SUMÁRIO:
As funções exercidas pelos membros dos órgãos sociais não configuram um contrato de trabalho, antes um mandato cujo exercício está regulado no Código das Sociedades Comerciais. A remuneração dos órgãos sociais está regulada no Código das Sociedades Comerciais, tratada no Código do IRS por equiparação ao trabalho dependente e sujeita às contribuições e quotizações que o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social prevê. Não podem, como tal, ser celebrados, com entidades terceiras, contratos que transfiram para outrem os poderes e deveres que para os administradores decorrem da lei nem a obrigação de lhes pagar as retribuições e outros encargos que lhes sejam devidos nos termos da lei, do contrato ou de deliberação social. Independentemente da validade desses contratos, prevalece, em matéria tributária, o princípio da substância sobre a forma e os custos que deles resultam não podem ser considerados para os efeitos do disposto no artigo do 23.º do CIRC nem conferem o direito à dedução previsto nos artigos 19.º e ss. do CIVA.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
1. RELATÓRIO
1.1 A..., SA, anteriormente designada por B... SA, número único de pessoa coletiva e matrícula ..., com sede na ..., ...-... ..., veio, em 23 de outubro de 2020, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante RJAT) e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição do tribunal arbitral.
1.2 É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou os signatários para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 14 de janeiro de 2021.
1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente ao abrigo do art.º 78.º da Lei Geral Tributária, e por objeto mediato a declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional do IVA e juros compensatórios relativos aos anos de 2011 e 2012, no montante global de 175.405,94€, que vão melhor identificados na peça da Requerente, sua correspondente anulação, a condenação da AT ao reembolso das quantias pagas a titulo de imposto e dos juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento do IVA e dos juros compensatórios até a data da emissão da correspondente nota de credito.
A Requerente invoca, como fundamentos daqueles pedidos, a preterição de formalidades essenciais por ausência de fundamentação substantiva e a consequente ilegal inversão do ónus da prova, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito e a inexistência do facto tributário.
1.5 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu, a 29 de abril de 2021 e juntou nessa mesma data aos autos o processo administrativo.
Na sua resposta, a Requerida limitou-se a remeter para a bondade do teor constante no processo administrativo que ora se junta e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Mais requereu, porém, o indeferimento do requerimento probatório apresentado pela Requerente, atenta a manifesta falta de necessidade de produção de prova testemunhal, porquanto essencialmente as questões em discussão se cingem a matéria de direito e porquanto as questões de facto que existem deverão resultar integralmente provadas por documentos, aptos a sustentar as alegações de quem invoca um direito e, para o caso de o Tribunal assim não entender, requereu ainda fosse de imediato a Requerente notificada para justificar a pertinência da diligência e bem assim indicar a factualidade sobre que pretende recaia a inquirição.
1.6 O Tribunal proferiu, a 30 de abril de 2021, despacho convidando a Requerente a pronunciar-se sobre o requerido pela AT.
1.7 A Requerente veio, por requerimento de 11 de maio de 2021, pugnar pela audição das suas testemunhas, ao abrigo do princípio do inquisitório, e reconhecendo embora os poderes de livre condução do processo que o RJAT concede ao Tribunal Arbitral, esclarecer que pretendia que as testemunhas fossem ouvidas aos factos constantes dos artigos 21, 22, 24, 30, 31, 32, 36, 39, 43, 45 e 46, 51, 54, 58 e 59, 63 e 66, 70 a 74, 93, 103 a 106, 108, 174 todos do Requerimento de pronúncia arbitral.
1.8 Compulsado aquele requerimento e os elementos constantes dos autos, o Tribunal decidiu que a matéria em crise é fundamentalmente de direito, que, para os factos, a prova documental é suficiente e que os pontos a que a Requerente pretendia que as testemunhas fossem ouvidas são, ou precisamente matéria sobre a qual a prova documental é bastante, ou são alegações de direito ou não relevam para a questão decidenda, e proferiu despacho nesse sentido, aos 19 de maio de 2021, designando o dia 11 de junho de 2021 como a data provável para a prolação da decisão arbitral.
1.9 As partes não mais vieram aos autos manifestar-se.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.
3. QUESTÕES A DECIDIR
A Requerente identifica como objetos, imediato e mediato, do pedido de pronúncia arbitral os seguintes:
Objeto imediato – Declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido nos termos do art.º 78.º da Lei Geral Tributária
Objeto mediato – Declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional do IVA e juros compensatórios, praticados pela AT com referência a cada um dos períodos de imposto dos anos de 2011 e 2012, no montante global de € 175.405,94 (cento e setenta e cinco mil, quatrocentos e cinco euros e noventa e quatro cêntimos), conforme se apura no quadro seguinte:
E peticiona:
A declaração da ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão dos atos tributários controvertidos de liquidação adicional do IVA e juros compensatórios, com referência aos exercícios de 2011 e 2012 e, consequentemente, a declaração da ilegalidade daqueles atos tributários controvertidos e a sua correspondente anulação;
A condenação da AT ao reembolso das quantias pagas a título de imposto e juros;
A condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento do IVA e dos Juros compensatórios até a data da emissão da correspondente nota de crédito.
4. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
1. A Requerente foi constituída em 25 de outubro de 1977 para o exercício da atividade económica de «produção, venda, montagem e serviço pós-venda de instalações de despoeiramento industrial, recuperação de energia a partir de biomassa e secagem de madeiras»;
2. atividade económica que exerceu, nos exercícios de 2011 e 2012, tendo realizado operações ativas;
3. A Requerente dispõe de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, encontra-se coletada para efeitos de IRC pelo exercício da atividade de “Transformação de matérias primas e outros produtos em moldes de construção civil” e é sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal de periodicidade mensal;
4. em 15 de março de 2010, o capital da Requerente, de 500.000,00€, representado por 100 000 ações do valor nominal de € 5,00 cada uma, era detido pelos acionistas e distribuído de acordo com o que consta do quadro infra;
5. em 16 de março de 2010 aqueles acionistas venderam, à sociedade C..., SGPS, SA, 18 000 ações e, à sociedade D...– SGPS, SA, 67 000 ações, representativas, no total, de 85% do capital social;
6. no período de 2010-2013, o Conselho de Administração da sociedade compradora C..., SGPS, SA era constituído por três membros, sendo E... o Presidente e F..., um dos vogais;
7. a sociedade D..., SGPS, SA tinha como administrador único G...;
8. em 16 de março de 2010, os acionistas da Requerente deliberaram nomear, para o mandato de 2010-2012, como administradores da sociedade, G..., como Presidente, e E..., F..., H... e I..., Vogais;
9. essa escolha resultou da indicação, pela acionista D... SGPS, SA, de G... e H..., da indicação, pela acionista C..., SGPS, SA, de E... e F..., e da indicação, pelos acionistas minoritários, de I...;
10. a Requerente deliberou que a remuneração do administrador E... seria de 6.500,00€ e que a do administrador F... seria de 6.560,00€, acrescidas, anualmente, de um prémio de incentivo indexado à atividade desenvolvida pela requerente, no montante mínimo global não inferior a € 70.000,00;
11. a deliberação qualificou os serviços prestados pelos Administradores como de prestação de serviços e não de contrato de trabalho e foi ainda deliberado que a ora Requerente não suportaria quaisquer outros encargos, para além daquelas remunerações e prémios, designadamente com a Segurança Social;
12. em 31 de dezembro de 2010, a Requerente celebrou com a sua acionista D... um contrato de prestação de serviços técnicos de administração e gestão, pelo preço, mensal, de € 15.108,00 (quinze mil cento e oito euros) que lhe emitiu, no âmbito desse contrato, as seguintes faturas:
13. aquelas faturas respeitam aos serviços prestados pelo Administrador Único da D... no exercício do cargo de Presidente do Conselho de Administração da Requerente, para o qual fora nomeado, cujos remunerações e despesas aquela D... suportou;
14. Requerente contabilizou aquelas faturas emitidas pela D..., registou o gasto na conta 62 - Fornecimentos e Serviços Externos e considerou-o como custo para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC;
15. a Requerente contabilizou o IVA na conta “243 - IVA dedutível”, abateu-o ao imposto liquidado nas suas operações a jusante e apurou o IVA a pagar em cada um dos períodos respetivos;
16. o administrador da Requerente E... era o único sócio e gerente da sociedade denominada J... Unipessoal Lda., sociedade unipessoal por quotas, com o numero ... de pessoa coletiva e de matricula na CRC, com sede no ..., n.º..., ..., Lisboa, que tinha por objeto “a prestação de serviços de consultoria a empresas, prestação de serviços de consultoria de energias renováveis e prestação de serviços de consultoria de desenvolvimento de projetos ”;
17. em 16 de março de 2010, o administrador E..., em nome e representação da sociedade J... Unipessoal Lda., celebrou com a Requerente um contrato de prestação de “serviços de consultoria, compreendendo os serviços de administração e gestão empresarial”;
18. tais serviços correspondiam aos que cabiam ao dito E... em consequência da sua designação como administrador da Requerente;
19. aquela sociedade J..., no âmbito do referido contrato de prestação de serviços, emitiu, à Requerente, com referência aos anos de 2011 e 2012, as faturas que constam do quadro seguinte:
20. a Requerente contabilizou as faturas emitidas pela J..., Lda., registou o gasto na conta 62 - Fornecimentos e Serviços Externos e considerou-o como custo para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC;
