Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 563/2020-T
Data da decisão: 2021-06-30  IVA  
Valor do pedido: € 155.416,26
Tema: IVA. Ginásios. Consultas de nutrição. Matéria tributável.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Fernando Marques Simões e Prof.ª Doutora Eva Dias Costa, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-01-2021, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

               

A..., LDA, doravante apenas “Requerente”, titular do número de identificação de pessoa coletiva (NIPC)..., com sede social sita na Rua ..., n.º..., ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação total dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de liquidação de juros compensatórios (JC), referentes aos períodos seguintes:

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.03T;

 – de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.06T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.09T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.12T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.03T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.06T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.09T;

 

 

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.12T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.03T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.06T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.09T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.12T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.03T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.06T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.09T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.12T.

 

A Requerente pede ainda a devolução do imposto pago, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-10-2020.

Em 14-12-2020, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 13-01-2021.

A AT apresentou resposta em que defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Em 07-06-2021, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

                Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente prossegue as seguintes actividades:

 

(documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B.            Para poder levar por diante o desenvolvimento da actividade de prestação de serviços de nutrição, a Requerente efectuou o seguinte:

- alteração do objeto social, com inclusão expressa da prestação de serviços de consultas de nutricionismo e dietética no objeto social;

- alteração do cadastro fiscal da Requerente, mediante declaração de alterações, com inclusão expressa do CAE 86906 - outras atividades de saúde não especificadas, com produção de efeitos a partir de 4 de março de 2014 (documento n.º 6);

- contratação de profissional devidamente credenciada, com licenciatura em curso de nutricionismo/dietética e inscrição ativa na Ordem dos Nutricionistas, tendo, para o efeito, celebrado contrato de prestação de serviços com a nutricionista B..., titular do NIF ... e com o número de cédula profissional ... N (documentos n.ºs 4 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

- pagou honorários à identificada nutricionista, nos montantes, em 2014 e 2015, respectivamente, de € 2.300,00 e de € 1.550,00, além de prestações em espécie de valor reduzido (documento n.º 4, anexos 5 e 6 e declarações de parte de C...);

- procedeu ao registo junto da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), como entidade prestadora de cuidados de saúde, o que resultou que a Requerente configurasse um estabelecimento de saúde registado desde o dia 2 de fevereiro de 2014, sob o número E... (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C.            A nutricionista contratada pela Requerente, B..., presta serviço em tempo parcial sendo profissional do quadro do Hospital  ... (documentos n.ºs 12 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

D.           As consultas de aconselhamento nutricional foram prestadas normalmente nos períodos do final da tarde e noite dos dias de semana, bem com aos sábados, sendo prestados também esclarecimentos telefónicos aos utentes, quando solicitados (dos n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E.            A Requerente celebrou com os seus clientes contratos com o teor que consta do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

F.            A Requerente possui nas suas instalações um gabinete para consultas de nutrição (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G.           A Requerente tem tabelas de preços para os clientes que procuram os serviços do D..., com ou sem nutrição, mas o preço dos serviços que incluem a possibilidade de acesso a consultas de nutrição é mais reduzido do que os que não a incluem, por a parte indicada como reportando-se ao pagamento dos serviços de nutrição não incluir IVA, o que leva a generalidade dos clientes a escolherem a opção que inclui possibilidade de acesso aos serviços de nutrição, para pagarem menos, mesmo que não tenham intenção de os utilizarem (declarações de C... e depoimento da testemunha E...);

H.           Há clientes da Requerente que utilizam os serviços de nutrição e que recorrem a esses serviços por razões de saúde, designadamente para eliminar ou evitar excesso de peso, como complemento de actividade de exercício físico (c0mo aulas de grupo, piscina e musculação), por existir uma relação de sinergia entre ambos os serviços, dando a nutricionista orientações em função da actividade física desenvolvida pelos clientes (depoimentos das testemunhas F..., E...e G... e documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I.             Não são realizadas todas as consultas de nutrição facturadas nem todas as que são marcadas pelos clientes, por estes não comparecerem, nem era possível realizar todas as consultas facturadas (depoimento da testemunha E...);

J.             Nos anos de 2014 e 2015, a Requerente não fazia publicidade aos serviços de nutrição, apenas a divulgando internamente, através de cartazes afixados no ginásio (declarações de parte de C... e documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

K.            Nas consultas de aconselhamento nutricional são utlizados os modelos de fichas que constam dos documentos n.ºs 13 e 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

L.            Nos períodos de 2014 e 2015, a Requerente facturou 11.324 e 11.009 prestações de serviços de nutrição (Relatório da Inspecção Tributária);

M.          A Requerente apenas tinha possibilidade de prestar uma muito pequena parte dos serviços de nutrição facturados (Relatório da Inspecção Tributária e declarações de parte de C...);

N.           A testemunha E... efectua as vendas de cartões aos clientes, mas não soube esclarecer qual é o preço de cartões que não incluem serviços de nutrição, apresentando aos clientes os pacotes com nutrição (depoimento da testemunha);

O.           Nenhum dos clientes da Requerente recusou pacote com serviço de nutrição (declarações de parte de C...);

P.            A Requerente não está aberta ao público para prestação exclusivamente de serviços de nutrição (declarações de parte de C...);

Q.           A Requerente praticava aos seus clientes os preços, com IVA incluído, publicitados nas tabelas que consta dos anexos 7 e 8 ao Relatório da Inspecção Tributária cujos teores se dão como reproduzidos;

R.            Foi realizada uma inspecção à Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III -1.2. ATIVIDADE EXERCIDA

III-1.2.1. INSTALAÇÕES

De acordo com o já descrito, ponto II - 3.1-A), para o exercício das suas atividades o SP dispõe de instalações próprias.

O negócio de Fitness Center, D..., ocupa cerca de 50% da área bruta privativa do edifício, que de acordo com a respetiva caderneta predial, é de 4.996,36 m2. Sendo que do espaço ocupado pela D..., o gabinete de Nutrição ocupa uma área de cerca de 20 m2, sendo o restante ocupado com sala de musculação e fitness, 4 estúdios para aulas, piscina, SPA, além de área de receção e balneários.

 

III -1.2.2. SERVIÇOS PUBLICITADOS

Conforme descrito no capítulo II-3.1-A) o D... apresenta-se através da sua presença na internet em que pretende divulgar os seus serviços como " um clube privado que oferece aos seus associados diversas modalidades, desportivas e recreativas'".

O D... posicionando-se como um ginásio premium. Um ginásio com piscina e SPA que pretende distinguir-se pela qualidade e variedade de modalidades oferecidas aos clientes, e não distinguir-se por oferecer um preço reduzido.

Na sua página de internet o D... publicita as seguintes modalidades: Haikido, Capoeira, Savate, Goju Ryu, Yoga, Hidrobike, Natação Adultos/Teens, Natação Infantil, AMA & Bebés (Natação),Pilates, Jump, Danças de Salão, Ritmos Africanos, Step, Mtv Dance, Dance Kids, Zumba, FitnessMix, Hidroginástica, Localizada, Cycle, Ballet, Cardio-musculação.

