho de subdelegação de competências da Diretora de Finanças Adjunta no Chefe de Divisão no que respeita ao sancionamento do relatório de inspeção tributária, esclarece a AT que nos termos do artigo 46.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), salvo disposição legal em contrário, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar. O subdelegado pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo disposição legal em contrário ou reserva expressa do delegante ou subdelegante.
  10. Acresce que em sede de procedimento tributário existe uma norma específica, o artigo 62.º da LGT, que estabelece uma regra geral de admissibilidade de delegação de poderes do órgão competente devendo constar do ato a indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista.
  11. Continua a Requerida que o n.º 2 do artigo 48.º do CPA estatui que a falta de menção da delegação ou subdelegação no ato praticado ao seu abrigo, ou a menção incorreta da sua existência e do seu conteúdo, não afecta a validade do ato, mas os interessados não podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação ou subdelegação.
  12. Aduz ainda que, de acordo com o entendimento do STA “a obrigação da menção da delegação ou subdelegação de poderes na notificação do ato praticado no seu uso se justificava apenas pela necessidade de assegurar ao notificado a possibilidade de se aperceber do carácter definitivo do ato praticado por quem não é a entidade a quem compete, em primeira linha, praticá-lo, de forma a poder impugná-lo imediatamente por via contenciosa”.
  13. Assim, sendo essa a razão de ser de tal exigência, “a falta de menção da delegação ou subdelegação de poderes naquela, quando o ato tiver sido praticado no seu uso, deveria ser considerada como preterição de uma formalidade legal, que se degradaria em não essencial, quando não fosse afectada a possibilidade de impugnação contenciosa pelo recorrente.”
  14. Finalmente, no domínio do contencioso tributário, todos os atos praticados por autoridade competente em razão da matéria são definitivos, como se infere do artigo 60.º do CPPT, pelo que a impugnabilidade contenciosa de atos de subalternos não depende da existência ou não de delegação ou subdelegação de competências, porquanto, não deve proceder o alegado vício de incompetência relativa. 
  15. No que toca à questão de fundo, a Requerida defende-se por IMPUGNACÃO considerando que a Requerente não faz prova dos factos que alega, nem através das faturas nem através dos documentos juntos que segundo entende, não passam de meros orçamentos.
  16. Assim, para justificar o imposto deduzido por inscrição no campo 24 das declarações periódicas, a Requerente apresentou cópias de várias faturas relativas a serviços de catering prestados pela sociedade E... LDA, por conseguinte, despesas de alimentação.

 

  1. Ora, entende a Requerida que o IVA incorrido em tais despesas de alimentação, pese embora concorram para a formação das operações sujeitas e não isentas de imposto, se encontra, por lei, excluído do direito à dedução, (vide o artigo 21.º do Código do IVA).
  2. No entanto, a alínea c) do nº 2 do artigo 21.º do Código do IVA estabelece uma derrogação à exclusão prevista da alínea d) do nº 1 do artigo 21.º daquele Código, desde que esteja em causa uma operação em que o adquirente do serviço age em nome próprio mas por conta de terceiro.
  3. Na situação controvertida pese embora, ainda que se admita que o cliente interessado na aquisição do produto filme, possa ter “mandatado” (mesmo que tacitamente) a Requerente, o que não se concede - não poderá a Requerente deduzir IVA mencionado nas concretas faturas recebidas dado não se verificarem todos os requisitos elencados na alínea c) do nº 2 do artigo 21.º do Código do IVA, no que respeita à imposição legal que obriga que tais despesas sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso.
  4. Esclarece a Requerida que o que está em causa na referida alínea c) é uma operação em que o sujeito passivo adquirente do serviço age em nome próprio mas por conta de terceiro, ou seja, o homólogo comercial do contrato civil – mandato sem representação, ao abrigo do qual o mandatário, agindo em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, ficando obrigado a transferir para o mandante, em negócio autónomo, os direitos que adquiriu, conforme resulta do Código Civil, veja-se artigos 1180.º e seguintes.
  5. Ora, quando um operador económico adquire o serviço de fornecimento de refeições para o local das filmagens, embora para o exercício da sua atividade – produção de um trabalho – filme ou afim e, sem prejuízo do reflexo deste custo no preço final do serviço, em regra, não o faz a solicitação nem por conta do seu cliente antes, adquire aquele input, tal como adquire os demais inputs que o trabalho que está a desenvolver exige, nomeadamente, atores, produtor, técnicos de som, etc., sendo por isso natural que aquele custo, que suporta, integre, como os demais, o acervo que constituiu o orçamento do trabalho.
  6. Segundo a Requerida, este serviço de alimentação não foi especificado de forma autónoma e detalhada na fatura, sendo certo que nos termos da lei tal discriminação poderia e deveria ser feita, por meio de fatura autónoma ou mediante identificação do serviço em linha separada da fatura principal, o que possibilitaria a verificação das regras do imposto.
  7. Por conseguinte, não procedem os argumentos da Requerente, uma vez que, a derrogação prevista à exclusão do direito à dedução só se efetiva quando o débito de tais despesas, visando obter o simples reembolso, seja feito de forma autonomizada do serviço que prestou.
  8. Continua a Requerida aludindo que “no âmbito da acção inspectiva levada a cabo, da análise comparada do universo das facturas emitidas pela sociedade E... UNIPESSOAL LDA, com a justificação do imposto deduzido por inscrição nas declarações periódicas apresentadas pela Requerente verificou-se que a esta não detalhou a dedução de todas as facturas daquele universo.”
  9. Concluindo no sentido de que “tal imposto é considerado suportado, logo não deduzido, em conformidade com o estatuído na alínea d) do nº 1 do art.º 21º do Código do IVA, dado estarmos perante uma norma anti-abuso que não admite qualquer presunção, ao contrário do que sustenta a  Requerente ao fazer referência no seu pedido ao acórdão proferido no âmbito do Processo Arbitral nº 403-2014-T-CAAD, que, por seu turno, só é aplicável à situação concreta que nele foi objecto de apreciação.”
  10. Com efeito, aduz, ainda, a Requerida que de acordo com o entendimento vertido na Informação Vinculativa nº 9889, por despacho de 29-02-2016, do SDG do IVA, esta norma visa evitar a fraude e evasão fiscais resultantes da dedução de IVA incluído em despesas relacionadas com bens e serviços que, pela sua natureza e características, são suscetíveis de serem utilizados para fins alheios a uma atividade tributada, podendo apenas usufruir da possibilidade consignada na alínea d) do n.º 2 do artigo 21.º, os organizadores de congressos, feiras,  exposição, seminários, conferências e similares.
  11. No entanto, obriga-se que tais despesas sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso, situação que não ocorreu em todas as faturas que Requerente emitiu aos seus clientes e cuja cópia se encontra junta aos autos.
  12.  Termos em que não merecem acolhimento as alegações da Requerente quanto à pretensa violação dos princípios da neutralidade, igualdade e proporcionalidade por si invocados, como amplamente já ficou demonstrado no relatório de inspeção tributária, nem as liquidações em crise padecem de qualquer erro de interpretação e aplicação das normas legais como pretende fazer crer a Requerente.
  13. Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

IV. Em sede de Alegações a Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

 

 

  1. A Requerente reiterou os argumentos apresentados em sede de pedido de pronúncia arbitral, defendendo que em função do concreto enquadramento factual da atividade que desenvolve e da evidência documental e testemunhal apresentada “deve considerar-se elidida a presunção ínsita nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, e, em consequência, serem parcialmente anuladas as autoliquidações de imposto, na medida em que não consideram a dedução da totalidade do IVA relativo às despesas em causa”.
  2. Por outro lado, nos termos daquela norma, não se verifica a exclusão do direito à dedução, quando as despesas de alimentação sejam efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio, mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso.
  3. Sendo certo que, segundo defende a Requerente, tal regime deverá ser aplicável ao caso dos autos pois é inegável que a Requerente agiu por conta de terceiros ainda que não tenha procedido à faturação autonomizada do serviço, requisito que em todo o caso não resulta da lei.
  4. Deve também improceder o argumento da Requerida de tributação da operação enquanto pretensa prestação de serviços de alimentação, na medida do que este serviço é considerado localizado em território nacional sempre que nele for executado, nos termos do artigo 6.º n.º 8, al. c), do Código do IVA.
  5. Com efeito,  a AT incorreu em errónea qualificação dos factos tributários, devendo a operação da Requerente não ser enquadrada e tributada em território nacional ao abrigo da regra especial de localização, prevista no artigo 6.º n.º 8, al. c), do Código do IVA, mas ao abrigo da regra geral, prevista no artigo 6.º n.º 6, alínea a), a contrario, do Código do IVA, que consagra o princípio da tributação no destino.
  6. Finalmente, existindo dúvidas quanto à aplicação do Direito Comunitário, no que toca à legitimidade da Requerente deduzir o IVA em causa, antes da decisão final, a Requerente entende ser de pedir o reenvio da questão para o TJUE, ao abrigo do artigo 267º do TFUE.

 

V. Em sede de contra alegações a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

 

  1. Discorda a Requerida dos argumentos da Requerente, considerando que inexistem factos novos a acrescentar dando por integralmente reproduzido o teor da sua Resposta, e pedindo a absolvição integral do pedido.
  2.  Segundo a Requerida não tiveram qualquer relevância clarificadora os depoimentos prestados pelas testemunhas, considerando é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos mesmos, o que a Requerente em momento algum logra fazer nem através da prova documental nem através da prova testemunhal.
  3. Em Requerimento autónomo apresentado no prazo para alegações, a Requerida pede o desentranhamento dos autos de três documentos apresentados por parte da Requerente no referido prazo para alegações.
  4. Aduz que o primeiro documento (Doc. A- resultado da ação inspetiva relativa a 2011 n.º OI 2010...) data de 20-05-2011, o segundo documento (Doc. B – constituição de hipoteca sobre fração autónoma a favor da AT no âmbito de processo de execução fiscal) data de 10-11-2017 e o terceiro documento (Doc. C – troca de e-mails entre a AT e o contabilista da Requerente no âmbito do processo de inspeção) data de 05-04-2017.
  5. Ora, entende a Requerida que se a Requerente pretendia provar fosse o que fosse, face à data destes documentos, poderia e deveria tê-los junto aos autos em data anterior à da sua apresentação “Até porque exerceu o direito de audição em sede de acção inspectiva e, bem assim, impugnou administrativamente as liquidações adicionais aqui em discussão” sendo por conseguinte, de  apresentar conjuntamente com os factos que alega no seu pedido de pronúncia arbitral ao invés de o fazer 8 meses mais tarde.
  6. A Requerida sublinha que é notório que os documentos não reúnem nenhum dos pressupostos nos quais se poderia apoiar a sua admissibilidade de junção nesta fase processual, tendo precludido o seu direito de o fazer nos termos do artigo 108.º, números 1 e 3 do CPPT e artigo 423.º do CPC.
  7. Com efeito, todos os factos e fundamentos da ação devem ser alegados de uma vez, cabendo alegar mesmo os que pareçam secundários, e oferecendo a correspondente prova, sendo o princípio da preclusão uma imposição de atuação leal entre as partes, de uma conduta transparente desde o início, que habilite cada uma das partes a agir e a reagir de boa-fé.
  8. A Requerida sustenta que face às normas legais e princípios indicados, é notório que não foram provados pela Requerente os fundamentos objetivos e subjetivos da junção tardia dos documentos ora juntos, porquanto permitir-se a admissão de novos factos, documentos, fundamentos e elementos pela Requerente, seria sinónimo de, por esta via e nesta fase processual, se permitir a ampliação do prazo para a apresentação do pedido arbitral, o qual está está sujeito ao regime da caducidade.
  9. Apoiando-se em jurisprudência anterior do CAAD, a Requerida conclui pedindo o desentranhamento dos documentos juntos pela Requerente, sob pena de violação do disposto no artigo 423.º do CPC e artigo 108.º do CPPT ex vi artigo 29.º do RJAT.
  10. Por fim, e com base nos mesmos argumentos, a Requerida contesta o pedido formulado pela Requerente, em sede de alegações, relativo ao reenvio prejudicial para o TJUE considerando tratar-se de mais uma inadmissível ampliação do pedido.
  11. Ora, só seria admissível a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 63.º do CPTA, sempre que se verifiquem factos supervenientes para a Requerente que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, situação que claramente não se verificou nos autos.
  12. Sem prejuízo de não se encontrarem reunidos os requisitos necessários para a ampliação pedido, a Requerida, invoca à cautela a desnecessidade deste Tribunal proceder ao reenvio prejudicial dos presentes autos para o TJUE, pois tal reenvio sempre teria de ocorrer em face de uma norma concreta, e de uma dúvida interpretativa dessa norma, concreta e fundada, entendendo que o presente Tribunal Arbitral é completamente competente e qualificado para interpretar o direito nacional, sendo o mesmo suficiente para dirimir a questão sub judice.

