Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 765/2020-T
Data da decisão: 2021-07-07  IRC  
Valor do pedido: € 539.969,59
Tema: IRC. Regime especial de tributação dos grupos de sociedades. Benefício fiscal anterior.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Ricardo Marques Candeias e Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:

               

                1. Relatório

 

A... SGPS S.A. (adiante A... SGPS ou Requerente), com sede na Rua ... nº..., ...-... ..., com o número de identificação de pessoa coletiva ..., veio ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação adicional n.º 2020..., consubstanciada no documento de compensação n.º 2020..., referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do período de 2016, no montante total a pagar de € 539.969,59.

                A Requerente pede também a anulação da que de juros compensatórios e o pagamento de prejuízos resultes da prestação da garantia bancária n.º ..., do B... .

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 15-12-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03-05-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 25-06-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           A A... SGPS é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS);

B)           Foi realizada uma inspecção à Requerente relativa ao exercício de 2016, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019... em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 1.2.1. Caracterização do Grupo

A A... SGPS, SA, é a sociedade dominante de um Grupo sujeito ao RETGS - Regime Especial de Tributação Grupos de Sociedades, que optou pela aplicação do regime a partir de 2014.01.01.

O Grupo é composto pela sociedade dominante e por mais quadro sociedades dominadas, conforme quadro

 

 

(...)

llI.1. GRUPO-CORREÇÃO da DEDUÇÃO à COLETA de BENEFÍCIOS FISCAIS (Q1O/DM22 do Grupo)

Na declaração de GRUPO foi deduzido à coleta, a título de Benefícios Fiscais - campo 355 do quadro 10 da DM22 - o valor de €694.424,24.

Analisado o quadro 07 - Deduções à Coleta do Anexo D à DM22 do Grupo - Benefícios Fiscais, extraiu-se a seguinte informação:

 

 

Como se verifica, na declaração de Grupo foram considerados os seguintes Benefícios Fiscais - Dedução no Período:

             Benefícios fiscais ao investimento de natureza contratual de €213.956,80 (D...)

             SIFIDE de 480.467,44 (F...)

 

ANÁLISE

(...)

SIFIDE – Sistema de incentivos fiscais à I&D empresariais

Foi ainda deduzido à coleta, a título de Benefícios Fiscais - campo 355 do quadro 10 da DM22 - o valor de €480.467,44, que como se apresentará de seguida, não confere o direito à dedução na esfera do Grupo.

Conforme quadro acima (Quadro 5), o crédito fiscal de €535.257.20 (proveniente de períodos anteriores) + €194.107,82 (do próprio período 2016) são oriundos do SIFIDE - Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial- Benefício Fiscal regulado pela Lei 40/2005 de 2005.08.03 (que cria o SIFIDE) e Lei 55-A/2010 de 2010.12.31 (OE2011, art. 133º que aprova o SIFIDE II), entretanto com alterações introduzidas pela Lei 83-C/2013 de 2013.12.31 (OE2014, art. 211º) e pelo DL 162/2014 de 2014.10.31 (que aprovou o novo CFI- Código Fiscal do Investimento).

O Benefício Fiscal em causa foi concedido à sociedade F..., SA, entidade dedicada ao "Estudo, pesquisa, investigação e desenvolvimento de soluções inovadoras em produtos, softwares, tecnologias e processos produtivos para a indústria. Construção, avaliação, desenvolvimento e aplicação de protótipos e sua apresentação à indústria. Estudos de mercado e avaliação das necessidades e tendências da indústria, com identificação de novas tecnologias e oportunidades de negócio, e desenvolvimento tecnológico e científico".

De acordo com informação disponibilizada pela F..., nomeadamente declarações comprovativas5 das entidades certificadoras do SIFIDE, os créditos fiscais atribuídos no âmbito deste incentivo fiscal foram os seguintes:

 

 

 

Por insuficiência de coleta, nem as declarações individuais da F... (entre 2009 e 2013), nem a declaração do Grupo (em 2014), deduziram os créditos fiscais discriminados para os anos 2009, 2010 e 2011.

Em 2015, na esfera do Grupo, procederam à dedução de parte do Benefício Fiscal atribuído para 2009 [a restante parte foi considerada perdida por esgotamento do prazo para a sua dedução].

Em 2016 o sujeito passivo (SP) considerou - na DM22 de Grupo - os Benefícios Fiscais de 2010,2011 e 2016. Deduziu à coleta de IRC os benefícios atribuídos para 2010 (na totalidade) e 2011 (em parte) - até à concorrência da coleta -, conforme se demonstra no quadro seguinte,

 

 

Em causa, está a dedução dos Benefícios Fiscais de 2010 e 2011 [resultantes de investimentos concretizados naqueles anos] por terem ocorrido em data anterior à integração da F... no Grupo, ou seja, em data anterior ao início da opção da tributação pelo RETGS.

À semelhança das correções promovidas ao ano 2015 - pelo facto de a declaração de grupo ter deduzido à coleta o Benefício Fiscal atribuído à mesma empresa, F..., com referência ao ano 2009 - a dedução à coleta efetuada em 2016 não reúne condições de aceitação na sua totalidade.

 

Enquadramento Legal e Tributário do SIFIDE

Os benefícios fiscais atribuídos no âmbito do SIFIDE são concedidos às empresas que estejam nas condições estabelecidas pela Lei nº 40/2005, de 3 de Agosto, artigos 4º e 5º (âmbito e condições de dedução), independentemente de serem ou não tributadas pelo RETGS previsto no art. 69º e seguintes do CIRC.

Para poderem usufruir deste benefício, as sociedades têm de realizar as despesas consideradas elegíveis pelo art. 3º do referido diploma - critério de natureza objetiva.

Na verdade, não consta do próprio diploma - que estabelece o SIFIDE - uma norma a regular a dedução deste benefício no âmbito do RETGS.

No entanto, sendo o SIFIDE um benefício fiscal concedido individualmente, a sua dedução no âmbito do Grupo deverá atender aos pressupostos existentes à data em que nasce o direito ao mesmo.

Veiamos:

Segundo o normativo que estabelece o SIFIDE II - Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial II:

Artigo 37º (anterior art. 3º) Aplicações Relevantes (anterior Despesas elegíveis)

nº1 - Consideram-se dedutíveis as seguintes categorias de despesas, desde que se refiram a actividades de investigação e desenvolvimento.....

 

Artigo 38º (anterior art. 4.º) Âmbito da dedução

nº1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nessa território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do estado a fundo perdido, realizadas nos períodos...

nº3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

nº4 - As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo- exercício seguinte.

