Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 416/2020-T
Data da decisão: 2021-09-24  IRS  
Valor do pedido: € 37.374,69
Tema: IRS – Mais Valias Imobiliárias - Reinvestimento - artigo 51º, nº1, alínea a).
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Sumário:

I – Considerando a causa de pedir e o pedido formulado pelos Requerentes, os quais pretendem que sejam considerados os custos reais suportados, o que inclui os custos que a AT desconsiderou, no valor de €37.374,69, deve entender-se que é este o valor económico de referência para atribuição do valor do processo. Dito de outro modo, a regra básica quanto à fixação do valor da ação é de que o valor do processo deve coincidir com o valor do benefício que se pretende obter.

II - O pedido dos Requerentes é claro e nenhuma dúvida resulta quanto à causa de pedir nem quanto ao pedido formulado, versando este último sobre a liquidação oficiosa de IRS n.º 2020... e acerto de contas nº 2020..., referente ao ano de 2018.

III – Os gastos a que alude o artigo 51º, alínea a) e 46º, nº3, ambos do CIRS, podem ser demonstrados pelo contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance. Entendimento corroborado pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores que têm vindo a considerar que em sede de IRS o documento comprovativo e justificativo dos custos não tem de assumir as formalidades legais exigidas para as faturas em sede de IVA. Quer isto dizer que a prova dos custos suportados pode ser efetuada por qualquer meio ao alcance do sujeito passivo, incluindo a prova testemunhal. Ora, assim sendo, por maioria de razão, há que admitir a prova a partir de documentos, cheques, declaração de quitação ou outros, que não faturas ou faturas-recibo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 21-08-2020, A..., contribuinte nº..., solteira, maior, residente na ..., ..., ..., em ...-... ... e B..., contribuinte nº..., divorciado, residente na ..., ..., ..., ...-... ...(doravante designados por Requerentes), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante RJAT) e do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro. O pedido, apresentado em 21-08-2020, tem por objeto a impugnação e anulação da liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 2018, emitida em 2020, n.º 2020... e acerto de contas nº 2020..., referente ao ano de 2018, por violação de lei.

Os Requerentes não se conformam com esta liquidação oficiosa, que retificou a declaração originária apresentada, porquanto a AT promoveu a dita correção tendo como fundamento a não aceitação como custos dedutíveis os valores de custos suportados com a construção do imóvel alienado. Do ponto de vista dos Requerentes, devem ser considerados como custo de aquisição as quantias indicadas na declaração de IRS apresentada pelos Requerentes, nos montantes de €158.285.99 euros para cada um dos requerentes e não de €77.965.99 euros, como pretende a Requerida.

 

2.            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

3.            No pedido arbitral o Requerente peticiona a anulação desta liquidação, por ilegalidade decorrente da existência de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Alega que a desconsideração de despesas suportadas com a construção da habitação alienada em 2018 é ilegal. Concretamente, os Requerentes invocam a violação do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 51º do (IRS). Conclui o seu pedido, pugnando pela declaração de ilegalidade da liquidação impugnada, com a consequente devolução do montante de €37.374,69, indevidamente determinada e liquidada aos Requerentes em sede de IRS, acrescida de juros compensatórios e indemnizatórios, por erro imputável à AT.

 

4.            O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 21-08-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 24-08-2020 e automaticamente notificado à AT. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 14-10-2020, como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação no prazo aplicável.

 

5.            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 13-11-2020. Na mesma data foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

6.            A AT apresentou Resposta em 11-12-2020, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Juntou aos autos Processo Administrativo.

 

7.            Em 23-12-2020 os Requerentes vieram aos autos reafirmar o interesse na produção da prova testemunhal e indicar a matéria de facto para inquirição. Em 28-12-2020 foi proferido despacho arbitral e agendada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a realizar a 02-02-2021, por recurso a plataforma WEBEX, face às limitações então impostas pela situação de pandemia. Em 01-02-2021 os requerentes vieram aos autos requerer o adiamento, face à impossibilidade da testemunha ser inquirida através de plataforma WEBEX. De imediato foi proferido despacho arbitral que deu sem efeito a data agendada e face à situação de confinamento ficou determinado o reagendamento da mesma para data mais oportuna. Por despacho arbitral de 30-03-2021 foi agendada a reunião para o dia 20/04/2021, pelas 14horas, a qual se realizou conforme consta da ata junta aos autos que aqui se dá por reproduzida. Foi fixado prazo de 10 dias, igual e sucessivo, para apresentação de alegações escritas. Foi ainda determinado que a decisão seria proferida no prazo previsto no artigo 21º, nº 1 do RJAT.