21. a Requerente contabilizou o IVA na conta “243 - IVA dedutível”, abateu-o ao IVA liquidado nas suas operações a jusante e apurou o IVA a pagar em cada um dos períodos respetivos;
22. por deliberação social de 04 de julho de 2013, foi designado o novo conselho de administração da Requerente e E... não foi reconduzido no cargo;
23. cessadas as funções do administrador E..., cessou também o contrato de prestação de serviços outorgado com a sociedade J... Lda.;
24. o administrador da Requerente F... era o único sócio e gerente da sociedade denominada “K... Unipessoal Lda.”, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ... ...-... Lisboa, que tinha por objeto social “a prestação de serviços de consultoria a empresas, prestação de serviços de consultoria de energias renováveis e prestação de serviços de consultoria de desenvolvimento de projetos”;
25. em 16 de março de 201, o administrador F..., em nome e representação da sociedade K... Unipessoal Lda., celebrou com a Requerente um contrato de prestação de “serviços de consultoria, compreendendo serviços de administração e gestão empresarial”;
26. tais serviços correspondiam às funções que cabiam a K... enquanto administrador da Requerente;
27. a sociedade K..., no âmbito do referido contrato de prestação de serviços, emitiu à Requerente, com referência aos anos de 2011 e 2012, as faturas que constam do quadro seguinte:
28. a Requerente contabilizou as faturas emitidas pela K..., Lda., registou o gasto na conta 62 - Fornecimentos e Serviços Externos e considerou-o como custo para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC;
29. a Requerente contabilizou o IVA na conta “243 - IVA dedutível”, abateu-o ao IVA liquidado nas suas operações a jusante e apurou o IVA a pagar em cada um dos períodos respetivos;
30. por deliberação social de 4 de julho de 2013 foi designado o novo conselho de administração da Requerente e o administrador F... não foi reconduzido;
31. com a cessação de funções de administrador F..., cessou o contrato de prestação de serviços outorgado entre a Requerente e a sociedade K...;
32. cada um dos administradores, G..., E... e F..., exerceu, de facto, as funções inerentes ao cargo para que foram designados, i.e., a administração da sociedade;
33. as funções de governação da Requerente, exercidas, de facto, pelos referidos administradores, foram remuneradas ao abrigo dos contratos de prestação de serviços outorgados com cada uma das sociedades de que aqueles eram os sócios gerentes, únicos;
34. em 2011 a Requerente contratou com a sociedade L..., Unipessoal Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., ..., n.º..., ... ...-... Lisboa, representada pelo sócio único e gerente M... a prestação de serviços de avaliação do potencial do mercado brasileiro com vista a sua internacionalização, pelo preço global de € 31.578,00;
35. a sociedade L..., Lda., no âmbito do referido contrato, emitiu à Requerente as faturas nas datas e montantes seguintes:
36. a Requerente contabilizou as faturas emitidas pela L..., Lda., registou o gasto na conta 62 - Fornecimentos e Serviços Externos e considerou-o como custo para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC;
37. a Requerente contabilizou o IVA na conta 243 - IVA dedutível, abateu-o ao IVA liquidado nas suas operações a jusante e apurou o IVA a pagar em cada um dos períodos respetivos;
38. ao abrigo das ordens de serviço n.º OI 2015... e OI 2015... a AT levou a efeito um procedimento inspetivo, de natureza externa e de âmbito geral, aos exercícios de 2011 e 2012, com início em 21 de julho e termo a 13 de novembro de 2015;
39. do Relatório da Inspeção Tributária, notificado à Requerente em 13 de novembro de 2015, consta:
«No decurso do procedimento inspetivo verificamos que o sujeito passivo, nos anos em apreço, deduziu o imposto constante nos documentos identificados nos quadros a seguir apresentado.
K... Unipessoal, Lda. - (quadro com a relação das faturas emitidas no ano de 2011 e 2012),
………….
J... Unipessoal, Lda. -(quadro com a relação das faturas emitidas no ano de 2011 e 2012)
…………
L..., Unipessoal, Lda. -(quadro com a relação das faturas emitidas no ano de 2011)
D... SGPS SA - (quadro com a relação das faturas emitidas no ano de 2011 e 2012)
………………
Relativamente a estes documentos, a sociedade foi notificada, na pessoa do gerente H..., para dizer em que consistiram os serviços especificados e justificar comprovadamente a indispensabilidade dos mesmos (anexo 3). Na data indicada na notificação o sujeito passivo não apresentou evidências que permitam concluir da indispensabilidade destes gastos na atividade produtiva da empresa, conforme relatado nos subpontos do capítulo atividade do presente relatório.