(...)

Conforme determina o normativo legal transcrito, o crédito fiscal obtido no âmbito do SIFIDE pelos sujeitos passivos de IRC que tenham investido em determinada categoria de despesas, pode ser deduzido ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência.

Ora, na data em que a F... obteve o benefício fiscal de €535.257,19 (a ela comunicado a 10 janeiro de 2013 com referência ao seu investimento de 2010 e 2011, em despesas consideradas elegíveis), dispunham os normativos legais que o mesmo fosse passível de dedução à sua coleta (pois a ela foi objetiva e individualmente atribuído), e até à sua concorrência, pelo período àquela data estipulado de 6 anos (período a que o benefício respeita, mais seis).

Assim, na data da obtenção deste Benefício Fiscal SIFIDE, a empresa promotora do investimento em I&D, individualmente tributada pelo Regime Geral de Tributação, adquiriu o direito, que não lhe poderá ser mais negado face a um dos princípios de direito fiscal - Princípio da Segurança Jurídica - de dedução à sua coleta deste crédito fiscal. Até que se esgote o prazo para a sua dedução, e até que haja coleta, este direito é incontestável. Inerentemente, não poderá o mesmo (direito de dedução de benefício fiscal) ser estendido a outra realidade tributável na sequência da opção pelo RETGS. Veja-se que, na data em que nasceu o direito ao mesmo, o Grupo nem sequer existia.

Diferente deste, é o benefício fiscal SIFIDE no valor de €194.107,82 atribuído à mesma F... para o ano 2016 - ano em que a empresa já se encontra integrada no RETGS. Sendo este atribuído na vigência do Grupo, o benefício fiscal é passível de dedução até à concorrência da coleta do Grupo. Note-se que este não foi - pelo sujeito passivo (SP) - deduzido em 2016 face à insuficiência da sua coleta (naquele ano) -, mas foi deduzido na totalidade na declaração de Grupo de 2017. Por esse motivo, por se encontrar deduzido à coleta de 2017, não será promovida a sua dedução em 2016 sob pena de se apresentar uma duplicação de dedução fiscal.

Concretizando:

O CFI - Código Fiscal do Investimento, originalmente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro e mais recentemente alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro10, procura sintetizar um conjunto de apoios de índole fiscal ao investimento produtivo e também à investigação ~e desenvolvimento, com o objetivo de promovera competitividade da economia nacional, a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, a criação de emprego e o reforço dos capitais próprios das empresas.

Note-se, desde já, o carácter específico e objetivo a que estão sujeitos os incentivos aqui enquadrados.

Entre outros, o CFI estabeleceu o regime de incentivos SIFIDE (no seio do qual se enquadra a matéria em análise - SIFIDE e SIFIDE II) que, como atrás já referido, está direcionado para o investimento em I&D (Investigação & Desenvolvimento).

No que à tributação pelo RETGS diz respeito, poderemos enunciar muito do que já tem sido decidido pela jurisprudência - Proc. 05376/12 do TCA sul, citando o Acórdão do STA a propósito da transmissibilidade de prejuízos - proc. nº 0909/10, de 02-02-2011; Proc. nº 648/2015-T do CAAD, a propósito da dedução à coleta do grupo de benefícios fiscais, individuais - ao proclamar que o RETGS é dominado por uma lógica de tributação conjunta, sendo a tributação em sede de IRC feita tendencialmente pelo seu resultado agregado, como se de uma só sociedade se tratasse, correspondendo à unidade económica do conjunto que se comporta no mercado como se efectivamente fosse uma única empresa. Não obstante, cada sociedade do grupo não perde a sua personalidade jurídica e individualidade jurídico-organizativa e patrimonial nem deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo facto de passar a integrar o grupo de sociedades. Tal manifesta-se através de várias premissas:

• A tributação em sede de RETGS baseia-se na soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais individuais das sociedades do perímetro do grupo de sociedades;

• Cada uma das sociedades incluídas no perímetro deve apresentar também uma declaração periódica de rendimentos, que, todavia, só não é objecto de liquidação (cfr. art.º 120º, n.º 6, do CIRC);

• Está limitada a integração de sociedade que tenha registado prejuízos nos três exercícios anteriores;

• Só os prejuízos gerados após a constituição do REGTS pertencem ao grupo, não os anteriores;

Trata-se, pois, de um sistema que agrega as contas das sociedades, permitindo a compensação de resultados positivos e negativos, sem que sejam modificadas ou eliminadas as posições individuais de cada sociedade integrante. O art.70º do Código do IRC acentua esta posição quando determina que o lucro tributável do grupo seja calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

Sendo certa a existência de uma lógica de tributação conjunta [traduzida numa agregação dos resultados individuais das empresas que integram o Grupo], não se trata, contudo, de uma lógica de tributação unitária [como se de apenas uma sociedade se tratasse, caso em que as partes perderiam todas as suas características individuais].

Não existem dúvidas, pois, que na tributação pelo RETGS, as empresas mantêm a sua individualidade e autonomia fiscal.

Conforme se verificou, o benefício fiscal em análise (SIFIDE) foi concedido à sociedade F..., SA., resultando em créditos fiscais atinentes aos anos 2010 e 2011, períodos anteriores à constituição do Grupo. Foi a essa empresa concedido, pois foi na sua esfera organizacional e jurídica que foi realizado o investimento em I&D.

Por conseguinte, a F... adquiriu - na sua esfera individual, jurídica, organizacional, patrimonial e, fiscal - um direito (subjetivo), nos exactos termos prescritos na lei mas que ela mesma só pode efetivar se gerar ou vier a gerar a sua própria coleta. Ou seja, os identificados incentivos fiscais, gerados em determinado período de tributação, são passíveis de dedução à coleta num pressuposto base da mesma relação jurídica de imposto, circunscrevendo-se, subjectivamente, à esfera do mesmo sujeito passivo de IRC.

Conclusão:

Não podemos enveredar por uma lógica de existência de uma única coleta relevante para efeitos fiscais, pois tal argumento contraria o definido pelo CIRC, art. 120º nº6, que estabelece a obrigação de determinará imposto como se aquele regime não fosse aplicável".

Em suma, há tantas coletas quantas as sociedades integradas no RETGS e a lei requer, quanto a todas e cada uma delas, o apuramento individual do imposto (IRC) anualmente devido, como se o RETGS não fosse aplicável.