 

Em 13-07-2021 foi proferido o seguinte despacho:

“Prorrogação do prazo para decisão

Considerando a indicação constante da ATA de inquirição e realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a decisão arbitral deveria ser proferida no prazo previsto no artigo 21º, nº1 do RJAT. Por sua vez, este prazo, considerando a suspensão ocorrida entre 22 de janeiro e 6 de abril de 2021, por força da legislação COVID, terminaria no próximo dia 26 de julho. Por acumulação de processos em fase de decisão, em grande parte determinada pela suspensão de prazos e demais dificuldades decorrentes da situação de pandemia, o Tribunal não conseguirá cumprir esta data.

Assim sendo, estando em curso e não terminado o prazo consignado no nº1 do artigo 21º do RJAT, e em preparação o processo de elaboração da decisão final por este Tribunal, tendo em conta a tramitação processual verificada, os períodos de férias judiciais decorridos na pendência do presente processo, o disposto no art.º 17.º-A do RJAT, bem como a pública situação de pandemia que assola o país, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, prorroga-se por dois meses o prazo para emissão e notificação daquela, a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo.

Cumpra-se o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do Código Deontológico, na redação em vigor desde 02-10-2017.”

 

8.            Em 13 de setembro foi proferido Despacho arbitral a esclarecer que, nos termos do despacho antecedente, o prazo limite para proferir a decisão arbitral, considerando que a prorrogação dos dois meses deve contar-se a partir da data de 26 de julho de 2021, a data-limite passou para 26 de setembro de 2021.

 

II – SANEAMENTO

 

9.            O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

               

Tudo visto, cumpre proferir

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

                Com relevância para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            Por escritura pública lavrada em 1996 a 1ª requerente adquiriu o prédio urbano composto de casa de habitação sito no ..., ..., freguesia do ..., concelho de Mafra, ao tempo inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o nº ... da freguesia do ... .

b)           Esta aquisição foi realizada pelo preço de 22.500.000$00 (vinte e dois milhões e quinhentos mil escudos) com o recurso ao crédito bancário através de um mútuo hipotecário no Banco C... pelo montante de 12.000.000$00 (doze milhões de escudos).

c)            Por escritura de 23.06.1997 o segundo requerente adquiriu à primeira requerente metade do identificado prédio pelo preço de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos)

d)           No mencionado prédio havia uma construção em ruínas.

e)           Os Requerentes construíram uma moradia neste prédio, tendo procedido previamente à demolição total da ruína nele existente.

f)            Em 15.07.1997 os requerentes contraíram um mútuo com hipoteca junto do Banco G... na quantia de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos), tendo sido destinado a amortizar o mútuo contraído pela primeira requerente junto do Banco C... a quantia de 10.518.988$00 (dez milhões quinhentos e dezoito mil novecentos e oitenta e oito escudos) e o remanescente destinado a financiar a construção da moradia que os requerentes projetavam para o prédio em causa.

g)            Em 3 de Junho de 1997 a sociedade D... Ldª, havia apresentou uma proposta para a construção da moradia, que os Requerentes aceitaram, dando início à execução do contrato de empreitada.

h)           Após obterem o crédito hipotecário acima referido os requerentes aceitaram a proposta formulada pela D..., Ldª, iniciando-se a execução do contrato de empreitada para construção da moradia projetada.

i)             A moradia em causa foi construída nos anos de 1997 e 1998 de acordo com licença de construção emitida pela Câmara Municipal de ... .

j)             Os requerentes residiram permanentemente em tal habitação até ao ano de 2018, a qual era o seu domicílio fiscal.

