Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 199/2020-T
Data da decisão: 2021-06-04  IRS  
Valor do pedido: € 46.788,88
Tema: IRS – audiência prévia à liquidação – fundamentação do acto – determinação da residência fiscal – aplicabilidade do artigo 27º do EBF
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DECISÃO ARBITRAL

Requerente – A……

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 6 de Agosto de 2020, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A….., contribuinte nº ………., residente na Calle …………, em Espanha (adiante designado por “Requerente”), apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 25 de Março de 2020, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        O Requerente, tendo sido notificado da liquidação de IRS nº 2017 ………., referente ao imposto do ano de 2013, e dos respectivos juros compensatórios (liquidação nº 2017 ……..), efectuou o pagamento do seu valor total (EUR 46.788,88), dentro do prazo para pagamento voluntário.

 

1.3.        Contudo, por não concordar com as referidas liquidações, apresentou Reclamação Graciosa contra as liquidações identificadas, a qual veio a ser indeferida por despacho de 26/12/2019.

 

1.4.        Na sequência deste indeferimento, o Requerente interpôs Pedido de Pronúncia Arbitral peticionando que “deve ser revogada a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e deve ser anulada a liquidação (…) identificada, (…), com fundamento (….) na falta de audição prévia, como violação do princípio da participação; (…) na falta de fundamentação total da liquidação; (…) na não aplicação da isenção prevista no artigo 27.2 do EBF; na inexistência de rendimentos tributáveis, logo, na errónea quantificação da matéria colectável”, concluindo que “deve ser determinada a devolução (…) do valor do imposto (…) pago acrescido de juros indemnizatórios (…) desde a data do respetivo pagamento (…) até a data de efectiva restituição por parte da AT”.

 

1.5.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 26 de Março de 2020 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.6.        Em 7 de Julho de 2020, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.7.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.8.        Em 6 de Agosto de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.9.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.10.      A Requerida não apresentou Resposta nem juntou aos autos cópia do processo administrativo, no prazo referido no ponto anterior.

 

1.11.      Por despacho arbitral de 16 de Outubro de 2020 foi o Requerente notificado para, no prazo de cinco dias, vir dizer se mantinha o interesse na inquirição da testemunha indicada no Pedido Arbitral e, em caso afirmativo, indicar a matéria sobre a qual a pretendia inquirir.

 

1.12.      Adicionalmente, no mesmo despacho mandou-se notificar a Requerida para, no mesmo prazo, anexar aos autos cópia do processo administrativo.

 

1.13.      O Requerente, em requerimento datado de 21 de Outubro de 2020, veio informar o Tribunal Arbitral de que mantinha o interesse na inquirição da testemunha arrolada e veio indicar que pretendia que a mesma fossa inquirida relativamente aos factos constantes dos artigos 25º a 33º, 37º a 40º e 47º a 51º do pedido inicial.

 

1.14.      Em 23 de Outubro de 2020, o Tribunal Arbitral notificou ambas as Partes do despacho (de 21 de Outubro de 2020) com o seguinte teor:

 

“Com a necessidade de aplicação das medidas de precaução recomendadas pela Direcção Geral de Saúde, em matéria de COVID-19, e atentas as especificidades da jurisdição arbitral tributária (nomeadamente, dever de celeridade na realização da justiça) com respeito à realização dos fins próprios da jurisdição arbitral tributária, tornou-se necessário adequar as normas processuais previstas na legislação geral, às especificidades daquela jurisdição, nomeadamente, flexibilizando e agilizando a realização das reuniões a que alude o disposto no artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), através da sua realização por meio de teleconferência.

Nestes casos, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 6º-A da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, as testemunhas deverão prestar depoimento nas instalações do CAAD, em Lisboa ou no Porto, na presença de colaboradores do Centro, a não ser que se incluam no grupo de risco previsto no nº 4 do mesmo artigo 6º-A.

Neste âmbito, o período de suspensão de realização de diligências durante quase três meses resultante da aplicação do artigo 7º da referida Lei nº 1-A/2020 teve como consequência a acumulação das reuniões que são necessárias realizar sendo que o CAAD passou a não ter disponibilidade para agendar mais do que uma reunião presencial por dia, o que tem gerado grandes dificuldades de agendamento das referidas reuniões, tarefa que já se revela impossível para os próximos meses de Novembro e Dezembro de 2020.

Ao acima referido somam-se ainda as dificuldades de conciliação de agendas entre os vários participantes processuais.

Ora, tendo em consideração o requerimento apresentado, em 21 de Outubro de 2020, pelo Requerente, a confirmar a manutenção do interesse na inquirição da testemunha indicada no Pedido Arbitral, quanto aos factos constantes dos artigos 25º a 33º, 37º a 40º e 47º a 51º daquele pedido, com o objectivo de evitar dificuldades no agendamento da reunião por (por teleconferência) a que alude o artigo 18º do RJAT, ao abrigo do disposto nos artigos 16º, alíneas c), e) e f), e 29º, número 2, ambos do RJAT, notificam-se as Partes para, no prazo de 5 dias:

- indicarem três datas do mês de Janeiro de 2021 em que têm disponibilidade para participar na referida reunião, por teleconferência, devendo nas datas que forem indicadas pelas Partes estar também assegurada a disponibilidade da testemunha arrolada (pelo Requerente), para prestar depoimento, no CAAD, nas instalações de Lisboa ou do Porto;

- informarem se se opõem a que as declarações da testemunha a inquirir sejam prestadas, também elas, por teleconferência;

- informar se a testemunha a inquirir goza do direito de não deslocação previsto no nº 4 do artigo 6º-A da Lei nº 1-A/2020 e pretende exercê-lo (neste caso, deverá ser apresentada, pela parte arrolante, a comprovação prevista nesta norma)”.

 

1.15.      Em 27 de Outubro de 2020, o Requerente veio apresentar requerimento no sentido de indicar as datas, em Janeiro de 2021 nas quais tinha disponibilidade para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT (“qualquer dia de 19 a 28 de Janeiro, inclusive nestas datas”) e referir que quanto à inquirição da testemunha por si arrolada, esta fosse feita, preferencialmente, nas instalações do CAAD no Porto, referindo ainda não se opor a que as declarações fossem prestadas por videoconferência. Quanto ao seu mandatário, referiu que o mesmo estava disponível para comparecer presencialmente ou participar por videoconferência.

 

1.16.      Em 30 de Outubro de 2020, a Requerida veio apresentar requerimento no sentido de referir que nada tinha a opor às datas indicadas pelo Requerente e que não se opunha à inquirição da testemunha apresentada pelo Requerente por teleconferência. Adicionalmente, referiu ainda a Requerida que o seu Jurista tinha preferência na sua participação na reunião a que alude o artigo 18º do RJAT através de videoconferência.

 

1.17.      Por despacho arbitral datado de 30 de Outubro de 2020, foi agendada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT para o dia 19 de Janeiro de 2021, pelas 14:30 horas, nos seguintes termos.

 

“O árbitro do tribunal arbitral singular, o mandatário do Requerente e os representantes da Requerida participarão da reunião agendada, em conformidade com a vontade expressada nos requerimentos (…) por teleconferência, seguindo, oportunamente, as indicações e recomendações emanadas pelo CAAD para o efeito. A testemunha, cuja comparência deverá ser assegurada pelo Requerente, prestará depoimento nas instalações do CAAD, no Porto, sendo as suas declarações recolhidas por videoconferência”.

 

1.18.      Em 19 de Janeiro de 2021 foi realizada à distância, via CISCO WEBEX MEETINGS, a reunião arbitral para inquirição da testemunha arrolada pelo Requerente, com gravação da mesma, facto com o qual todos os que nela participaram concordaram, tendo sido lavrada a corresponde acta, que faz parte integrante do presente processo.

 

1.19.      No âmbito da referida reunião, dado que as Partes não prescindiram da apresentação de alegações escritas, o Tribunal notificou o Requerente e a Requerida para apresentarem, de modo sucessivo, alegações escritas no prazo de 15 dias.

 

1.20.      Adicionalmente, foi prorrogado por mais dois meses o prazo do procedimento arbitral, nos termos do disposto no artigo 21º do RJAT e agendada a prolação da decisão arbitral até ao termo daquele prazo (ou seja, até 06 de Abril de 2021).