(...)

III -1.2.4. GASTOS INCORRIDOS E RÉDITOS DECLARADOS POR SERVIÇO DO D... Considerando apenas os gastos suportados pelo sujeito passivo com professores de ginásio e nutricionista, comparando-os com os serviços declarados pelo D..., serviços de nutrição e serviços de ginásio, obtemos o seguinte efeito multiplicador:

 

Em 2014 e 201 5 o sujeito passivo declarou:

- Operações sujeitas a imposto, que conferem direito à dedução de imposto, que consistiram em serviços de eventos, do negócio A..., e serviços de ginásio do negócio D...;

- Operações isentas de imposto, que não conferem à dedução de imposto, que consistiram em serviços de nutrição do negócio D... .

Resulta da contabilidade que o sujeito passivo, além do gasto registado com a nutricionista, não registou: qualquer outro gasto referente a operações isentas, relativo a serviço de nutrição. A estrutura de gastos do SP evidencia o exercício de uma atividade sujeita a IVA.

Tanto pela utilização dada às instalações, como da forma como são publicitados os serviços do D..., a mão-de-obra que o clube tem ao seu serviço, bem como os gastos incorridos pelo sujeito passivo, demonstram que a atividade efetivamente praticada pelo D... consiste na prática de serviços de ginásio e SPA, proporcionando condições aos seus clientes para a prática desportiva, acompanhada de monitor ou não.

 

III -1.3. IMPOSSIBILIDADE DA EFETIVA REALIZAÇÃO DA QUANTIDADE DE SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO FATURADOS

De acordo com análise ao ficheiro SAF-T da faturação dos anos de 2014 e 2015, foram cobradas respetivamente 11.324 e 11.009 importâncias a título de aconselhamento nutricional, conforme já descrito no capítulo III -1.1.2 e detalhado nos Anexos 3 e 4.

Considerando como tempo médio de uma consulta de nutrição o valor de 20 minutos, a carga horária correspondente ao número de importâncias cobradas a título de aconselhamento nutricional, seria de 3.775 horas em 2014 e 3.670 horas em 2015.

Em matéria de IVA, as regras vigentes em cada um dos Estados-Membros têm por base a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

De acordo com as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 132.º da referida Diretiva, os Estados-Membros isentam deste imposto:

"b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas as que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos:

c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas tal como definidas pelo Estado-Membro em causa".

Estas regras foram transpostas para o normativo português nos números 1 e 2 do artigo 9º do CIVA " . O n º 2 do artigo 9º do CIVA prevê a isenção de IVA nas prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões paramédicas.

Na legislação interna o exercício das atividades paramédicas, encontra-se regulado no Decreto-Lei n.º 261/93. de 24 de Julho, sendo que estas, conforme o artigo 1º deste diploma, "compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação". O diploma dispõe em anexe de uma lista das atividades que podem ser consideradas enquanto tal.

O ponto 5 do anexo deste diploma inclui a atividade de dietética e defini-a como sendo a ''aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação dó grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento o da gestão de recursos alimentares."

O artigo 2º do referido diploma estabelece as condições necessárias para o exercido das atividades paramédicas, a titularidade de curso reconhecido nos termos legais e titularidade de carteira profissional. Para o caso da dietética, o respetivo curso ministrado em estabelecimento do ensino oficial ou particular ou cooperativo, bem como a inscrição na ordem dos nutricionistas.

O n.º 4 do artigo 4º do ClVA estabelece que ''quando a prestação de serviços for efetuada por intervenção de um mandatário agindo em nome próprio, este é, sucessivamente, adquirente e prestador do serviço".

Decorre daqui que sendo o D... prestador de serviços de nutrição, terá forçosamente de ser adquirente desses serviços junto de profissionais inscritos na ordem dos nutricionistas.

De acordo com o apurado no decurso do procedimento inspetivo, nos anos de 2014 e 2015, o sujeito passivo apenas teve ao seu serviço, um profissional credenciado para o exercício da atividade de nutricionista, inscrito na respetiva ordem profissional B..., NIF..., dietista, inscrita na ordem dos nutricionistas.

Esta profissional pertence ao quadro de pessoal de Hospital ... no Porto (H... EPE, NIF...), tendo prestado serviços ao D..., no regime de profissional independente, no valor € 2.300,00 em 2014 e de € 1.550,00 em 2015

Importa, pois, verificar, se existe uma correlação entre os serviços adquiridos e os valores faturados a título de aconselhamento nutricional.

Para o efeito, vamos comparar o número de horas de serviços de nutrição faturadas pelo D... aos seus clientes, com o serviço de nutrição adquirido pelo D... à profissional credenciada B... . Sabendo o valor que foi adquirido, vamos considerar um valor hora de € 10,00 para comparar com o número de horas faturadas. Partindo de mesmo valor adquirido. na hipótese de terem sido adquiridas o número de horas correspondentes as faturadas, calculamos o valor pago por hora a nutricionista:

 

Verifica-se assim que em 2014 e 2015 o sujeito passivo não tinha capacidade, serviços adquiridos de nutrição, compatível com a quantidade de serviços de nutrição que prestou. Pelo que se conclui pela impossibilidade do SP de ter prestado a quantidade de serviços de aconselhamento nutricional que faturou e isentou de IVA.

III -1.4. SERVIÇOS EM PACOTE

III - 1.4.1. MODALIDADE DE FREQUÊNCIA DE GINÁSIO (CLUBE)

Iniciado o procedimento inspetivo foi ouvido em auto de declaração o gerente C... Relativamente ao negócio D... foi por este declarado que consistia numa atividade de ginásio, e que a frequência do mesmo está subordinada à celebração de contrato escrito.

Consequentemente foram recolhidos, exemplar (em branco) do designado "Regulamento D..." que constitui o contrato celebrado com os clientes para a frequência do ginásio D..., bem como exemplares das tabelas de preços em vigor, desde 1 de janeiro de 2013, fornecidas pelo gerente C... . Foram apresentadas duas tabelas de preços, designada ''Tabela de preços principal e a designada "Tabela Alternativa", que constam do Anexo 7 e Anexo 8 ao presente relatório.

A adesão ao D... é formalizada mediante assinatura de um contrato de adesão, denominado de -'Regulamento  D...".

O ponto (1) primeiro desse regulamento refere "O D..." um clube privado que oferece aos seus utentes diversas modalidades, nomeadamente actividades físicas, desportivas e recreativas."

O ponto segundo (2) do regulamento respeita aos serviços disponibilizados aos clientes refere "No âmbito da sua actividade o D... oferece aos seus sócios um conjunto de diversas actividades livres e modalidades organizadas através dos cartões, pelos preços constantes das tabelas devidamente afixadas para o efeito."

O ponto (2.1; estabelece:

" Os cartões constantes da nossa tabela principal são constituídos por várias valências, nomeadamente:

a) utilização e aluguer das nossas instalações na prática de actividades físicas e desportivas livres, sem orientador.

b) serviços de nutrição praticados de forma independente e regular através de nutricionista/dietista

c) actividades físicas e desportivas orientadas por professor ou monitor.