 

 IV. Saneamento

 

Competência do Tribunal Arbitral

Alega a AT que este Tribunal Arbitral não é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio porquanto, em síntese e se bem se entende a questão suscitada, o objeto do pedido não é um ato de liquidação de tributos mas antes configura um ato administrativo em matéria tributária de indeferimento de pedido de reembolso de IVA e, como tal, subtraído ao âmbito de competência do Tribunal Arbitral Tributário.

E invoca a AT, em favor da sua tese, diversos acórdãos proferidos pelo Tribunal Arbitral e bem assim pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) de acordo com os quais, os atos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.

Vejamos:

Perante o regime ínsito nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º da Portaria de Vinculação, a determinação da competência material do Tribunal Arbitral deve ser aferida em função do objeto do processo.

Da leitura do pedido de constituição de tribunal arbitral resulta inequívoco pretender a Requerente que seja apreciada a (i)legalidade de atos liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10, no montante global de € 62.536,48.

Assim, configurando esses atos o objeto do processo arbitral, é em relação a eles que deve ser aferida a competência do Tribunal. A esta conclusão não obsta o facto de ter ocorrido um pedido, indeferido, de reembolso de IVA.

Termos em que, comportando o presente pedido de pronúncia arbitral tão somente a apreciação de atos tributários praticados pela Administração Tributária, o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar a pretensão da Requerente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º da Portaria de Vinculação, improcedendo assim a exceção invocada pela Entidade Requerida.

O Tribunal é, por conseguinte, materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta e contra alegações da Requerida), à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida na reunião havida, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos seguidamente identificados.

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, NIF..., a qual exerce a atividade comercial classificada com o CAE principal nº 59110 – Produção de Filmes, de Vídeos e de Programas de Televisão, desde 2008-03-31, e a atividade comercial classificada com o CAE secundário nº 082990 – Outras atividades de Serviços de Apoio prestados às Empresas, N.E, desde 2008-04-28 - cfr. processo administrativo (PA) –;
  2. A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal de IVA, desde 2010-0
  3. -01, e no regime geral de IRC, desde 2009-01-01. - cfr. PA  –;
  4. No âmbito do exercício da sua atividade a Requerente dedica-se à organização de eventos promocionais de produtos e marcas dos seus clientes - cfr. documento n.º 26 junto com o PPA –;
  5. A produção de um vídeo publicitário é rigorosamente controlada, executada no menor espaço de tempo possível, reunindo num único local previamente definido muitas dezenas de pessoas, designadamente, técnicos de som, técnicos de vídeo, operadores de filmagem, atores, maquilhadores, eletricistas, etc., para além de inúmero material e equipamentos de apoio – cfr. depoimento da testemunha F...–;
  6. Os vídeos promocionais são normalmente executados em zonas afastadas, o que inclusivamente implica a mobilização de camiões com geradores de energia, para fornecimento de energia eléctrica – cfr. depoimento da testemunha F...–;
  7. Para a prossecução da sua atividade, a Requerente adquire serviços e bens (inputs) de natureza diferenciada: serviço de atores, de promotores, de maquilhagem, de produção audiovisual, de informática, de multimédia, de catering, entre outros – cfr. documento n.º 27 junto com o PPA e depoimento da testemunha F...–;
  8. A realização dos eventos promocionais implicam uma multidisciplinariedade de bens e serviços, que são geridos e integrados pela Requerente consubstanciando a prestação de um serviço que se designa por handling – cfr. depoimento das testemunhas F... e G...–;
  9. O cliente final da Requerente não adquire um serviço de promotores, de multimédia ou de catering, mas adquire um produto promocional integrado, que é gerido pela Requerente – cfr. depoimento das testemunhas F... e G...–;
  10. A proposta negocial apresentada ao cliente inclui uma discriminação de todos os serviços envolvidos contratados pela Requerente a terceiros e o respetivo custo, acrescido do custo pela remuneração do serviço de handling prestado pela Requerente, o qual se traduz na integração e coordenação funcional dos vários bens e serviços que integram o projeto final – cfr. documento n.º 28 junto com o PPA e depoimento das testemunhas F... e G...–;
  11. O serviço de handling é prestado fundamentalmente a clientes empresariais internacionais na modalidade B2B (Business to Business), seja, no espaço comunitário ou fora dele - cfr. PA, e depoimento das testemunhas F... e G...-;
  12. A Requerente contratou serviços de catering à empresa E... Unipessoal Lda., de forma a que estes se integrassem na prestação de serviços de handling, tendo orçamentado esse serviço e o respetivo preço na proposta contratual que envia aos seus clientes – cfr. documento n.º 28 junto com o PPA, e depoimento das testemunhas F... e G...–;
  13. As faturas emitidas pela Requerente aos seus clientes refletem a prestação de um serviço único tendo como descritivo a indicação relativa a “serviço de produção/filmagem do filme” – cfr. documentos juntos no PA e Relatório de Inspeção Tributária –;
  14. Aos serviços de catering englobados no montante total da fatura, acresce o valor relativo a handling fee, – cfr. PA, e depoimento das testemunhas G... e  H...–;
  15. A Requerente apurou um crédito de IVA no montante de €83.561,49, na declaração periódica entregue para o período 201610, tendo solicitado o reembolso da totalidade do crédito ali apurado – cfr. PA –;
  16. A Requerente foi notificada, nos termos do disposto na alínea l) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária - LGT e no artigo 48.º do RCPITA, (registo de saída da DF de Lisboa n.º..., de 4 de Janeiro de 2017, com carta registada com o n.º RD...PT), para proceder, no prazo de 10 dias, à justificação do pedido de reembolso e ao envio de um conjunto de elementos tendo em vista confirmar ou infirmar a legitimidade do direito ao reembolso do crédito de imposto, que solicitou. – cfr. PA –;
  17. Devidamente notificada, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 39º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), foram solicitados concretamente:

 

 “1. Memória descritiva especificando, com rigor, a actividade concretamente desenvolvida pela sociedade (serviços prestados e/ou bens vendidos, propriedade das aeronaves e local das instalações, …) e justificar a existência de crédito de imposto;

2. Cópia do extracto da conta do IVA dedutível e da conta do IVA liquidado, preferencialmente em ficheiro formato excel, para o período de 2016.

3. Cópia do balancete analítico, em ficheiro formato excel, relativo ao período de 2016.

4. Cópia das 5 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 3 da DP, relativa ao período de 201606. Cópia das 7 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 7 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201506; 201507; 201509; 201511; 201501; 201605; 201602; 201604; 201605; 201607; 201608; 201609 e 201610 e, sendo caso disso, dos certificados que comprovem a efectiva saída dos bens de Território Nacional e cópia de eventual contrato que fundamente a emissão das facturas.

6. Cópia das 7 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 8 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201508 e 201606 e, sendo caso disso, dos certificados que comprovem a efectiva saída dos bens de Território Nacional e cópia de eventual contrato que fundamente a emissão das facturas.

7. Cópia das 5 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 12 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201507; 201509 e 201606.

8. Cópia das 5 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 16 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201507; 201509; 201603; 201605 e 201609.

9. Cópia das 7 facturas de valor mais elevado justificantes do valor inscrito no campo 24 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201507; 201509; 201510; 201512; 201603; 201605;201606; 201609 e 201610.

10. Cópia dos documentos justificantes do imposto deduzido, com indicação do montante do imposto deduzido, relativos a fornecimentos feitos pelo operador com NIF ... no período de Janeiro a Outubro de 2016.

11. Solicita-se ainda, sempre que os documentos enviados remetam para contratos, orçamentos, propostas ou qualquer outro documento, o envio destes para os quais é feita remissão.” – Cfr. PA –;

 

  1. A Requerente não remeteu, até ao 10.º dia do mês de Fevereiro de 2017, qualquer documento justificativo do montante do crédito do IVA, cujo reembolso solicitou.
  2. Os créditos de IVA solicitados pela Requerente foram objeto de reembolso automático em precedentes períodos, tendo sido alvo de análise interna na sequência do pedido que apresentou no período de 201504. – cfr. PA –;
  3. Após ter sido notificada para o efeito, a Requerente não remeteu aos serviços de inspeção tributária (SIT) os elementos solicitados justificativos do pedido de reembolso do IVA que apresentou na Declaração Periódica entregue para o período de 201610.
  4.  Em consequência, a Requerente foi sujeita aos seguintes procedimentos inspetivos internos de âmbito parcial:

•          Ordem de Serviço com o n.º OI 2016..., autorizada por despacho de 27 de Dezembro de 2016, com o Código ... Controlo de pedidos de reembolso de IVA - regime geral;

•          Ordem de Serviço com o n.º OI 2017..., autorizada por despacho de 18 de Abril de 2017, com o Código ... - Controlo de pedidos de Reembolso de IVA - Regime Geral - Períodos Anteriores;

•          Ordem de Serviço com o n.º OI 2017..., autorizada por despacho de 19 de Abril de 2017, com o Código ... - Controlo de pedidos de Reembolso de IVA - Regime Geral - Períodos Anteriores; e

•          Ordem de Serviço com o n.º OI 2017..., autorizada por despacho de 19 de Abril de 2017, com o Código ... - Controlo de pedidos de Reembolso de IVA - Regime Geral - Períodos Anteriores.