 

1.21.      Por último, o Tribunal advertiu o Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 5 de Março de 2021).

 

1.22.      Em 26 de Janeiro de 2021, a Requerida apresentou requerimento no sentido de requerer que “atendendo à atual pandemia Covid 19 não é possível, tendo em conta a escassez de recursos humanos, aos serviços remeterem o processo administrativo no prazo ora estabelecido de 5 dias”, “pelo que atendendo à situação ora referida se requer a prorrogação do prazo por 5 dias, comprometendo-se (…) ao seu envio, não obstante as possíveis suspensões que legalmente surjam no decurso deste”.

 

1.23.      Por despacho arbitral de 26 de Janeiro de 2021, este Tribunal Arbitral autorizou a prorrogação “(…) por mais cinco dias do prazo para apresentação do Processo Administrativo (PA), (…) sem prejuízo da eventual suspensão dos prazos judiciais que, entretanto, possa surgir. Os prazos para alegações, referidos na ata da reunião do passado dia 19/01 terão início no termo do novo prazo para apresentação do PA”.

 

1.24.      A Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro veio aditar o artigo 6º-B (Prazos e Diligências) à Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, sendo que o nº 1 e nº 3 daquele artigo vieram prever que “são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos (…) tribunais arbitrais (…)”, sendo que "são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados (…)”.

 

1.25.      Em 17 de Fevereiro de 2021, a Requerida anexou aos autos cópia do processo administrativo.

 

1.26.      Em 18 de Fevereiro de 2021, o Requerente apresentou requerimento no sentido de reclamar do processo administrativo anexado pela Requerida porquanto, segundo o Requerente, “(…) 1. O Processo Administrativo está incompleto. 2. O processo junto pela AT contém os fundamentos e a decisão da Reclamação Graciosa, mas não contém o articulado de Reclamação apresentada pelo Requerente, nem os documentos que a ela foram anexados; 3. São precisamente os documentos juntos pelo Requerente na sua Reclamação Graciosa que provam inequivocamente que o seu pai declarou todas as mais valias efectuadas com o movimento de títulos e que pagou o imposto respectivo. (…). 7. A AT  tem a obrigação de juntar aos autos o teor integral do requerimento de Reclamação Graciosa apresentada, sob pena de, por inversão do ónus da prova, os factos alegados nos artigos 47 a 56 do Requerimento Inicial”, requerendo o Requerente que “(…) a Fazenda Pública seja notificada para juntar aos autos a integralidade do Processo Administrativo, contendo o requerimento de Reclamação Graciosa e os seus documentos; - Que, o prazo para o requerente apresentar alegações se considere iniciado apenas a partir da notificação que lhe seja efectuada dessa junção, ou da não junção dentro do prazo que for consignado para tal”.

 

1.27.      A Requerida, em requerimento apresentado em 19 de Fevereiro de 2021, veio esclarecer que “(…) ao ter enviado o PA, ocorreu um erro no email, que, por lapso, a Requerida não notou”, mas “tendo consultado o processo, verificou-se que o ficheiro 17 foi enviado por email, mas não foi entregue no email do CAAD. (…). Neste sentido, vamos reenviar novamente o ficheiro 17, que corresponde à Petição da Reclamação Graciosa e dos correspondentes documentos”.

 

1.28.      Por despacho arbitral de 21 de Fevereiro de 2021, este Tribunal Arbitral veio referir a publicação do diploma acima identificado no ponto 1.24., mandando notificar ambas as Partes no sentido de que “(…) o prazo para alegações [fixado na reunião realizada em 19 de Janeiro de 2021], e sem prejuízo do disposto na Lei nº 4-B/2021, acima referida, irá começar a contar a partir da data da notificação da junção integral do processo administrativo”.

 

1.29.      Em 9 de Março de 2021, o Requerente apresentou as suas alegações escritas, no sentido de reiterar a argumentação apresentada no Pedido Arbitral, concluindo nos mesmos termos.

 

1.30.      Em 5 de Abril de 2021, na sequência da publicação da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril (que produziu efeitos a 6 de Abril de 2021), nos termos da qual se veio revogar o artigo 6º-B da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março (na redação dada pela Lei nº 4-B/2021 de 1 de Fevereiro), determinando assim o levantamento da suspensão dos prazos processuais aí referidos, o Tribunal Arbitral proferiu despacho no sentido de prorrogar “(…) por mais dois meses o prazo do procedimento arbitral, nos termos do disposto no artigo 21º do RJAT, de modo a decorrer o prazo de alegações da Requerida” e de esclarecer que “o prazo para prolação da decisão arbitral (que havia sido fixado até ao dia 6 de Abril de 2021) deverá, em consequência, entender-se como sendo fixado (…) até 6 de Junho de 2021”.

 

1.31.      A Requerida não apresentou alegações escritas.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        O Requerente começa por referir que lhe foi notificada pelo Ofício nº ……., datado de 12/12/2017, a “(…) liquidação de IRS nº 2017 ………. referente a IRS do ano de 2013, e juros compensatórios (liq. nº 2017 ………), que determinaram um valor adicional a pagar no montante de 46.788,88 € (…)”.

 

2.2.        Acrescenta o Requerente que dado que “a notificação da liquidação adicional não se fazia acompanhar de qualquer fundamentação (…)” e “(…) não foi notificado de qualquer Relatório de Inspeção Tributária, seja ela externa ou interna, nem de qualquer outro documento que justificasse uma correcção oficiosa”, “nem lhe foi apresentado qualquer projecto de decisão para efeitos de audiência prévia”, “(…) apresentou Reclamação Graciosa contra a liquidação ora impugnada (…) a qual foi indeferida por Despacho de 26/12/2019 (…)”.

 

Da falta de audição prévia

 

2.3.        Neste âmbito, refere o Requerente que “a liquidação impugnada foi uma completa surpresa (…) uma vez que não lhe foi concedido o direito de se pronunciar previamente, não lhe tendo sido notificado qualquer projecto de decisão a este propósito” pelo que entende que “ficou por isso prejudicado o princípio da participação expressamente consagrado no artigo 60º da LGT, com manifesta violação deste preceito legal”, o que “determina a anulação da liquidação por este motivo”.

 

Da falta de fundamentação

 

2.4.        Nesta matéria, reitera o Requerente que “(…) foi surpreendido com uma notificação da AT, indicando que tinha que pagar IRS referente a 2013, no montante de € 46 788,88, até ao dia 10 de janeiro de 2018”, “sem qualquer contacto prévio, sem qualquer explicação, (…)”, concluindo que “a emissão da liquidação em causa viola inequivocamente o dever de fundamentação dos atos tributários”, citando para este efeito o referido em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), relativo ao processo nº 01074/13, de 2 de julho de 2014, nos termos do qual “a Administração Tributária tem o dever de fundamentar os atos de liquidação oficiosa de tributos, em conformidade com a princípio plasmado no art. 268º da CRP ,acolhido nos arts. 125º do CPA e 77º da LGT”.

 

2.5.        Ora, reitera o Requerente, “os vícios de falta de fundamentação apenas são considerados sanados quando for demonstrado que o destinatário percebeu o conteúdo do ato (…)” mas, “apesar das diligências que o Contribuinte empreendeu para tentar compreender os fundamentos da liquidação, não é possível perceber qual será essa fundamentação” porquanto “o Contribuinte conseguiu apenas obter informação (…) referindo que se trata de tributação de mais valias por venda de títulos constantes numa conta bancária no B….. Bank - sem lhe ter sido explicado que títulos produziram tais mais valias, qual a matéria colectável e qual a taxa de imposto aplicada”.

 

2.6.        Assim, entende o Requerente que “em face do vício de falta de fundamentação que enferma o ato de liquidação do IRS aqui em causa, deve a mesma ser anulada, nos termos do artigo 77º da LGT”.

 

Da aplicação da isenção prevista no artigo 27º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)

 

2.7.        Adicionalmente, refere o Requerente que, “a ser verdade que a liquidação adicional respeita a tributação em IRS de mais valias por venda de valores mobiliários (…)”, dado que “(…) não era residente fiscal em Portugal no ano de 2013 (ano a que o imposto respeita)”, “então, nos termos do artigo 27º do EBF, estas mais valias, obtidas por não residentes fiscais em Portugal que sejam pessoas singulares, estão isentas de IRS”.