Em face do exposto concluímos que os serviços descritos nas referidas faturas não contribuem para a realização das operações elencadas no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, pelo que se conclui que o imposto mencionado naqueles documentos foi indevidamente deduzido.
Assim, o total do imposto em falta nos cofres do Estado é de € 151.902,70, (€ 99.451,24 em 2011 e € 52.451,46 em 2012), conforme se discrimina nos quadros que passamos a apresentar:»
40. o imposto considerado indevidamente deduzido respeita às faturas emitidas pelas entidades, nos períodos e montantes seguintes:
41. o IVA excluído do direito à dedução deu origem às liquidações de impostos e juros com emissão das correspondentes demonstrações de acerto de contas e a redução do crédito a reportar que Requerente apurou nas declarações periódicas apresentadas para cada um dos períodos de imposto em causa;
42. a Requerente, notificada das liquidações de imposto e juros compensatórios resultantes daquelas correções, procedeu ao respetivo pagamento voluntário;
43. a Requerente apresentou, a 30 de dezembro de 2018, um pedido de revisão oficiosa daqueles atos tributários, que foi autuado com o número ...2018...;
44. a 16 de julho de 2020 foi proferido despacho de indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa, que foi notificado ao Mandatário da Requerente por carta registada que lhe foi remetida a 24 de julho desse ano.
Factos não provados
Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações da Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta quer por ambas e, bem assim, pelo Processo Administrativo, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.
5. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS
Conforme referido supra, a pretensão da Requerente tem como objeto imediato a apreciação do pedido de revisão oficiosa.
No que se refere a IVA, circunscreve-se à dedutibilidade do próprio imposto que onerou a aquisição a montante dos serviços que foram contratados.
No presente processo, apenas compete apreciar os atos de liquidação adicional de IVA, que constituem o objeto do presente pedido de revisão e aferir a dedutibilidade do IVA suportado pela Requerente na aquisição da “prestação de serviços de consultadoria”, “prestação de serviços de apoio na implementação de projetos”, e “Projeto para avaliar o potencial do mercado brasileiro”, no âmbito da admissibilidade de tal pedido, à luz dos pressupostos do regime de revisão consagrado no artigo 78.º da LGT.
Na verdade, constitui requisito indispensável daquele pedido o “erro imputável aos serviços”, erro que concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, devendo ainda tal erro revestir caráter relevante, gerando um prejuízo efetivo em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte.
Para efeitos de aplicação do n.º 4 do art.º 78.º da LGT, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade (n.º 5 do art.º 78.º).
Por “grave” deve considerar-se aquela situação de injustiça que lese fortemente os interesses do sujeito passivo, designadamente quando a matéria coletável for marcadamente exagerada e desproporcionada com a realidade em termos de poder causar perturbações na vida do sujeito passivo.
Ora, estas considerações conduzem-nos necessariamente à análise do objeto mediato do pedido de pronúncia, ou seja, às condições de exercício do direito à dedução do IVA e dedutibilidade do imposto contido nas faturas emitidas pelas empresas de consultoria de modo a poder determinar o eventual erro dos serviços e a ausência de negligência do sujeito passivo .
E, no que respeita a tal objeto mediato, analisando mais detalhadamente os fundamentos do pedido de pronúncia formulado pela Requerente, são na verdade três as questões a decidir:
i. preterição de formalidades essenciais por ausência de fundamentação substantiva e consequente ilegal inversão do ónus da prova;
ii. erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
iii. inexistência do facto tributário.
Cumpre, portanto, apreciar e decidir.
Da preterição de formalidades essenciais por ausência de fundamentação substantiva e consequente ilegal inversão do ónus da prova
Alega a Requerente, a esse propósito, que os atos tributários controvertidos são ilegais por vicio de fundamentação substantiva ou material, porquanto a AT não especificou que métricas deveria a Requerente apresentar para provar que os serviços técnicos de administração e gestão debitados pela sociedade mãe – a D... SGPS, SA – e os serviços de administração e gestão prestados pelos administradores E... F... e debitados pelas sociedades – J... e K...– de que são, respetivamente os seus sócios únicos e gerentes, foram prestados no interesse, no âmbito da atividade económica da Requerente integrando os custos de funcionamento repercutidos no preços dos bens produzidos e serviços prestados.
No que não parece ao Tribunal assistir-lhe razão.
Na verdade, como bem resulta da vasta doutrina e jurisprudência que a própria Requerente cita, a fundamentação do ato administrativo em matéria tributária deve conter elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do ato perceber o iter decisório da AT de modo ao permitir ao sujeito passivo afetado a sua compreensão e consequente reação.