 

  1. Os mencionados procedimentos tiveram origem na seleção decorrente da submissão automática a um sistema de indicadores de riscos tipificado com o código 700- critério aleatório. – cfr. PA –;
  2. Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 60.º do RCPITA, do projeto de relatório dos serviços de inspeção tributária, a Requerente tomou conhecimento do conteúdo do procedimento inspetivo, do respetivo enquadramento jurídico e do prazo para, querendo, exercer o direito de audição.
  3. A Requerente exerceu direito de audição tendo para o efeito enviado os elementos primeiramente solicitados, pelo ofício n.º ..., de 4 de Janeiro de 2017, (RD...PT). – cfr. PA –;
  4. Devidamente analisados os documentos enviados, os serviços de inspeção consideraram que os mesmos não permitiam inverter entendimento vertido no projeto de relatório, convolando-o em definitivo.
  5. Os serviços de inspeção conferiram à Requerente um segundo direito de audição, tendo sido solicitada cópia de todas as faturas recebidas do fornecedor E... LDA, com NIF:..., nos anos de 2013; 2014 e 2015, com indicação do montante, o campo da declaração periódica e do período, onde o imposto foi deduzido. – cfr. PA –;
  6. A 10 de maio de 2017, os serviços inspetivos entenderam que a Requerente não deu cabal cumprimento àquele pedido, tendo procedido ao cruzamento da informação constante das declarações periódicas apresentadas com a informação resultante da comunicação de faturas, feita pelo fornecedor em causa, disponível nas aplicações informáticas da AT. – cfr. PA –;
  7. A Requerente foi notificada, nos termos do art.º 62º do RCPITA, do relatório final de inspeção, do qual resultaram as seguintes correções, dado ter sido constatada a dedução indevida do imposto relativo à aquisição de serviços de alimentação:

 

 

  1. Tendo em conta que a Requerente solicitou, desde 2013, o reembolso da totalidade do crédito em vários períodos, as correções propostas operaram-se por liquidação adicional nos períodos anteriores a 2016-10, e no período de 2016-10, por redução ao montante do crédito solicitado, na medida da dedução considerada indevida, realizada no montante de €3.505,20, cifrando-se em €80.056,29. – Cfr. PA –;
  2. A Requerente obteve o reembolso automático do crédito em precedentes períodos, tendo sido alvo de análise interna, na sequência do pedido que apresentou no período de 2015-04.
  3.  Em relação aos períodos de 2013-05 a 2016-09, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA, e liquidações de juros compensatórios. – Cfr. PA e listagem das liquidações juntas com o PPA, documentos n.º 1 a 21 –;
  4. Relativamente ao período de 2016-10, foi emitido o reembolso nº 2017... no valor de no valor de €80.056,29. – Cfr. PA –;
  5. As liquidações em crise não foram pagas pela Requerente nas respetivas datas limite de pagamento tendo a AT instaurado os correspondentes processos de execução fiscal. –  Cfr. PA –;
  6.  Os processos de execução fiscal encontram-se suspensos em consequência da prestação de garantia por parte da Requerente. – Cfr. PA –;
  7.  Inconformada com as conclusões do relatório de inspeção tributária, no dia 15 de Novembro de 2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa, junto do Serviço de Finanças de Lisboa. – Cfr. PA –;
  8. A Requerente foi notificada para, querendo exercer o direito de audição, sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, optando por não exercer tal direito.
  9. A decisão provisória de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi convolada em decisão de indeferimento definitivo.
  10. No dia 3 de setembro de 2018 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal arbitral.
  1. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

VI- Do Direito

 

 

Thema decidendum

 

Como fundamento do pedido anulatório a Requerente invoca (i) um vício de ordem formal atinente à ilegalidade da inspeção e (ii) um vício de ordem substantiva.

Serão estas as questões [thema decidendum] que o Tribunal irá apreciar e decidir

O vício de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral foi apreciado e decidido supra, no saneamento do processo.  

Em síntese,  está em causa apreciar e decidir agora os suscitados vícios de ilegalidades formais invocados pelas partes nos autos e designada e especificamente  a apreciação da questão de saber se a Requerente tem direito à dedução integral do IVA incidente sobre serviços de catering que subcontratou a terceiros no âmbito das prestações de serviços de organização eventos promocionais que habitualmente realiza junto de clientes internacionais não residentes em território nacional, ao abrigo quer do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea d), quer do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código do IVA.  

 

Apreciando estas questões:

 

(i) Vício da ilegalidade da inspeção

Não tem razão a requerente quanto à sua fundamentação de existência de vício de forma (incompetência relativa) por falta de despacho de subdelegação de competências da Diretora de Finanças Adjunta no Chefe de Divisão no que respeita ao sancionamento do relatório de inspeção tributária.

Vejamos sumariamente porquê.

 

Nos termos do artigo 46.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e salvo disposição legal em contrário, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar e o subdelegado pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo reserva expressa do delegante ou subdelegante.

Por outro lado, em sede de procedimento tributário, estabelece o artigo 62.º da LGT uma regra geral de admissibilidade de delegação de poderes do órgão competente devendo constar do ato a indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista.

E o n.º 2 do artigo 48.º, do CPA estatui que a falta de menção da delegação ou subdelegação no ato praticado ao seu abrigo, ou a menção incorreta da sua existência e do seu conteúdo, não afeta a validade do ato, mas os interessados não podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação ou subdelegação.

 

A Jurisprudência vem entendendo que a obrigação da menção da delegação ou subdelegação de poderes na notificação do ato praticado no seu uso se justificava apenas pela necessidade de assegurar ao notificado a possibilidade de se aperceber do carácter definitivo do ato praticado por quem não é a entidade a quem compete, em primeira linha, praticá-lo, de forma a poder impugná-lo imediatamente por via contenciosa.

E sendo essa a razão de ser da sobredita exigência, a falta de menção da delegação ou subdelegação de poderes naquela, quando o ato tiver sido praticado no seu uso, deveria ser considerada como preterição de uma formalidade legal, que se degradaria em não essencial, quando não fosse afectada a possibilidade de impugnação contenciosa pelo recorrente.

E foi nesta linha que se ponderou em recente aresto do STA que “(...) a Jurisprudência desde há muito, consolidada deste Supremo Tribunal que a falta de menção do uso de delegação de poderes, degrada-se em formalidade não essencial (irrelevante) desde que não tenha afectado nem prejudicado o direito ao respectivo recurso contencioso [v., entre outros, Ac. de 21.3. 85, rec. 17869, in Acórdãos Doutrinais 287, pág. 1176 e segs, Ac. de 23.10.97, rec. 38.607, Ac. de 24/04/2001, rec. 039895, Ac. de 30.1.2002, rec. 46135] – Cfr Acórdão do STA de 7-6-2018, Proc nº 0280/18,  in www.dgsi.pt

Já antes da entrada em vigor da nova redação do CPA, em relação a esta norma [artigo 38º, do CPA, correspondente ao atual artigo 48º, do CPA/2015), a Doutrina e a Jurisprudência já vinham entendendo que a falta da menção de delegação de poderes no ato, não acarreta a invalidade deste, constituindo antes uma mera irregularidade.

A sobredita  Jurisprudência é apoiada pela doutrina (cfr. FREITAS DO AMARAL, colaboração de LINO TORGAL, em “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 252, onde se escreveu - “Por ocultarem elementos que dificultam a sua integral compreensão pelo destinatário ou destinatários, são irregulares os actos que, praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes, não mencionem a existência dessas delegações ou subdelegações” (Cf também, pág. 418)  e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, JP GONÇALVES, JP AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, pág. 583). 

Tal significa que, não ficando o contribuinte afetado no seu direito de impugnar o ato tributário – como é o caso dos autos em que a Requerente não ficou minimamente afetada  no seu direito de recorrer ao Tribunal, pois impugnou contenciosamente os atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10, no montante global de € 62.536,48 – a omissão da sobredita formalidade se degradou em não essencial (mera irregularidade), não determinando qualquer invalidade do ato.

Assinale-se como nota não despicienda que no domínio do contencioso tributário, todos os atos praticados por autoridade competente em razão da matéria são definitivos, como se infere do artigo 60.º do CPPT, pelo que a impugnabilidade contenciosa de atos de subalternos não depende da existência ou não de delegação ou subdelegação de competências.

 

Improcede assim o citado vício de ordem formal suscitado pela Requerente.

 

(ii)  Direito à dedução integral do IVA incidente sobre serviços de catering subcontratados a terceiros no âmbito das prestações de serviços de organização eventos promocionais que habitualmente realiza junto de clientes internacionais não residentes em território nacional, ao abrigo quer do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea d), quer do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código do IVA

 

Reenvio prejudicial ao TJUE – Suspensão da instância

 

Discute-se na presente ação se o legislador nacional pode recusar ou limitar o exercício do direito à dedução de despesas comprovadamente afectas ao exercício da atividade profissional tributada do sujeito passivo, ao prever concretamente nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º do Código do IVA que:

 

Artigo 21.º
Exclusões do direito à dedução

 

1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

(…)

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;

(…)

2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

(…)

d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;

(…)“

De acordo com o disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de Dezembro de 2006), consagra-se o principio geral da liquidação e dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo, desde que tais bens e serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas.

Como determina esta regra:

Artigo 168. º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

(…)

 

Por sua vez, o legislador português, no CIVA, vem determinar o seguinte:

“Artigo 19.º
        Direito à dedução

 

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

(…)

 

O legislador nacional veio contemplar no artigo 21.º do CIVA as situações excluídas do direito à dedução do imposto, por entender que poderiam nascer fraudes fiscais caso se concedesse o direito à dedução, estando consagradas no CIVA desde a adesão de Portugal, embora se tenha posteriormente permitido deduzir em termos percentuais algumas despesas que antes eram totalmente excluídas, como é o caso das despesas de alimentação ora em causa.

Esta limitação do direito à dedução imposta pelo legislador nacional tem por base o artigo 176.º da Diretiva IVA, que vem determinar o seguinte:

Artigo 176.º

O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.

 

Este normativo consagra uma cláusula de standstill relativa às limitações do direito à dedução do IVA em determinadas despesas.

Ora, de acordo com aquela disposição legal, cabe ao Conselho, por unanimidade e sob proposta da Comissão, determinar de forma geral as despesas que não conferem o direito à dedução, o que não veio até à data a fazer. Por sua vez, cabe a cada Estado-membro estabelecer as limitações de exclusões de direito à dedução nos termos enunciados.

Na situação em apreço, em concreto, importa pois determinar se é ou não possível, face às regras que regem o IVA na União Europeia, plasmadas atualmente na Diretiva IVA, tal como transposta para a ordem jurídica nacional, e tendo em consideração os princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, que o sujeito passivo possa deduzir a totalidade das despesas de alimentação relativas à organização de eventos (no caso concreto serviços de catering a participantes em filmagens), caso efetivamente comprove que tais despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade profissional tributada.

A questão a resolver afigura-se pertinente e carece de esclarecimento, permanecendo dúvidas sobre a exata interpretação destas normas.

Ora, em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão Schwarze (Proc. 16/65 de 1 de Dezembro de 1965), o reenvio prejudicial é "um instrumento de cooperação judiciária ... pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros".

 

Como se salienta nas RECOMENDAÇÕES à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais[1],

1

“O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.

 

É doutrina oficial do TJUE, a partir do Acórdão Cilfit (Proc. 283/81 de 6 de Outubro de 1982), que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:

     i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;

     ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;

     iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

Não se verifica no caso sub judice o preenchimento destas condições.

De facto, não se pode afirmar que o ato em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do TJUE de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada.

 

Assim sendo, em caso de “dúvida razoável” sobre o Direito da União Europeia e não estando claramente preenchidos aqueles critérios, o juiz nacional é obrigado a efetuar o reenvio prejudicial.

Em caso de dúvida sobre a existência de uma exceção à obrigação de reenvio é aconselhável colocar a questão prejudicial, pelo que se deverá decidir suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE.

Com efeito, atento o princípio comunitário da interpretação conforme, entende-se necessária a obtenção de pronúncia do TJUE, nos termos do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, sendo o reenvio obrigatório, uma vez que da decisão deste Tribunal não cabe recurso, salvo no caso, que pode não se verificar, de oposição com Acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo, quanto à mesma questão fundamental de direito.

 

Termos em que se impõe a formulação da seguinte questão ao TJUE:

 

A correta interpretação da alínea a)  do artigo 168.º e  do artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, e dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, permitem que o legislador português, na alínea d) do n.º1 e na alínea  d) do n.º2 do artigo 21.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, limite em 50% o direito à dedução do IVA suportado com despesas de alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que a totalidade de tais despesas foi integralmente afecta ao exercício da sua atividade económica tributada?

 

Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como cópia do processo administrativo e dos documentos juntos com as peças processuais.

 

 

Lisboa, 7 de agosto de 2019

 

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

 

Filipa Barros

 

 



[1] 2012/C 338/01, JO C 338/1, de 6.11.2012.