 

2.8.        Com efeito, esclarece o Requerente que “no ano ora em causa, (…) não era, de acordo com o disposto no artigo 16º do Código do IRS, residente em Portugal” porquanto “já desde 2010 que (…) vive em Espanha, trabalhando, em 2013, para a C….. em Madrid”, ao abrigo de um contrato de trabalho em vigor “(…) até 22 de Janeiro de 2014, data em que rescindiu e celebrou novo contrato de trabalho com a sociedade D……. S.L., em Barcelona”, cidade onde passou a residir.

 

2.9.        Não obstante, refere o Requerente que dado que não era “(…) conhecedor da necessidade de alterar o seu domicílio fiscal junto da AT a partir de 2010, apenas o fez em 2013, apesar de já não ser residente em Portugal desde (…)” aquele ano, tendo-o feito “(…) formalmente junto da AT em Novembro de 2013, pelo que à data de 31 de Dezembro de 2013 era já formalmente considerado não residente fiscal em Portugal” sendo que entende ser essa “(…) a data que releva (31/12/2013) para efeitos da ocorrência do facto tributário em IRS, nos termos do nº 7 do artigo 13º do Código do IRS (redação a data dos factos)”.

 

2.10.      Adicionalmente, entende o Requerente ser importante referir que “(…) não tem nenhuma habitação em Portugal, nem de sua propriedade, nem arrendada” e “quando, em período de férias, vem a Portugal, fica hospedado em casa da sua Mãe”, sendo que “em 2013 esteve em Portugal apenas 30 dias em período de férias, pelo que permaneceu em Espanha mais do que 183 dias” porquanto aí trabalha “(…) por conta de outrem (…) e aí tem de estar fisicamente a desempenhar as suas funções (…)” pelo que conclui que “nunca (…) poderia passar mais do que 30 dias em Portugal em cada ano” até porque “(…) o número de férias anual [em Espanha] é de 24 (…)”.

 

2.11.      Assim, em face do exposto, entende o Requerente que “(…) que se encontra cabalmente demonstrado que trabalhou e residiu em Espanha no ano de 2013, sendo indevidamente considerado residente fiscal em Portugal naquele ano, tal como consta do seu cadastro fiscal” e, em consequência, “por força do disposto no artigo 27º do EBF, conclui-se que nunca deveria ter sido sujeito a tributação pelas mais-valias de valores mobiliários em Portugal, mais-valias que, alias, efetivamente não obteve (…)”, “pelo que também por este motivo, deve a liquidação impugnada ser anulada”.

 

Da inexistência de quaisquer mais-valias na titularidade do Contribuinte

 

2.12.      Adicionalmente, refere o Requerente que “tem o seu nome inscrito como cotitular apenas numa conta bancária existente no B….. Bank (ex-E…. Investimento)” mas que “essa conta é da propriedade de facto e exclusive do seu pai, que é titular da mesma” pelo que “o capital constante nessa conta e (…) os rendimentos que dela derivam, não pertencem ao Contribuinte”, sendo que o seu pai “(…) sempre declarou a totalidade dos rendimentos derivados dessa conta, nomeadamente a totalidade das mais valias produzidas com vendas de títulos nela existentes” assim tendo acontecido no ano de 2013, ano em que “(…) o pai do Contribuinte declarou e foi tributado por todas as mais valias produzidas pela venda de valores mobiliários existentes na conta bancária (…) do B…. Bank”.

 

2.13.      Ou seja, segundo entende o Requerente, “(…) independentemente de qualquer que seja a real fundamentação da liquidação emitida (…) o que é certo é que o Contribuinte não auferiu quaisquer rendimentos a título de mais valias em valores mobiliários”, estando a Requerida “(…) a exigir um imposto que já foi pago pelo proprietário efectivo da conta bancária em causa”, “donde se conclui que, também por este motivo, deve a liquidação em causa ser anulada”.

 

Da anulação da liquidação de juros compensatórios

 

2.14.      E, “decretada a nulidade da liquidação de IRS, falece necessariamente a liquidação de juros compensatórios, atento o seu carácter de dependência em relação à legalidade da liquidação de imposto” pelo que “não havendo nenhuma liquidação de imposto adicional devida, não ocorreu retardamento de qualquer liquidação”, pelo que entende o Requerente que não se encontram “(…) assim preenchidos os requisitos para que haja a direito da AT à liquidação de juros compensatórios”, “o que determina igualmente a anulação das respectivas liquidações”.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

2.15.      Neste âmbito, entende o Requerente que dado que “(…) procedeu ao pagamento das liquidações impugnadas (…)”, agora “(…) na sequência da declaração de anulação das liquidações (…) tem direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios (…) sobre as quantias pagas”, os quais “(…) devem ser calculados desde a data de pagamento até à data da (…) devolução (…)” dos respectivos montantes.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida, apesar de notificada pelo despacho arbitral de 6 de Agosto de 2020, para apresentar, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 e 2 do RJAT, no prazo de 30 dias, a Resposta e, caso assim o entendesse, solicitar a produção de prova adicional, bem como para remeter a este Tribunal Arbitral, dentro daquele prazo, cópia do processo administrativo, não o fez, tendo vindo a anexar o processo administrativo somente em 17 de Fevereiro de 2021, conforme acima descrito no ponto 1.25.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal é materialmente competente para apreciação do Pedido Arbitral e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.2.        O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

4.3.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao Pedido de Pronúncia Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, estando devidamente representadas.

 

4.4.        Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        O Requerente celebrou, em 15-01-2010, celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a C…… España, S. A. (Espanha), para desempenhar funções de “Tecnico Jefe (Manager) GP7”, em Madrid (em conformidade com o Doc. nº 5 e Doc. nº 3 anexados com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.4.        O contrato de trabalho celebrado foi a tempo inteiro, sendo de 38,75 horas semanais, a prestar de “lunes a viernes”, ou seja, de segunda a sexta feira (em conformidade com documentação anexada pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.5.        O contrato de trabalho celebrado com a C…… foi comunicado as autoridades laborais espanholas competentes (Ministerio de Trabajo e Asuntos Sociales) em 20-01-2010 (em conformidade com o Doc. nº 4 anexado com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.6.        Em consequência da celebração do contrato de trabalho referido no ponto anterior, o Requerente foi viver para Madrid, em 2010, tendo celebrado um contrato de arrendamento de imóvel mobilado para habitação, em 03-02-2010 (com efeitos a partir de 05-02-2010), pelo período de um ano, renovável até cinco anos (em conformidade com o Doc. nº 5 anexado com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.7.        O imóvel arrendado, em conjunto com outro coarrendatário localizava-se na Calle ……………., interior, em Madrid, tendo sido estipulada uma renda mensal de EUR 1.500 (em conformidade com o Doc. nº 5 anexado com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.8.        O Requerente, no ano 2013, mantinha-se a trabalhar em Madrid, para a C……… España, conforme evidenciado pelas cópias dos recibos mensais de remunerações anexados (em conformidade com o Doc. nº 3 anexado com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.9.        O Requerente evidenciou custos de internet e chamadas móveis (de dois telemóveis) no período de 15-12-2013 a 14-01-2014, facturados pela empresa F…… relativos a dois números móveis titulados em seu nome mas cuja factura foi enviada para o coarrendatário da sua habitação em Madrid (em conformidade com o Doc. nº 6 anexado com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.10.      O Requerente alterou o seu domicílio fiscal, em Portugal, junto da Requerida, em Novembro de 2013 (em conformidade com cópia de documento constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.11.      No ano 2013, o Requerente beneficiou de 24 dias úteis de férias de acordo com a legislação laboral espanhola, e evidenciado no contrato de trabalho comunicado às autoridades laborais competentes em Espanha (em conformidade com o Doc. nº 4 anexado com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.12.      O contrato de trabalho identificado nos pontos 5.3. a 5.5., supra manteve-se em vigor até 22 de Janeiro de 2014, data em que o Requerente o rescindiu e celebrou novo contrato de trabalho com a sociedade D……… S.L., em Barcelona, cidade onde passou a residir (facto alegado pelo Requerente, não contestado pela Requerida).