Ora, no caso concreto, o iter decisório da AT afigura-se absolutamente claro e resulta, sobretudo, manifesto que a Requerente foi capaz de o compreender e de cabalmente reagir contra ele, quer no pedido de revisão oficiosa quer neste processo arbitral.
Na verdade, a Requerente parece confundir a sua discordância com os fundamentos da liquidação invocados pela AT com a falta de fundamentação dos atos de liquidação, o que, aliás, acaba por revelar.
Veja-se como conclui a Requerente a propósito desta questão: Não existem os pressupostos reais os motivos concretos suscetíveis de suportarem a decisão de limitação do direito à dedução do IVA contido nas faturas emitidas por cada uma das entidades prestadoras de serviços no e para o exercício da atividade económica da Requerente e, consequentemente, termina, os atos tributários controvertidos são ilegais por preterição de formalidades essenciais – ausência de fundamentação substantiva.
A Requerente alega ainda outro facto que, no seu entender, configuraria preterição de formalidade essencial: a falta de prova da existência do facto tributário.
Formalidades são os trâmites que a lei manda observar com vista a garantir a correta formação da decisão administrativa ou o respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares. Em princípio, todas as formalidades prescritas por lei são essenciais, pelo que a sua não observância tem como consequência a ilegalidade do ato administrativo, com algumas exceções que a própria lei prescreve.
No entanto, a questão do ónus da prova da indispensabilidade dos custos e do direito à dedução do IVA relativa às faturas em crise não é subsumível a uma alegada preterição de uma qualquer formalidade essencial. Sendo, é verdade, questão de relevo para a discussão sobre a legalidade das liquidações em crise, é de carácter material e não formal.
Não se afigura, pois, ao Tribunal que tenha havido preterição de quaisquer formalidades essenciais ou que haja ausência ou vício da fundamentação dos atos sobre os quais a Requerente pede a pronúncia arbitral, pelo que improcedem essas alegações da Requerente.
Erro sobre os pressupostos de facto e de direito
A Requerente entende que os atos tributários controvertidos são ilegais por errada perceção da realidade por parte da AT e consequentemente erro sobre os pressupostos de facto e, por outro lado, que a valoração jurídica de factos se mostra desconforme com a realidade.
Entende que essa errada perceção da realidade dos factos decorre da exigência que lhe faz a AT de apresentação de “evidências do trabalho desenvolvido, métodos de controlo da prestação de serviços efetuada e identificação e apresentação do resultado final” como pressuposto da dedução dos gastos para efeitos de IRC e do IVA.
Questão que, agora sim, contende com o ónus da prova da indispensabilidade dos custos e do direito à dedução do IVA.
No que respeita ao ónus da prova do requisito da indispensabilidade do custo, a questão é clara na lei.
O artigo 74.º, n.º 1, da LGT prescreve que o ónus da prova sobre os factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque.
Ainda que seja verdade que a escrita corretamente organizada goza de uma presunção de veracidade, a questão da veracidade não se confunde com a da relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, pelo que, no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, na medida em que é esse o requisito exigido pelo CIRC para a qualificação que a Requerente pretende – custo dedutível.
O mesmo se dirá quanto ao IVA: o regime das deduções é o que consta dos artigos 19.º e seguinte e o ónus da prova de que estão cumpridos os requisitos de que depende o direito à dedução recai sobre o sujeito passivo que pretende deduzi-lo.
O §2 do n.º 2 do artigo 1.º, e em sua concretização, os artigos 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112/ CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (a Diretiva do IVA), dão expressão legal a este direito, tendo o legislador português transposto essas normas aos artigos 19.º e ss. do Código do IVA.
Dessas normas e da respetiva transposição resulta claro que o exercício do direito à dedução do IVA pago nas operações de aquisição de bens e serviços a sujeitos passivos não é um direito livre ou incondicionado, dependendo antes da verificação de determinados requisitos.
O legislador consagrou, no artigo 19.º do Código do IVA, o princípio da dedutibilidade de todo o imposto suportado na aquisição de bens e serviços produtivos que tenha originado liquidação a jusante.
O art.º 20.º do Código do IVA estabelece a distinção entre operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem tal direito. Consagra, bem assim, limitações ao direito à dedução ao determinar que o sujeito passivo só pode deduzir o imposto que tenha suportado na aquisição, importação ou utilização de bens e serviços desde que essas aquisições contribuam para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas.
Com a referida disposição pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se o custo desses bens e serviços for repercutido nas receitas objeto de tributação a jusante.