Nesta medida, restará agora conciliar a existência de coletas individuais com a regra do RETGS que impõe o apuramento da coleta do grupo nos termos referidos no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

Defende o já citado acórdão do CAAD que uma coisa é a imposição legal segundo a qual, no RETGS, as deduções relativas a benefícios fiscais são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo (cfr. o n.º 6 do artigo 90º do CIRC), outra bem diferente e à qual aquele preceito não responde é a de saber qual o limite dessa dedução. Ora, esse limite é o que resulta do regime específico do benefício em causa e aportado, em concreto, pela concreta sociedade beneficiária para o grupo.

É em razão disso que o referido art. 90º nº6 do CIRC determina que "as deduções referidas no n.º 2 (inclui as relativas a benefícios fiscais), relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.º

Conforme se verifica, esse n.º 6 vem confirmar que:

- os benefícios fiscais que se permite deduzir à coleta do Grupo (por força do CIRC, art. 90º n.º 2), são os benefícios fiscais que se constituíram na esfera de cada uma das sociedades integradas no RETGS, e

- com a precisa conformação que na esfera jurídica destas sociedades esses benefícios fiscais nela podem ser relevados, à luz da obrigação que individualmente impende sobre cada uma delas, de apurar individualmente todos os agregados fiscalmente relevantes até à determinação do imposto devido como se o RETGS não fosse aplicável.

Não se constata [como chegou a defender o sujeito passivo, sobre a mesma temática, no procedimento inspetivo ao ano anterior] a inexistência de uma norma específica para a dedução de benefícios fiscais apurados antes da entrada em vigor do RETGS. Necessário será uma coerente interpretação da lei.

A dedução verificada viola, pois, um dos princípios basilares da tributação dos grupos de sociedades: princípio da neutralidade, segundo o qual o imposto sobre o rendimento deve ser uniforme e não influenciar as decisões empresariais (princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica, consagrado na CRP, art. 61.º).

Ainda, como clarificação e complemento, retira-se de uma análise mais cuidada à Lei 40/2005 de 3 de agosto (SIFIDE) - artigos 4º ao 7º - que as entidades interessadas em usufruir dos Incentivos ali estabelecidos, têm de preencher os requisitos indicados e organizar um processo de documentação fiscal nos termos do art. 121º do CIRC, onde deve constara declaração certificadora da efetiva realização das atividades de I&D. O nº 6 desse normativo refere mesmo a necessidade da existência dessa declaração para a justificação da dedução permitida pelo art. 4º da mesma Lei (atrás transcrito - pág. 12).

O descrito tem subjacente uma lógica de causa-efeito pois que a empresa, para deduzir o benefício fiscal, tem de comprovar que esse direito é seu e que foi ela que concretizou as despesas necessárias à sua obtenção (o que não acontece com o Grupo, que tão pouco existia à data em que nasceu tal direito).

Faz-se aqui uma ligação à natureza mista, em termos de classificação jurídica, do SIFIDE: o aproveitamento do incentivo fiscal está dependente da verificação de requisitos objetivos ligados ao tipo e natureza das despesas elegíveis - cfr. art. 3º da Lei 40/2005 - e de requisitos de natureza subjetiva relacionados com os condicionalismos a satisfazer pelos sujeitos passivos de IRC enunciados no corpo dos arts. 4º, 5º e 6º nº1 da referida Lei.

Finalmente, refira-se que a própria AT tem vindo a considerar que a dedução fiscal, perante o enquadramento descrito e aqui em análise, não pode ser aproveitado dentro do grupo fiscal (cfr. ficha doutrinária - Proc. 2010 002853).

 

Correção Fiscal

Sendo determinante o facto de a F..., nos períodos de tributação de 2010 e 2011, não integrar o perímetro fiscal do Grupo que viria a constituir-se apenas em 2014, o Benefício Fiscal nascido na sua esfera jurídica só poderá ser aproveitado até ao limite da sua coleta individual que, em 2016, se apresentaria inexistente (caso fosse liquidada), porquanto foi por si declarado/apurado prejuízo fiscal [ver Quadro 3- Resultado Tributável Consolidado (Grupo): declarado prejuízo fiscal de - € 318.855,40]

Nos termos descritos e fundamentados, apura-se uma correção ao imposto - IRC, na esfera do Grupo, de €480.467,44.

O benefício SIFIDE atribuído para 2016, no valor de €194.107,82, foi deduzido, na totalidade, à coleta de 2017. Por este motivo não se promove a sua dedução fiscal neste ano 2016, no sentido de evitar uma duplicação de dedução fiscal.

 

Ill.2. RESUMO DAS CORREÇÕES

Segue-se um quadro resumo do resultado da liquidação do GRUPO; decorrente das correções acima identificadas:

 

Conclusão:

Apura-se uma correção ao imposto IRC de €480.467.44

 

C)           Na sequência da inspecção a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC de 2016 com o n.º 2020..., das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 ... e 2020 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 20202 ... (Documentos n.ºs 1, 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

D)           A Requerente prestou garantia bancária sob o B..., com o n.º ... no montante de € 685.616,13, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2020..., instaurado para cobrança coerciva das quantias liquidadas (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido)

E)            Em 14-12-2020, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

 

3. Matéria de direito

 

A tributação do grupo da Requerente segundo o RETGS iniciou-se em 2014.

Nesse grupo inclui-se a F... .

Na inspecção efectuada, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que benefícios fiscais do SIFIDE resultantes de investimentos efectuados em 2010 e 2011 pela F..., em data anterior ao início da opção da tributação pelo RETGS, não pode ser efectuada dedução à colecta do grupo referente ao exercício de 2016, por aquela sociedade ter registado prejuízos, não tendo, por isso, colecta individual de IRC no ano de 2016.