 

5.13.      A Agência Tributária Espanhola emitiu, em 18-05-2014, declaração provisória de Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas (IRPF), tendo apurado imposto no montante de EUR 11.279,24, incidente sobre os rendimentos do trabalho dependente auferidos em Espanha, de 01-01-2013 a 31-12-2013, no montante ilíquido de

EUR 48.354,99, e tendo deduzido ao IRPF apurado o montante das retenções na fonte/pagamentos por conta efetuados, no montante de EUR 11.391,08 (em conformidade com cópia de documento constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.14.      Em 29-10-2014, na sequência de um processo de divergência criado no Serviço de Finanças de Lisboa 3, pelo motivo 052 – “Consta em Modelo 13 – Com operações 05, 06 ou 10”, foi gerado o Ofício nº GIG-……. (registo nº RY………….PT), para o Requerente exercer o direito de audição prévia relativo aos fundamentos da referida divergência (em conformidade com cópia de documento constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.15.      Não há evidência que o referido ofício tenha sido efectivamente enviado e, consequentemente, recebido pelo Requerente, em conformidade com o que por ele foi alegado, dado que não há evidência no processo administrativo de que o nº de registo identificado no ponto anterior corresponde sequer a um registo gerado e entregue (na página de rastreamento de registos dos CTT a indicação é de “Objecto não encontrado”).

 

5.16.      Em 29-11-2017 foi preenchida, pela Requerida, a declaração oficiosa de IRS nº ….-2013-D….-.., relativa ao ano 2013, na qual foram considerados, no Anexo G (Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais) àquela declaração (Quadro 8, Campo 801), como valor de realização de alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, o montante de EUR 1.167.905,16 (2013/12) e o valor de aquisição no montante de EUR 1.019.620,00 (2013/01) (em conformidade com cópia de documento constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.17.      Da declaração oficiosa de rendimentos modelo 3 de IRS, identificada no ponto anterior, resultou a liquidação oficiosa de IRS nº 2017 …………, referente ao imposto do ano de 2013, no montante de EUR 41.519,85 e a liquidação de juros compensatórios nº 2017 ……, no montante de EUR 5.269,03, no valor total EUR 46.788,88 (em conformidade com o Doc. nº 2 anexado com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.18.      O Requerente foi notificado, através do Ofício nº ….., do Serviço de Finanças Lisboa 3, datado de 12-12-2017, para pagamento até 10-01-2018 das liquidações de IRS e de juros acima identificadas (em conformidade com o Doc. nº 2 anexado com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

 

5.19.      O Requerente efectuou o pagamento do IRS liquidado em 08-01-2018, ou seja, dentro da data limite para pagamento (10-01-2018) (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.20.      Por não concordar com o montante de IRS e juros liquidado, o Requerente apresentou,

em 17-01-2018, Reclamação Graciosa (nº …/19; processo nº ……………………..) contra a liquidação de IRS e a liquidação de juros acima identificadas no ponto 5.17., alegando, em síntese, que (i) não era residente fiscal em Portugal desde 2010 mas que só alterou o seu domicílio fiscal em 2013, (ii) a liquidação de IRS e de juros não está fundamentada, (iii) é titular da conta na qual se originaram as mais-valias mobiliárias em conjunto com o seu pai mas não é seu beneficiário, (iv) no que diz respeito aos rendimentos oficiosamente tributados os mesmos foram declarados pelo seu pai, na respectiva declaração Modelo 3 de IRS do ano 2013, iv) em consequência de terem sido declarados pelo pai do Requerente, os rendimentos já foram tributados e o imposto incidente sobre os mesmos já foi pago pelo seu pai e (vi) dado que se considera como não residente fiscal em Portugal no ano 2013, os rendimentos em causa nunca deveriam ser tributados em Portugal dado que entende que estão isentos ao abrigo do artigo 27º do EBF (em conformidade com cópia da Reclamação Graciosa apresentada e constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.21.      O Requerente, com base nos argumentos apresentados na Reclamação Graciosa identificada no ponto anterior, concluiu a mesma peticionando a anulação das liquidações acima identificadas, de IRS e juros, no montante total de EUR 46.788,88, relativas ao ano 2013, bem como a devolução do montante indevidamente pago, acrescido de juros compensatórios (em conformidade com cópia da Reclamação Graciosa apresentada e constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.22.      O Requerente anexou com a Reclamação Graciosa apresentada, cópia da declaração Modelo 3 de IRS do ano 2013, de substituição (….-J….-..), apresentada, em 09-04-2015, pelo contribuinte ……… (pai do Requerente) relativamente ao rendimentos por este auferidos no ano 2013, na qual evidenciou no respectivo Anexo G, Quadro 8 (Alienação Onerosa de Partes Sociais e Outros Valores Mobiliários), campo 801, ser titular de partes sociais alienadas em 12/2013 pelo valor de realização total de

EUR 2.335.810,22, cujo valor de aquisição, em 01/2013 tinha ascendido a um total de EUR 2.277.159,19, e com as quais incorreu em despesas e encargos no montante de

EUR 4.654,78 (em conformidade com o Anexo 5 àquela Reclamação Graciosa, cuja cópia integra o processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.23.      Com a referida Reclamação Graciosa, o Requerente juntou também cópia de um “Mapa Auxiliar Resumo para o Cálculo de Mais/Menos Valias”, aparentemente criado pela entidade bancária onde a conta se encontrava domiciliada, no qual se evidencia que o Código de Cliente …… tem dois titulares, G….. (pai do Requerente) e o próprio Requerente, indicando-se que a titularidade de cada um é de 50% (em conformidade com o Anexo 4 àquela Reclamação Graciosa, cuja cópia integra o processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.24.      No documento referido no ponto anterior, evidencia-se que as “Vendas Brutas de Acções Efectuadas em 2013” ascenderam a EUR 2.335.810,22 e que o “Custo das Vendas de Acções Efectuadas em 2013” ascenderam a EUR 2.277.159,19, tendo estes valores sido incluídos na declaração de rendimentos apresentada pelo pai do Requerente, relativa ao ano de 2013, em conformidade com o evidenciado no ponto 5.22., supra (em conformidade com cópias de documentos constantes do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.25.      Pelo facto de o pai do Requerente ter declarado a totalidade das mais-valias auferidas no ano 2013 na sua declaração modelo 3 de rendimentos, considera-se que é o único beneficiário dos rendimentos conexos com a conta bancária do B….. Bank (ex E….. Investimento).

 

5.26.      A Requerida notificou o Requerente, através do Ofício nº …… de 13-11-2019 (expedido através do registo CTT RH ……… PT, de 13-11-2019), do despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, por subdelegação, de 08-11-2019, no sentido de indeferir a Reclamação Graciosa acima identificada, com base no projecto de indeferimento da referida reclamação, bem como para exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição prévia (em conformidade com processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.27.      A notificação referida no ponto anterior foi enviada para Espanha, para a Calle ………………, em Barcelona (em conformidade com cópia constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.28.      Do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa acima identificada consta a seguinte fundamentação (em conformidade com projecto de indeferimento, cuja cópia integra o processo administrativo anexado pela Requerida):

 

“V. ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

Relativamente à alegada falta de notificação para audição prévia, verifica-se que no âmbito de procedimento de divergências, o reclamante foi notificado para exercer o direito de audição prévia, em 2014/12/09, através do ofício nº GIC-…………, mediante correio registado, enviado para o domicílio fiscal do reclamante, à data.

Assim foi o reclamante notificado para exercer querendo no prazo de 15 dias o direito de audição (…), na qual a administração tributária comunicou as correções a efetuar pela mesma (…) com a respetiva fundamentação.

Acrescendo que, a notificação do ato tributário da liquidação reclamada foi devidamente efetuada contendo a fundamentação de forma sumária, contendo as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação do facto tributário e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, e ainda os seus meios de defesa.

É por isso perfeitamente possível, a partir das informações disponibilizadas pela administração tributária, compreender o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo da elaboração do ato.

Nos termos do art. 77º nº 6 da LGT a notificação é condição de eficácia e não condição de validade do ato, concluindo-se, portanto, que não ocorreu qualquer vício que comprometa a legalidade da liquidação reclamada.

O reclamante solicita a anulação da liquidação nº 2017……….., no valor de

€ 46.788,88, referente ao ano de 2013, alegando na qualidade de não residente fiscal os rendimentos de mais-valias mobiliárias, não são alvo de tributação em Portugal e que apenas é contitular da conta, que originou as mais-valias, sendo o titular principal o seu pai que declarou os rendimentos de mais-valias na sua totalidade.

Verifica-se que o reclamante alterou o seu domicílio fiscal com data de produção de efeitos a 2013/11/01, pelo que nos termos do art. 16º do CIRS cumpre os requisitos para ser residente fiscal em território nacional, por ter permanecido neste país mais de 183 dias.