A al. a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA confere o direito à dedução do IVA suportado a montante na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis.
Só os bens e serviços adquiridos para utilização efetiva na atividade tributada do sujeito passivo é que conferem direito à dedução.
O direito à dedução pode, ainda assim, ser recusado quando se demonstrar, com base em elementos objetivos, que esse direito é invocado de maneira fraudulenta ou abusiva .
O TJUE tem insistido em que o direito à dedução depende, em primeira linha, da existência de uma relação direta e imediata dos bens e serviços adquiridos com o conjunto da atividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo. Numa segunda linha, é preciso que exista também uma relação especifica entre o bem ou o serviço adquirido e aquelas operações que, enquadradas na atividade global do mesmo sujeito passivo, podem classificar-se estritamente como operações tributáveis.
Mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com o direito à dedução, o TJUE admite igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo.
Ora, os serviços que vêm descritos na matéria de facto não podem qualificar-se como despesas gerais da Requerente, não tendo uma relação direta e imediata com o conjunto da sua atividade económica de forma a justificar a dedução do respetivo IVA, uma vez que a existência dessa relação pressupõe a incorporação do seu custo nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas atividades económicas, de produção, venda, montagem e serviço pós venda de instalações e despoeiramento industrial, recuperação de energia a partir de biomassa e secagem de madeira.
O que não se verifica no caso em apreço. Na verdade, o que resulta claro é que não existe uma conexão entre as despesas incorridas com as aquisições dos referidos serviços e a atividade económica realizada pela empresa (CAE 25210 – Fabricação de caldeiras e radiadores para aquecimento central; 28250 – fabricação de equipamento não doméstico para refrigeração e ventilação; 33200 – instalação de máquinas e de equipamentos industriais).
Tendo presente o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, conclui-se que o imposto suportado pela Requerente com aqueles serviços foi indevidamente deduzido, não sendo possível reconhecer qualquer erro imputável aos serviços na emissão dos atos tributários controvertidos nem existindo, portanto, uma situação de injustiça grave ou notória. Não há, portanto, qualquer ilegalidade a apontar à decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Dito isto, a verdade é que a Requerente alega que o suposto erro da AT - que já se deixou claro que não existe - consistirá numa errada perceção da realidade, perceção que a Requerente, por todos os meios ao seu alcance – incluindo a prova testemunhal que requereu nestes autos e que se considerou dispensável, nos termos já explicitados no Relatório desta – procura alterar.
O que resulta, porém, manifesto de todas as vastas alegações factuais da Requerente e da prova que ela própria junta é uma errada qualificação jurídica do vínculo dos órgãos sociais à sociedade e do tratamento fiscal das respetivas remunerações e despesas. E esta errada qualificação jurídica é inteiramente imputável ao sujeito passivo, se não a título doloso, ao menos, negligente.
Na verdade, ao contrário do que parece pretender a Requerente, um membro de um órgão social – no caso, um administrador – não tem com a sociedade que administra um contrato de trabalho nem pode com ela celebrar um contrato de prestação de serviços, ao menos um contrato de trabalho ou de prestações de serviços cuja obrigação – de meios ou de resultado, conforme o tipo contratual – sejam os deveres que a lei lhe impõe enquanto administrador.
A doutrina, aliás, costuma qualificar esse vínculo como um mandato, ainda que sui generis, que, tendo origem contratual - porque resulta de um conjunto de acordos de vontades – tem um tratamento legal imperativo.
Este tratamento é o que resulta, em termos gerais, do artigo 64.º do CSC e, relativamente às sociedades anónimas, como é a Requerente, nos artigos 390.º e ss., normas que estabelecem um conjunto de deveres de atuação e conferem um conjunto de poderes deveres, ou poderes funcionais, porque adstritos ao cumprimento de obrigações legal e estatutariamente definidas.
Trata-se, naturalmente, de um mandato intuito personae que - sem prejuízo de alguns casos de delegação previstos na lei, não pode ser objeto de cessão a terceiros.
Aliás, os negócios celebrados entre a Requerente e aquelas identificadas sociedades e as funções que os identificados administradores simultaneamente exerciam nas duas parecem ao Tribunal – ainda que, mais uma vez, não tenha sido chamado a pronunciar-se sobre isso - incompatíveis com o disposto nos artigos 397.º e 398.º do CSC.
A Requerente, na verdade, alegou, deixou claro e fez prova de que celebrou com entidades terceiras, com relações especiais, é verdade, mas ainda assim estranhas às pessoas singulares que tinham sido nomeadas administradoras, contratos que transferiam para aquelas sociedades as funções de administração.