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros Dr. Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr.ª Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 3 de setembro de 2018, A.... Lda., NIPC..., com sede na..., ..., ...-..., em Lisboa, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10, no montante global de € 62.536,48 (sessenta e dois e quinhentos e trinta e seis euros e quarenta e oito cêntimos).
  2. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.
  3. O presente Tribunal foi constituído no dia 13 de novembro de 2018, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.
  4. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 17 de dezembro de 2018.
  5. No dia 10 de janeiro de 2019, a Requerente apresentou resposta às exceções invocadas pela AT.
  6. No dia 13 de fevereiro de 2019, por despacho, o Tribunal notificou a Requerente para se pronunciar sobre a proposta da AT no sentido da dispensa da prova testemunhal indicada pela Requerente, e em caso de discordância com a mesma, vir indicar aos autos os factos sobre os quais serão inquiridas as testemunhas.
  7. No dia 19 de fevereiro de 2019, a Requerente apresentou um requerimento de resposta ao despacho indicado em 6 supra, nele tendo manifestado o seu interesse quanto à realização da prova testemunhal e indicando os artigos sobre os quais serão as testemunhas inquiridas.
  8. Por despacho de 4 de março de 2019, o Tribunal designou o dia 29 de março de 2019 para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e produção de prova testemunhal arrolada.
  9. Em virtude da impossibilidade de comparência de uma das testemunhas, no dia 12 de março a Requerente apresentou um requerimento solicitando como data alternativa para a diligência de inquirição das testemunhas e realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT o dia 10 ou 11 de Abril de 2019.
  10. Por despacho de 19 de março de 2019, o Tribunal designou o dia 30 de abril de 2019 como nova data para a inquirição de todas as testemunhas arroladas e realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. 
  11. No dia 26 de abril de 2019, a Requerente vem informar que uma das testemunhas indicadas tem dificuldade em se exprimir em língua portuguesa, solicitando que a testemunha se faça acompanhar por intérprete de língua inglesa, pedido que o Tribunal deferiu por despacho proferido a 26 de abril de 2019.
  12. No dia 29 de abril de 2019, a AT vem requerer, ao abrigo dos princípios da confiança e segurança jurídica, que o intérprete a nomear seja reconhecido oficialmente como intérprete capaz de traduzir da língua inglesa para a língua portuguesa e se encontre nomeado pela Embaixada do Reino Unido para o efeito.
  13. No dia 29 de abril de 2019, em resposta ao requerimento da AT, a Requerente vem pedir o adiamento da data para a inquirição das testemunhas e realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.  
  14. No dia 29 de abril de 2019, ponderados os argumentos das partes, o Tribunal profere despacho no sentido de dar sem efeito a realização da diligência indicada em 10 supra, notificando a Requerente para no prazo de 10 dias indicar intérprete certificado em língua inglesa.
  15. No dia 2 de maio de 2019, em função dos incidentes processuais verificados e da impossibilidade de cumprir o prazo previsto no artigo 21º do RJAT, o Tribunal profere despacho no uso da faculdade prevista no artigo 21º, n.º 2, do RJAT, prorrogando aquele prazo, por mais dois meses, com início a 13 de maio de 2019. Adicionalmente, o Tribunal indica como data para a realização da inquirição das testemunhas e reunião do artigo 18.º do RJAT, o dia 28 de junho de 2019.
  16. No dia 11 de junho de 2019, o Tribunal designa nova data para a realização da diligência referida em 15 supra, indicando o dia 2 de julho de 2019, em virtude de imprevisto compromisso profissional urgente e inadiável de um dos membros que integram o Coletivo.
  17. No dia 18 de junho de 2019, em virtude da impossibilidade de comparência de uma das testemunhas arroladas, a Requerente apresentou requerimento para alteração da data da diligência referida em 15 supra, para os dias 11, 12 ou 17 de setembro de 2019.
  18. No dia 24 de junho de 2019, o Tribunal proferiu despacho indeferindo o requerimento da Requerente, considerando que o novo pedido de adiamento, conjugado com os supra referidos atrasos na marcha do processo, seriam insustentáveis e comprometeriam gravemente o cumprimento dos princípios  que enformam o processo arbitral tributário e a prolação da decisão no prazo regulamentar (Cf., v. g., artigos 16º, al. c) e e), e 21ºn.º 1 e 2, do RJAT).
  19.  No dia 2 de julho de 2019, teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. Na referida reunião o Tribunal notificou a Requerente e Requerida para apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 10 dias, designou o dia 13 de setembro de 2019 para o efeito de prolação de decisão arbitral, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT e, por último, advertiu a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  20. Nesta sequência, nos dias 12 e 15 de julho de 2019, a AT e a Requerente apresentaram respetivamente alegações escritas.
  21. No dia 7 de agosto de 2019, considerando verificados os pressupostos para reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o tribunal decidiu suspender a instância e formular a seguinte pergunta :”A correta interpretação da alínea a) do artigo 168.º e do artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, e dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, permitem que o legislador português, na alínea d) do n.º1 e na alínea d) do n.º2 do artigo 21.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, limite em 50% o direito à dedução do IVA suportado com despesas de alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que a totalidade de tais despesas foi integralmente afecta ao exercício da sua atividade económica tributada?”
  22. No dia 3 de Março de 2020 foi o tribunal notificado do Despacho do TJUE datado de 26-2-2020, proferido nos termos do artigo 99º, do Regulamento de Processo do TJUE (cfr infra, E.), cessando assim agora a suspensão da instância ocorrida entre 7 de agosto de 2019 e 3 de março de 2020.

 

 

A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA, referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10 no montante total de € 62.536,48, e a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, com base no seguinte:

 

  1. Invoca a Requerente, como questão prévia, um vício de forma de INCOMPETÊNCIA RELATIVA, por entender que: “Nos termos do art. 62.º n.º 6 do RCPITA, o relatório de inspecção será assinado pelo funcionário ou funcionários intervenientes no procedimento e conterá o parecer do chefe de equipa que intervenha ou coordene, bem como o saneamento superior das suas conclusões.” No caso, no âmbito do procedimento de inspeção,  “o acto foi praticado pelo Chefe de Divisão, como se o mesmo tivesse sido praticado pela Directora de Finanças Adjunta (...) sendo necessário perceber se existe acto de delegação de poderes do Director de Finanças de Lisboa na respectiva Directora de Finanças Adjunta e desta no respectivo Chefe de Divisão que assinou o sancionamento do RIT – o IT 2 ...”;
  2. A Requerente prossegue referindo que se deparou com um despacho de delegação de competências, publicado em Diário da República onde a Diretora de Finanças Adjunta,  ..., subdelegou competências no Chefe de Divisão de Apoio Técnico e de Serviços, Técnico de Administração Tributária Nível 2, ..., contudo, nesse despacho não se subdelegaram as competências de sancionamento dos relatórios de ações inspetivas, nem o subdelegado é o técnico que assinou o RIT.
  3. Conclui que, ao agir de tal forma, o chefe de divisão saneou o RIT sem ter competência delegada para o fazer, violando o disposto nos artigos 62.º n.º 6 do RCPITA e 44.º e ss. do CPA, o que implica anulação do RIT, por ter incorrido em incompetência relativa, nos termos do artigo 163.º do CPA.
  4. Refere que o mesmo vale para a decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente, pois nos termos do artigo 75.º do CPPT, a competência para a decisão da reclamação graciosa é do dirigente máximo do órgão periférico regional, isto é, do Diretor de Finanças de Lisboa, não tendo o órgão decisor informado onde e quando foi publicado o ato que lhe dá competências para agir, o que configura uma violação dos artigos 75.º do CPPT e 44.º do CPA, tendo a AT incorrido em vício de incompetência relativa, nos termos do artigo 163.º do CPA.
  5. Sem prescindir, quanto ao mérito, a Requerente, argui vício de violação de lei, nomeadamente, do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, e do artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), por entender, ao contrário do que sustenta a Requerida, que o artigo 21.º do Código do IVA é uma norma de delimitação negativa de incidência, admitindo sempre prova em contrário. 
  6. Com efeito, defende a Requerente que o elenco previsto no artigo 21.º do Código do IVA,  “(...) mais não é do que um rol de despesas onde o legislador presume que há um consumo privado do operador económico que as adquire ou onde há um risco de não se conseguir destrinçar o limite entre o uso profissional e o uso privado.”
  7. Portanto, o escopo de tal regime está em desincentivar o agente económico a fazer despesas não relacionadas com a atividade profissional e, sobretudo, impedir que se use abusivamente o mecanismo do direito à dedução com despesas a montante que não contribuem para as operações tributáveis a jusante.
  8. Ora, segundo a Requerente as presunções ínsitas em normas de delimitação negativa de incidência, tal como é o regime do direito à dedução, admitem sempre prova em contrário nos termos do artigo 73.º da LGT, pelo que, se o contribuinte provar que aquelas despesas estão relacionadas com a sua atividade profissional, contribuindo diretamente para as operações tributáveis a jusante, não podem deixar de estar sujeitas à dedução, sob pena de originar um efeito cumulativo e onerar não o cliente final, mas o sujeito passivo do imposto, contrariando o princípio da neutralidade.
  9. Tal entendimento resulta, aliás, de alguns Acórdãos produzidos pelo CAAD, designadamente, no processo arbitral n.º 403/2014-T.
  10. Estando em causa nos autos despesas de alimentação/serviços de catering, a Requerente esclarece que estas são realizadas para cumprir com as necessidades alimentares dos participantes do produto promocional que comercializa junto de clientes internacionais, sendo impreterível, quando realiza filmagens em locais onde não existem restaurantes que disponibilize alimentação aos participantes, pois caso não o fizesse, os seus custos de produção do evento poderiam aumentar exponencialmente.
  11. Portanto, em seu entender, não restam dúvidas que as despesas de alimentação estão diretamente relacionadas com atividade desenvolvida pela Requerente e são uma componente fundamental à boa gestão do negócio, não devendo o IVA incorrido a montante ser excluído do direito à dedução, nos termos do artigo 21.º n.º 1, alínea d) do Código do IVA, sob pena de violação dos princípios da neutralidade e da proporcionalidade que enformam todo o mecanismo do IVA.
  12. Mais afere a Requerente quanto a esta matéria que “as despesas incorridas com a alimentação dos participantes nos vídeos/filmes promocionais estão fora do regime de exclusão, previsto no art. 21.º/1, al. d), do CIVA, por força da sua inclusão no regime de salvaguarda, previsto no art. 21.º/2, al. c), do CIVA.
  13. Com efeito, no tocante a esta norma, não se verifica a exclusão do direito à dedução, quando as despesas de alimentação sejam efetuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio, mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso.
  14. Contudo, a AT considera que as despesas em causa não estão abrangidas por este regime pois implicaria que se aja por conta de terceiro e que estas estejam discriminadas na fatura ou em alternativa sejam faturadas autonomamente.
  15. Clarifica a Requerente, contrariando a alegação da AT quanto ao requisito da faturação autónoma, que o mesmo não resulta da lei, e que, em substância, o cliente suporta o preço integral do catering e ainda o serviço de handling prestado pela Requerente que corresponde à remuneração do valor acrescentado aportado por esta na gestão de todas as componentes que integram o projeto final.
  16. Por outro lado, deve improceder o argumento da AT de que a Requerente deveria ter tributado uma pretensa operação de prestação de serviços de alimentação, na medida em que este serviço é considerado localizado em território nacional sempre que nele for executado, nos termos do artigo 6.º n.º 8, al c), do Código do IVA.
  17. Ora, a Requerente não presta qualquer serviço de alimentação/catering não tendo essa atividade no seu objeto nem meios materiais e humanos para a sua realização. O serviço que presta é de gestão e produção de vídeos/filmes promocionais, sendo, entre outros serviços, disponibilizada alimentação aos participantes, com recurso a terceiros que subcontrata, motivo pelo qual, tal serviço não deve ser discriminado na fatura final enviada ao cliente.
  18. Assim, a prestação de serviços realizada pela Requerente não é tributada em território nacional ao abrigo da regra especial de localização prevista na alínea c) do n.º 8 do artigo 6.º do Código do IVA, mas ao abrigo da regra geral prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA, que consagra o princípio da tributação no destino.
  19. Finalmente, a Requerente reputa a atuação da AT como contrária aos princípio da justiça da confiança e da boa-fé, uma vez que, a AT já se havia pronunciado sobre a mesma questão em ação  inspetiva externa anterior (Ordem de Serviço n.º OI2010...), através da qual, a mesma Direção de Finanças, deu instruções precisas e concretas sobre qual o tratamento fiscal, em sede de IVA, da atividade desenvolvida pela Requerente, e fê-lo, precisamente, no sentido por esta propugnado.
  20. Por último, requer o pagamento de indemnização derivada da prestação de garantia indevida, de acordo com o artigo 53.º da Lei Geral Tributária e o pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que o reembolso deveria ter sido concretizado.