Assim, face ao exposto (…), o reclamante deve ser considerado residente fiscal em Portugal.

Considerando a condição de residente fiscal em território nacional, no ano a que respeitam os rendimentos, não se mostram verificados os pressupostos para aplicação do disposto no artigo 27º do EBF e os rendimentos decorrentes de mais-valias de valores mobiliários, constantes nas declarações modelo 13, entregues pela entidade (…), são alvo de tributação em Portugal, nos termos do art. 15º do CIRS.

Quanto ao alegado ser cotitular da conta bancária no E…… Investimento (atual B……), constata-se que, no documento anexo aos autos “Mapa Auxiliar Resumo para o Cálculo de Mais/Menos Valias” (Anexo 4), o mesmo refere que a conta pertence a G………. e A……, sendo detentores de 50,00% cada.

Neste sentido, as mais-valias decorrentes da alienação de valores mobiliários devem ser imputadas a cada um dos titulares da conta, na proporção de 50%.

Face ao exposto, concluiu-se que, sendo o reclamante cotitular da conta que deu origem às mais-valias tributáveis, somos de parecer que a pretensão do reclamante não merece deferimento pelo que se propõe a manutenção da liquidação ora reclamada.

Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do nº 1, do art. 43º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

VI. CONCLUSÃO

Nestes termos, propõe-se o indeferimento da reclamação (…)” (sublinhado nosso).

 

5.29.      O Requerente, apesar de notificado para o efeito, não exerceu o respectivo direito de audição prévia relativo ao projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa, pelo que foi o Requerente notificado do despacho de indeferimento da referida Reclamação Graciosa (datado de 26-12-2019) porquanto se converteu em definitiva aquela proposta de indeferimento, nos termos e com os fundamentos contantes do referido projecto de decisão (vide ponto anterior) (em conformidade com a decisão de indeferimento, cuja cópia integra o processo administrativo anexado pela Requerida).

 

5.30.      O Requerente apresentou em 25 de Março de 2020 este Pedido de Pronúncia Arbitral no sentido de requerer a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada relativamente às liquidações de IRS e juros do ano 2013, bem como destas liquidações, com fundamento (i) na falta de audição prévia, como violação do princípio da participação, (ii) na falta de fundamentação total da liquidação, (iii) na não aplicação da isenção prevista no artigo 27º, nº 2 do EBF; (iv) na inexistência de rendimentos tributáveis, (v) na errónea quantificação da matéria colectável, concluindo o Requerente o pedido no sentido de que, em consequência da referida anulação, “deve ser determinada a devolução (…) do valor (…) pago acrescido de juros indemnizatórios (…)”.

 

5.31.      O Requerente alegou que não tinha em Portugal, a 31-12-2013, qualquer imóvel de sua propriedade ou arrendado, facto que não foi contestado pela Requerida, considerando-se assim como provado.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.32.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes, incluindo os que fazem parte do processo administrativo anexado pela Requerida, bem como no depoimento produzido pela Testemunha inquirida, concordante com a documentação apresentada com o Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

5.33.      Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Dos factos não provados

 

5.34.      Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.

 

6.2.        Nos autos, o pedido formulado pelo Requerente é no sentido de o Tribunal Arbitral anular o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e anular as liquidações de IRS e de juros identificadas nos autos, com fundamento (i) na falta de audição prévia, como violação do princípio da participação, (ii) na falta de fundamentação total da liquidação, (iii) na não aplicação da isenção prevista no artigo 27º, nº 2 do EBF; (iv) na inexistência de rendimentos tributáveis, (v) na errónea quantificação da matéria colectável, peticionando o Requerente, em consequência, a devolução do montante total pago

(EUR 46.788,88), acrescido de juros indemnizatórios.

 

6.3.        No processo, a questão a decidir diz respeito a aferir se liquidações de IRS e de juros identificadas nos autos enfermam de alguma das ilegalidades alegadas pelo Requerente que possa determinar a sua anulação e, em consequência, determinar a devolução do montante total de imposto e juros compensatórios pago, acrescido dos peticionados juros indemnizatórios.

 

6.4.        Assim, para efeitos de decisão, analisemos uma a uma as ilegalidades alegadas pelo Requerente no Pedido Arbitral (e que também constam da Reclamação Graciosa apresentada), de modo a que, a proceder alguma delas, se determine que as referidas liquidações devem ser anuladas.

 

Da falta de audição prévia e da falta de fundamentação

 

6.5.        Nesta matéria, e no que diz respeito à alegada falta de audição prévia à liquidação, o Requerente começa por referir que “a liquidação impugnada foi uma completa surpresa (…) uma vez que não lhe foi concedido o direito de se pronunciar previamente (…) a este propósito” pelo que entende o Requerente que “ficou por isso prejudicado o princípio da participação expressamente consagrado no artigo 60º da LGT (…)”, o que “determina a anulação da liquidação por este motivo”.

 

6.6.        Por outro lado, e no que diz respeito à alegada falta de fundamentação, alega o Requerente que “(…) foi surpreendido com uma notificação da AT, indicando que tinha que pagar IRS referente a 2013, no montante de € 46 788,88, até ao dia 10 de janeiro de 2018”, “(…) sem qualquer explicação (…)”, concluindo o Requerente que “a emissão da liquidação em causa viola inequivocamente o dever de fundamentação dos atos tributários”, pelo que defende que “em face do vício de falta de fundamentação que enferma o ato de liquidação do IRS aqui em causa, deve a mesma ser anulada (…)”.

 

6.7.        Nesta matéria, recorde-se que a Requerida não apresentou, em sede arbitral, nem Resposta, nem Alegações, pelo aqui teremos de analisar o que foi contraposto em matéria de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, em conformidade com o evidenciado no processo administrativo anexado pela Requerida.

 

6.8.        Com efeito, neste âmbito, a Requerida referiu, conforme transcrito no ponto 5.27., supra, que “relativamente à alegada falta de notificação para audição prévia, verifica-se que no âmbito de procedimento de divergências, o reclamante foi notificado para exercer o direito de audição prévia, em 2014/12/09, através do ofício nº GIC-………, mediante correio registado, enviado para o domicílio fiscal do reclamante, à data. Assim foi o reclamante notificado para exercer querendo no prazo de 15 dias o direito de audição (…), na qual a administração tributária comunicou as correções a efetuar pela mesma (…) com a respetiva fundamentação. Acrescendo que, a notificação do ato tributário da liquidação reclamada foi devidamente efetuada contendo a fundamentação de forma sumária, contendo as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação do facto tributário e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, e ainda os seus meios de defesa. É por isso perfeitamente possível, a partir das informações disponibilizadas pela administração tributária, compreender o itinerário funcional cognoscitivo e valorativo da elaboração do ato. Nos termos do art. 77º nº 6 da LGT a notificação é condição de eficácia e não condição de validade do ato, concluindo-se, portanto, que não ocorreu qualquer vício que comprometa a legalidade da liquidação reclamada” (sublinhado nosso).

 

6.9.        Ora, no que diz respeito à alegada falta de audição prévia, e ao que ao caso aproveita, prevê o nº 1 alínea a) do artigo 60º da Lei Geral tributária (LGT) que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; (…)”.    

 

6.10.      Por outro lado, na Circular nº 13/99, de 08-07-1999, é referido que “(…). O direito de participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito já se encontra previsto nos artigos 100º a 105º do (…) (CPA), sendo que, nos termos da alínea c) do artigo 2º da Lei Geral Tributária, aquele diploma é expressamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Assim, para determinação do âmbito do artigo 60º da LGT deve, também, atender-se, embora subsidiariamente, ao regime decorrente daquelas normas. (…)”.

 

6.11.      Em conformidade com o vertido no Acórdão do TCAN 1196/05.0BEPRT, de 02-02-2017 (Relator Conselheiro Mário Rebelo), “o princípio da participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito não pode ser afastado a não ser nas exatas situações que a lei define” sendo que “quando não seja legalmente dispensada, a falta de audição prévia constitui a preterição de formalidade essencial, conducente à anulabilidade do acto (…).”.

 

6.12.      Contudo, prossegue o mesmo Acórdão referindo que “(…) há duas situações em que esta omissão ilegal poderá não ter consequências invalidantes. Uma, ocorre nas situações em que possa intervir o princípio do aproveitamento do acto, e outra quando em procedimento de segundo grau (Reclamação Graciosa ou recurso hierárquico) o contribuinte teve oportunidade de se pronunciar sobre as questões acerca das quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau” (sublinhado nosso).  