É apenas em relação aos investimentos realizados naqueles anos de 2010 e 2011 e à sua dedutibilidade à colecta do grupo de 2016 que foi efectuada correcção e não também em relação aos investimentos realizados em 2016, que foram deduzidos na totalidade na declaração de Grupo de 2017, relativamente aos quais não foi efectuada correcção, nem é questionada a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– no âmbito da aplicação do RETGS e nos termos do artigo 70.º do Código do IRC, o lucro tributável do Grupo é determinado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades abrangidas pelo regime;

– a colecta é determinada ao nível do Grupo e, correspondentemente, as deduções à colecta;

– relativamente ao SIFIDE, nos termos do artigo 38.º do Código Fiscal ao Investimento (CFI), a dedução é feita na liquidação respeitante ao período de tributação correspondente e deve ser feita nos termos do artigo 90.º do Código do IRC;

– no artigo 90.º, n.º 6, do CIRC estabelece-se que quando é aplicável o RETGS as deduções referidas no nº 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do nº 1;

– não é feita qualquer diferenciação entre os benefícios apurados antes e após a vigência do RETGS;

– o Código Fiscal ao Investimento não contém uma norma geral que estabeleça uma solução uniforme relativamente à limitação (ou não) da dedutibilidade dos benefícios fiscais em caso de sociedades abrangidas pelo RETGS;

– não havendo norma especial, é de aplicar o n.º 6 do artigo 90.º do CIRC;

– relativamente aos prejuízos fiscais apurados antes da entrada em vigor do RETGS, podem ser deduzidos à coleta do Grupo, mas estão limitados a colecta individual da sociedade que os apurou;

– a ausência de uma norma geral no CFI para a dedutibilidade dos benefícios fiscais foi propositada, pois existem normas específicas para a Dedução por Lucros Retidos e Reinvestimentos (DLRR) e para o Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI);

– deve ser anulada a liquidação de juros compensatórios por falta de culpa.

 

                No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária, dizendo ainda:

– este instrumento de incentivação ao investimento em investigação e desenvolvimento consubstancia-se num “prémio” fiscal concedido ao sujeito passivo;

– o estatuído pelo art.º 90.º, n.º 6 não contém qualquer referência sobre a determinação dos limites quantitativos dos benefícios fiscais (e de outras deduções) relativas a cada uma das sociedades do grupo, que podem ser deduzidas à colecta do grupo;

– o que se retira do n.º 6 do art.º 90.º CIRC é, tão só, que na declaração periódica de rendimentos Mod 22 do grupo, as deduções previstas no n.º 2 a que cada sociedade tem direito são efectuadas ao montante apurado relativamente à matéria colectável do grupo, nos termos do n.º 1;

– a integração daquela sociedade no perímetro do grupo abrangido pelo RETGS não alterou nem cessou o direito subjectivo ao SIFIDE que se consolidou na sua esfera jurídica nos exercícios em que realizou as despesas elegíveis e cumpriu os demais requisitos legais, pelo que deveria ser exercido nos mesmos moldes em que o faria se tributada autonomamente, ou seja, em função da colecta gerada nesses exercícios ou nos exercícios abrangidos pelo período de reporte;

– de outro modo, em termos efectivos, a F... S.A, estaria a transferir o direito a usufruir do benefício fiscal às demais sociedades do grupo, o que não é permitido pelo regime de transmissibilidade dos benefícios fiscais previsto no art.º 15.º do EBF;

– não pode concluir-se, como pretende a Requerente, que só quando existe uma previsão legal expressa, com um teor similar, é que a dedução por benefícios fiscais cujo direito se constituiu antes do início da aplicação do RETGS tem como limite a colecta que seria apurada na declaração periódica de rendimentos pela sociedade que realizou as despesas elegíveis;

– as deduções a título do SIFIDE são efectuadas nos termos do art.º 90.º do CIRC, porém, nem este normativo nem o RETGS fazem qualquer menção às deduções por benefícios fiscais cujo direito se constituiu em momento anterior ao da aplicação do Regime, o que significa que a solução deve ser encontrada na natureza dos benefícios fiscais, enquanto direitos subjectivos sujeitos a regras estritas de transmissibilidade e na natureza, objectivos e modo de funcionamento do RETGS consagrado no art.º 69.º do Código do IRC;

– ao equivaler, na prática, à transferência do efeito do benefício fiscal para a esfera de sujeitos passivos que não tinham preenchido os respectivos pressupostos, tal equivaleria a defraudar os objectivos extrafiscais prosseguidos e as restrições à transmissibilidade previstas no art. 15.º do EBF;

– só por previsão legal expressa poderia ser derrogada a regra de transferência do “prémio” fiscal em que se consubstancia o benefício, que depende da verificação de determinados pressupostos, para as demais sociedades do grupo;

– admitir que pudesse ser transmitido de forma automática às restantes sociedades levaria a reconhecer que este regime especial propiciaria a aquisição e inclusão no perímetro do grupo de sociedades com benefícios fiscais mas sem capacidade, na esfera individual, para o seu aproveitamento;

– a agregação dos resultados individuais de cada membro do grupo societário (rendimentos e perdas) por forma a permitir-se a compensação não implica a perda da existência jurídica individual e das obrigações fiscais individuais de cada uma das sociedades dominadas;

– uma sociedade, quando passa a integrar o RETGS, traz consigo o direito subjetivo ao benefício fiscal tal qual ele se constituiu na sua esfera jurídica e, ainda, o poder/dever de o relevar nos exatos termos do artigo 120.º n.º 6 do CIRC e, sendo assim, tal direito pode efetivar-se na coleta do grupo mas apenas nos termos e limites em que tal direito, assim transportado, é individualmente materializável;

– se o legislador nada disse - ao contrário do que fez para os prejuízos fiscais (artigo 71.º) tal apenas significa que na ausência de uma norma que permita a dedução desses benefícios a realidade diferente da que já resultava antes do RETGS, essa dedução não pode ser alargada para além dos limites fixados imperativamente no regime substantivo de onde o direito a deduzir provém (segundo o artigo 2.º n.º 1 do EBF, «os benefícios fiscais são medidas de caráter excepcional»);

– a seguir-se a interpretação da Requerente, a dedução não seria feita nas mesmas condições que existiam aquando a constituição do benefício fiscal, ou seja, a possibilidade de dedução do benefício teria “aumentado” por força da posterior integração da sociedade num grupo, ou seja, passaria a existir uma outra colecta que, em regra, será maior que a da sociedade individualmente considerada, com a consequente violação do princípio da neutralidade da tributação dos grupos;

– o benefício fiscal em análise (SIFIDE) - créditos fiscais atinentes aos anos 2010 e 2011, períodos anteriores à constituição do Grupo – havia sido concedido à sociedade dominada, uma vez que havia sido na esfera organizacional e jurídica de tal empresa que foi realizado o investimento em I&D;

– donde que a dita sociedade só poderia efectivar o seu direito se gerasse ou viesse a gerar a sua própria colecta, circunscrita, subjectivamente, à esfera do mesmo sujeito passivo de IRC, sendo que, a esta luz, o n.º 6 do art.º 120.º estabelece a obrigação de determinar o imposto como se o regime especial (RETGS) não fosse aplicável.