 

B. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

  1. Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, começando por esclarecer que a 4 de janeiro de 2017, a Requerente foi notificada por carta registada pela AT, nos termos do artigo 39.º n.º do CPPT, para enviar um conjunto de elementos justificativos do seu pedido de reembolso, nada tendo enviado à AT até ao dia 10.º do mês de fevereiro de 2017, tendo em consequência sido sujeita a procedimentos inspetivos internos de âmbito parcial.
  2. Acresce, que tendo sido notificada do projeto de relatório, tomando conhecimento do conteúdo do procedimento inspetivo, a Requerente veio exercer o direito de audição limitando-se ao envio dos elementos primeiramente solicitados os quais devidamente escalpelizados não permitiram inverter o entendido no projeto de relatório convolando-o em definitivo.
  3. Em seguida, a AT defende-se por EXCEÇÃO, invocando a incompetência material do CAAD, alegando que o ato tributário de liquidação que está em causa no processo constitui o deferimento parcial de reembolsos solicitados pela Requerente, em relação ao qual a Requerente apresentou reclamação graciosa, que mereceu uma decisão de indeferimento.
  4. Por conseguinte, segundo a AT, do ponto de vista substantivo, um ato de indeferimento de um pedido de reembolso não configura um ato de liquidação de tributos ainda que surja identificado em sede de processo administrativo sob a designação de “liquidação”.
  5. Por conseguinte, a figura do reembolso é uma das modalidades de dedução do imposto, tendo sido criada com o propósito de preservar o princípio da neutralidade fiscal e assim eliminar a distorção de concorrência entre os operadores económicos que se movem nos mesmos meandros comerciais sendo, para estes efeitos, bem distinto o princípio que subjaz ao ato de liquidação, que se coaduna diretamente com a satisfação das necessidades financeiras do Estado, e que trata de dar a conhecer aos sujeitos passivos o valor de imposto devido, calculado a partir da matéria tributável apurada.
  6. Ora, entende a AT que os atos tributários de liquidação em sentido estrito, sendo atos instrumentais que podem integrar vários tipos de atos em matéria tributária, não são, nem nunca seriam, da competência da jurisdição arbitral, pois, ainda que nomenclados de liquidações adicionais, constituem meros deferimentos parciais de reembolsos.
  7. A AT invoca, em favor da sua tese, diversos acórdãos proferidos pelo Tribunal Arbitral e bem assim pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) de acordo com os quais, os atos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.
  8. Por assim ser, a AT invoca a exceção dilatória de incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria a que se reporta os deferimentos parciais de reembolsos solicitados, o que obstaculiza que este Tribunal conheça do mérito da ação pedindo, em conformidade, a absolvição da instância.
  9. Relativamente ao alegado vício de forma de incompetência relativa por falta de despacho de subdelegação de competências da Diretora de Finanças Adjunta no Chefe de Divisão no que respeita ao sancionamento do relatório de inspeção tributária, esclarece a AT que nos termos do artigo 46.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), salvo disposição legal em contrário, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar. O subdelegado pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo disposição legal em contrário ou reserva expressa do delegante ou subdelegante.
  10. Acresce que em sede de procedimento tributário existe uma norma específica, o artigo 62.º da LGT, que estabelece uma regra geral de admissibilidade de delegação de poderes do órgão competente devendo constar do ato a indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista.
  11. Continua a Requerida que o n.º 2 do artigo 48.º do CPA estatui que a falta de menção da delegação ou subdelegação no ato praticado ao seu abrigo, ou a menção incorreta da sua existência e do seu conteúdo, não afeta a validade do ato, mas os interessados não podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação ou subdelegação.
  12. Aduz ainda que, de acordo com o entendimento do STA “a obrigação da menção da delegação ou subdelegação de poderes na notificação do ato praticado no seu uso se justificava apenas pela necessidade de assegurar ao notificado a possibilidade de se aperceber do carácter definitivo do ato praticado por quem não é a entidade a quem compete, em primeira linha, praticá-lo, de forma a poder impugná-lo imediatamente por via contenciosa”.
  13. Assim, sendo essa a razão de ser de tal exigência, “a falta de menção da delegação ou subdelegação de poderes naquela, quando o ato tiver sido praticado no seu uso, deveria ser considerada como preterição de uma formalidade legal, que se degradaria em não essencial, quando não fosse afectada a possibilidade de impugnação contenciosa pelo recorrente.”
  14. Finalmente, no domínio do contencioso tributário, todos os atos praticados por autoridade competente em razão da matéria são definitivos, como se infere do artigo 60.º do CPPT, pelo que a impugnabilidade contenciosa de atos de subalternos não depende da existência ou não de delegação ou subdelegação de competências, porquanto, não deve proceder o alegado vício de incompetência relativa. 
  15. No que toca à questão de fundo, a Requerida defende-se por IMPUGNACÃO considerando que a Requerente não faz prova dos factos que alega, nem através das faturas nem através dos documentos juntos que segundo entende, não passam de meros orçamentos.
  16. Assim, para justificar o imposto deduzido por inscrição no campo 24 das declarações periódicas, a Requerente apresentou cópias de várias faturas relativas a serviços de catering prestados pela sociedade B... LDA, por conseguinte, despesas de alimentação.
  17. Ora, entende a Requerida que o IVA incorrido em tais despesas de alimentação, pese embora concorram para a formação das operações sujeitas e não isentas de imposto, se encontra, por lei, excluído do direito à dedução, (vide o artigo 21.º do Código do IVA).
  18. No entanto, a alínea c) do nº 2 do artigo 21.º do Código do IVA estabelece uma derrogação à exclusão prevista da alínea d) do nº 1 do artigo 21.º daquele Código, desde que esteja em causa uma operação em que o adquirente do serviço age em nome próprio mas por conta de terceiro.
  19. Na situação controvertida pese embora, ainda que se admita que o cliente interessado na aquisição do produto filme, possa ter “mandatado” (mesmo que tacitamente) a Requerente, o que não se concede - não poderá a Requerente deduzir IVA mencionado nas concretas faturas recebidas dado não se verificarem todos os requisitos elencados na alínea c) do nº 2 do artigo 21.º do Código do IVA, no que respeita à imposição legal que obriga que tais despesas sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso.
  20. Esclarece a Requerida que o que está em causa na referida alínea c) é uma operação em que o sujeito passivo adquirente do serviço age em nome próprio mas por conta de terceiro, ou seja, o homólogo comercial do contrato civil – mandato sem representação, ao abrigo do qual o mandatário, agindo em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, ficando obrigado a transferir para o mandante, em negócio autónomo, os direitos que adquiriu, conforme resulta do Código Civil, veja-se artigos 1180.º e seguintes.
  21. Ora, quando um operador económico adquire o serviço de fornecimento de refeições para o local das filmagens, embora para o exercício da sua atividade – produção de um trabalho – filme ou afim e, sem prejuízo do reflexo deste custo no preço final do serviço, em regra, não o faz a solicitação nem por conta do seu cliente antes, adquire aquele input, tal como adquire os demais inputs que o trabalho que está a desenvolver exige, nomeadamente, atores, produtor, técnicos de som, etc., sendo por isso natural que aquele custo, que suporta, integre, como os demais, o acervo que constituiu o orçamento do trabalho.
  22. Segundo a Requerida, este serviço de alimentação não foi especificado de forma autónoma e detalhada na fatura, sendo certo que nos termos da lei tal discriminação poderia e deveria ser feita, por meio de fatura autónoma ou mediante identificação do serviço em linha separada da fatura principal, o que possibilitaria a verificação das regras do imposto.
  23. Por conseguinte, não procedem os argumentos da Requerente, uma vez que, a derrogação prevista à exclusão do direito à dedução só se efetiva quando o débito de tais despesas, visando obter o simples reembolso, seja feito de forma autonomizada do serviço que prestou.
  24. Continua a Requerida aludindo que “no âmbito da acção inspectiva levada a cabo, da análise comparada do universo das facturas emitidas pela sociedade B... LDA, com a justificação do imposto deduzido por inscrição nas declarações periódicas apresentadas pela Requerente verificou-se que a esta não detalhou a dedução de todas as facturas daquele universo.”
  25. Concluindo no sentido de que “tal imposto é considerado suportado, logo não deduzido, em conformidade com o estatuído na alínea d) do nº 1 do art.º 21º do Código do IVA, dado estarmos perante uma norma anti-abuso que não admite qualquer presunção, ao contrário do que sustenta a  Requerente ao fazer referência no seu pedido ao acórdão proferido no âmbito do Processo Arbitral nº 403-2014-T-CAAD, que, por seu turno, só é aplicável à situação concreta que nele foi objecto de apreciação.”
  26. Com efeito, aduz, ainda, a Requerida que de acordo com o entendimento vertido na Informação Vinculativa nº 9889, por despacho de 29-02-2016, do SDG do IVA, esta norma visa evitar a fraude e evasão fiscais resultantes da dedução de IVA incluído em despesas relacionadas com bens e serviços que, pela sua natureza e características, são suscetíveis de serem utilizados para fins alheios a uma atividade tributada, podendo apenas usufruir da possibilidade consignada na alínea d) do n.º 2 do artigo 21.º, os organizadores de congressos, feiras,  exposição, seminários, conferências e similares.
  27. No entanto, obriga-se que tais despesas sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso, situação que não ocorreu em todas as faturas que Requerente emitiu aos seus clientes e cuja cópia se encontra junta aos autos.
  28.  Termos em que não merecem acolhimento as alegações da Requerente quanto à pretensa violação dos princípios da neutralidade, igualdade e proporcionalidade por si invocados, como amplamente já ficou demonstrado no relatório de inspeção tributária, nem as liquidações em crise padecem de qualquer erro de interpretação e aplicação das normas legais como pretende fazer crer a Requerente.
  29. Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

C. Em sede de Alegações a Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

 

 

  1. A Requerente reiterou os argumentos apresentados em sede de pedido de pronúncia arbitral, defendendo que em função do concreto enquadramento factual da atividade que desenvolve e da evidência documental e testemunhal apresentada “deve considerar-se elidida a presunção ínsita nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, e, em consequência, serem parcialmente anuladas as autoliquidações de imposto, na medida em que não consideram a dedução da totalidade do IVA relativo às despesas em causa”.
  2. Por outro lado, nos termos daquela norma, não se verifica a exclusão do direito à dedução, quando as despesas de alimentação sejam efetuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio, mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso.
  3. Sendo certo que, segundo defende a Requerente, tal regime deverá ser aplicável ao caso dos autos pois é inegável que a Requerente agiu por conta de terceiros ainda que não tenha procedido à faturação autonomizada do serviço, requisito que em todo caso não resulta da lei.
  4. Deve também improceder o argumento da Requerida de tributação da operação enquanto pretensa prestação de serviços de alimentação, na medida do que este serviço é considerado localizado em território nacional sempre que nele for executado, nos termos do artigo 6.º n.º 8, al. c), do Código do IVA.
  5. Com efeito, a AT incorreu em errónea qualificação dos factos tributários, devendo a operação da Requerente não ser enquadrada e tributada em território nacional ao abrigo da regra especial de localização, prevista no artigo 6.º n.º 8, al. c), do Código do IVA, mas ao abrigo da regra geral, prevista no artigo 6.º n.º 6, alínea a), a contrario, do Código do IVA, que consagra o princípio da tributação no destino.
  6. Finalmente, existindo dúvidas quanto à aplicação do Direito da união Europeia, no que toca à legitimidade da Requerente deduzir o IVA em causa, antes da decisão final, a Requerente entende ser de pedir o reenvio da questão para o TJUE, ao abrigo do artigo 267º do TFUE.

