DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1 - A..., com o NIF ..., residente em ..., Cambridge, Reino Unido, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT , aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugados com a alínea a) do artigo 99.º e a alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do CPPT , requerer a constituição de Tribunal Arbitral singular, em matéria tributária, com vista à apreciação e anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa nº ... e anulação parcial do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017, que determinou imposto a pagar no valor de € 40 786,41, o que faz nos termos e com os fundamentos expostos na sua petição e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
2 - O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro e veio a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD , em 25/11/2020 e notificado à ATA na mesma data.
3 -Nos termos e para efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º e da alínea a) do artigo 11º, ambos do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 18/01/2021, designado árbitro o licenciado Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.
4 - As partes foram notificadas dessa designação não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 03/05/2021, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 - Com o seu pedido, visa o Requerente a anulação de € 20 393,20 da aludida liquidação nº 2018..., por vício de violação da Lei, ficando a mesma a prevalecer pelo no montante de € 20 393,21.
6 - Suporta o seu ponto de vista, em síntese, no entendimento de que sendo um não residente no ano de 2017, domiciliado num Estado, então Membro da União Europeia, mais concretamente no Reino Unido, fez constar no anexo G da declaração modelo 3 como único rendimento obtido em território português no aludido ano de 2017, mais-valias imobiliárias obtidas com a alienação em 25/05/2017 de um imóvel, de que era proprietário, situado na freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... - fração J, conforme fez constar no respetivo anexo.
7- O Requerente declarou pretender a tributação pelo regime geral e em consequência foi pela ATA emitida a já identificada liquidação que incidiu sobre a totalidade do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias (€ 145 665,75) e aplicada a taxa de 28%, prevista no nº1 do artigo 72º do CIRS .
8- Entende que este procedimento da ATA desrespeita e viola o direito comunitário, constituindo uma discriminação injustificada, relativamente aos contribuintes residentes que são tributados apenas por 50% das mais-valias obtidas, conforme artigo 43º nº 2 do CIRS.
9- Refere a apreciação que o TJUE fez do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, no acórdão, de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C-443/06 (Acórdão Hollmann) que prevalece sobre o direito interno conforme nº 4 do artigo 8º da CRP .
10 - Na sequência do qual, os tribunais nacionais adotaram uma posição consentânea com o ali decidido, sendo disso exemplo, entre outros, os arestos do STA de 16.01.2008, proferido no processo n.º 0439/06, de 22.03.2011, proferido no processo n.º 01031/10, de 30.04.2013, prolatado no processo n.º 01374/12 e de 03.02.2016, prolatado no processo n.º 01172/14; no mesmo sentido, mais recentemente, foi proferido o acórdão do STA, de 20.02.2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17 e decisões dos Tribunais Arbitrais que na sua quase totalidade, vão no sentido por si propugnado.
11- Por último considera que o disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS é incompatível com o disposto no artigo 63º do TFUE pedindo a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação aqui em crise, a anulação parcial da citada liquidação nos termos já referidos e a restituição do imposto a mais pago no montante de € 20 393,21, por não ter sido considerado apenas 50% do saldo de mais-valias apurado.
12 - Por sua vez a ATA e também síntese, considera que o presente pedido de pronúncia arbitral deverá ser declarado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida, com as devidas e legais consequências.
13 - Suporta o seu ponto de vista, defendendo-se por exceção, invocando a caducidade do direito de ação e a incompetência material absoluta do CAAD para apreciação do despacho que rejeitou o pedido de revisão oficiosa e por impugnação, invocando que o legislador nacional, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, Lei do Orçamento de Estado para 2008, ter harmonizado o direito interno com o comunitário.
14 - E, por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do CIRS e consultada a respetiva declaração do Requerente, verifica-se que no quadro 8 B foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
15 - Ora o Requerente podia ter optado pela tributação como residente em território português e assim beneficiar da pretendida redução de 50% na matéria tributável, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque, a fazê-lo, teria também de declarar todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional.