 

 

3.2. A questão que é objecto do processo e regime aplicável

 

                A questão que é objecto do processo é a de saber se investimentos em I&D que beneficiam do regime do SIFIDE, efectuados em 2010 e 2011 por uma sociedade (F...), antes de integrar um grupo de sociedades tributado segundo o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), podem ser deduzidos à colecta de IRC do grupo, apesar de não existir colecta individual daquela sociedade, por ter apurado prejuízos em 2016. No caso em apreço, houve colecta de IRC do grupo em 2016, mas não colecta correspondente à actividade da F..., que apurou prejuízo fiscal.

                No Relatório da Inspecção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu em suma, o seguinte:

 

Sendo determinante o facto de a F..., nos períodos de tributação de 2010 e 2011, não integrar o perímetro fiscal do Grupo que viria a constituir-se apenas em 2014, o Benefício Fiscal nascido na sua esfera jurídica só poderá ser aproveitado até ao limite da sua coleta individual que, em 2016, se apresentaria inexistente (caso fosse liquidada), porquanto foi por si declarado/apurado prejuízo fiscal [ver Quadro 3- Resultado Tributável Consolidado (Grupo): declarado prejuízo fiscal de - € 318.855,40]

 

               

                3.2.1. Regime do SIFIDE               

 

                O Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial- Benefício Fiscal (SIFIDE) foi criado pela Lei n.º 40/2005, 3 de Agosto, e reformulado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (art. 133º que aprova o SIFIDE II), tendo sido alterado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (art. 211º) e pelo DL n.º 162/2014, de 31 de Outubro (que aprovou o Código Fiscal do Investimento (CFI), integrando o regime do SIFIDE.

                Neste caso, estão em causas despesas de I&D realizadas em 2010 e 2011, abrangidas por aqueles dois primeiros diplomas.

O artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 40/2005, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

 Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas no período de tributação que se inicie em 1 de Janeiro de 2006, numa dupla percentagem: (   )

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período; (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000. (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

 

2 - A dedução é feita, nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

3 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato.

 

O artigo 4.º, n.ºs 1, 3 e 4, do SIFIDE na redacção da Lei n.º 55-A/2010 estabelece o seguinte, no que aqui interessa.

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

(...)

 

 

 

3.2.2. Normas do CIRC invocadas pelas Partes

 

Os artigos 70.º e 71.º do CIRC, na redacção vigente em 2016, estabelecem o seguinte:

 

Artigo 70.º

 

Determinação do lucro tributável do grupo

 

1 - Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do artigo 67.º

 

2 - (Revogado.)

 

Artigo 71.º

 

Regime específico de dedução de prejuízos fiscais

 

1 - Quando seja aplicável o regime estabelecido no artigo 69.º, na dedução de prejuízos fiscais prevista no artigo 52.º, observa-se ainda o seguinte:

 

a) Os prejuízos das sociedades do grupo verificados em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do regime só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo, nos termos e condições previstos no n.º 2 do artigo 52.º, até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam;

 

b) Os prejuízos fiscais do grupo apurados em cada período de tributação em que seja aplicado o regime só podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo, nos termos e condições previstos no n.º 2 do artigo 52.º;

 

c) Terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respetivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os períodos de tributação em que o regime se aplicou, podendo, porém, ainda ser deduzidos, nos termos e condições do n.º 1 do artigo 52.º, os prejuízos a que se refere a alínea a) que não tenham sido totalmente deduzidos ao lucro tributável do grupo;

 

d) Quando houver continuidade de aplicação do regime após a saída de uma ou mais sociedades do grupo, extingue-se o direito à dedução da quota-parte dos prejuízos fiscais respeitantes àquelas sociedades.

 

2 - Quando, durante a aplicação do regime, haja lugar a operações de fusão entre sociedades do grupo ou uma sociedade incorpore uma ou mais sociedades não pertencentes ao grupo, os prejuízos das sociedades fundidas verificados em períodos de tributação anteriores ao do início do regime podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da nova sociedade ou da sociedade incorporante, desde que a essas operações seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º e nos termos e condições previstos no artigo 75.º

 

3 - Quando a nova sociedade dominante opte pela continuidade da aplicação do regime especial de tributação dos grupos nos termos do n.º 10 do artigo 69.º, os prejuízos fiscais do grupo verificados durante os períodos de tributação anteriores em que o regime se aplicou podem, em casos de reconhecido interesse económico e mediante requerimento a apresentar à Autoridade Tributária e Aduaneira com aquela comunicação, ser dedutíveis ao lucro tributável do novo grupo, desde que seja obtida autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

4 - No caso em que a sociedade dominante de um grupo de sociedades (nova sociedade dominante) adquire o domínio de uma sociedade dominante de um outro grupo de sociedades (anterior sociedade dominante) e a nova sociedade dominante opte pela continuidade da aplicação do regime especial de tributação dos grupos nos termos do n.º 10 do artigo 69.º, as quotas-partes dos prejuízos fiscais do grupo imputáveis às sociedades do grupo da nova sociedade dominante e que integrem o grupo da anterior sociedade dominante são dedutíveis nos termos da alínea a) do n.º 1, desde que, em casos de reconhecido interesse económico e mediante requerimento a apresentar à Autoridade Tributária e Aduaneira com aquela comunicação, seja obtida autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

5 - Sem prejuízo do disposto no artigo 52.º, no caso em que a sociedade dominante de um grupo de sociedades (nova sociedade dominante) adquire o domínio de uma sociedade dominante de um outro grupo de sociedades (anterior sociedade dominante) e a nova sociedade dominante opte pela inclusão das sociedades pertencentes ao grupo da anterior sociedade dominante nos termos da subalínea 1) da alínea b) do n.º 7 do artigo 69.º, que preencham os requisitos previstos nos n.ºs 2, 3 e nas alíneas a), b) e d) a g) do n.º 4 do artigo 69.º, as quotas-partes dos prejuízos fiscais do grupo da anterior sociedade dominante imputáveis às sociedades que integrem o grupo da nova sociedade dominante são dedutíveis nos termos da alínea a) do n.º 1 (Rectificada pela Declaração de Rectificação 18/14, de 13-3)

 

 

6 - Na dedução dos prejuízos fiscais devem ser primeiramente deduzidos os apurados há mais tempo.

 

 

O artigo 90.º do CIRC, na redacção vigente tanto em, 2010 e 2011 como em 2016, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

 

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

 

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 - (Revogado.)

 

(...)