O sócio no âmbito do seu processo de inscrição, ao subscrever este regulamento, manifesta desde logo de forma inequívoca a sua vontade e inteira concordância nas condições e uso dos serviços constantes da opção tomada através do cartão por si escolhido, os quais serão prestados de forma separada e independente, proporcionando um benefício traduzido através desta opção considerada mais favorável e mais aliciante."

Estabelece ainda o mesmo (2.1)

 " No entanto, o sócio que no acto da sua inscrição, ou posteriormente pretenda eliminar algum dos pontos descritos nas alíneas a), b) ou c) poderá livremente optar pela tabela alternativa - que se encontra igualmente afixada - e cujas características poderão ser eventualmente menos interessantes.

Os valores correspondentes às citadas tabelas ficarão sujeitos às taxas de iva legalmente em vigor, devidamente identificados e espelhados em factura individual com a indicação das respectivas taxas em conformidade com o determinado pelo código do IVA."

O ponto (2.2) respeitante aos direitos dos sócios refere "Qualquer sócio terá direito a:

- frequentar as instalações do D... das 7h00 às 22h30 Segunda-feira a Sexta-feira. das 9h00 às 21h00 aos Sábados e das 9h0 às 13h30 / 17h00 às 21h00 aos Domingos e dias feriados, com excepção das situações devidamente assinaladas no ponto 10 deste regulamento:

- banho turco, sauna, hidromassagem e sala de repouso, com excepção dos aderentes aos cartões Bebé e Juvenil.

- parking privado ao ar livre:

- cacifo individual, aleatório."

O Ponto (3) do regulamento estabelece que a inscrição como sócio tem a validade de um ano sendo automaticamente renovada por igual período de tempo, caso nada seja declarado em contrário pelas partes até ao último mês da vigência (ponto 3 do regulamento).

O regulamento obriga o cliente (sócio) ao pagamento até ao 5º dia do período a que respeita o valor da mensalidade contratada correspondente ao cartão, sob pena de canalização pecuniária (ponto 8 do regulamento)

Contudo a mesma contratualização não indica que o serviço é um direito do sócio, não é elencado no ponto (2.2.) do regulamento que enumera os direitos dos sócios, A contratualização também nada diz sobre a forma como esse serviço de nutrição seria prestado, nomeadamente o horário desse serviço, ou a periodicidade do mesmo.

Em resumo no que respeita à contratualização de serviços, ao cliente são apresentadas duas tabelas de preços (mensalidades) referentes a cartões de acesso ao D...:

- Uma "tabela principal' (Anexo T) com preços mais vantajosos, cujos cartões dão acesso a valências de serviços de nutrição, e a valências de atividades físicas e desportivas sem orientação e com orientação.

- Uma "tabela alternativa' (Anexo 8) com preços superiores, cujos cartões dão apenas acesso a valências de atividades físicas e desportivas sem orientação e com orientação.

Os serviços faturados pelo SP referentes a estes cartões da tabela de preços alternativa (mensalidades) estão na íntegra sujeitos a IVA à taxa normal. Contudo, com preços superiores e menos valências, a adesão aos cartões da tabela alternativa, é residual.

A esmagadora maioria dos clientes do D... contratualiza cartões (mensalidades) constantes da tabela principal e cartões de campanha.

Fica da análise à contratualização que os serviços são contratados em pacote, por um único preço. Em função do pacote contratado, o cartão permite acesso às instalações para a prática desportiva, ginásio e SPA (piscina e jacuzzi), com acompanhamento de monitor ou não, bem como o acesso a aulas de diversas modalidades desportivas e danças, e ainda a aconselhamento de nutrição. Tudo por um único preço.

A contratualização não indica qualquer desagregação do preço em funções dos serviços oferecidos pelo cartão contratado.

 

III -1.4.2. DECOMPOSIÇÃO ARTIFICIAL DO VALOR FATURADO

Conforme foi referido a quase totalidade da faturação do D... é relativa a preços contantes da 'tabela principal', Anexo 7, e / ou preços de campanha, que de acordo com o que consta nessa tabela e do regulamento do D..., dão acesso a serviços de nutrição.

Já foi referido no ponto III -1.1.1. do presente relatório que o SP declara prestações de serviços isentas de IVA. registadas na conta SNC_72113 - Isento sem direito à dedução, no valor de € 313.721,25 em 2014 e de € 307.977.17 em 2015.

Analisada a faturação do sujeito passivo relativa ao D... verifica-se que o valor ao cartão contratado (mensalidade; é decomposto em duas verbas. Senão o maior dos valores descrito como ''serviço de nutrição" e isento de IVA.

(...)

                A 2018-1-25 foi o SP notificada na pessoa do gerente para ''Esclarecer e justificar sobre o critério utilizado na repartição do valor faturado, aos clientes do D..., pelos serviços de ginásio e nutrição."

                Na resposta apresentada que deu entrada a 2018-2-19, quanto a este pedido de esclarecimento refere 'Face à possibilidade de cada utente sempre que desejar utilizar livremente os serviços de nutrição através de consultas e/ou acompanhamento, gerada pelas componentes constantes dos respectivos cartões, cujo valor resulta da proporcionalidade indexada a cada cartão.

Em 2018-2-6 foi ouvida em Auto de Inquirição I..., com NIF..., no âmbito de diligência no sentido de testar os valores faturados relativos aos serviços de eventos da A..., conforme se relata no capítulo VI. Tendo esta referido, em resposta sobre o conhecimento da empresa, que o filho J... (NIF ... -J...). nascido a 20-10-2014, frequentou a piscina do D... mas nunca beneficiou de qualquer consulta de nutrição. Analisadas as faturas de 2015 referentes a este cliente consta-se que estes serviços de piscinas foram faturados com a inclusão de consultas de nutrição e com isenção de IVA:

 

 

Esta desagregação pelo serviço de nutrição aconteceu para todos os clientes dos cartões da ''tabela principal e cartões promoção, independentemente do cliente ter recorrido ao serviço de nutrição ou não. Tal facto é confirmado pelo sujeito passivo na resposta acima citada à notificação de 2018-01-25, para esclarecer o critério utilizado na repartição do valor faturado.

Ou seja, com a mera possibilidade de utilizar o serviço de nutrição, por parte do cliente, quer a tenha utilizado ou não, o sujeito passivo na faturação dos cartões (mensalidades) aplica uma isenção de imposto a um montante que varia entre os 70% e 88% do valor da mensalidade.

 

III - 1.4.3. NUTRIÇÃO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ACESSÓRIA EM RELAÇÃO À PRESTAÇÃO PRINCIPAL

Coloca-se assim a questão de saber se as operações subjacentes aos cartões da tabela de preços principal e cartões promoção, são constituídas por uma prestação serviços únicos ou por duas prestações de serviços distintas e independentes, que importa apreciar separadamente para efeitos de IVA.