k)            Em 25.06.2018 os requerentes alienaram a moradia, a qual, após a edificação, passou a estar descrita na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o nº ... da freguesia da ... e inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ... e ... sob o artº. ..., pelo preço de €465.000,0.

l)             Os requerentes apresentaram em 09.09.2019 a sua declaração de IRS relativa ao ano de 2018, tendo declarado no Anexo G, o valor de realização imputando €232.500,00, ou seja, 50% do valor a cada um, e apresentaram em 2019/07/20, declaração modelo 3 de substituição, a qual foi acompanhada pelos anexos A e G, tendo optado pela tributação conjunta dos rendimentos.

m)          O mesmo sucedeu com o valor de aquisição, declarado na proporção de cada um dos requerentes, a quantia de € 158.285,20, de despesas e encargos em relação a cada um deles a quantia de € 53.623,75.

n)           No ano de 2020 os requerentes aplicaram parte do produto da alienação do referido imóvel na aquisição de uma nova habitação para residência própria e permanente, sita na Av. ..., ..., ..., em ..., aquisição essa feita pelo preço de € 235.000,00.

o)           Com base na declaração dos Requerentes a AT liquidou o IRS relativo ao ano de 2018, e notificou-os em maio de 2020.

p)           Posteriormente a AT veio a comunicar que tal liquidação não havia sido corretamente efetuada, ficando a mesma sem efeito.

q)           Em 9 de Junho de 2020, a AT notificou os Requerentes da liquidação oficiosa, qual consta um valor a reembolsar de €984,70.

r)            A correção oficiosa que deu origem à nova liquidação foi determinada por despacho de 09.05.2020.

s)            Na sequência de solicitação de elementos pela AT os requerentes disponibilizaram os documentos comprovativos das despesas de construção, suportadas nos anos de 1997 e 1998, entre os quais diversos cheques emitidos e uma declaração de quitação emitida pela empreiteira

t)            A AT aceitou alguns dos documentos apresentados e não considerou os cheques nem a declaração emitida pela empreiteira por entender que estes não eram documentos adequados a servir como comprovativos dos custos efetuados, pois que não são Fatura nem Recibo sob a forma legal.

u)           Concretamente, os Requerentes efetuaram pagamentos à empreiteira, que esta declarou ter recebido, através da emissão dos cheques a seguir discriminados:

a.            Cheque ..., de 04-07-1997, no montante de 2.590.000,00 euros, equivalente a 12.919,31 euros;

b.            cheque nº..., de 29.09.1997, sobre o Banco E..., no valor de 4.500.000$ (equivalente a 22.445,91 euros), o qual foi descontado pela empreiteira;

c.            Cheque nº ..., de 17-10-11997, emitido sobre o Banco F... no montante de 3.000.000$00 (equivalente a 14.963,94 euros);

d.            Cheque nº..., de 8.1.1998, emitido sobre o Banco F... no montante de 5.500.000$00 (equivalente a 27.433,88 euros);

e.            Cheque nº..., emitido em 18.03.1998 sobre o Banco F... no montante de 6.500.000$00 (equivalente a 32.421,86 euros);

f.             Cheque nº..., emitido em 26.06.98 sobre o Banco E... no montante de 5.862.900$00 (equivalente a 29.244,02 euros);

g.            Cheque nº ..., emitido em 31.08.98 sobre o Banco F... no montante de 2.000.000$00 (equivalente a 9.976,06 euros);

h.            Cheque ..., emitido na mesma data (31-08-98) sobre o Banco E... no montante de 3.000.000$00 (equivalente a 14.964,09 euros);

v)            A empreiteira D..., Lda declarou ter recebido as referidas quantias referentes à construção da moradia em causa, conforme resulta do documento nº12 junto ao pedido arbitral e, ainda, do testemunho prestado pelo então Gerente da empresa, que revelou conhecer detalhadamente a situação e não revelou ter qualquer dúvida sobre os pagamentos efetuados;

w)          Em 21-08-2020 os Requerentes apresentaram o presente pedido arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

      Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

10.          A matéria considerada comprovada tem por fundamento os factos reconhecidos como assentes pelas partes, bem assim como o suporte documental junto aos autos pelo Requerente e o constante do processo administrativo (PA) junto aos autos pela AT. Deste consta, concretamente, um conjunto de documentos que provam os factos assentes, a saber:

a.            Factos mencionados em a) e b) resultam provados pelo teor do documento 1 junto ao pedido arbitral;

b.            Factos mencionados em c) e d) resultam provados pelo teor dos documentos nº 2 e 3 juntos ao pedido arbitral;

c.            Factos mencionados em e) e f) resultam provados pelo teor do documento nº 3 e 12 juntos ao pedido arbitral;

d.            Factos mencionados em g) a j) resultam provados pelo teor dos documentos nº 4, 6, 7, 8 e 12 juntos ao pedido arbitral;

e.            Factos mencionados em k) resultam provados pelo teor do documento nº 7 e 8 juntos ao pedido arbitral;

f.             Factos mencionados em l) a t) resultam provados pelo teor dos documentos nºs 6, 7, 8, 9, 10 e 11 juntos ao pedido arbitral bem assim como pelo teor do PA junto aos autos pela AT;

g.            Factos mencionados em u) resultam provados pelo teor dos documentos nº 12 a 18 juntos ao pedido arbitral;

h.            Factos mencionados em v) resultam provados pelo teor da declaração junta aos autos como documento nº 12 e do depoimento da testemunha inquirida, gerente da empreiteira ao tempo dos factos e atual administrador da mesma empresa, cujo depoimento se revelou consistente, inequívoco e com conhecimento dos factos relacionados com o contrato executado e integralmente pago pelos Requerentes.

 

Acresce que todos os factos mencionados, com exceção do constante da alínea v) da matéria assente, foram confirmados pelo teor da resposta da AT, bem assim como do PA que juntou aos autos. Em divergência está apenas a consequência jurídica a extrair dos factos mencionados, na parte em que a AT desconsiderou alguns custos apresentados pelos Requerentes por considerar que os cheques e a declaração da empreiteira não configuram documentos de prova bastante para atestar os pagamentos efetuados.

 

Importa, ainda, referir que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Resulta, aliás, que a controvérsia que opõe as partes nos presentes autos não se reporta à matéria de facto, mas somente em relação à matéria de direito.

 

 

B. DO DIREITO

B.1. Questões prévias a decidir

 

11.          A Requerida suscitou duas questões que importa decidir previamente, a saber:

a.            O valor atribuído ao processo;

b.            A obscuridade ou falta de clareza do pedido apresentado pelos Requerentes, alegando que fica em dúvida qual a liquidação que verdadeiramente estão a impugnar.

 

Assim,

 

B.2. Quanto à questão do valor do processo:

 

12.          Os Requerentes atribuíram ao processo o valor de € 37 374,69, por ser este o valor da diferença entre os custos declarados para efeitos de determinação do valor da mais-valia realizada e o valor dos custos que a AT desconsiderou ao proceder à correção e consequente emissão de nova liquidação, que vieram impugnar nos presentes autos.

Alega a AT que, “nos termos do art. 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão do art, 29.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende. Atendendo a que os Requerentes pretendem a anulação da liquidação n.º 2020..., bem como o acerto de contas nº 2020..., referente ao ano de 2018, no valor de € 984,70, deve ser este o valor do processo, pelo que deve o mesmo ser corrigido.”

 

13.          Dispõe o artigo 97º - A do CPPT o seguinte:

Artigo 97.º-A

Valor da causa

1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;

d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício;

(…)

 

 

14.          Considerando o teor do pedido formulado pelos Requerentes, a causa de pedir tal qual estes a configuram ao longo do pedido arbitral, conclui-se que a pretensão dos Requerentes assenta na fundamentação subjacente às correções efetuadas pela AT, com as quais não se conformam. Ora, as correções efetuadas comportam o valor atribuído pelos Requerentes ao pedido arbitral. O que está verdadeiramente em causa é saber se os valores desconsiderados pela AT devem ou não ser considerados no cálculo do valor da mais-valia realizada. E, assim sendo, a importância ou valor em discussão nos presentes autos é efetivamente o de € 37 374,69. É este o valor económico do processo, por ser este o montante da correção cuja anulação se pretende. Percorrendo as alíneas a) a d) do artigo 97º-A do CPPT resulta que o pensamento do legislador é coerente em todos os casos mencionados nas referidas alíneas, tendo sempre subjacente que o valor do processo deve corresponder ao valor económico em discussão, ou seja, o valor contestado na ação. Como alega a Requerida na resposta junta aos autos: “Atendendo à argumentação despendida, bem como a documentação junta, consubstanciada nos documentos anexos referidos como de nºs 12 a 18, o objeto do presente pedido arbitral incide sobre a discordância do montante de custos de construção a considerar, relativamente ao imóvel já identificado, cuja alienação foi geradora de mais-valias, a tributar, em sede de IRS.”