 

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

 

 

O artigo 120º do CIRC, na redacção vigente em 2016, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 120.º

 

Declaração periódica de rendimentos

 

1 - A declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º deve ser enviada, anualmente, por transmissão eletrónica de dados, até ao último dia do mês de maio, independentemente de esse dia ser útil ou não útil.

(...)

 

6 - Quando for aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades:

 

a) A sociedade dominante deve enviar a declaração periódica de rendimentos relativa ao lucro tributável do grupo apurado nos termos do artigo 70.º;

 

b) Cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável.

 

               

               

                3.3. Apreciação da questão colocada a título principal

 

 

                O benefício fiscal do SIFIDE traduz-se na dedução à colecta de IRC de uma percentagem das despesas de I&D, sendo o «montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência» (   ).

                Assim, o benefício fiscal do SIFIDE é atribuído e determinado, no essencial, em função do volume de despesas em actividades de investigação e desenvolvimento (I&D), mas é dependente de uma condição, que é a existência de colecta de IRC da empresa que fez as despesas, no ano em que são realizadas as despesas ou nos seis anos seguintes.

                Assim, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a dimensão do benefício fiscal está, ab initio, dependente da rendibilidade da empresa que faz o investimento.

                O artigo 90.º, n.º 2, do CIRC estabelece a ordem das deduções à colecta de IRC, em que se incluem os benefícios fiscais, e o n.º 6 do mesmo artigo estabelece que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1».

                Decorre do teor literal do n.º 6 que, nos caso de aplicação do RETGS, apesar de o IRC incidir sobre a colecta do grupo, as deduções de benefícios fiscais não deixam de ser apuradas relativamente «a cada uma das sociedades» do grupo, sendo a única diferença em relação à tributação individual a colecta a que se faz a dedução que passa a ser a do grupo, sobre que incide o IRC.

                A alínea b) do n.º 6 do artigo 120.º, ao estabelecer que, nos casos de aplicação do RETGS, «cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável» confirma que a aplicação do RETGS não afasta o apuramento da colecta e do imposto que com base nela seria devido por cada uma das sociedades do grupo.

                Neste apuramento do imposto individual que seria devido «se aquele regime não fosse aplicável» entram, necessariamente, os benefícios fiscais que operam por dedução à colecta, pois o imposto que seria devido seria o que resultaria da aplicação da taxa à colecta individual.

                O que significa, assim, que, se a empresa que fez o investimento não tivesse qualquer colecta ou tivesse colecta insuficiente para deduzir a totalidade dos benefícios fiscais que operam através de dedução à colecta, não poderia efectuar qualquer dedução dos benefícios fiscais ou só poderia efectuá-la até ao limite da sua colecta.

                Da remissão para o artigo 90.º do CIRC que se faz no artigo 4.º do SIFIDE decorre que, quanto a deduções à colecta, a única diferença que advém da aplicação do RETGS em relação à tributação individual das sociedades que integram o grupo é que a dedução se faz à colecta do grupo, o que se justifica por ser a que serve de base à liquidação do imposto.

                Mas, as deduções que se fazem à colecta, também neste caso, são as «relativas a cada uma das sociedades» (em que se incluem as deduções individuais da sociedade dominante).

                 Não há, assim, nesta leitura do artigo 4.º do SIFIDE e dos artigos 90.º e 120.º do CIRC, qualquer lacuna de regulamentação quanto à aplicação SIFIDE aos grupos de sociedades, quer os investimentos sejam realizados por sociedades que já integram o grupo, quer o sejam por sociedades que os realizaram antes de o integrarem: em qualquer dos casos, determinam-se os benefícios fiscais relativos «a cada uma das sociedades», nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC e são esses benefícios fiscais que são deduzidos à colecta do grupo, nos termos dos n.ºs 2 e 6 do artigo 90.º.

                É este o regime geral de dedução de benefícios fiscais no âmbito da tributação dos grupos de sociedades, pelo que não existe a anómala opção legislativa pela falta de regulamentação geral de uma situação carecida de regulamentação alegada pela Requerente.

                Esta interpretação, que decorre do teor literal destas normas, está em perfeita sintonia com a opção legislativa de fazer depender a concretização do benefício fiscal da rendibilidade da empresa que faz os investimentos e não da rendibilidade o grupo e com a intenção de possibilitar «a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento)», declarada no Relatório do Orçamento do Estado para 2011  .

                Os regimes dos prejuízos fiscais e da derrama municipal no âmbito do RETGS não têm qualquer relevância nesta esta situação de dedução de benefícios fiscais, que está especialmente regulada nos n.ºs 2 e 6 do artigo 90.º do CIRC. Por outro lado, se é certo que, como afirma a Requerente, «o regime de RETGS assenta numa lógica de tributação agregada segundo a qual o grupo societário é tributado, para efeitos de IRC, pelo seu resultado agregado, como se de uma só entidade se tratasse», esse tratamento fiscal unitário não é absoluto, como resulta das normas dos artigos 90.º, n.º 6 e 120.º, n.º 6, alínea b) do CIRC.

                Os regimes que estão especialmente previstos para os benefícios fiscais de dedução por lucros retidos e reinvestidos no artigo 29.º, n.º 5, do CFI, e para o crédito fiscal extraordinário ao investimento (CFEI), no artigo 3.º, n.º 5, da Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, não são aplicáveis ao SIFIDE, mas confirmam que, nos casos de aplicação do RETGS, os benefícios fiscais dependem da «coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades». A previsão destas normas especiais explica-se por os regimes que delas decorrem não serem totalmente idênticos ao que resulta do artigo 90.º do CIRC, pois prevê-se naqueles regimes especiais, para a além do limite quantitativo determinado com base na colecta da sociedade cuja actividade gerou o benefício fiscal, um outro limite quantitativo derivado da colecta do grupo, não previsto no CIRC.

                Assim, não se prevendo na lei qualquer alteração do montante e condições de atribuição do benefício fiscal nos casos em que a empresa que fez as despesas integrar um grupo de sociedades, mantém-se o benefício fiscal adquirido (como é aceite por ambas as Partes), nos termos em que o foi, isto é, sujeito à condição de existir colecta de IRC da empresa que fez as despesas, dentro do período aplicável, como decorre do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

                Na verdade, não há suporte legal para que a condição a que está sujeito o benefício fiscal de existir colecta de IRC da empresa que faz os investimentos elegíveis seja modificada nos casos de ser aplicado o RETGS, deixando a condição de ser a existência de colecta da empresa que fez as despesas de investimento para passar a ser a existência de colecta do grupo.