Por via desses contratos, transferiu também para essas sociedades os custos daquelas administrações, quer do ponto de vista das remunerações e da maior parte das despesas, como do ponto de vista – como a Requerente confessa, aparentemente sem pudor, dos encargos com a Segurança Social, obtendo neste último caso, ao concentrar numa única sociedade as obrigações contributivas relativas aos administradores que eram simultaneamente gerentes de outra, significativa poupança.
O Tribunal não pode, já o disse, pronunciar-se, porque não tem competência nem foi chamado a isso, sobre a eventual violação dos artigos 397.º e 398.º do CSC, sobre uma possível simulação e que, aliás, excluiria expressamente o direito à dedução do IVA; como não se pode pronunciar, pelas mesmas razões, sobre a possibilidade de os factos que a Requerente aqui relata integrarem ilícito criminal.
Mas sempre dirá, por que a isso foi chamado e está no âmbito da sua competência material, que na interpretação das normas fiscais, diz a LGT, prevalece o princípio da substância sobre a forma.
Na forma que a Requerente adotou, os administradores eram prestadores de serviço, remunerados ao abrigo de contratos celebrados com várias sociedades.
Na substância eram o que não podiam deixar de ser: membros dos órgãos sociais, cujas obrigações e forma de remuneração estão reguladas no Código das Sociedades Comerciais, tratada no Código do IRS por equiparação ao trabalho dependente e sujeita às contribuições e quotizações que o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social prevê.
Tem, portanto, toda a razão a AT quando afirma que a Requerente não apresentou as evidências do trabalho desenvolvido, métodos de controlo da prestação de serviços efetuada e identificação e apresentação do resultado final, subsumível num perfil lucrativo.
Não o fez, nem podia fazê-lo, apesar de toda a prova que, de facto, trouxe aos autos, porque os serviços que diz que aquelas sociedades lhe prestaram jamais poderiam por elas ser prestados, ao menos ao abrigo dos contratos que a Requerente alegou e provou ter celebrado.
Não se trata, note-se, de não terem os administradores da Requerente exercido, de facto, as funções de administração para as quais foram nomeados. Esse exercício não foi controvertido pela Requerida e foi aqui dado, aliás, como provado.
É exatamente porque foram eles quem exerceu essas funções e porque, na verdade, não poderiam ter sido outras pessoas a exercê-las, que as faturas emitidas pelas sociedades para as quais a Requerente quis transferir os custos não podem ser considerados indispensáveis à luz do CIRC, nem conferem o direito à dedução à luz do CIVA.
Da matéria de facto apurada, resulta que não existe um motivo económico válido, uma justificação razoável, motivos de caráter económico e financeiro que justifiquem os negócios celebrados entre a Requerente e as referidas sociedades.
Esses negócios relevam-se inúteis para a vida da empresa, para o seu funcionamento e gestão.
Não foram demonstradas pela Requerente quaisquer razões válidas para a celebração dos contratos pelos quais a Requerente transferiu para essas sociedades os custos daquelas administrações que eram da responsabilidade dos seus administradores e que, como resulta da matéria de facto apurada, eram desnecessários, sem qualquer motivo económico válido que justifique esse tipo de operações anómalas.
Pelo que também aqui improcedem os argumentos da Requerente.
Antes de analisar o último dos argumentos invocados pela Requerente, há que emitir pronúncia sobre os factos alegados pela Requerente quanto ao contrato celebrado com a sociedade L..., Unipessoal, Lda.
Na verdade, apesar de virem alegados no pedido de pronúncia arbitral e de, porque não foram controvertidos, terem sido julgados provados, não se vê que ligação ou relevância têm para os autos, exceto na medida em que farão parte do elenco de valores cujo direito à dedução do IVA a AT não aceitou.
A Requerente nada alega no seu pedido quanto a esses gastos que permita ao Tribunal apreciar o direito à dedução em IVA e a consequente legalidade dos atos de liquidação no que a esses valores respeita, pelo que também atentas as regras do ónus da prova – e, aliás, de alegação, que lhe é prévio - improcede o argumento da Requerente.
Inexistência do facto tributário
A Requerente alega ainda que o facto tributário não existe, porque da matéria de facto provada, resulta que a “situação de facto concreta” não é suscetível de afetar o direito da Requerente à dedução do IVA suportado com a aquisição de serviços cujo custo integra o preço do bens e serviços produzidos e prestados. E que considerando, como refere Alberto Xavier que o ato tributário pressupõe sempre a existência de um facto que a lei tipifica como tributário, inexistindo este, o ato controvertido é ilegal por inexistência do facto tributário.
Parece ao Tribunal que a Requerente confunde, mais uma vez, a sua discordância com os atos que aqui estão em crise, com a validade desses atos.