 

6.13.      E, como se refere no ainda no mesmo Acórdão “na segunda hipótese, havendo procedimento de segundo grau, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido alterado e substituído pelo acto do segundo grau, (…) a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação”.

 

6.14.      E, acrescenta o mesmo Acórdão, “embora o procedimento de segundo grau seja, neste caso, facultativo, o contribuinte recorreu a ele e teve oportunidade de se pronunciar antes da decisão (de indeferimento) que recaiu sobre a Reclamação Graciosa” pelo que, “nestas condições, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia antes da liquidação” (sublinhado nosso).

 

6.15.      Ora, também como se escreve no Acórdão do TCAN nº 00029/03, de 16-02-2017 (Relator Conselheira Ana Patrocínio), acima já referenciado, “poderá também considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição, se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito” (sublinhado nosso).

 

6.16.      Por outro lado, e em conformidade com o que é referido pela Requerida no relatório de decisão da Reclamação Graciosa, bem como se infere da referência à alegada notificação do Requerente (através do Ofício nº GIC-…….., gerado em 29-10-2014, às 00:00 horas, do qual não há qualquer evidência efetiva de registo, apesar de mencionado o nº RY…………….PT, o qual não tem identificação no site dos CTT), a mesma ter-se-ia efetuado em 09-12-2014 (às 00:00 horas) porquanto, segunda a Requerida, foi enviada ao Requerente para o domicílio fiscal do Requerente, à data do envio (em conformidade com o alegado pela Requerida no relatório que suportou o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, cuja cópia faz parte do processo administrativo anexado pela Requerida).

 

6.17.      Ora, neste âmbito, em conformidade com o teor de Acórdão do STA, proferido no processo nº 017/12, de 31-01-2012, “o procedimento de notificação, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT, compreende a emissão de uma carta, que incorpora o projecto da decisão, a fundamentação e o prazo de audição, o registo nos serviços postais e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário. Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação para o exercício do direito de audição ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade. Mas porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais (…) o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber (…) após a data registo. Trata-se, pois, de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando. A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite, porém, inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção (…). (…). Este procedimento de notificação harmoniza satisfatoriamente o interesse da administração tributária em cumprir o dever de notificar, colocando a informação ao alcance do interessado e garantindo que a mesma foi efectivamente recebida, e o interesse do contribuinte em conhecer os actos que tocam na sua esfera jurídica, cumprir as determinações que a Administração lhe dirige, ou reagir contra o que lhe for desfavorável. (…). Não é o facto do registo ser simples ou com aviso de recepção que se garante que a carta chegará ao seu destino, pois essa garantia só pode ser dada pelos serviços postais. (…)”.

 

6.18.      Ora, no caso em análise, não há qualquer referência quanto ao facto de a referida notificação para o exercício da audição prévia antes da liquidação do IRS em crise tenha sido recebida pelo Requerente porquanto a evidência de que foi gerado internamente no sistema de “Gestão de Divergências” da Requerida não chega sequer a demonstrar que o ofício acima identificado foi efectivamente expedido e muito menos recebido pelo destinatário porquanto, reitere-se, o nº do alegado registo (nº RY……….PT) não tem qualquer evidência, no site dos CTT, de ter sido alguma vez entregue ao destinatário do registo (vide pontos 5.14. e 5.15.).

 

6.19.      Nestes termos, face o acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que apesar de não ter sido demonstrado que o Requerente foi notificado para exercer o direito de audição, previamente à notificação da liquidação, em conformidade com entendimento da doutrina e da jurisprudência acima referida, o Requerente pode pronunciar-se sobre as liquidações aqui em crise em sede de Reclamação Graciosa, convalidando assim o acto primário que enfermaria de vício de violação do direito de audição caso o Requerente não tivesse reclamado do mesmo.

 

6.20.      Assim, considera este Tribunal ser de improceder o vício alegado pelo Requerente relativo à anulabilidade das liquidações de IRS e de juros aqui impugnadas pelo facto de não ter sido notificado para exercer o direito de audição prévia às liquidações de imposto e juros, aqui impugnadas.

 

6.21.      Quanto à alegada falta de fundamentação da liquidação de IRS objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral, refira-se o teor do Acórdão do TCAS nº 02674/08, de 10-02-2009 (Relator Conselheiro José Correia), nos termos do qual se escreve que “o imperativo da fundamentação do acto tributário, como acto administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de protecção dos administrados, com vista ao efectivo direito ao recurso contencioso, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da actuação administrativa, de maneira a ficar claro porque não se decidiu num sentido e não noutro não se desprezando os critérios de vinculação elencados no regime legal em termos de não prejudicar a compreensão da sua motivação. Assim, para que o acto cumprisse o dever de fundamentação formal, não bastava que contivesse qualquer declaração fundamentada, antes tal declaração devia consistir num discurso aparentemente capaz de fundar a decisão administrativa. E para isso, a fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções”.

 

6.22.      Prossegue o Acórdão referido no ponto anterior no sentido de que “(…) a fundamentação do acto constitui um meio importante para a realização do princípio da verdade material ao obrigar a Administração a aprofundar as razões da sua conduta, a buscar a conformidade completa entre o direito e a realidade na consideração de que a realização do interesse público exige o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei. As decisões administrativas, quando devidamente fundamentadas, constituirão para os contribuintes não um produto da mera intuição dos seus autores, mas o produto de um juízo lógico de ponderação, facilitando as relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária. A fundamentação é ainda relevante para a apreciação contenciosa da legalidade do acto pois é face aos motivos determinantes do acto que o interessado poderá decidir mais seguramente sobre a sua conformidade com a lei, facilitando, por essa via, o controle jurisdicional ao possibilitar a verificação da existência ou não de diversos vícios não só os respeitantes à forma, como também ao desvio de poder, a incompetência e a violação de lei, sem descurar a sua extrema utilidade como elemento interpretativo ao permitir o conhecimento da vontade manifestada e do poder que se procurou exercer. Assim, quando é desconhecido o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do acto deve concluir-se que houve preterição de formalidades legais” (sublinhado nosso).

 

6.23.      Ora, ainda que “o itinerário cognitivo e valorativo” da liquidação em crise pudesse ser desconhecido do Requerente, à data em que o imposto liquidado lhe foi notificado, com a apresentação da reclamação o Requerente demostrou que, à data em que a apresentou, já conhecia a fundamentação do acto tributário em crise, atentos os argumentos então invocados, que vieram a ser repetidos em sede de Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

6.24.      Com efeito, em conformidade com o Acórdão do TCAN nº 1196/05.0BEPRT, de 02-02-2017 (Relator Conselheiro Mário Rebelo), acima já citado, “se da impugnação da liquidação resulta que o contribuinte percebeu as razões que determinaram o acto, então este deve considerar-se fundamentado” (sublinhado nosso).

 

6.25.      No caso, ainda que o Requerente não tenha tido conhecimento prévio da fundamentação da liquidação de imposto e juros do ano 2013, o Requerente ao ter reclamado graciosamente das referidas liquidações acabou por demonstrar que, ao apresentar defesa quanto aos motivos que levaram a Requerida a liquidar adicionalmente o IRS aqui em crise, foi capaz de os compreender, ainda que não os aceite, devendo por isso, nos termos da jurisprudência citada, entender-se como fundamentado o acto de liquidação em crise.

 

6.26.      Nestes termos, face ao acima exposto, improcedem também os argumentos alegados quanto à falta de fundamentação da liquidação de IRS e da liquidação de juros aqui impugnadas.

 

Da aplicação da isenção prevista no artigo 27º do EBF

 

6.27.      Neste âmbito, o Requerente alega no Pedido Arbitral que “a ser verdade que a liquidação adicional respeita a tributação em IRS de mais valias por venda de valores mobiliários (…)”, dado que “(…) não era residente fiscal em Portugal no ano de 2013 (ano a que o imposto respeita)”, “então, nos termos do artigo 27º do EBF, estas mais valias, obtidas por não residentes fiscais em Portugal que sejam pessoas singulares, estão isentas de IRS”.

 

6.28.      Com efeito, face aos argumentos que apresenta, entende o Requerente “(…) que se encontra cabalmente demonstrado que trabalhou e residiu em Espanha no ano de 2013, sendo indevidamente considerado residente fiscal em Portugal naquele ano, tal como consta do seu cadastro fiscal”.