 

D. Em sede de contra alegações a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

 

  1. Discorda a Requerida dos argumentos da Requerente, considerando que inexistem factos novos a acrescentar dando por integralmente reproduzido o teor da sua Resposta, e pedindo a absolvição integral do pedido.
  2.  Segundo a Requerida não tiveram qualquer relevância clarificadora os depoimentos prestados pelas testemunhas, considerando que é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos mesmos, o que a Requerente em momento algum logra fazer nem através da prova documental nem através da prova testemunhal.
  3. Em Requerimento autónomo apresentado no prazo para alegações, a Requerida pede o desentranhamento dos autos de três documentos apresentados por parte da Requerente no referido prazo para alegações.
  4. Aduz que o primeiro documento (Doc. A- resultado da ação inspetiva relativa a 2011 n.º OI 2010...) data de 20-05-2011, o segundo documento (Doc. B – constituição de hipoteca sobre fração autónoma a favor da AT no âmbito de processo de execução fiscal) data de 10-11-2017 e o terceiro documento (Doc. C – troca de e-mails entre a AT e o contabilista da Requerente no âmbito do processo de inspeção) data de 05-04-2017.
  5. Ora, entende a Requerida que se a Requerente pretendia provar fosse o que fosse, face à data destes documentos, poderia e deveria tê-los junto aos autos em data anterior à da sua apresentação “Até porque exerceu o direito de audição em sede de acção inspectiva e, bem assim, impugnou administrativamente as liquidações adicionais aqui em discussão” sendo por conseguinte, de  apresentar conjuntamente com os factos que alega no seu pedido de pronúncia arbitral ao invés de o fazer 8 meses mais tarde.
  6. A Requerida sublinha que é notório que os documentos não reúnem nenhum dos pressupostos nos quais se poderia apoiar a sua admissibilidade de junção nesta fase processual, tendo precludido o seu direito de o fazer nos termos do artigo 108.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT e artigo 423.º do CPC.
  7. Com efeito, todos os factos e fundamentos da ação devem ser alegados de uma vez, cabendo alegar mesmo os que pareçam secundários, e oferecendo a correspondente prova, sendo o princípio da preclusão uma imposição de atuação leal entre as partes, de uma conduta transparente desde o início, que habilite cada uma das partes a agir e a reagir de boa-fé.
  8. A Requerida sustenta que, face às normas legais e princípios indicados, é notório que não foram provados pela Requerente os fundamentos objetivos e subjetivos da junção tardia dos documentos ora juntos, porquanto permitir-se a admissão de novos factos, documentos, fundamentos e elementos pela Requerente, seria sinónimo de, por esta via e nesta fase processual, se permitir a ampliação do prazo para a apresentação do pedido arbitral, o qual está sujeito ao regime da caducidade.
  9. Apoiando-se em jurisprudência anterior do CAAD, a Requerida conclui pedindo o desentranhamento dos documentos juntos pela Requerente, sob pena de violação do disposto no artigo 423.º do CPC e artigo 108.º do CPPT ex vi artigo 29.º do RJAT.
  10. Por fim, e com base nos mesmos argumentos, a Requerida contesta o pedido formulado pela Requerente, em sede de alegações, relativo ao reenvio prejudicial para o TJUE considerando tratar-se de mais uma inadmissível ampliação do pedido.
  11. Ora, só seria admissível a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 63.º do CPTA, sempre que se verifiquem factos supervenientes para a Requerente que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, situação que claramente não se verificou nos autos.
  12. Sem prejuízo de não se encontrarem reunidos os requisitos necessários para a ampliação pedido, a Requerida, invoca à cautela a desnecessidade deste Tribunal proceder ao reenvio prejudicial dos presentes autos para o TJUE, pois tal reenvio sempre teria de ocorrer em face de uma norma concreta, e de uma dúvida interpretativa dessa norma, concreta e fundada, entendendo que o presente Tribunal Arbitral é competente e qualificado para interpretar o direito nacional, sendo o mesmo suficiente para dirimir a questão sub judice.

E. O TJUE entendeu, em síntese, o seguinte:

a) Vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, decidiu o TJUE proferir o seu entendimento por meio de despacho fundamentado de 26 de fevereiro de 2020, em conformidade com o artigo 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, dispositivo que determina que quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, decidir pronunciar-se por meio de despacho fundamentado

b) Tal como se nota, o artigo 176. º da diretiva IVA prevê que “O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão.”

c) Prossegue o TJUE referindo que, tal como o artigo 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva que o precedeu, o artigo 176. º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA contém uma cláusula de standstill que prevê, nomeadamente, para os Estados que aderem à União, a manutenção das exclusões nacionais ao direito à dedução do IVA, que eram aplicáveis antes da data da respetiva adesão, até que o Conselho adote as disposições previstas no primeiro parágrafo desse artigo 176. º, o que, até à data, o Conselho ainda não fez (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C-225/18, EU:C:2019:349, n.º 30 e jurisprudência referida).

d) Como faz notar o TJUE, “27. Em terceiro lugar, a competência residual dos Estados-Membros para manter as exclusões nacionais ao direito à dedução do IVA, em aplicação do artigo 176. º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, não é, porém, absoluta. Foi neste sentido que o Tribunal de Justiça declarou que a cláusula de standstill não visa permitir a um novo Estado-Membro alterar a sua legislação interna por ocasião da sua adesão à União, cujo efeito consista em alargar o âmbito das exclusões existentes, num sentido que afaste essa legislação dos objetivos da Diretiva IVA, o que seria contrário ao próprio espírito dessa cláusula (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C-225/18, EU:C:2019:349, n.º 31 e jurisprudência referida).

28. A situação já será diferente, como também declarou o Tribunal de Justiça no que respeita à interpretação do artigo 17. º, n. º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, quando, depois da entrada em vigor da referida diretiva, a regulamentação de um Estado-Membro reduza o âmbito das exclusões existentes, aproximando-se dessa forma do objetivo desta diretiva. Nessa situação, o Tribunal de Justiça admitiu que essa regulamentação está coberta pela derrogação prevista no artigo 17.º, n.º6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 14 de junho de 2001, Comissão/França, C-345/99, EU:C:2001:334, n.º 22, e de 15 de abril de 2010, X Holding e Oracle Nederland, C-538/08 e C-33/09, EU:C:2010:192, n.º 67).

29. Em conformidade com o que foi recordado no n. º 25 no presente despacho, uma vez que a jurisprudência relativa à interpretação do artigo 17. º, n. º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva é pertinente para a interpretação do artigo 176. º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, há, portanto, que considerar que uma regulamentação de um Estado-Membro que reduza o âmbito das exclusões que existiam em 1 de janeiro de 1979, ou, se esse Estado-Membro aderiu à União após essa data, na data da sua adesão, está abrangida pela derrogação  prevista  no  referido artigo.

30. Por outro lado, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar o conteúdo da legislação nacional à data da adesão do Estado-Membro em causa e averiguar se essa legislação teve por efeito  alargar o âmbito de aplicação das  exclusões existentes após a adesão (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2019, Gru pa Lotos, C-225/18, EU:C:2019:349, n.º 33 e jurisprudência referida).

31. No caso em apreço, importa precisar, antes de mais, que, em conformidade com o artigo 395.º do Ato relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985, L 302, p. 23), interpretado em conjugação com o anexo XXXVI do mesmo ato, a República Portuguesa, que aderiu às Comunidades Europeias em 1 de janeiro de 1986, pôde diferir até 1 de janeiro de 1989 a aplicação integral das regras que constituem o sistema comum do IVA (Acórdão de 8 de março de 2012, Comissão/Portugal, C-524/10, EU:C:2012:129, n.º 13).

32. Em seguida, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, à data da adesão da República Portuguesa, o artigo 21. º do Código do IVA excluía do direito à respetiva dedução o imposto pago a montante que incidia sobre as despesas respeitantes à alimentação e que, na sequência de uma alteração do referido artigo, em 2005, o direito à dedução do IVA para este tipo de despesas foi admitido, em certas condições, até ao limite de 50 %.

33. Afigura-se, assim, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, na sequência da alteração do artigo 21. º do Código do IVA, despesas que estavam totalmente excluídas do direito à dedução do  IVA passaram a conferir, em certas condições, um direito à dedução parcial deste imposto. Por conseguinte, essa alteração, que reduz o âmbito das despesas excluídas deste direito à data da adesão da República Portuguesa à União, está abrangida pela cláusula de standstill prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (v., por analogia, Acórdão de 14 de junho de 2001, Comissão/França, C-345/99, EU:C:2001:334, n.ºs 23 e 24).

34. Por último, importa ainda apreciar, em conformidade com a jurisprudência, se a legislação nacional em causa prevê de maneira suficientemente precisa a natureza e o objeto dos bens ou dos serviços para os quais fica excluído o direito à dedução do IVA, a fim de garantir que a faculdade concedida aos  Estados-Membros não sirva para prever exclusões gerais a esse regime (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C-225/18, EU:C:2019:349, n.º 40 e jurisprudência referida).”

e) Termos em que o TJUE conclui que, à semelhança do que o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos (C-225/18, EU:C:2019:349), no processo principal, a categoria das despesas relativas à alimentação prevista no artigo 21.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea d), do Código do IVA parece estar definida de forma suficientemente precisa na perspetiva das exigências estabelecidas pela jurisprudência, salientando que “…importa recordar que a circunstância, mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as despesas incorridas pelo sujeito passivo poderem ser exclusivamente afetas ao exercício das suas atividades profissionais não prejudica o alcance da cláusula de standstill prevista no artigo 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.” (cfr. n.º 38 do Despacho).

f) Neste contexto, o TJUE vem decidir que “O artigo 168.º, alínea a), e o artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, após a adesão do Estado-Membro em  causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade económica tributável.”

 

 II. Saneamento

 

Competência do Tribunal Arbitral

 

Embora já decidida a questão da competência do Tribunal pelo acórdão arbitral de 7 de agosto de 2019, importa recordar e reproduzir aqui os termos dessa decisão:

Alega a AT que este Tribunal Arbitral não é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio porquanto, em síntese e se bem se entende a questão suscitada, o objeto do pedido não é um ato de liquidação de tributos, mas antes configura um ato administrativo em matéria tributária de indeferimento de pedido de reembolso de IVA e, como tal, subtraído ao âmbito de competência do Tribunal Arbitral Tributário.

E invoca a AT, em favor da sua tese, diversos acórdãos proferidos pelo Tribunal Arbitral e bem assim pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) de acordo com os quais, os atos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu a declaração de ilegalidade de atos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.

Vejamos:

Perante o regime ínsito nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º da Portaria de Vinculação, a determinação da competência material do Tribunal Arbitral deve ser aferida em função do objeto do processo.

Da leitura do pedido de constituição de tribunal arbitral resulta inequívoco pretender a Requerente que seja apreciada a (i)legalidade de atos liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10, no montante global de € 62.536,48.

Assim, configurando esses atos o objeto do processo arbitral, é em relação a eles que deve ser aferida a competência do Tribunal. A esta conclusão não obsta o facto de ter ocorrido um pedido, indeferido, de reembolso de IVA.

Termos em que, comportando o presente pedido de pronúncia arbitral tão somente a apreciação de atos tributários praticados pela Administração Tributária, o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar a pretensão da Requerente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º da Portaria de Vinculação, improcedendo assim a exceção invocada pela Entidade Requerida.

O Tribunal é, por conseguinte, materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

III. Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar e recordar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta e contra alegações da Requerida), à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida na reunião havida, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos seguidamente identificados.