Dúvidas não podem restar de que os atos de liquidação de imposto e o indeferimento do pedido de revisão oficiosa constituem atos tributários. Aliás, de outra forma não caberiam na competência que a lei confere ao CAAD e não poderiam estar aqui a ser discutidos. E que os factos que lhes deram origem – os contratos, as faturas, os pagamentos, a dedução dos custos nas declarações de IRC, a dedução do IVA nas declarações de IVA, são factos que se encontram com normas de incidência em matéria tributárias e são, como tal, indubitavelmente factos tributários, geradores, neste caso, de obrigações de imposto.
Há, de facto, segundo alguma doutrina e apesar de a lei não aludir de forma clara a eles , atos administrativos – também em matéria tributária – que têm um vício tão grave que, mais do que nulos ou anuláveis, são inexistentes.
A Requerente não alega, porém, nenhum vício capaz de tão grave consequência e o vício que aqui aponta aos atos em crise é, na verdade, a violação de lei e é gerador apenas de anulabilidade.
É verdade que não se deve confundir atos administrativos inexistentes, porque viciados, com a inexistência de ato administrativo. Não se descortina exatamente a qual destas duas diferentes situações a Requerente quer fazer referência, mas sempre se dirá que, sendo esta segunda, também não lhe pode assistir razão. Há, de facto, atos administrativos – cuja validade pode ser discutível, mas que foram praticados – e que são precisamente aqueles que a Requerente coloca em crise.
Improcedendo a alegação de inexistência, em qualquer das possíveis interpretações, resta decidir sobre o pedido que é, afinal, note-se, apenas o de anulação dos atos em crise.
Acontece, porém, que, pelas razões que se deixaram apontadas, são legais as liquidações em crise e não merece censura a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Sendo legais as liquidações em crise, improcede o pedido de anulação. No que respeita aos pedidos de condenação do reembolso das quantias pagas, bem como de juros indemnizatórios e compensatórios que a Requerente formula, sempre se dirá que a Requerente parece confundir, quanto a estes últimos, o regime dos juros na relação jurídica tributária, mas que fica a necessidade de maior apreciação prejudicada pela improcedência do pedido de anulação.
EM CONCLUSÃO:
As pessoas singulares, titulares de cargos de administração, identificadas no pedido de pronúncia arbitral, integraram, no período em crise, órgão executivo da sociedade A..., SA, aqui Requerente.
Em consequência, desempenharam as correspondentes funções em nome e por conta dessa sociedade, no quadro dos poderes funcionais (poderes-deveres) que lhes são conferidos pela lei e pelos estatutos da sociedade.
Em contrapartida, esta sociedade tinha o dever de lhes pagar a respetiva remuneração (contrapartida/sinalagma), nos termos do artigo 429.º do CSC.
As remunerações dos órgãos sociais não são abrangidas pelas normas de incidência do CIVA (artigo 1.º a 8.º do CIVA).
A sociedade Requerente não conseguiu demonstrar nestes autos a racionalidade económica ou a criação de valor derivados dos negócios jurídicos celebrados, que consistiram na criação de sistema anómalo de pagamento indireto da remuneração dos seus administradores através de sociedades terceiras onde as mesmas pessoas singulares eram também gerentes/administradores.
Criaram, assim, a Requerente e as sociedades envolvidas, um sistema artificial puramente nominal/semântico, que transformou essas remunerações em prestações de serviços sujeitas a IVA e que visava, além de outra poupança fiscal, permitir à sociedade Requerente deduzir o IVA pago a montante e incluído nas faturas das outras sociedades.
Porém, dado que a sociedade Requerente não demonstrou a efetividade, pertinência e relevância dessa operação jurídica para a sua atividade económica, para além da poupança que com isso visava, não é possível a dedução do IVA incluído nas respetivas faturas, de acordo com os artigos 19.º e ss. do CIVA.
Os vícios que a Requerente aponta aos atos em crise nada mais são, na verdade, do que a sua discordância com a decisão da AT.
Não há qualquer erro, muito menos imputável à AT, que justificasse decisão diversa do pedido de revisão oficiosa.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:
Julgar totalmente improcedentes os pedidos da Requerente, com as consequências que da lei decorrem.
* * *
Fixa-se o valor do processo em 175.405,94€ (cento e setenta e cinco mil quatrocentos e cinco euros e noventa e quatro cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.
O montante das custas é fixado em 3.672,00€ (três mil e seiscentos e setenta e dois euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, que ficam totalmente a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT, 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Lisboa e CAAD, aos 16 de junho de dois mil e vinte e um.
Notifique-se.
Os Árbitros,
(Manuel Macaísta Malheiros)
(Luís Menezes Leitão)
(Eva Dias Costa)