 

6.29.      Em consequência, defende o Requerente que “por força do disposto no artigo 27º do EBF, conclui-se que nunca deveria ter sido sujeito a tributação pelas mais-valias de valores mobiliários em Portugal, mais-valias que, alias, efetivamente não obteve (…)”, “pelo que também por este motivo, deve a liquidação impugnada ser anulada”.

 

6.30.      Nesta matéria, dado que a Requerida não apresentou, em sede arbitral, nem Resposta, nem Alegações, aqui transcrevemos o que, na matéria em análise, foi contraposto em sede de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, relativamente à posição do Requerente, em conformidade com o evidenciado no processo administrativo anexado pela Requerida.

 

6.31.      A este respeito, refira-se que a Requerida alegou em sede de indeferimento da Reclamação Graciosa, e conforme transcrito no ponto 5.27., supra, que “o reclamante solicita a anulação da liquidação nº 2017……….., no valor de € 46.788,88, referente ao ano de 2013, alegando na qualidade de não residente fiscal os rendimentos de mais-valias mobiliárias, não são alvo de tributação em Portugal e que apenas é contitular da conta, que originou as mais-valias, sendo o titular principal o seu pai que declarou os rendimentos de mais-valias na sua totalidade.

Verifica-se que o reclamante alterou o seu domicílio fiscal com data de produção de efeitos a 2013/11/01, pelo que nos termos do art. 16º do CIRS cumpre os requisitos para ser residente fiscal em território nacional, por ter permanecido neste país mais de 183 dias. Assim, face ao exposto (…), o reclamante deve ser considerado residente fiscal em Portugal. Considerando a condição de residente fiscal em território nacional, no ano a que respeitam os rendimentos, não se mostram verificados os pressupostos para aplicação do disposto no artigo 27º do EBF e os rendimentos decorrentes de mais-valias de valores mobiliários, constantes nas declarações modelo 13, entregues pela entidade (…), são alvo de tributação em Portugal, nos termos do art. 15º do CIRS” (sublinhado nosso).

 

6.32.      Ora, a este respeito, passemos de seguida a analisar o normativo aplicável para decidir a qual das Partes assiste a razão na posição assumida.

 

6.33.      De acordo com o disposto no artigo 16º (Residência), nº 1 do Código do IRS, na redação em vigor no ano 2013 (e que ao caso em análise interessa), eram consideradas residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos (2013), “a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados; b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual; c) (…); d) (…)”.

 

6.34.      De acordo com o disposto no artigo 15º (Âmbito da sujeição) do Código do IRS, na redação em vigor no ano 2013, “1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. 2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.

 

6.35.      E, para efeitos do que deveria ser entendido como rendimentos obtidos em território português, o artigo 18º do Código do IRS (Rendimentos obtidos em Portugal), na redação em vigor no ano 2013 (e ao que ao caso em análise interessa), dispunha que eram considerados obtidos em território português, nomeadamente, “(…); i) As mais-valias resultantes da transmissão onerosa de partes representativas do capital de entidades com sede ou direcção efectiva em território português, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que (…), seja considerado como mais-valia, ou de outros valores mobiliários emitidos por entidades que aí tenham sede ou direcção efectiva, ou ainda de partes de capital ou outros valores mobiliários quando, não se verificando essas condições, o pagamento dos respectivos rendimentos seja imputável a estabelecimento estável situado no mesmo território; (…)”.

 

6.36.      E, de acordo com o disposto no artigo 10º (Mais-Valias) do Código do IRS, na redação em vigor no ano 2013 (e ao que ao caso em análise interessa), constituíam mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultassem da “(…); alienação onerosa de partes sociais (…)”.

 

6.37.      Ora, para efeitos de tributação dos rendimentos de mais-valias, de acordo com o disposto no artigo 72º (Taxas especiais) do Código do IRS, na redação em vigor no ano 2013 (e ao que ao caso em análise interessa), o saldo positivo das mesmas “(…) é tributado à taxa de 28% (…)”.

 

6.38.      Não obstante, de acordo com o disposto no artigo 27º, nº 1 (Mais-valias realizadas por não residentes) do EBF, na redação em vigor no ano 2013, “ficam isentas de IRS e de IRC as mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, outros valores mobiliários (…), por entidades ou pessoas singulares que não tenham domicílio em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual as mesmas sejam imputáveis” (sublinhado nosso).

 

6.39.      Assim, para efeitos do acima exposto, é necessário analisar e decidir se o Requerente, face à factualidade e prova produzida, quer em sede de Reclamação Graciosa, quer em sede de Pedido Arbitral, incluindo a documentação constante do processo administrativo, e depoimento da testemunha inquirida, deveria ser considerado como residente fiscal em Portugal, no ano de 2013, como defendeu a Requerida em sede de procedimento gracioso ou se, pelo contrário, deverá ser considerado como não residente fiscal em Portugal, no referido ano de 2013, como defende o próprio Requerente.

 

6.40.      E em consequência do enquadramento fiscal que vier a ser definido como correcto, face ao normativo vigente no ano 2013, definir se os rendimentos de mais-valias que estão na base da liquidação de IRS em crise devem ser tributados em Portugal, como defendeu a Requerida ou, se pelo contrário, podem beneficiar da isenção do artigo 27º do EBF, como defende o Requerente.

 

6.41.      Neste âmbito, preliminarmente, transcreva-se aqui o que a este propósito é referido na Decisão Arbitral proferida no P 64/2012-T, de 30 de Maio de 2013, nos termos da qual se escreve que “(…). A determinação da residência fiscal em Portugal do ora Requerente terá de se basear no teor do artigo 16.° do CIRS, sendo que a conformidade com o cadastro das finanças não é no entender no Tribunal, nos termos do referido preceito, fundamento para ser ou não considerado residente fiscal em Portugal. (…) Efectivamente, nos termos das disposições conjugadas (…) do CIRS ficam sujeitos a IRS as pessoas singulares que residam em território português, sendo residentes aquelas que, no ano a que respeitam os rendimentos, hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados ou, tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual. (…). Para a solução da presente questão deverá recordar-se o disposto no artigo 19.º n.º 2 da LGT que, na redacção vigente à data dos factos, determinava que é obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária e ainda o seu n.º 3 segundo o qual é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária. (…) É certo que esta disposição não estipula a sujeição a IRS como residente do Requerente, mas releva para determinar sobre quem reside o ónus da prova, no tocante à questão que ora nos ocupa. (…) Apresentar-se-á, igualmente, relevante, o artigo 74.º n.º 1, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. (…) Como assinala a doutrina, uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.   (…). Determina, então, o artigo 342.º do CC no seu n.º 1 que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, determinando o n.º 2 do mesmo artigo que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. (…) Refere, ainda, Manuel de Andrade a propósito deste princípio geral de prova, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte). (…)” (sublinhado nosso). 

 

6.42.      Ora, a este respeito, e à semelhança do entendido na Decisão Arbitral referida no ponto anterior, entende este Tribunal Arbitral que decorre do princípio aí referido citado que o ónus de provar que não era residente em Portugal, em 2013, cabia ao Requerente.

 

6.43.      E, cabendo esse ónus da prova ao Requerente, será necessário avaliar se a prova por ele apresentada, quer em sede graciosa, quer em sede arbitral, no que diz respeito à demonstração de que era, em 2013, residente fiscal em Espanha, foi ou não suficiente para comprovar essa qualidade, contrariando assim o enquadramento como residente fiscal em Portugal, efectuado pela Requerida em sede de liquidação de IRS do ano 2013 e confirmada em sede de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente.

 

6.44.      Neste âmbito, refira-se desde já que o Tribunal Arbitral não acompanha, nesta matéria, o entendimento da Requerida expresso na decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, porquanto entende que o Requerente apresentou, em sede de Reclamação Graciosa e, mais tarde, em sede de Pedido de Pronúncia Arbitral, prova documental suficiente, capaz de demonstrar que o Requerente deveria ser considerado, em 2013, residente para efeitos fiscais em Espanha e, consequentemente deveria ser considerado como não residente para efeitos fiscais em Portugal.