 

De acordo com o JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª Edição, 2011: “Na alínea a) do artigo 97.º A cabem todas as situações em que é impugnada a liquidação, em que se incluem não só as impugnações directas de actos de liquidação, como as impugnações de actos de indeferimento de reclamações graciosas ou recursos hierárquicos em que seja apreciada a legalidade do acto de liquidação (…). “

Considerando que a regra básica quanto à fixação do valor da ação é de que o valor do processo deve coincidir com o valor do benefício que se pretende obter.

 

Nestes termos, tendo em consideração a causa de pedir e o pedido formulado pelos Requerentes, os quais pretendem que sejam considerados os custos reais suportados, o que inclui os custos que a AT desconsiderou, deve entender-se que é este o valor económico de referência para atribuição do valor do processo, pelo que, improcede o pedido da Requerida quanto à alteração do valor da causa.

 

B.3 - Quanto à alegada falta de clareza do pedido formulado,

 

15.          Do que vem exposto quanto à questão antecedente resulta que não assiste razão à Requerida nesta alegação. O pedido dos Requerentes é claro e nenhuma dúvida resulta quanto à causa de pedir nem quanto ao pedido formulado. Assim,

 

O pedido é claro:

 

a)            Por força da desconsideração desses documentos e dos custos correspondentes a AT entendeu corrigir o valor de aquisição em relação a cada um dos requerentes de 158.285,20 euros para 77.965,99 euros e as despesas ou encargos de 53.623,35 euros para 21.240,89 euros, desconsiderando custos no valor de €37.374,69;

b)           Os Requerentes apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral para impugnar e obter a anulação da liquidação oficiosa de IRS n.º 2020... e acerto de contas nº 2020..., referente ao ano de 2018.

 

16.          Assim, não se afigura qualquer dúvida sobre a liquidação impugnada nos autos, pelo que o tribunal não viu qualquer necessidade de pedir a aclaração do pedido como alega a Requerida. De resto, percorrendo a resposta junta aos autos conclui-se que a Requerida compreendeu plenamente o sentido e alcance do pedido, pelo que improcede a sua alegação nesta matéria.

 

B.4. Quanto à questão de fundo:

 

17.          No seguimento do que vem exposto, a única questão a decidir é a de saber se os custos desconsiderados pela AT, no valor de €37.374,69, dando origem às correções efetuadas e à liquidação oficiosa emitida, deviam ou não ser considerados. Alega a Requerida que os Requerentes apresentaram diversos cheques emitidos, bem como declaração passada pela empreiteira, mas não tendo apresentado documento legal, ou seja, Fatura ou Fatura/Recibo, tais despesas não podem ser aceites como despesas de construção, porque “não foi apresentado documento válido fiscalmente”.

Já os Requerentes consideram que fizeram prova, de forma inequívoca perante a Requerida de todas as despesas efetuadas e que em sede de IRS o documento comprovativo e justificativo dos custos não tem de assumir as formalidades legais exigidas para as faturas em sede de IVA, sendo suficiente para a prova da despesa ocorrida um documento escrito. Concluem que “errou a AT quando não considerou as verbas declaradas, estando o ato de liquidação inquinado de vício de violação de lei, in casu, a alínea a) do nº 1 do artº 51º do CIRS, sendo que, para efeitos de cômputo da mais-valia realizada com a alienação do imóvel já identificado, devem ser considerados como custo de aquisição as quantias indicadas na declaração de IRS do ano de 2018, pelos Requerentes, nos montantes de € 158 285,99 para cada um e não de € 77 965,99 como pretende a AT.”