Em matéria de IVA, as regras vigentes em cada um dos Estados-Membros têm por base a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006. Pelo que importa responder à questão colocada tendo em conta a posição da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

A este respeito, a jurisprudência emanada pelo TJUE, consagra que se está em presença de uma prestação única quando dois ou vários elementos ou aios fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente. uma única prestação económica indivisível, que seria artificial separar.

Está-se também, de acordo com a jurisprudência do TJUE, perante uma única prestação de serviço quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal.

Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Pelo que importa averiguar os elementos característicos da operação em causa para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações principais distintas ou uma prestação única.

Analisemos então a características das operações, procurando perceber a sua razão económica a as condições publicitadas junto do mercado potencial.

Vejamos então as características das operações.

Comecemos pelos meios que o sujeito passivo dispõe para a realização das suas prestações de serviços. Em termos de instalações o SP dispõe de uma área de cerca de 2-000 rn2, afeias ao D.... Este espaço é ocupado por ginásio com áreas de musculação e fitness bem como estúdios de aulas de grupo, e ocupado por SPA, com piscina e jacuzzi. Quanto ao espaço afeto aos serviços de nutrição não ocupa mais do que 20 m2.

Em termos de meios humanos, mão-de-obra direta relacionada com as prestações de serviços do D..., nos períodos analisados o D...recorreu aos serviços de uma dietista, tendo pago serviços no valor de € 2.300,00 e € 1.550,00, respetivamente em 2014 e 2015. Nos mesmos períodos teve ao serviço 30 e 23 professores para as atividades de exercício físico, de ginásio e natação, tendo gastos referentes a estes de € 87.192,27 e € 93.665,86, respetivamente.

Verifica-se assim que os meios utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus serviços respeitam essencialmente a atividades de exercício físico, de ginásio e natação, sendo os meios referentes a serviços de nutrição perfeitamente marginais, tanto em número, como em valor.

Relativamente à publicitação dos serviços oferecidos pelo D..., conforme ficou evidente no ponto III - 1.2.2. deste relatório, a oferta incide em serviços de ginásio e SPA. Os serviços de nutrição não constam da mensagem promocional transmitida.

Aos clientes que procuram os serviços do D... são apresentadas duas tabelas de preços, conforme já ficou relatado. Esta prática leva a que, para um cliente que procure saber as condições para frequentar o clube, se escolher um cartão que apenas dá acesso a atividade de exercício físico, teria de pagar mais, do que se contratasse um cartão para acesso a atividade física e serviço de nutrição. Na prática os clientes são levados a adquirir cartões com serviço de nutrição, serviço que não era procurado por eles.

Também já foi dito, mas importa sublinhar neste ponto do relatório, o serviço de nutrição não consta do ponto (2.2) do regulamento que elenca os direitos dos sócios. O regulamento também nada diz quanto à concretização desse serviço de nutrição, quanto à sua periodicidade e forma como é prestado.

Saliente-se ainda que embora o regulamento no ponto (10) estabeleça o horário de funcionamento do D... , aberto de segunda-feira a sexta-feira das 7h00 às 22h30, das 9h00 às 21h00 aos sábados e das 9h00 às 13h30 / 17h00 ou às 21h00 aos domingos e dias feriados, nada é dito quanto ao horário dos serviços de nutrição. Facto que adensa a suspeita da falta de procura deste serviço por parte dos clientes. Pois este nunca poderia ser o horário dos serviços de nutrição, pois conforme já referido, a única dietista ao serviço do D... é profissional do quadro do Hospital ..., com as consequentemente e obvias limitações de horário nos serviços a prestar no D... .

Comprova-se assim que o serviço de nutrição é um benefício atribuído aos clientes do serviço principal, um meio para cativar clientela. Benefício que é valorizado pela clientela, mas que não constitui um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar de melhores condições em relação ao serviço principal.

Desta forma as operações, artificialmente divididas na faturação entre serviço de ginásio e serviço de nutrição, estão pelo seu montante total sujeitas a IVA à taxa normal.

 

III -1.5. CONCLUSÃO

Na faturação aos clientes o sujeito passivo dividiu artificialmente, sem qualquer critério fundamentado, o valor da mensalidade isentando parte desta ao imputá-la a aconselhamento nutricional (n.º 1 do artigo 9º do CIVA).

O sujeito passivo, por falta de recursos, pessoas credenciadas para o efeito, nunca poderia ter prestado a quantidade de consultas de aconselhamento nutricional que faturou.

Mesmo que o sujeito passivo dispusesse dos recursos para o efeito, o aconselhamento nutricional tem um caracter acessório do serviço principal.

O serviço contratado pelo cliente é um serviço global, com um valor único e fixo, que engloba a prática desportiva e a possibilidade de serviço de nutrição, estando consequentemente sujeito à taxa de 23% de IVA.

Face ao exposto as operações que o sujeito passivo faturou sem liquidação de l VA e registou na conta SNC-72113-lsento sem direito à dedução, declarados no campo 9 das declarações periódicas entregues para o ano de 2014 e 2015, não reúnem as condições para o seu enquadramento na isenção consagrada do artigo 9º do CIVA.

 

 

S.            Na sequência da inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.03T;

 – de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.06T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.09T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.12T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.03T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.06T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.09T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.12T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.03T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.06T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.09T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.12T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.03T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.06T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.09T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.12T;

 

 

(Documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos)

T.            A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações, que foi indeferida por despacho de 15-07-2020, que consta do documento n.º 1, remetendo para a fundamentação do projecto de decisão que consta do documento n.º 5, documentos estes juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

U.           Em 16-08-2018, a Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 18, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

V.           Em 12-11-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que, nos anos de 2014 e 2015, algum dos clientes da Requerente tivesse contratado serviços de nutrição sem serviços de actividade física ou tivesse interesse em utilizar apenas serviços de nutrição.

 

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal e por declarações de parte.

As testemunhas F..., E... e o declarante de parte C... aparentaram depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

A testemunha F... é cliente da Requerente, utilizadora de serviços desportivos e de nutrição.

A testemunha E... trabalha para a Requerente fazendo a recepção de clientes e vendendo-lhe os pacotes de serviços.

O declarante de parte C... é para gestor das instalações da Requerente.

A testemunha G... apenas começou a trabalhar para a Requerente em 2018, pelo que não tem conhecimento directo dos factos dos autos.

 

 

 3. Matéria de direito

 

A Requerente presta a título principal serviços de actividade física, de ginásio e piscina e nos anos de 2014 e 2014 prestou também serviços de nutrição (aconselhamento nutricional) aos seus clientes.

A Requerente facturou mais de 11.000 prestações de serviços de nutrição em cada um dos anos referidos, mas apenas prestou efectivamente um pequeno número desses serviços não determinado, tendo apenas condições, através da única nutricionista que tinha ao seu serviço, em tempo parcial, de prestar um reduzido número desses serviços.