                Pelo exposto, improcede o pedido principal formulado pela Requerente.

 

 

                3.4. Pedido subsidiário relativo à liquidação de juros compensatórios

 

                Subsidiariamente, a Requerente imputa ilegalidade à liquidação de juros compensatórios por não estar preenchido o requisito da imputabilidade à Requerente a título de culpa, existindo apenas uma divergência interpretativa. 

                No que concerne à liquidação de juros compensatórios constata-se que a única fundamentação é a que consta das demonstrações das liquidações  (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral), pois no Relatório da Inspecção Tributária não se faz qualquer referência a juros compensatórios.

Pelo contrário, no Relatório da Inspecção Tributária até há omissão explícita de que se infere que se terá entendido que não haveria lugar a juros compensatórios, pois no ponto 1.1.3 das «Conclusões da Ação de Inspecção» que constam da página 2 do Relatório da Inspecção Tributária, destinado a indicação dos «Montantes sujeitos a juros», não se indica qualquer montante.

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte. (   )

Por outro lado, se é certo que, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira na esteira de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo (   ), também o é que isso não sucede necessariamente, em especial quando o contribuinte tem alguma razão para crer que a sua actuação foi legal ou se está perante num divergência interpretativa aceitável.

Na verdade, se a lei é obscura ou ambígua, abrindo a porta a divergências interpretativas razoáveis, não deve imputar-se a responsabilidade pelo atraso da liquidação ao contribuinte, mas sim ao Estado, que deveria fazer leis claras e não o fez.

A falta de clareza do regime aplicável está demonstrada, desde logo, pelo facto de não ser uniforme a jurisprudência sobre a aplicação do artigo 90.º, n.º 6, do CIRC, como se vê, inclusivamente, pelos acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.º 648/2015-T (com um extenso e bem fundamentado voto de vencido) e 482/2019-T. Está-se, por isso, perante uma divergência interpretativa razoável.

Por outro lado, não sendo imputada culpa à Requerente na fundamentação das liquidações de juros compensatórios, a liquidação tem se considerar-se ilegal.

 Pelo exposto, as liquidações de juros compensatórios enfermam de vícios de violação do referido artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que justificam que sejam anuladas, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia bancária sob o B..., com o n.º..., no montante de € 685.616,13, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2020..., instaurado para cobrança coerciva das quantias liquidadas e pede indemnização pelos prejuízos decorrentes dessa prestação.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, o erro subjacente às liquidações de juros compensatórios é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois estas foram de sua iniciativa.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada, relativamente à parte que tem com pressuposto as liquidações de juros compensatórios.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

                5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)           Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido;

B)           Julgar procedente o pedido subsidiário e anular as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2020 ... e 2020 ..., no valor total de € 59.502,16;

C)           Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida na parte em que tem como pressuposto as referidas liquidações de juros compensatórios e julgá-lo improcedente na parte em que tem como pressuposto a liquidação de IRC no montante de € 480.467,43.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária de fixa-se em € 539.969,59 o valor do processo, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.262,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem 88,98% de Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 11,02%.

 

Lisboa, 07-07-2021

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Ricardo Marques Candeias)

 

(Manuel Lopes da Silva Faustino)

(Nos termos da declaração anexa)

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

1.            Votei a decisão de improcedência do pedido, mas discordo da conclusão que é suscetível de se extrair da fundamentação da presente Decisão Arbitral, a saber: que quer os benefícios fiscais cujo direito se tenha constituído antes da entrada da sociedade no perímetro de tributação segundo o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) quer os que se constituíram durante o período de tributação abrangido pelo RETGS, tenham sempre, seja qual for a redação que o legislador deu à consagração de cada benefício, por exclusiva referência e medida o lucro tributável /matéria coletável determinado por cada sociedade do Grupo.

 

2.            Acrescendo que, salvo o devido respeito, que é muito, não me parece correto tentar retirar-se tal conclusão do disposto no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC, em conjugação com o disposto no n.º 6 do artigo 120.º do mesmo código. Trata-se de normas de natureza distinta, aquela material, esta instrumental, cujo sentido e âmbito são, a meu ver, insuscetíveis de qualquer conjugação. Não se negando que cada sociedade está obrigada a apresentar a sua própria declaração onde está obrigada a determinar "o imposto como se aquele regime (RETGS) não fosse aplicável", a verdade é que: (i) o RETGS não é a soma (que no caso não poderia ser algébrica porque não há imposto negativo) dos impostos apurados individualmente por cada sociedade, antes se configura como a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo (artigo 71.º, n.º 1, do CIRC); (ii) o imposto individualmente determinado na declaração da sociedade é um imposto virtual, porque não é com base nele que o imposto do Grupo é calculado, é um imposto inexigível, portanto não abrangido pela noção de ato tributário em sentido estrito, ou seja, a operação pela qual se torna o imposto certo, líquido e exigível (noção implícita em MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª ed., pp. 182/183), o ato administrativo definitivo e executório, pelo qual a administração fiscal individualiza o devedor de imposto e determina o imposto a pagar (SÁ GOMES, Direito Fiscal, 1980, pp. 611) ou o ato administrativo exequível, executivo, semi-executório, com caráter estritamente vinculante (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 10.º ed., 2017, pp. 311)  e é um imposto estatístico, limitando-se a permitir comprar a diferença entre a totalidade do imposto pago pelo Grupo e o que seria pago pela soma das sociedades que o compõem. Se se considerasse que o RETGS é um regime de "benefício fiscal", serviria, então, para medir a despesa fiscal que dele resultaria. Trata-se aqui, como é óbvio, de uma auto-liquidação, mas a natureza, ao cabo e ao resto, não diverge da liquidação interna.