16 - Tendo declarado pretender a tributação pelo regime geral, foi esta aplicada à Requerente, motivo pelo qual não foram tidos em conta apenas 50% da mais-valia apurada com a alienação do imóvel mencionado no quadro 4 do anexo G da respetiva declaração modelo 3, mas a sua totalidade aplicando-se a taxa autónoma de 28% sobre o valor dessa mesma mais-valia, nos termos previstos no regime geral de tributação em IRS, pelo qual a Requerente expressamente declarou pretender ser tributada, conforme estipula a alínea a) do n.º 1 do artigo72.º do CIRS.
17 - O quadro legal (bem como a obrigação declarativa) já não é aquele que existia à data do Acórdão do TJCE , tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais 9 e 10) ao artigo 72 ° do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.
18 – Por último, refere que o artigo que a Requerente pretende que lhe seja aplicado (43°, n.º2,do CIRS) está incluso no capítulo II do Código que tem como epígrafe "Determinação do rendimento coletável", mas para efeitos de incidência (no que toca à matéria das mais-valias) os artigos relevantes são o 9° e 10° do CIRS, não sendo aplicável ao caso aqui em análise o citado artigo 43º do CIRS.
II - SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2º nº 1 alínea a) e artigo 5º nº 1 e 2, ambos do RJAT e após a junção da resposta da ATA, proferiu, em 01/06/2021 o seguinte despacho:” Notifique-se o Requerente para se pronunciar, em 10 dias, querendo, sobre as exceções aduzidas pela Requerida na sua resposta”.
Em requerimento de 15/06/2021 o Requerente pronunciou-se sobre as aludidas exceções e em 16/06/2021 o Tribunal proferiu o seguinte despacho:” Na resposta a Requerida defendeu-se em primeiro lugar por exceção, suscitando a caducidade do direito de ação e a incompetência material absoluta do CAAD para apreciação do despacho que rejeitou o pedido de revisão oficiosa, matéria sobre a qual o Requerente já se pronunciou e que o Tribunal apreciará na decisão.
A tramitação processual não se mostra complexa e não foram arroladas testemunhas pelas partes. Tendo em vista os princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, conforme artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e não havendo novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar, dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a apresentação de alegações escritas.
Assim, indica-se o dia 12 de Julho de 2021 como data previsível para prolação da decisão arbitral, devendo até essa data o Requerente fazer prova do pagamento, junto do CAAD, da taxa de justiça subsequente.”
Assim, tendo em conta que as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando as duas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4º e 10º nº.2, ambos do RJAT, não enfermando o processo de nulidades e as questões prévias a decidir serão apreciadas antes da apreciação do mérito da causa, consideram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
a) Decidir sobre a procedência ou improcedência das exceções arguidas pela Requerida e retirar as respetivas consequências.
b) Decidir, em caso de improcedência das aludidas exceções se, a liquidação posta em crise deverá ser anulada parcialmente no montante de €20 393,21, nos termos requeridos ou, se pelo contrário, deverá ser mantida na ordem jurídica, pela sua totalidade € 40 786,41 por não sofrer de qualquer ilegalidade, como entende a Requerida.
2 - Matéria de Facto
a) A Requerente, conforme declarou, reside em ..., Cambridge, Reino Unido.
b) A mais-valia em causa resultou da alienação, em 25/05/2017, pelo preço de € 500 000,00 do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., fração J que havia adquirido em 20/02/2009, pelo preço de €281 000,00.
c) Quando da aquisição do imóvel, era divorciado e contraiu um empréstimo para a mesma no montante de € 260 138,00 junto do Banco B... (Portugal) SA e um outro para consumo no valor de € 19 000,00.
d) Em 25/05/2017 o montante em dívida ao aludido Banco era de € 206 917,15 e os encargos associados à venda foram de montante global de € 48 044,25.
e) Em 01/06/2018 O requerente entregou a declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos do ano de 2017, que foi apenas acompanha do anexo G, onde fez constar a alienação do imóvel em causa, declarando a sua condição de não residente e pretender ser tributado pelo regime geral.
f) Verificou em 19/08/2018 no portal das finanças que lhe tinha sido aberto uma “Divergência” e na mesma data, através de mail dirigido ao ... serviço de finanças de Lisboa, juntou a documentação relacionada com a compra e com a venda do imóvel e solicitou a atualização da sua morada par ..., Cambridge, ... Reino Unido, não tendo obtido qualquer resposta por parte daquele serviço sobre esta sua diligência.