  1. Factos dados como provados

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, NIF ..., a qual exerce a atividade comercial classificada com o CAE principal nº 59110 – Produção de Filmes, de Vídeos e de Programas de Televisão, desde 2008-03-31, e a atividade comercial classificada com o CAE secundário nº 082990 – Outras atividades de Serviços de Apoio prestados às Empresas, N.E, desde 2008-04-28 - cfr. processo administrativo (PA);
  2. A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal mensal de IVA, desde 2010-01-01, e no regime geral de IRC, desde 2009-01-01. - cfr. PA;
  3. No âmbito do exercício da sua atividade a Requerente dedica-se à organização de eventos promocionais de produtos e marcas dos seus clientes - cfr. documento n.º 26 junto com o PPA;
  4. A produção de um vídeo publicitário é rigorosamente controlada, executada no menor espaço de tempo possível, reunindo num único local previamente definido muitas dezenas de pessoas, designadamente, técnicos de som, técnicos de vídeo, operadores de filmagem, atores, maquilhadores, eletricistas, etc., para além de inúmero material e equipamentos de apoio – cfr. depoimento da testemunha C...;
  5. Os vídeos promocionais são normalmente executados em zonas afastadas, o que inclusivamente implica a mobilização de camiões com geradores de energia, para fornecimento de energia eléctrica – cfr. depoimento da testemunha C...;
  6. Para a prossecução da sua atividade, a Requerente adquire serviços e bens (inputs) de natureza diferenciada: serviço de atores, de promotores, de maquilhagem, de produção audiovisual, de informática, de multimédia, de catering, entre outros – cfr. documento n.º 27 junto com o PPA e depoimento da testemunha C...;
  7. A realização dos eventos promocionais implicam uma multidisciplinariedade de bens e serviços, que são geridos e integrados pela Requerente consubstanciando a prestação de um serviço que se designa por handling – cfr. depoimento das testemunhas C... e D...;
  8. O cliente final da Requerente não adquire um serviço de promotores, de multimédia ou de catering, mas adquire um produto promocional integrado, que é gerido pela Requerente – cfr. depoimento das testemunhas C... e D...;
  9. A proposta negocial apresentada ao cliente inclui uma discriminação de todos os serviços envolvidos contratados pela Requerente a terceiros e o respetivo custo, acrescido do custo pela remuneração do serviço de handling prestado pela Requerente, o qual se traduz na integração e coordenação funcional dos vários bens e serviços que integram o projeto final – cfr. documento n.º 28 junto com o PPA e depoimento das testemunhas C... e D...;
  10. O serviço de handling é prestado fundamentalmente a clientes empresariais internacionais na modalidade B2B (Business to Business), seja, no espaço comunitário ou fora dele - cfr. PA, e depoimento das testemunhas C... e D...;
  11. A Requerente contratou serviços de catering à empresa B... Lda., de forma a que estes se integrassem na prestação de serviços de handling, tendo orçamentado esse serviço e o respetivo preço na proposta contratual que envia aos seus clientes – cfr. documento n.º 28 junto com o PPA, e depoimento das testemunhas C... e D...;
  12. As faturas emitidas pela Requerente aos seus clientes refletem a prestação de um serviço único tendo como descritivo a indicação relativa a “serviço de produção/filmagem do filme” – cfr. documentos juntos no PA e Relatório de Inspeção Tributária;
  13. Aos serviços de catering englobados no montante total da fatura, acresce o valor relativo a handling fee, – cfr. PA, e depoimento das testemunhas D... e E...;
  14. A Requerente apurou um crédito de IVA no montante de €83.561,49, na declaração periódica entregue para o período 201610, tendo solicitado o reembolso da totalidade do crédito ali apurado.– cfr. PA;
  15. A Requerente foi notificada, nos termos do disposto na alínea l) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária - LGT e no artigo 48.º do RCPITA, (registo de saída da DF de Lisboa n.º..., de 4 de Janeiro de 2017, com carta registada com o n.º RD...PT), para proceder, no prazo de 10 dias, à justificação do pedido de reembolso e ao envio de um conjunto de elementos tendo em vista confirmar ou infirmar a legitimidade do direito ao reembolso do crédito de imposto, que solicitou. – cfr. PA ;
  16. Devidamente notificada, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 39º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), foram solicitados concretamente:

 “1. Memória descritiva especificando, com rigor, a actividade concretamente desenvolvida pela sociedade (serviços prestados e/ou bens vendidos, propriedade das aeronaves e local das instalações, …) e justificar a existência de crédito de imposto;

2. Cópia do extracto da conta do IVA dedutível e da conta do IVA liquidado, preferencialmente em ficheiro formato excel, para o período de 2016.

3. Cópia do balancete analítico, em ficheiro formato excel, relativo ao período de 2016.

4. Cópia das 5 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 3 da DP, relativa ao período de 201606. Cópia das 7 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 7 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201506; 201507; 201509; 201511; 201501; 201605; 201602; 201604; 201605; 201607; 201608; 201609 e 201610 e, sendo caso disso, dos certificados que comprovem a efectiva saída dos bens de Território Nacional e cópia de eventual contrato que fundamente a emissão das facturas.

6. Cópia das 7 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 8 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201508 e 201606 e, sendo caso disso, dos certificados que comprovem a efectiva saída dos bens de Território Nacional e cópia de eventual contrato que fundamente a emissão das facturas.

7. Cópia das 5 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 12 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201507; 201509 e 201606.

8. Cópia das 5 facturas de valor mais elevado referentes aos valores inscritos no campo 16 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201507; 201509; 201603; 201605 e 201609.

9. Cópia das 7 facturas de valor mais elevado justificantes do valor inscrito no campo 24 da DP, relativa a cada um dos seguintes períodos: 201507; 201509; 201510; 201512; 201603; 201605;201606; 201609 e 201610.

10. Cópia dos documentos justificantes do imposto deduzido, com indicação do montante do imposto deduzido, relativos a fornecimentos feitos pelo operador com NIF … no período de Janeiro a Outubro de 2016.

11. Solicita-se ainda, sempre que os documentos enviados remetam para contratos, orçamentos, propostas ou qualquer outro documento, o envio destes para os quais é feita remissão.” – Cfr. PA –;

  1. A Requerente não remeteu, até ao 10.º dia do mês de fevereiro de 2017, qualquer documento justificativo do montante do crédito do IVA, cujo reembolso solicitou.
  2. Os créditos de IVA solicitados pela Requerente foram objeto de reembolso automático em precedentes períodos, tendo sido alvo de análise interna na sequência do pedido que apresentou no período de 201504. – cfr. PA;
  3. Após ter sido notificada para o efeito, a Requerente não remeteu aos serviços de inspeção tributária (SIT) os elementos solicitados justificativos do pedido de reembolso do IVA que apresentou na Declaração Periódica entregue para o período de 201610.
  4.  Em consequência, a Requerente foi sujeita aos seguintes procedimentos inspetivos internos de âmbito parcial:

•          Ordem de Serviço com o n.º OI 2016..., autorizada por despacho de 27 de dezembro de 2016, com o Código ... Controlo de pedidos de reembolso de IVA - regime geral;

•          Ordem de Serviço com o n.º OI 2017..., autorizada por despacho de 18 de abril de 2017, com o Código ... - Controlo de pedidos de Reembolso de IVA - Regime Geral - Períodos Anteriores;

•          Ordem de Serviço com o n.º OI 2017..., autorizada por despacho de 19 de abril de 2017, com o Código ...- Controlo de pedidos de Reembolso de IVA - Regime Geral - Períodos Anteriores; e

•          Ordem de Serviço com o n.º OI 2017..., autorizada por despacho de 19 de abril de 2017, com o Código ... - Controlo de pedidos de Reembolso de IVA - Regime Geral - Períodos Anteriores.

  1. Os mencionados procedimentos tiveram origem na seleção decorrente da submissão automática a um sistema de indicadores de riscos tipificado com o código ...- critério aleatório. – cfr. PA;
  2. Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 60.º do RCPITA, do projeto de relatório dos serviços de inspeção tributária, a Requerente tomou conhecimento do conteúdo do procedimento inspetivo, do respetivo enquadramento jurídico e do prazo para, querendo, exercer o direito de audição.
  3. A Requerente exerceu direito de audição tendo para o efeito enviado os elementos primeiramente solicitados, pelo ofício n.º..., de 4 de janeiro de 2017, (RD ... PT). – cfr. PA;
  4. Devidamente analisados os documentos enviados, os serviços de inspeção consideraram que os mesmos não permitiam inverter entendimento vertido no projeto de relatório, convolando-o em definitivo.
  5. Os serviços de inspeção conferiram à Requerente um segundo direito de audição, tendo sido solicitada cópia de todas as faturas recebidas do fornecedor B... LDA, com NIF:..., nos anos de 2013; 2014 e 2015, com indicação do montante, o campo da declaração periódica e do período, onde o imposto foi deduzido. – cfr. PA;
  6. A 10 de maio de 2017, os serviços inspetivos entenderam que a Requerente não deu cabal cumprimento àquele pedido, tendo procedido ao cruzamento da informação constante das declarações periódicas apresentadas com a informação resultante da comunicação de faturas, feita pelo fornecedor em causa, disponível nas aplicações informáticas da AT. – cfr. PA;
  7. A Requerente foi notificada, nos termos do art.º 62º do RCPITA, do relatório final de inspeção, do qual resultaram as seguintes correções, dado ter sido constatada a dedução indevida do imposto relativo à aquisição de serviços de alimentação:

 

  1. Tendo em conta que a Requerente solicitou, desde 2013, o reembolso da totalidade do crédito em vários períodos, as correções propostas operaram-se por liquidação adicional nos períodos anteriores a 2016-10, e no período de 2016-10, por redução ao montante do crédito solicitado, na medida da dedução considerada indevida, realizada no montante de €3.505,20, cifrando-se em €80.056,29. – cfr. PA;
  2. A Requerente obteve o reembolso automático do crédito em precedentes períodos, tendo sido alvo de análise interna, na sequência do pedido que apresentou no período de 2015-04.
  3.  Em relação aos períodos de 2013-05 a 2016-09, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA, e liquidações de juros compensatórios. – cfr. PA e listagem das liquidações juntas com o PPA, documentos n.º 1 a 21;
  4. Relativamente ao período de 2016-10, foi emitido o reembolso nº 2017 ... no valor de no valor de €80.056,29. – cfr. PA;
  5. As liquidações em crise não foram pagas pela Requerente nas respetivas datas limite de pagamento tendo a AT instaurado os correspondentes processos de execução fiscal. – cfr. PA;
  6.  Os processos de execução fiscal encontram-se suspensos em consequência da prestação de garantia por parte da Requerente. – cfr. PA;
  7.  Inconformada com as conclusões do relatório de inspeção tributária, no dia 15 de Novembro de 2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa, junto do Serviço de Finanças de Lisboa. – cfr. PA;
  8. A Requerente foi notificada para, querendo exercer o direito de audição, sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, optando por não exercer tal direito.
  9. A decisão provisória de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi convolada em decisão de indeferimento definitivo.
  10. No dia 3 de setembro de 2018, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.
  1. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV- Do Direito

 

 

Thema decidendum

 

Como fundamento do pedido anulatório a Requerente invoca: (i) um vício de ordem formal atinente à ilegalidade da inspeção  e (ii) um vício de ordem substantiva.

Serão estas as questões [thema decidendum] que o Tribunal irá apreciar e decidir.

O vício de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral foi já, como se viu, apreciado e decidido.

Em síntese,  está em causa apreciar e decidir agora os suscitados vícios de ilegalidades formais invocados pelas partes nos autos e, designada e especificamente, a apreciação da questão de saber se a Requerente tem direito à dedução integral do IVA incidente sobre serviços de catering que subcontratou a terceiros no âmbito das prestações de serviços de organização eventos promocionais que habitualmente realiza junto de clientes internacionais não residentes em território nacional, ao abrigo quer do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea d), quer do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código do IVA.  

 

Apreciando estas questões:

 

(i) Vício da ilegalidade da inspeção

 

Não tem razão a Requerente quanto à sua fundamentação de existência de vício de forma (incompetência relativa) por falta de despacho de subdelegação de competências da Diretora de Finanças Adjunta no Chefe de Divisão no que respeita ao sancionamento do relatório de inspeção tributária.