 

18.          Configurada, assim, a única questão de direito que falta decidir, importa atender ao regime de tributação das mais valias imobiliárias, em vigor ao tempo dos factos, nomeadamente no que toca aos requisitos de prova dos custos de construção suportados. Em primeiro lugar, importa atender ao disposto no artigo 51º, nº 1, alínea a) do CIRS, que dispõe sobre encargos comprovadamente realizados com a valorização dos bens ou despesas necessárias e efetivamente praticadas, relativamente à respetiva alienação e /ou aquisição.

 Por sua vez, dispõe o artigo 46º, nº 3 do mesmo CIRS, com a epígrafe “Despesas e encargos”, efetuados ao abrigo do artigo 51º, nº 1, alínea a) do (CIRS), que:

 

“O valor de aquisição dos imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.” (sublinhado nosso).

 

Ainda a este propósito, recorde-se o disposto no artigo 10.º do CIRS com a epígrafe “ Mais-Valias”, o qual dispõe o seguinte:

“1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imoveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; (…)”

 

19.          Em suma, as mais-valias em causa nos presentes autos têm a sua origem na transmissão de um imóvel, afeto a habitação permanente dos Requerentes, pelo que temos de atender ao supramencionado artigo 51.º, alínea a), do CIRS. Mas, para que os encargos e despesas possam ser elegíveis para a determinação das mais-valias, tem de ser provado que as mesmas foram necessárias e inerentes à aquisição e construção (se for o caso) do imóvel alienado, facto gerador da mais-valia.

No caso dos presentes autos todos os custos suportados pelos Requerentes encontram suporte documental, na declaração junta aos autos pela construtora com quem foi celebrado o contrato de empreitada, pela cópia dos cheques juntos aos autos, bem assim como pelos extratos bancários que corroboram as saídas dos quantitativos mencionados nos referidos cheques, como consta da matéria assente. A estes meios de prova documental, acresce o depoimento da testemunha inquirida nos autos, cujo depoimento não deixou dúvida sobre a execução integral dos trabalhos, o preço contratualizado e, muito importante, que todos os valores contratualizados para a execução da obra foram pagos pelos Requerentes.

Acresce que, os factos em causa decorreram nos anos de 1997 e 1998, o que justifica que a construtora já não tenha em seu poder as faturas para fornecer aos Requerentes a fim de serem apresentadas nestes autos. Mas, há uma realidade factual que é incontornável: os cheques foram emitidos, descontados, pagos pelos Requerentes e, por fim, mas não menos importante o responsável máximo pela gerência da empresa construtora, ouvido como testemunha não teve qualquer dúvida sobre o cumprimento escrupuloso do contrato e do seu pagamento integral por parte dos Requerentes. Aliás, a empresa construtora, emitiu uma declaração pormenorizada, com data de março de 2020, na qual descreve as fases essenciais de execução do contrato, o plano de pagamentos ajustado, donde se extrai o valor final suportado com a construção da moradia, e, por fim, atesta que todos os valores foram pagos pelos Requerentes.

 

20.          Chegados aqui, na verdade, não resta dúvida sobre a veracidade dos factos elencados e sobre o valor dos custos de construção suportados, que, diga-se, a AT em momento algum questiona. O que a AT questiona é, outrossim, o valor probatório dos documentos apresentados, porquanto considera que os mesmos não constituem documentos legais suscetíveis de provarem inequivocamente as despesas suportadas. Na perspetiva da AT, apenas a Fatura, acompanhada do respetivo recibo de pagamento, poderiam ser aceites. Será assim?

 

21.          É entendimento jurisprudencial dominante, nos nossos Tribunais superiores, bem assim como nos Tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, que cabe aos Requerente nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus de comprovar e documentar as despesas e encargos em causa, podendo recorrer a meios como a prova documental ou testemunhal. Ao que acresce que a declaração de rendimentos, modelo 3, IRS do ano de 2018 apresentada pelos Requerentes beneficia da pr0esunção de veracidade e de boa-fé, princípio este consagrado no artigo 75º da LGT, sendo também certo que, o afastamento da presunção ocorre nos termos do artigo 75º, no seu nº 2 e nas alíneas a) e b).