g) Em 25/10/2018 acedeu de novo ao portal das finanças, verificou que a divergência continuava aberta e havia um processo de cobrança ...2018..., com o valor de € 40 786,41, juntou de novo a documentação que já havia enviado, mas agora na aplicação de “Divergências” e enviou mail ao ... serviço de finanças de Lisboa, a solicitar o pagamento em prestações do qual não obteve resposta.
h) Entretanto foi-lhe penhorado um imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o artigo ... com vista à cobrança do valor exigido no Pº ...2018..., vindo, em 14/02/2020, a realizar o pagamento do total em dívida no montante de € 43 911,25.
i) Através de certidão obtida através do portal das finanças, verificou que a liquidação do imposto teve lugar em 05/06/2018, com o nº 2018... na qual foi tida em conta os elementos por si declarados apurando-se a mais-valia de € 145 665,75 que foi tributado na totalidade à taxa de 28% prevista no nº. 1 do artigo 72º do CIRS, resultando o imposto de € 40 786,41cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 31/08/2018.
j) Em 02/03/2020 o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS, invocando o nº 1 do artigo 78º da LGT , que veio a ser indeferido conforme comunicação da ATA de 26/08/2020
Esta é a matéria de facto que o Tribunal selecionou, considerou provada e pertinente para a decisão da causa face ao artigo 75º da LGT, aos elementos juntos aos autos pelas partes e por elas aceites.
Não consideramos a existência de outros factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como não provados.
3- Matéria de Direito
3.1- Das exceções
a) Da caducidade do direito de ação
Invoca a ATA a caducidade do direito de ação uma vez que conside ultrapassado o prazo de 90 dias a que alude alínea a) do nº 1 do artigo10º do RJAT, que são, contados a partir dos factos constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, relativamente aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.
Também foi ultrapassado o prazo de 30 dias a que alude a alínea b) do mesmo nº1 do artigo 10º do RJAT, que são contados a partir da notificação dos atos previstos nas alíneas b) e c) (revogada) do artigo 2.º do RJAT, nos restantes casos .Está provado nos autos que a liquidação neles posta em crise devia ter sido paga até 31/08/2018, tendo o pedido de pronúncia sido apresentado em 24/11/2020, sendo evidente que o prazo para a sua impugnação há muito foi ultrapassado e consequentemente caducou o direito de ação o que constitui uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento dos auto e determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto na alínea k)do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA , aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.
Por sua vez o Requerente, notificado para o efeito e apoiando-se em jurisprudência do STA e no preceituado na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT considera que o pedido de revisão oficiosa do ato tributário foi tempestivo logo não houve caducidade do direito de ação.
Vistas as posições das partes sobre a exceção e da análise dos autos o Tribunal verifica que o Requerente apresentou, em 02 de Março de 2020, um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT, contra o ato de liquidação do IRS de 2017 com o nº 2018..., no montante de € 40786,41, por entender que a referida liquidação padece de vício de violação da Lei por erro imputável aos serviços, ao tributar a totalidade da mais-valia apurada, quando deveria tributar apenas 50%, tal como acontece com os sujeitos passivos residentes em território português. O pedido de revisão foi tempestivo, como aliás reconhece a ATA na informação que prestou no PA, tendo em conta o nº.4 do artigo 78º da LGT e veio a ser indeferido conforme, ofício datado de 26 de Agosto de 2020, com o fundamento de que não houve erro imputável aos serviços e o requerente não ter usado dos mecanismos previstos nos nºs 9 e 10º do artigo 72º do CIRS. Tendo o presente pedido de pronúncia sido apresentado em 24 de Novembro de 2020, verifica-se que foi apresentado dentro do prazo a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, improcedendo assim a presente exceção.
b) Incompetência material absoluta do CAAD para apreciação do despacho que rejeitou o pedido de revisão oficiosa
Na perspetiva da Requerida e tendo em conta o que dispõe o artigo 2º do RJAT o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e declarar a ilegalidade do despacho que indeferiu o pedido de revisão oficiosa aqui em causa, uma vez que a sua competência está circunscrita a atos de liquidação. Verifica-se, por isso, a incompetência material do Tribunal que configura uma exceção dilatória que implica absolvição da instância, conforme alínea a) do n.º 4 e n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável por força do estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Por sua vez o Requerente apoia-se em jurisprudência de Tribunais do CAAD e conclui que apesar da Requerida, não ter apreciado no despacho de indeferimento da revisão oficiosa a legalidade do ato tributário de liquidação, limitando-se a remeter para a não verificação dos pressupostos legais para a efetuar, as informações que suportam o despacho de indeferimento fizeram a apreciação da legalidade do ato de liquidação e como tal a exceção dilatória suscitada deverá ser considerada improcedente.