Da prova produzida resulta que, nos anos referidos, todos os clientes adquiriram pacotes que incluem serviços de nutrição, por esses pacotes, com aplicação de isenção de IVA à parte facturada como respeitando a serviços de nutrição, terem preços inferiores aos pacotes que incluem menos serviços. A testemunha E..., que vende os cartões aos clientes, nem sequer soube dizer qual o preço dos cartões que não incluem nutrição e o declarante de parte C... disse que não tem conhecimento de qualquer recusa dos pacotes que incluem nutrição, o que permite concluir que a Requerente apenas vendeu pacotes com nutrição, independentemente de os clientes terem ou não interesse na utilização dos serviços de aconselhamento nutricional.

Para além disso, a prova produzida leva a concluir que, nos anos referidos, o reduzido o número de clientes que utilizou serviços de aconselhamento nutricional o fez como complemento da actividade física (ginásio, piscina e musculação) tendo em vista optimizar resultados, aproveitando relações de sinergia entre esta actividade e o regime alimentar e que a Requerente não comercializa serviços de nutricionais desacompanhados de serviços de actividade física.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na inspecção que efectuou à Requerente, entende, em suma,

– não foram prestados todos os serviços de nutricionismo facturados;

– na facturação aos clientes o sujeito passivo dividiu artificialmente o valor da mensalidade, isentando de IVA parte desta, ao imputá-la a aconselhamento nutricional, mesmo nos casos em que não o prestava e não tinha possibilidades de o prestar;

– o aconselhamento nutricional teve carácter acessório do serviço principal de prestação de serviços de actividade física e, designadamente, a contratação de serviços de aconselhamento nutricional não é um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar de melhores condições em relação ao serviço principal de prestação de serviços de actividade física.

 

A Requerente defende no presente processo o seguinte, em suma:

– deve ser dado ao caso em apreço tratamento que tem sido dado noutras decisões arbitrais, por forma do artigo 8.º do Código Civil;

– os serviços de aconselhamento de nutrição enquadram-se na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA;

– a disponibilização do serviço de nutrição aos clientes que o contratem basta para aplicar a isenção;

– é da competência dos tribunais nacionais determinar, em cada caso concreto, se da factualidade relevante resulta estar-se, para efeitos de IVA, perante uma prestação única ou várias prestações distintas, tendo em consideração o objetivo económico dessa operação e o interesse dos destinatários das prestações;

– se um utilizador do Health Club entendeu contratar os dois serviços, não há motivo algum que justifique colocar o serviço de nutrição como um serviço acessório;

– os fornecedores procedem à agregação de uma multiplicidade de prestações de serviços em "pacotes", de molde a tornar mais aliciante esta oferta em quantidade, em detrimento de propostas individualizadas dos preditos serviços;

– ambos os serviços são independentes, não havendo, pelo contrário, qualquer relação de acessoriedade entre eles;

 

                Subsidiariamente a Requerente defende o seguinte:

– o destinatário dos serviços de ginásio e de nutricionismo é, por via de regra, o consumidor final;

– segundo o artigo 39.º do Código do IVA, nas faturas emitidas por prestadores de serviços pode indicar-se apenas o preço com inclusão do imposto e a taxa ou taxas aplicáveis, em substituição dos elementos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA;

– na posse do volume de faturação com IVA que se mostra carregado nos ficheiros SAFT, apontando para € 456.026,39 e € 451.257,85, em 2014 e 2015, respetivamente, exigir imposto, como se a Requerente tivesse faturado ao consumidor final valores representativos do somatório das mencionadas importâncias com o IVA que alegadamente não foi liquidado em operações sujeitas, respetivamente, € 528.181,47 e € 522.094,62;

– em circunstância alguma foi arguido o incidente da simulação, no que ao preço de venda concerne, pelo que se reputa inaceitável que a AT não se tenha vinculado, no cômputo do imposto em falta, ao preço efetivo;

– a liquidação do IVA “fora" da contraprestação viola frontalmente o conceito de "contraprestação recebida", pois a Inspeção Tributária calcula o imposto reputado em falta com base num preço que, de modo algum, reflete o que foi contratualizado e efetivamente pago pelo consumidor final, atento o princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade;

– o imposto alegadamente devido por recondução das prestações de serviços isentas de nutrição ao regime normal de tributação em sede de IVA deveria, no limite, ter sido calculado "por dentro";

– estamos perante um vício de lei, por resultar na violação do direito comunitário, ao nível do recorte conceptual da figura de “contraprestação”;

– a matéria coletável no entrega de um bem ou na prestação de um serviço, efetuadas a título oneroso, é constituída pela contrapartida realmente recebida para o efeito pelo sujeito passivo;

– esta contrapartida constitui, portanto, um valor subjetivo, ou seja, o valor realmente recebido, e não um valor calculado segundos critérios objetivos;

– este regime decorre do artigo 273.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e dos artigos 16.º, n.ºs 2 e 4, e 49.º do CIVA;

– o IVA é uma componente do preço e não um elemento que se adicione a este;

– o IVA exigido pela Autoridade Fiscal como já não poderia ser recuperado junto do adquirente, pois excederia o objeto do contrato e não poderia ser oposto àquele, quer a título de obrigação contratual quer a título de obrigação jurídica extracontratual, é a todos os títulos, ilegal;

– o imposto devido deve ser aplicado a um montante igual ao preço convencionado entre as partes, a que é deduzido o valor global do IVA, por forma a que o montante pago pelo adquirente cubra tanto o preço devido ao fornecedor como o IVA (liquidação do IVA por dentro).

 

No presente processo, a Requerida manteve a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária e, para além disso, alega que as consultas de nutrição não têm finalidade terapêutica e, sem ela, não podem beneficiar da isenção.

 

3.1. Âmbito do contencioso arbitral tributário

 

                O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera anulação em que se visa apreciar a legalidade e declarar a eventual ilegalidade dos actos impugnados, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º, n.º 1, do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

                Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (  )

                Consequentemente, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir da legalidade do acto impugnado, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto (   ) e também o tribunal, constatada a ilegalidade da fundamentação do acto impugnado, não pode substituir-se à Administração Tributária, mantendo na ordem jurídica esse acto com nova fundamentação. Isto é, «o tribunal não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seus poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)». (   )

                A eventual prática, na sequência da declaração pelo tribunal da ilegalidade do acto impugnado, do «acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral», é tarefa que cabe a Administração Tributária como resulta do teor expresso da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.

                               A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca nas suas alegações o acórdão do TJUE Frenetikexito, de 04-03-2021, processo n.º C-581/19, em que se decidiu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva».

                É certo que, na parte em que se refere que a prestação do serviço referido «não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), desta diretiva» a doutrina do TJUE poderia justificar que, em vez das correcções que fez, com os fundamentos que utilizou, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuasse diferentes correcções, com distintos fundamentos.

                Mas, constata-se que a hipotética falta de finalidade terapêutica das consultas de nutrição, alegada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, não foi fundamento das liquidações impugnadas.

                Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira expôs no Relatório da Inspecção Tributária as normas que prevêem a isenção e que permitem a sua aplicação à actividade dietética, não colocando qualquer obstáculo à sua aplicação por hipotética falta de finalidade terapêutica dessa actividade, apenas erigindo como obstáculo a inviabilidade de a única nutricionista contratada pela Requerente assegurar a totalidade dos serviços de nutricionismo facturados, a divisão artificial do valor da mensalidade e a natureza acessória da actividade de nutricionismo, que entendeu que não era contratada pelos utentes como um fim em si mesmo.

                Aliás, a palavra «terapêutica» ou seus derivados nem é utilizada no RIT, o que patenteia que não foi fundamento das correções a falta desse hipotético requisito.

                Esta posição da Autoridade Tributária e Aduaneira está em sintonia com a que adoptou na Informação Vinculativa n.º 9215, de 19-08-2015 (   ) em que concluiu que «os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)».

                Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem, perante a eventual constatação da ilegalidade de um acto liquidação, deixar de a declarar, pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado, mas não o foi.

                No nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.

                Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.

                Na verdade, com resulta do teor expresso do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, em sintonia com o artigo 100.º da LGT, é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não ao tribunal arbitral que a lei impõe o dever de «praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral».

                É uma opção legislativa que se justifica porque a admissão, na pendência do processo jurisdicional, de uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de os contribuintes em relação à nova fundamentação utilizarem a globalidade dos meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei para defesa dos seus direitos contra actos de liquidação (reclamação graciosa, recurso hierárquico, revisão do acto tributário e opção pela jurisdição arbitral ou por impugnação judicial perante os tribunais tributários).

                Na verdade, se a fundamentação das liquidações tivesse sido a falta de prova da finalidade terapêutica das consultas de nutrição, a defesa da Requerente e a prova a produzir poderiam ser diferentes.

                Assim, como se disse, a fundamentação a posteriori, não contemporânea do acto impugnado, só pode ser fundamento de um novo acto, eventualmente praticado em execução de decisão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT e 100.º da LGT.

                Como lapidarmente esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 31-01-2018, processo n.º 01157/17, por força do princípio da separação de poderes enunciado nos artigo 2.º da CRP, não sendo o Tribunal um órgão com competências primárias para definir a tributação, «não pode recorrer a outros filtros para aferir a legalidade do acto impugnado (já que os seu poderes de cognição não podem ir além dos fundamentos de que o acto explicitamente partiu), nem pode substituir-se à Administração na determinação de outra matéria tributável (sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária)».

                               Nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à "interpretação dos Tratados", e à "validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União", pelo que não se estende à interpretação das normas nacionais sobre a o âmbito dos processos jurisdicionais e sobre a repartição de competências entre os Tribunais e a Administração, na densificação do princípio da separação de poderes.

                É apenas quanto às matérias que se inserem nas competências do TJUE que as decisões proferidas em reenvio prejudicial podem ser consideradas obrigatórias (pelo menos, quando não são contraditórias).

                De resto, nem existe qualquer norma do direito da União Europeia sobre as competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária e tipo de poderes que lhes são atribuídos, sendo matéria que se insere plenamente na discricionariedade do legislador nacional.

                Por isso, não havendo qualquer competência do TJUE em matéria de repartição de competências entre Tribunais e Administração Tributária, nem tendo sido proferida qualquer decisão sobre a forma processual adequada à implementação do Direito da União em matéria de isenções de IVA, não há qualquer fundamento para colocar, nesta matéria de definição do âmbito do contencioso arbitral tributário, qualquer questão de violação do artigo 8.º, n.º 4, da CRP ou de consequente inconstitucionalidade.

                Assim, como se disse, é apenas à face da fundamentação das liquidações impugnadas que há que apreciar a sua legalidade.

 

                3.2. Apreciação da questão principal

 

                Os fundamentos essenciais das liquidações impugnadas são a natureza acessória dos serviços de nutrição, que a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não são adquiridos como um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar de melhores condições em relação ao serviço principal de prestação de serviços de actividade física, sendo artificial a decomposição dos serviços nas facturas das mensalidades, por se tratar de uma prestação única.

                A Requerente invoca outras decisões arbitrais e o artigo 8.º do Código Civil, mas a situação factual que é objecto do presente processo é diferente da que foi apreciada na generalidade dos outos processos e a apreciação da acessoriedade ou não de uma prestação a outra é feita casuisticamente, atendendo às características de cada situação, como tem sido jurisprudência do TJUE, inclusivamente no  acórdão de 04-03-2021, proferido no processo n.º C-581/19, citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, onde se refere:

37 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando uma operação económica é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para determinar se dela resulta uma ou mais prestações (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, EU:C:1999:93, n.º 28 e jurisprudência referida), especificando-se que, regra geral, cada prestação deve ser considerada uma prestação distinta e independente, como decorre do artigo 1.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida].

 38 Todavia, a título de exceção a esta regra geral, em primeiro lugar, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. É por isso que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C-231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida].

 

                No caso em apreço, provou-se que os clientes da Requerente não podiam aderir aos serviços de nutrição disponibilizados sem adesão aos restantes serviços e a Requerente não está aberta ao público para prestação exclusivamente de serviços de nutrição, como referiu o declarante C..., o que impõe a conclusão de que estavam indissociavelmente ligados aos restantes serviços de natureza desportiva, verificando-se a excepção referida.

                Por outro lado, como resultou das declarações de parte de C... e depoimento da testemunha E..., embora abstractamente haja a possibilidade de os clientes não adquirirem serviços de nutrição, ela acaba por não ter concretização, por pacotes com os mesmos serviços desportivos serem mais caros sem os serviços de nutrição do quem com eles, por efeito da aplicação da isenção de IVA à parte que nas facturas é indicada como reportando-se a serviços de nutrição.

                A irrealidade da dissociação dos serviços resulta com evidência dos factos de a testemunha E..., que atende os clientes da Requerente e os informa dos preços dos serviços, nem sequer ter conseguido dizer ao Tribunal Arbitral qual era ou é o preço sem inclusão dos serviços de nutrição e de o declarante de parte C..., embora tenha indicado preços de serviços sem nutrição, ter reconhecido que não tem conhecimento de qualquer recusa do pacote que inclui serviços de nutrição, apesar de a esmagadora maioria dos clientes não os utilizar.

                Como se refere no § 41 do acórdão do TJUE citado o primeiro critério para apurar a natureza acessória ou não de prestações «é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador».

                Afigura-se claro que, nas circunstâncias descritas, em face de ser menor, para os clientes, o preço dos serviços incluindo nutrição do que s preço dos mesmos serviços sem os de nutrição, toda a clientela da Requerente adquiria serviços com inclusão de nutrição (c0mo efectivamente sucedeu), com o fim de obter o melhor preço nos serviços de natureza desportiva ou na generalidade dos serviços, quando estivessem interessados nas consultas de nutrição.

                Conclui-se, assim, à face deste primeiro critério utilizado pelo TJUE, que se está perante uma situação em que os serviços de nutrição não eram um fim em sim mesmo, procurado pelos clientes independentemente dos serviços desportivos, mas, antes, eram adquiridos por todos os clientes por serem o meio de obterem serviços mais baratos, por efeito da aplicação da isenção de IVA.