 

6.45.      Com efeito, da prova produzida pelo Requerente resulta que:

 

a)            O Requerente celebrou, em 15-01-2010, um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com uma empresa espanhola (C…… España, S. A.), para desempenhar funções de “Tecnico Jefe (Manager) GP7”, no escritório da empresa em Madrid, aí trabalhando no ano 2013 (em conformidade com documentação anexada pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida) – vide ponto 5.3. dos factos provados;

b)           O contrato de trabalho foi celebrado a tempo inteiro, sendo de 38,75 horas semanais, a prestar de “lunes a viernes”, ou seja, de segunda a sexta feira (em conformidade com documentação anexada pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida) – vide ponto 5.4. dos factos provados;

c)            O Requerente celebrou, em 03-02-2010 (com efeitos a partir de 05-02-2010), um contrato de arrendamento de imóvel mobilado para habitação, em Madrid, pelo período de um ano, renovável até cinco anos, para aí residir durante a vigência do contrato de trabalho acima identificado, mediante o pagamento de uma renda mensal de EUR 1.500 (a qual seria suportada com outro coarrendatário) (em conformidade com documentação anexada pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida) – vide ponto 5.6. dos factos provados;

d)           Na sequência da celebração do contrato de trabalho acima referido, o Requerente manteve-se a trabalhar em Madrid durante os anos 2010, 2011, 2012 e 2013, tendo anualmente 24 dias de férias (em conformidade com documentação anexada pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida) – vide ponto 5.11. e 5.12. dos factos provados;

e)           Em consequência do contrato de trabalho celebrado pelo Requerente, este auferiu em 2013, em Espanha, rendimentos do trabalho dependente (em conformidade com documentação anexada pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida) – vide ponto 5.8. dos factos provados;

f)            Os rendimentos do trabalho dependente auferidos pelo Requerente durante todo o ano de 2013, em Espanha, foram aí sujeitos a IRPF, na qualidade de residente fiscal em Espanha, no montante de EUR 11.279,24, (em conformidade com documentação anexada pelo Requerente e processo administrativo anexado pela Requerida) – vide ponto 5.13. dos factos provados.

 

6.46.      Em consequência, com a prova produzida, o Requerente procurou demonstrar junto da Requerida que, em 2013, não permaneceu em Portugal por período superior a 183 dias, sendo que, a 31-12-2013 já se encontrava registado no cadastro fiscal nacional como tendo domicílio fiscal em Espanha.

 

6.47.      E tendo permanecido em Portugal por um período inferior a 183 dias, no ano 2013, o Requerente alegou, para afastar o critério elencado no artigo 16º, nº 2 do CIRS (na redação em vigor em 2013), quer em sede de Reclamação Graciosa, quer em sede de Pedido de Pronúncia Arbitral, que “(…) não tem nenhuma habitação em Portugal, nem de sua propriedade, nem arrendada”, alegação que não foi contestada em nenhum momento pela Requerida, pelo que se considerou que o Requerente não dispunha a 31-12-2013, em Portugal, “(…) de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual”.

 

6.48.      Adicionalmente, refira-se que, de acordo com o disposto no artigo 13º, nº 7 do Código do IRS (Sujeito passivo), na redação em vigor no ano 2013, “a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite”, ou seja, a 31 de Dezembro do ano a que respeitam os rendimentos.

 

6.49.      Nestes termos, atenta a prova produzida pelo Requerente, este deverá considerar-se como sendo, a 31-12-2013, um sujeito passivo de imposto, em Portugal, na qualidade de não residente e, em consequência, aí estando obrigado a declarar apenas os rendimentos obtidos em território nacional que devam ser sujeitos a tributação face ao disposto na legislação aplicável (artigo 18º do Código do IRS na redação em vigor no ano 2013).

 

6.50.      Não obstante, no caso em análise, tendo em consideração a matéria alegada pelo Requerente, a Requerida entendeu em sede de procedimento gracioso que os rendimentos de mais-valias derivados da titularidade conjunto de conta bancária do Requerente com o seu pai, deverão ser sujeitos a tributação em Portugal na esfera do Requerente (50%), porquanto entendeu que o Requerente era residente em território nacional no ano 2013, desconsiderando como válida toda a prova apresentada pelo Requerente na Reclamação Graciosa.

 

6.51.      Assim, não pode este Tribunal Arbitral acompanhar esta posição da Requerida porquanto, conforme acima demonstrado, o Requerente logrou demonstrou ser, a 31 de Dezembro de 2013, um sujeito passivo não residente em Portugal (e por isso mesmo foi tributado como residente em Espanha naquele ano).

 

6.52.      Nesta medida, os alegados rendimentos de mais-valias ainda que, em termos gerais, sujeitos a tributação, de acordo com o disposto no artigo 72º do Código do IRS  , beneficiariam da isenção deste imposto prevista no artigo 27º, nº 1 do EBF, na redação em vigor no ano 2013, conforme defendido pelo Requerente.

 

6.53.      Nestes termos, deve considerar-se procedente o alegado nesta matéria pelo Requerente e, em consequência, ser anulada a liquidação de IRS no montante de

EUR 41.519,85, relativa ao IRS do ano 2013 e este montante deve ser devolvido ao Requerente.

 

6.54.      Em consequência da anulação da liquidação de IRS impugnada, não faz qualquer sentido manter a liquidação de juros compensatórios conexa com a referida liquidação, no montante de EUR 5.269,03, devendo esta também ser anulada e o montante indevidamente pago devolvido ao Requerente.

 

6.55.      Assim, deverá ser afirmativa a resposta a dar à questão enunciada no ponto 6.4., supra, no sentido de declarar que as liquidações de IRS e de juros compensatórios objecto do pedido enfermam de ilegalidade que determina a sua anulação e, consequente, deverão ser devolvidos os montantes indevidamente pagos

 

6.56.      Adicionalmente, deverá também ser anulada a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa identificada, com base nos argumentos acima analisados.

 

6.57.      Em consequência da conclusão descrita nos pontos 6.53. a 6.56., supra, e da consequentemente procedência do Pedido de Pronúncia Arbitral, fica prejudicado porque inútil, o conhecimento do argumento apresentado pelo Requerente de que inexistiram quaisquer mais-valias, em 2013, na titularidade do Requerente, com base no argumento de que a conta existente no B….. Bank (ex E….. Investimento) se tratava de uma conta da propriedade do pai do Requerente [(sendo aquele o seu único beneficiário), ainda que, “por uma questão cultural”, a conta tivesse dois titulares (o Requerente e o seu pai)] estando, segundo o Requerente, pago o imposto relativo à totalidade das mais-valias (porque declaradas pelo pai do Requerente) geradas em 2013.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

6.58.      De acordo com o disposto no nº 5 do artigo 24º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.59.      Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, (…), a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.  

 

6.60.      Assim, nos processos arbitrais tributários haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.  

 

6.61.      No caso em análise, ao promover e manter no ordenamento jurídico a liquidação de IRS e de juros compensatórios, do ano de 2013, do Requerente, a Requerida não teve em consideração o correto enquadramento fiscal deste, em Portugal, a 31-12-2013, enquanto sujeito passivo não residente, em conformidade com o demonstrado em sede de Reclamação Graciosa (e, mais tarde, neste procedimento arbitral), atentos os documentos apresentados e a prova produzida.

 

6.62.      Assim sendo, quanto ao acto de imposto em crise, considerando que ocorreu na sua génese, um erro imputável aos serviços, de acordo com o disposto no artigo 100º da LGT “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de (…) processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

6.63.      Nestes termos, tendo em consideração as conclusões acima apresentadas nos pontos 6.53. a 6.55., entende este Tribunal Arbitral que são devidos juros indemnizatórios sobre o montante total (de imposto e juros) de EUR 46.788,88, pagos em excesso pelo Requerente, a incidir nos termos legalmente previstos.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.64.      De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.65.      Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa sendo que, o nº 2 daquele artigo, concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.66.      Ora, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, porquanto o acto de liquidação de IRS impugnado padece de ilegalidade, devendo ser anulado, determinando-se assim a restituição ao Requerente do imposto e, consequentemente, dos juros indevidamente pagos, no montante total de EUR 46.788,88, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais em vigor;

7.1.2.     Em consequência, julgar procedente o pedido anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra os referidos actos de liquidação (imposto e juros) que agora se mandam anular;

7.1.3.     Condenar a Requerida, no pagamento das custas do processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 46.788,88.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Junho de 2021

 

O Árbitro,

Sílvia Oliveira