 

3.            Não será despiciendo transcrever aqui, em abono da posição que defendemos, o último parágrafo comentário que, sobre a redação original da norma, então artigo 75.º, n.º 5 do Código do IRC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e que se mantém ainda hoje nos mesmos e precisos termos no n.º 6 do artigo 90.º do mesmo Código, mereceu no Código do IRC Anotado, editado pela DGCI, em 1990: afigura-se plenamente justificada a solução adotada neste artigo quanto às deduções à colecta de cada uma das sociedades do grupo, as quais deverão ser efectuadas com base no lucro consolidado (Op. cit., pp. 262). Porque, de facto, as deduções não deixam de ser, como é sobejamente evidente, as relativas a cada uma das sociedades que constituem o Grupo, pois são elas que titulam o direito ao benefício fiscal, e não o Grupo. Mas isso não invalida que a referência e a medida para efeitos de dedução passe a ser, tout court, a coleta apurada pelo Grupo e não já pela sociedade titular do direito, considerando as características da "determinação do imposto" que cada uma delas atualmente faz e que acima caracterizámos. Estamos convictos de que interpretação diferente violaria, claramente, o espírito do legislador que, aliás, quando pretendeu tomar como referência a matéria coletável da sociedade para a determinação do benefício a deduzir à coleta do grupo o foi referindo expressamente. Ou seja, criou a exceção e não a regra. Acresce a falta de um regime transitório para a sucessão de regime des tributação que, no caso dos prejuízos fiscais, o legislador não deixou, ainda que sem tal designação, mas com a mesma natureza, de consagrar expressamente.

 

4.            Entretanto, sobre a temática aqui tratada, a AT divulgou, em 2020, a seguinte Informação Vinculativa:

 

 

 

 

5.            Não temos por hábito invocar, com caráter de generalidade, Informações Vinculativas, considerando o perímetro de aplicação que a LGT lhe recorta no n.º 14.º e que interpretamos como restringindo-se ao seu requerente, dado ser um entendimento emitido sobre um caso concreto. Neste caso, no entanto, a Informação não apenas é suficientemente abstrata para poder ser invocada com caráter de generalidade, como aborda dois benefícios fiscais, dedutíveis à coleta no RETGS, a que correspondem dois regimes distintos fundamentados nas normas que lhe dão corpo: o CFEI e o SIFIDE II, para além dos prejuízos fiscais que o legislador especificamente regulamentou no próprio Código (artigo 71.º do CIRC) e que aqui não estão em causa.

 

6.            A posição da Autoridade Tributária é agora absolutamente clara: no CFEI, cujo regime especificava expressamente, nos termos da al. b) do n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013, de 16/07, que a quantificação do direito à dedução se efetuaria tendo por referência a matéria coletável da sociedade em cuja esfera aquele se constituiu, tenha ele sido obtido antes da aplicação do RETGS, quer seja obtido na vigência do RETGS; no SIFIDE, distingue entre o regime que existia ao tempo da constituição direito (quanto aos direitos constituídos antes da aplicação do RETGS) e o regime que existe após a aplicação do RETGS, adotando a tese da sucessão de regimes: o direito à dedução à coleta constituído antes da aplicação do RETGS tem sempre por referência o regime aplicável à data da sua constituição; o direito à dedução constituído após a aplicação do RETGS tem por limite "a coleta do grupo". Aliás, também na sua Resposta, embora não invocando esta Informação Vinculativa, a AT adere plenamente a esta posição administrativa (artigos 20.º e seguintes).

 

7.            Não deixará de sublinhar-se que a AT se limitou às normas substantivas para formular o seu entendimento, não tendo recorrido às normas instrumentais ou adjetivas, nomeadamente aquelas que impõem deveres acessórios. De onde se conclui que nos assiste razão quando qualificamos como meramente instrumentais e com efeitos de controlo e estatístico, as declarações individuais que cada sociedade do grupo, incluindo a dominante, estão obrigadas a preencher e a entregar. Estas declarações, no então, naquilo que ainda se pode denominar a fase do lançamento, são desconsideradas pelo sistema que confirma ou infirma as auto-liquidações, porque nenhuma das sociedades, sendo responsável solidária pelo imposto liquidado ao Grupo (artigo 115.º do CIRC), elas, em rigor, não são sujeitos passivos plenos de IRC (note-se que, na responsabilidade solidária, está apenas em questão o dever de pagar o imposto e dele se não mostram desoneradas aquelas sociedades do grupo que, por inexistência de matéria coletável, para ele não contribuíram).

 

8.            A doutrina tem-se pronunciado em termos mais amplos, defendendo que, não tendo a sucessão de regimes um regime transitório legalmente expresso, as deduções devem ser efetuadas de acordo com o último regime que seja aplicável. Assim:

 

9.            RICARDO BORGES, pronunciou-se no seu brilhante "Voto de Vencido" lavrado na Decisão Arbitral n.º 648/2015-T, a que aderimos integralmente, com exceção da conclusão suscetível de dele se retirar, segundo a qual, mesmo existindo sucessão de regimes, é sempre aplicável o último (RETGS), independentemente do momento em que o respetivo direito de constituiu. Isto é, não atende à distinção entre benefícios cujo direito se constituiu antes da inclusão no Grupo e os constituídos após a inclusão no Grupo, invocando e reporte inter-temporal e a portabilidade de um benefício pessoal para o seio do Grupo.

 

10.          LUÍS MIGUEL BELO et alii, A Tributação dos Grupos de Sociedades: um regime em evolução, Revista de Eletrónica de Fiscalidade da AFP(2019) n.º 1, consultável no site da Associação Fiscal Portuguesa, são mais assertivos:

 

3.6.4 Deduções à coleta do grupo

O número 2 do artigo 90.º do Código do IRC estabelece as importâncias que poderão ser deduzidas à coleta das sociedades, tais como, créditos por dupla tributação jurídica internacional ou dupla tributação económica internacional, benefícios fiscais, pagamentos especiais por conta e retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável. Quando seja aplicável o RETGS, dispõe o número 6 deste normativo que as deduções em apreço, relativas a cada uma das sociedades, são efetuadas à coleta apurada pelo grupo. Em face deste normativo, bem como do espírito subjacente ao RETGS amplamente referido, impõe-se que, não dispondo a Lei de regra diversa60, a coleta que seja liquidável n momento em que opere essa dedução. O que significa que, estando a sociedade incluída no RETGS, a dedução deverá estar limitada exclusivamente à coleta do grupo por ser esta a coleta liquidável.

 

11. Salomonicamente, entendemos que virtus in medium est. Aderimos, pois, à posição da AT que, considerando em primeiro lugar que as deduções à coleta a efetuar nos termos do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC, atende ao momento da constituição do direito para se determinar qual é o regime de quantificação que deve ser aplicado: a matéria coletável da sociedade titular do benefício relativamente a todos os benefícios anteriores à inclusão no perímetro do RETGS e a matéria coletável apurada no RETGS para os benefícios obtidos após a integração no RETGS, exceto quando a lei que os cria estabelece expressamente de modo diverso.

 

Lisboa, 7 de julho de 2021

 

O co-Árbitro,

(Manuel Faustino)