                O segundo critério, enunciado pelo TJUE no § 42 do acórdão citado, «que constitui, na realidade, um indício do primeiro, tem que ver com a tomada em consideração do valor respetivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando-se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra».

                À face deste critério tem de se concluir pela natureza acessória dos serviços de nutrição, pois o valor dos serviços de nutrição era, para a clientela, absolutamente nulo, pois os clientes podiam usufruir desses serviços sem qualquer pagamento adicional e até beneficiavam de desconto na factura global, resultante da aplicação da isenção de IVA à parte do valor facturado indicada como respeitando aos serviços de nutrição.

                É certo que existem clientes da Requerente com interesse nos serviços de nutrição, como é o caso da testemunha F..., único caso que se apurou. Mas, mesmo neste caso, como afirmou a testemunha, a obtenção dos serviços de nutrição não foi um fim em si mesmo, mas um meio de, conjuntamente com a actividade de ginásio, obter efeitos de redução de peso que não conseguiu obter apenas com o exercício físico, para além do objectivo omnipresente de obter um preço mais reduzido do que o que seria cobrado se optasse apenas pelos serviços de natureza desportiva.

                Por outro lado, à face da referida jurisprudência, o que é relevante para apreciar a natureza acessória ou não das prestações não é a perspectiva individual de cada cliente, mas sim a da generalidade da clientela, que no caso em apreço é manifesto que optava por pacotes incluindo serviços de nutrição para obterem uma redução do preço.

                Assim, é de entender que, à face das circunstâncias do caso, os serviços de nutrição são uma prestação acessória dos serviços de natureza desportiva, não procurada como um fim em sim mesmo, mas com o objectivo primacial de obter um preço mais baixo do que o que seria praticado sem esses serviços e que a decomposição nas faturas do preço dos pacotes, feita a todos os clientes independentemente de pretenderem e utilizarem serviços de nutrição, não visava atingir uma adequada repartição de preços dos serviços prestados, mas apenas obter redução do preço global a pagar pelos clientes, com aplicação isenção de IVA a uma parte do preço.

                Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao afirmar que a Requerente procedeu, na facturação, a uma decomposição artificial das prestações de serviços desportivos e serviços de nutrição e que a prestação destes serviços, quando ocorria, era acessória dos serviços de natureza desportiva, devendo a toda a facturação ser aplicada a taxa correspondente esta actividade, não havendo lugar à aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1) do IVA.

                Por isso, improcede o pedido de pronúncia arbitral, quanto ao pedido principal.

 

                3.3. Pedido subsidiário

 

                De harmonia com o preceituado no artigo 554.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior».

                Assim, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido principal, há que apreciar o pedido subsidiário.

                A Requerente defende, em suma, o seguinte:

                – o destinatário dos serviços de ginásio e de nutricionismo é, por via de regra, o consumidor final;

– conforme resulta do artigo 39.º do Código do IVA, nas faturas emitidas por prestadores de serviços pode indicar-se apenas o preço com inclusão do imposto e a taxa ou taxas aplicáveis, em substituição dos elementos previstos nas alíneas c) e d) do n.5 do artigo 36.º do Código do IVA;

– o posicionamento adotado pela Inspeção Tributária assenta, no que concretamente tange ao conceito jurídico de contraprestação, na violação do princípio da neutralidade;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira exigiu imposto, como se a Requerente tivesse faturado ao consumidor final valores representativos do somatório das mencionadas importâncias com o IVA que alegadamente não foi liquidado em operações sujeitas;

– a liquidação do IVA “fora" da contraprestação viola frontalmente o conceito de "contraprestação recebida", pois a Inspeção Tributária calcula o imposto reputado em falta, com base num preço que, de modo algum, reflete o que foi contratualizado e efetivamente pago pelo consumidor final, atento o princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade;

– o imposto alegadamente devido por recondução das prestações de serviços isentas de nutrição ao regime normal de tributação em sede de IVA deveria, no limite, ter sido calculado "por dentro";

– a matéria coletável na entrega de um bem ou na prestação de um serviço, efetuadas a título oneroso, é constituída pela contrapartida realmente recebida paro o efeito pelo sujeito passivo, como resulta dos artigos 273.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, e 16.º, n.ºs 2 e 4, e 49.º , n.º 2, do CIVA;

– a aplicação do preceituado no artigo 49.º, n.º 2, do Código do IVA, implica a divisão do valor faturado a título de prestação recebida do consumidor final por 1,23, para encontrar a base tributável, sendo que o diferencial corresponderia ao IVA liquidado (por dentro).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira nada diz sobre esta questão.

                Esta questão suscitada pela Requerente foi objecto do acórdão do TJUE de 07-11-2013, processos n.ºs C-249/12 e C-250/12, Tulică e Plavoşin, proferido em reenvio prejudicial em que se decidiu o seguinte:

 

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73.º e 78.º, deve ser interpretada no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do imposto sobre o valor acrescentado e o fornecedor do referido bem seja o devedor do imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o imposto sobre o valor acrescentado.

 

                Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:

 

 

 32      A esse propósito, importa recordar que resulta dos artigos 1.º, n.º 2, e 73.º da diretiva IVA que o princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço destes e que o valor tributável inclui tudo o que constitui a contraprestação recebida ou a receber pelo fornecedor de bens ou pelo prestador de serviços em relação às operações pretendidas pelo adquirente, destinatário ou por um terceiro. O artigo 78.º dessa diretiva enumera certos elementos que devem ser incluídos no valor tributável. Segundo o artigo 78.º, alínea a), da referida diretiva, o IVA não é deve ser incluído no referido valor.

 

33      Em conformidade com a norma geral enunciada no artigo 73.º da diretiva IVA, o valor tributável numa entrega de um bem ou numa prestação de um serviço, efetuadas a título oneroso, é constituído pela contraprestação realmente recebida para esse efeito pelo sujeito passivo. Essa contraprestação constitui o valor subjetivo, a saber, realmente recebido, e não um valor estimado segundo critérios objetivos (v., nomeadamente, acórdãos de 5 de fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats, 154/80, Recueil, p. 445, n.º 13, e de 26 de abril de 2012, Balkan and Sea Properties e Provadinvest, C-621/10 e C-129/11, n.º 43).

 

34      Essa regra deve ser aplicada em conformidade com o princípio de base da referida diretiva, que reside no facto de o sistema do IVA ter como objetivo onerar unicamente o consumidor final (v., nomeadamente, acórdão Elida Gibbs, já referido, n.º 19, e despacho de 9 de dezembro de 2011, Connoisseur Belgium, C-69/11, n.º 21).

 

35      Ora, quando um contrato de compra e venda tiver sido celebrado sem menção do IVA, na hipótese de o fornecedor, segundo o direito nacional, não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela administração fiscal, considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final.