O Tribunal, tendo em consideração a posição das partes, o disposto no artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, na qual é fixada a abrangência da arbitragem a atos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não deem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de atos tributários, os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, os atos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária. Em seguimento desta autorização legislativa o Governo através do Decreto – Lei nº 10/2011 de 20 de janeiro publicou o RJAT que no seu artigo 2º fixou a competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, à declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais. Por sua vez a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, veio restringir ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminando a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando deem lugar à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação. O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, estabeleceu que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, restringido o âmbito da arbitragem tributária de harmonia com a vinculação, conforme portaria 112-A/2011 que fixou o objeto da vinculação, restringindo bastante o âmbito fixado na autorização legislativa.
O ato que se encontra em causa, que constitui o objeto imediato do presente processo, é, consequente e indubitavelmente, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do seguinte teor: “Visto. Atendendo ao referido e proposto nos pareceres que antecedem, ao teor, conteúdo e fundamentos da informação prestada infra e em especial ao informado e proposto em sede de audição prévia, considero que o pedido não merece provimento – uma vez que segundo o informado não se verificam os pressupostos legais previstos para a Revisão solicitada e se trata de matéria sancionada Superiormente no sentido do indeferimento do pedido – convolando-se em definitivo aquele projeto de decisão”
A informação que suportou o despacho e os pareceres, nele referidos, é do seguinte teor:
“O Requerente solicita a anulação da liquidação do IRS supra, alegando discriminação arbitrária ilegal, sob pena de violar o Direito da União Europeia, no seu artº 63º do TFUE, relativamente à tributação das mais-valias, refere que deveriam ser tributadas em 50%. Nos termos do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS, as mais-valias obtidas com a transmissão de imóveis efetuadas por residentes em território nacional apenas são consideradas em 50 % do seu valor. Nestes termos, sendo o requerente residente fiscal no estrangeiro não tem aplicação a limitação de incidência de imposto a 50%, sendo a mais-valia imobiliária considerada pela sua totalidade. Na sequência da prolação de Acórdãos do TJUE, bem como do STA, que consideraram que a norma violava o direito internacional, interveio o legislador português, no sentido de adaptar a legislação nacional à jurisprudência comunitária, tendo introduzido o n.º 9 e n.º 10 do art. 72º do CIRS. De acordo com o estabelecido no n.º 9 e 10 do art.º 72º do CIRS, podem os sujeitos passivos não residentes optar pela tributação às taxas dos sujeitos passivos residentes, devendo nesse caso, informar qual o valor dos rendimentos auferidos no estrangeiro, apenas para efeitos de determinação da taxa a aplicar, o que não aconteceu no presente caso. Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1, do art. 43º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios. Pelo exposto, verifica-se que não se mostram verificados os pressupostos para a revisão da liquidação de IRS. IV – PARECER Assim sendo, face ao exposto sou de parecer que seja negado provimento ao presente pedido de revisão oficiosa.”
Face ao que acabamos de constatar o pedido de revisão oficiosa dirigia-se à liquidação de IRS aqui em causa, pretendendo a apreciação da sua legalidade que a ATA apreciou negando provimento, por considerar a mesma em conformidade com a legislação em vigor considerando não verificados os pressupostos para a sua revisão.
Este ato de indeferimento é suscetível de impugnação uma vez que comporta apreciação da legalidade do ato de liquidação, conforme alínea d) do artigo 97º do CPPT estando, por isso, incluído no âmbito do artigo 2º do RJAT e no objeto de vinculação do artigo 2º da portaria 112-A/2011, pelo que consideramos a exceção improcedente.