É, ainda, entendimento do nosso S.T.A. vertida, entre outros, no Acórdão de 9.9.2015, proferido no processo 028/15, que “tratando-se de gastos sem suporte documental externo compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou a despesa, não obstante essa omissão ou insuficiência formal.”

Este entendimento é ainda corroborado pela consideração, vertida na mesma jurisprudência citada, de que em sede de IRS o documento comprovativo e justificativo dos custos não tem de assumir as formalidades legais exigidas para as faturas em sede de IVA.

Quer isto dizer que a prova dos custos suportados pode ser efetuada por qualquer meio ao alcance do sujeito passivo, incluindo a prova testemunhal. Ora, assim sendo, por maioria de razão, há que admitir a prova a partir de documentos, cheques, declaração de quitação ou outros, que não faturas ou faturas-recibo.

 

22.          Retornando ao caso dos presentes autos, os Requerentes apresentaram prova documental de todos os pagamentos efetuados referentes aos custos de construção suportados com a moradia. Portanto, há que concluir que os Requerentes fizeram a prova que lhes competia, de forma clara e inequívoca, perante a AT, dos custos suportados. O entendimento que a Requerida defende e sustenta como fundamento para a desconsideração dos custos é, pois, inaceitável por não colher enquadramento legal. O que a lei exige é que os custos sejam comprovadamente demonstrados, não impondo qualquer meio de prova em particular. Ainda assim, no que se refere ao caso em apreciação sempre se dirá que os Requerentes apresentaram meios de prova documental que esclarecidamente demonstram os custos suportados. A prova testemunhal produzida veio, apenas, reforçar, de forma convincente e clara, a veracidade dos factos que já resultavam dos documentos juntos aos autos.

23.         

24.          Assim errou a ATA quando não considerou as verbas supramencionadas, estando o acto de liquidação inquinado de vício de violação de lei – in casu a alínea a) do nº 1 do art. 51º do (IRS).

25.          54

26.          Assim, e face a todo o exposto, para efeitos de computo da mais valia realizada com a alienação do imóvel mencionado no art. 13 desta petição, devem ser considerados como custo de aquisição as quantias de indicadas na declaração de IRS dos requerentes relativa ao ano de 2018 nos montantes de 158.285.99 euros para cada um dos requerentes e não de 77.965.99 euros como pretende a ATA.

Assim, é entendimento deste Tribunal arbitral que a razão de ser subjacente à dedutibilidade destas despesas no cômputo das mais-valias decorre do princípio da verdade material, da justiça e da proporcionalidade do ato tributário, segundo os quais só deve ser considerado o rendimento líquido da categoria, já que só este corresponde à capacidade contributiva efetiva do sujeito passivo. Razão pela qual os encargos comprovadamente incorridos que apresentem uma conexão evidente ou necessária com a obtenção do rendimento proveniente da mais-valia imobiliária, deve sempre levar em linha de conta todos os custos comprovadamente suportados para a obtenção do proveito. A sua comprovação pode ser efetuada por qualquer meio de prova ao seu alcance. Este entendimento, vai ainda de encontro ao sufragado pelos Acórdãos do TCA Norte de 04-05-2017, proferido no processo nº. 00314/06.6BEBRG e de 29-3-2012, proferido no processo nº. 00011/04.7BEMDL e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00926/08.3BEBRG, de 25 de março de 2021, todos alinhados com o entendimento que vinha sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo. 

 

Em face do exposto, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando a liquidação de IRS impugnada, com as consequências legais, ou seja, anulada a liquidação impugnada deve ser considerada como adequada a anteriormente apresentada pelos Requerentes, considerando a imputação de todos os custos por estes apresentados.

 

C. Decisão Arbitral

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:

 

a)            Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos Requerentes, declarando ilegal a liquidação oficiosa de imposto impugnada;

b)           Em consequência deve ser reposta a situação tributária que existiria não fosse a prática do ato de liquidação ilegal;

c)            Condenar a Requerida AT nas custas do processo.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €37.374,69, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de setembro de 2021

 

O Árbitro,

(Maria do Rosário Anjos)