Vejamos sumariamente porquê.

 

Nos termos do artigo 46.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e salvo disposição legal em contrário, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar e o  subdelegado pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo reserva expressa do delegante ou subdelegante.

Por outro lado, em sede de procedimento tributário, estabelece o artigo 62.º da LGT uma regra geral de admissibilidade de delegação de poderes do órgão competente devendo constar do ato a indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista.

E o n.º 2 do artigo 48.º, do CPA estatui que a falta de menção da delegação ou subdelegação no ato praticado ao seu abrigo, ou a menção incorreta da sua existência e do seu conteúdo, não afeta a validade do ato, mas os interessados não podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação ou subdelegação.

A Jurisprudência vem entendendo que a obrigação da menção da delegação ou subdelegação de poderes na notificação do ato praticado no seu uso se justificava apenas pela necessidade de assegurar ao notificado a possibilidade de se aperceber do carácter definitivo do ato praticado por quem não é a entidade a quem compete, em primeira linha, praticá-lo, de forma a poder impugná-lo imediatamente por via contenciosa.

E, sendo essa a razão de ser da sobredita exigência, a falta de menção da delegação ou subdelegação de poderes naquela, quando o ato tiver sido praticado no seu uso, deveria ser considerada como preterição de uma formalidade legal, que se degradaria em não essencial, quando não fosse afetada a possibilidade de impugnação contenciosa pelo recorrente.

E foi nesta linha que se ponderou em recente aresto do STA que “(...) a Jurisprudência desde há muito, consolidada deste Supremo Tribunal que a falta de menção do uso de delegação de poderes, degrada-se em formalidade não essencial (irrelevante) desde que não tenha afectado nem prejudicado o direito ao respectivo recurso contencioso [v., entre outros, Ac. de 21.3. 85, rec. 17869, in Acórdãos Doutrinais 287, pág. 1176 e segs, Ac. de 23.10.97, rec. 38.607, Ac. de 24/04/2001, rec. 039895, Ac. de 30.1.2002, rec. 46135] – Cfr Aórdão do STA de 7-6-2018, Proc nº 0280/18,  in www.dgsi.pt

Já antes da entrada em vigor da nova redação do CPA, em relação a esta norma [artigo 38º, do CPA, correspondente ao atual artigo 48º, do CPA/2015), a Doutrina e a Jurisprudência já vinham entendendo que a falta da menção de delegação de poderes no ato, não acarreta a invalidade deste, constituindo antes uma mera irregularidade.

A sobredita Jurisprudência é apoiada pela doutrina (cfr. FREITAS DO AMARAL, colaboração de LINO TORGAL, em “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 252, onde se escreveu - “Por ocultarem elementos que dificultam a sua integral compreensão pelo destinatário ou destinatários, são irregulares os actos que, praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes, não mencionem a existência dessas delegações ou subdelegações” (Cf também, pág. 418)  e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, JP GONÇALVES, JP AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, pág. 583). 

Tal significa que, não ficando o contribuinte afetado no seu direito de impugnar o ato tributário – como é o caso dos autos em que a Requerente não ficou minimamente afetada  no seu direito de recorrer ao Tribunal, pois impugnou contenciosamente os atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10, no montante global de € 62.536,48 – a omissão da sobredita formalidade se degradou em não essencial (mera irregularidade), não determinando qualquer invalidade do ato.

Assinale-se como nota não despicienda que no domínio do contencioso tributário, todos os atos praticados por autoridade competente em razão da matéria são definitivos, como se infere do artigo 60.º do CPPT, pelo que a impugnabilidade contenciosa de atos de subalternos não depende da existência ou não de delegação ou subdelegação de competências.

 

Improcede assim o citado vício de ordem formal suscitado pela Requerente.

 

(ii)  Direito à dedução integral do IVA incidente sobre serviços de catering subcontratados a terceiros no âmbito das prestações de serviços de organização eventos promocionais que habitualmente realiza junto de clientes internacionais não residentes em território nacional, ao abrigo quer do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea d), quer do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código do IVA

 

Discute-se na presente ação se o legislador nacional pode recusar ou limitar o exercício do direito à dedução de despesas comprovadamente afetas ao exercício da atividade profissional tributada do sujeito passivo, ao prever concretamente nos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º do Código do IVA que:

 

Artigo 21.º
Exclusões do direito à dedução

 

1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

(…)

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;

(…)

2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

(…)

d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;

(…)“

De acordo com o disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de Dezembro de 2006), consagra-se o princípio geral da liquidação e dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo, desde que tais bens e serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas.

Como determina esta regra:

Artigo 168. º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

(…)

 

Por sua vez, o legislador português, no CIVA, vem determinar o seguinte:

“Artigo 19.º
        Direito à dedução

 

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

(…)

 

O legislador nacional veio contemplar no artigo 21.º do CIVA as situações excluídas do direito à dedução do imposto, por entender que poderiam nascer fraudes fiscais caso se concedesse o direito à dedução, estando consagradas no CIVA desde a adesão de Portugal, embora se tenha posteriormente permitido deduzir em termos percentuais algumas despesas que antes eram totalmente excluídas, como é o caso das despesas de alimentação ora em causa.

Esta limitação do direito à dedução imposta pelo legislador nacional tem por base o artigo 176.º da Diretiva IVA, que vem determinar o seguinte:

Artigo 176.º

O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.

Este normativo consagra uma cláusula de standstill relativa às limitações do direito à dedução do IVA em determinadas despesas.

Ora, de acordo com aquela disposição legal, cabe ao Conselho, por unanimidade e sob proposta da Comissão, determinar de forma geral as despesas que não conferem o direito à dedução, o que não veio até à data a fazer. Por sua vez, cabe a cada Estado-membro estabelecer as limitações de exclusões de direito à dedução nos termos enunciados.

Na situação em apreço, em concreto, importa pois determinar se é ou não possível, face às regras que regem o IVA na União Europeia, plasmadas atualmente na Diretiva IVA, tal como transpostas para a ordem jurídica nacional, e tendo em consideração os princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, que o sujeito passivo possa deduzir a totalidade das despesas de alimentação relativas à organização de eventos (no caso concreto serviços de catering a participantes em filmagens), caso efetivamente comprove que tais despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade profissional tributada.

A questão a resolver afigurou-se pertinente e carecedora de esclarecimento, permanecendo dúvidas sobre a exata interpretação destas normas, pelo que este Tribunal decidiu fazer reenvio prejudicial parar o TJUE.

Com efeito, em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão Schwarze (Proc. 16/65 de 1 de Dezembro de 1965), o reenvio prejudicial é "um instrumento de cooperação judiciária ... pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros".

Como se salienta nas RECOMENDAÇÕES à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais[1],

1

“O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.

Como vimos, feito o reenvio prejudicial veio o TJUE entender, realizada que foi uma digressão pela jurisprudência do TJUE bem como uma incursão temporal pelas regras do nosso CIVA nos termos enunciados supra, que o artigo 168.º, alínea a), e o artigo 176.º  da  Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, após a adesão do Estado-Membro em causa à União Europeia, reduz o âmbito das despesas excluídas do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, autorizando, em certas condições, uma dedução parcial do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre tais despesas, entre as quais, nomeadamente, as relativas à alimentação, ainda que o sujeito passivo comprove que essas despesas foram integralmente afetas ao exercício da sua atividade económica tributável.

Termos em que, atendendo ao princípio do primado do Direito da UE e à interpretação que foi dada pelo TJUE no presente caso e às consequências daí decorrentes para os aplicadores da lei, nomeadamente para este Tribunal, concluímos que não será de acolher a pretensão da Requerente quanto ao exercício do direito à dedução integral das quantias de IVA suportado, pelo que se encontra igualmente prejudicado o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações em apreço.

Invoca a Requerente, como vimos, que, ainda assim, sempre se dirá que as despesas incorridas com a alimentação dos participantes nos vídeos/filmes promocionais está fora do regime de exclusão, previsto no artigo 21.º,n.º 1, alínea d), do CIVA, por força da sua inclusão no regime de salvaguarda, previsto no artigo 21.º n.º 2, alínea c), do CIVA. Como é sabido, de acordo com a aludida norma não se verifica a exclusão do direito à dedução, quando as despesas de alimentação sejam efetuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio, mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso.

Ora, para o efeito, seria sempre necessário que, desde logo, as faturas obedecessem aos requisitos previstos para o efeito, sendo que o seu descritivo não permite sequer concluir pela correta natureza dos serviços conforme o prescrito no artigo 36.º, n.º5, do CIVA. Por outro lado, igualmente não se encontram preenchidos os pressupostos para que as despesas sejam assumidas como efetuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio, mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respetivo reembolso.

Com efeito, a Requerente, em todas as faturas juntas ao processo limita-se a detalhar o serviço de produção/filmagem dos filmes, não constando detalhado autonomamente o serviço de catering. O serviço de alimentação não foi especificado de forma autónoma e detalhada na fatura, sendo certo que, tal como a AT faz notar, nos termos da lei tal discriminação poderia e deveria ser feita, por meio de fatura autónoma ou mediante identificação do serviço em linha separada da fatura principal, o que possibilitaria a verificação das regras do imposto.

Para mais, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 8 do artigo 6º do CIVA, o serviço de alimentação é considerado localizado em território nacional sempre que nele for executado, pelo que, independentemente da natureza do adquirente ou da localização da sua sede, estabelecimento estável ou, na sua falta o domicílio, o serviço de alimentação executado em território nacional é sempre tributável neste território.

 

Face ao exposto, considera este Tribunal que não se encontram preenchidos os pressupostos para acolher o pedido da Requerente no tocante ao direito à dedução integral do IVA incidente sobre serviços de catering subcontratados a terceiros no âmbito das prestações de serviços de organização eventos promocionais que habitualmente realiza junto de clientes internacionais não residentes em território nacional, ao abrigo quer do disposto no artigo 21.º n.º 1 alínea d), quer do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea c), ambos do CIVA.

 

(iii) Indemnização por prestação de garantia indevida

A Requerente alega que foi forçada a apresentar garantia para suspensão dos processos de execução fiscal emergentes das liquidações adicionais de IVA aqui reclamadas, invocando que deve, por isso, ser indemnizada nos termos e para os efeitos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”

No caso em apreço, não são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira erros que afetam as liquidações.

Neste contexto, não se tendo concluído pela existência de erro imputável aos serviços na liquidação do tributo e não se verificando os demais pressupostos previstos nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, não deverá a AT ser condenada no pagamento dos referidos custos inerentes à prestação das garantias.

 

(iv) Juros indemnizatórios

 

A Requerente alega ter direito aos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 22.º, n.º 8, do CIVA e 43.º, n.º 3, alínea a), da LGT.

Deve interpretar-se o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», no sentido de permitir o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Isto é, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Contudo, como vimos, o reembolso do imposto não é devido, pelo que não se verificam os fundamentos para tal, pelo que igualmente será de improceder este pedido.

 

V - DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam os Árbitros neste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido e, em consequência, decide-se:

 

  1. Declarar, nos termos expostos supra, a legalidade das liquidações em sede de IVA referentes aos períodos de 2013-05 a 2016-10, no montante global de € 62.536,48 (sessenta e dois mil e quinhentos e trinta e seis euros e quarenta e oito cêntimos), mantendo-as como tal na ordem jurídica;

 

  1. Julgar prejudicado o pedido de indemnização por prestação da garantia indevida;

 

  1. Julgar prejudicado o pedido de juros indemnizatórios; e

 

  1. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 62.536,48 (sessenta e dois mil e quinhentos e trinta e seis euros e quarenta e oito cêntimos).

 

Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, conforme decidido anteriormente.

 

Lisboa, 10 de março de 2020

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

Filipa Barros

 

 



[1] 2012/C 338/01, JO C 338/1, de 6.11.2012.