3.2 – Da liquidação
Verificada a improcedência das exceções, nada obsta a que se aprecie a questão da legalidade da liquidação e tendo já sido apreciada a posição das partes, cabe ao Tribunal apreciar e decidir, se o procedimento da ATA, tributando, a mais-valia obtida, na sua totalidade, pela taxa autónoma de 28% prevista no artigo 72º do CIRS, é ou não violador do direito da União Europeia e consequentemente declarar ou não ilegal a liquidação aqui posta em crise.
Resulta da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem, entre outros, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
O nº 4 do mesmo normativo estipula que o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição sendo que este é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel, conforme artigos 50.º e 51.º do CIRS. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, estipulando o seu nº 2, alínea b) que esse saldo é apenas considerado em 50% do seu valor, no caso de transmissões efetuadas por residentes.
Ainda quanto a estes, sobre esse valor, incidem as taxas gerais previstas no artigo 68º do CIRS.
Diferente é a situação para os não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias, podendo o Requerente optar pelo regime previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º já referido o que, no caso concreto, não fez essa opção.
O artigo 63.º do TFUE estabelece a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais e pagamentos entre Estado Membros e entre estes e países terceiros, conforme redação que se transcreve: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movi¬mentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos paga-mentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.
A quase totalidade das decisões dos Tribunais Arbitrais tem sido no sentido de considerar o procedimento seguido pela ATA, desrespeitador do direito da União Europeia mesmo após a nova redação do artigo 72º do CIRS introduzida pela Lei 67-A de 2007, nomeadamente, do artigo 63º do Tratado, que constitucionalmente se impõe ao direito interno.
É invocada pela ATA a possibilidade de opção prevista no artigo 72.º do CIRS, no n.º 7, atual n.º 9, considerando que o atual regime opcional, permitido aos sujeitos passivos não residentes, se adequa ao direito da União Europeia, cabendo a estes fazer a opção.
A quase totalidade da jurisprudência dos Tribunais constituídos no âmbito do CAAD não acompanham o ponto de vista da ATA e consideram incompatível com o direito comunitário o regime que resulta da conjugação do artigo 43.º,n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, mesmo após às alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007.
A tentativa de adaptação da legislação portuguesa à legislação comunitária através da lei 67-A de 2007 foi recentemente apreciada pelo TJUE, conforme Acórdão no Processo Prejudicial C-388/19 (Processo CAAD nº 598/2018-T) do qual se extrai que o mesmo sufraga a jurisprudência que vinha sendo seguida, quase na totalidade, pelos Tribunais Arbitrais do CAAD, transcrevendo- se a sua conclusão: ”O artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o
artigo 65.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado Membro que, para permitir que as mais valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para
esse mesmo tipo de operação, às mais valias realizadas por um residente do primeiro Estado Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável“.
Assim, fica patente que o procedimento da Requerida é discriminatório para os sujeitos passivos não residentes, relativamente aos residentes, mesmo quando é dada a possibilidade do seu afastamento, usando a opção do regime previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do CIRS, pelo que consideramos parcialmente ilegal a liquidação de IRS nº. 2018..., respeitante ao ano de 2017 e aqui posta em crise, por violação do direito comunitário, na parte em que condiciona os não residentes, domiciliados num Estado Membro, da possibilidade de usufruírem das disposições contidas no nº 2 do artigo 43ºdo CIRS, com a consequente anulação do imposto indevidamente pago no montante de € 20 393,20, nos termos do artigo 163º, nº 1 do CPA , subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT, restituindo ao requerente esse mesmo valor, indevidamente pago, ficando a aludida liquidação a prevalecer apenas pelo valor de € 20 393,21.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, o Tribunal decide:
a) Declarar o pedido de pronúncia arbitral procedente nos termos requeridos, com a consequente devolução ao Requerente do imposto liquidado e pago em excesso, no montante de € 20 393,20.
b) Fixar o valor do Processo em € 20 393,20, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1e 4 do CPC , 97-A nº 1 alínea b) do CPPT e 3º nº 2 do RCPAT .
c) Fixar as custas, no montante de € 1 224,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, a cargo da Requerida, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT.
A presente decisão, deverá ser notificada ao Ministério Público, representado pela Senhora Procurador Geral da República, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável
Notifique.
Lisboa, 07 de julho de 2021
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
O Árbitro,
Arlindo Francisco