 

36      Essa tomada em consideração colidiria, por outro lado, com a regra segundo a qual a administração fiscal não poderá cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (v., nomeadamente, acórdãos Elida Gibbs, já referido, n.º 24; de 3 de julho de 1997, Goldsmiths, C-330/95, Colet., p. I-3801, n.º 15, e Balkan and Sea Properties e Provadinvest, já referido, n.º 44).

 

37      Em contrapartida, isso não sucederia se o fornecedor tivesse, segundo o direito nacional, a possibilidade de adicionar ao preço estipulado um suplemento correspondente ao imposto aplicável à operação e de o recuperar junto do adquirente do bem.

 

38      Além disso, importa sublinhar que uma das caraterísticas essenciais do IVA reside no facto de esse imposto ser exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços em causa. Isso implica que todos os fornecedores contribuem para o pagamento do IVA na mesma proporção face à totalidade do montante recebido pelos bens vendidos.

 

                Esta jurisprudência foi recentemente reiterada pelo TJUE no acórdão de 15-04-2021, processo n.º C-846/19, EQ, em que se afirma:

 

93      No que respeita, por outro lado, à hipótese, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de o prestador ter realizado prestações de serviços sem cobrança do IVA de que era devedor, e de não estar em condições de recuperar junto de quem pagou essas prestações o IVA posteriormente exigido pela administração tributária, há que considerar, se essa hipótese se concretizar, que as remunerações recebidas a esse título pelo prestador de serviços incluem já o IVA devido, pelo que a cobrança do IVA é compatível com o princípio de base da Diretiva IVA segundo o qual o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin, C 249/12 e C 250/12, EU:C:2013:722, n.ºs 34, 42 e 43).

                              

                Esta jurisprudência tem aplicação no caso em apreço em que a Requerente, que contratou com os seus clientes um preço global pelos serviços prestados, incluindo IVA (tabelas que constam dos anexos 7 e 8 ao Relatório da Inspecção Tributária), e não há qualquer norma de direito nacional que reconheça à Requerente a possibilidade de adicionar ao preço estipulado um suplemento correspondente ao imposto não cobrado por força da aplicação  indevida da isenção e de o recuperar junto dos adquirentes dos seus serviços.

                Inclusivamente, tratando-se mensalidades periódicas cobradas pela Requerente, já transcorreu integralmente o prazo legal de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310.º, alínea g), do Código Civil.

                Pelo exposto, aplicando a referida jurisprudência do TJUE, procede o pedido subsidiário, sendo de anular as liquidações impugnadas.

                Embora a anulação com este fundamento não inviabilize a emissão de novas liquidações, a anulação das liquidações impugnadas tem de ser total, pois, num contencioso de mera anulação, como é a arbitragem tributária, os Tribunais têm de limitar-se a declarar a ilegalidade de actos, como decorre do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

                Por isso, quando os actos assentam num fundamento ilegal, deve ser declarada a sua anulação, cabendo à Administração Tributária, em sede de execução do julgado, no âmbito do preceituado no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, decidir se pode e deve ou não praticar novos actos com uma fundamentação diferente, assegurando aos contribuintes todos os direitos de defesa que a lei lhes reconhece, não podendo o Tribunal Arbitral substituir-se à Administração Tributária, mantendo parcialmente na ordem jurídica esses actos com uma fundamentação que não foi neles invocada, o que equivaleria à emissão de novos actos de liquidação com supressão da possibilidade de invocação pelo contribuinte de todos os meios de impugnação administrativa e contenciosa que lhe são assegurados pela lei.

                De qualquer modo, os actos tributários só são divisíveis, para efeitos de anulação, quando neles seja possível descortinar uma parte legal e uma ilegal, de forma a que anulando a ilegal, fique a subsistir a legal.

                No caso em apreço, há um erro total na determinação da matéria tributável, que não deveria ser determinada da forma que foi, mas de uma forma diferente.

                Não há nenhuma parte da determinação da matéria tributável que tenha suporte legal. O que há é uma forma alternativa de a determinar que leva a resultados diferentes.

                Usando a expressiva terminologia da Requerente, pode dizer-se que é impossível encontrar na determinação da matéria tributável a parte legal (liquidação de IVA «por dentro») e uma parte ilegal (liquidação de IVA «por fora»), de forma a que eliminando esta parte ilegal fique a subsistir a legal.

                Houve apenas liquidações de IVA «por fora», que são ilegais.

                Por isso, para além de não se inserir nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD poderes para se substituírem à Autoridade Tributária e Aduaneira emitindo liquidações alternativas às que são objecto dos processos, não se está perante uma situação de divisibilidade das liquidações. 

               

                3.4. Liquidações de juros compensatórios

 

                As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respectivas liquidações de IVA, pelo que enfermam do vício que afectam estas, justificando-se também a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

                3.5. Decisão da reclamação graciosa

               

                A decisão da reclamação graciosa que manteve as liquidações enferma dos vícios que afectam estas, pelo que também se justifica a sua anulação, com os mesmos fundamentos.

 

 

                4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

                Em 16-08-2018, a Requerente pagou as quantias liquidadas e pede a devolução do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

                De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação das liquidações, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias pagas (sem prejuízo de eventual compensação se forem emitidas novas liquidações).

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 16-08-2018, calculados sobre as quantias pagas, até ao integral reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

                               5. Decisão          

 

                De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)            Julgar improcedente o pedido principal e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira desse pedido;

b)           Julgar procedente o pedido subsidiário;

c)            Anular as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios:

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.03T;

 – de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.06T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.09T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2014.12T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.03T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.06T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.09T;

– de IVA n.º 2018..., referente ao período 2015.12T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.03T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.06T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.09T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2014.12T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.03T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.06T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.09T;

– de juros compensatórios n.º 2018..., referente ao período 2015.12T;

d)           Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de € 155.416,26e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-la à Requerente, sem prejuízo de eventual compensação;

e)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados sobre a quantia de € 155.416,26, nos termos referido no ponto 4 deste acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 155.416,26.

 

7. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30-06-2021

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

             (Eva Dias Costa)

 

(Fernando Marques Simões)

(Vencido conforme declaração anexa)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

1.            Não podendo acompanhar, numa parte, o sentido da decisão que fez vencimento e noutra, a respectiva fundamentação, votei vencido.

2.            Quanto ao pedido principal também eu considero que devia ser julgado improcedente, mas seguiria linha argumentativa diversa da plasmada naquela decisão.

3.            A minha divergência começa logo na circunstância de eu entender que, in casu, estamos perante prestações de serviços autónomas e não acessórias.

4.            Advogo que o facto da prestação de serviços de actividade física realizada em contexto de ginásio e da prestação de serviços de nutrição poderem conduzir a um fim comum, consubstanciado numa sensação de bem-estar físico que provavelmente sem a realização de tais prestações o respectivo destinatário não experienciaria, não leva, ipso facto, a que se tenha necessariamente de qualificar a prestação de serviços de nutrição como acessória da da actividade física. Ou seja,

5.            A finalidade comum das prestações não pode redundar na sua qualificação como prestações de serviços únicas, cuja decomposição reveste um carácter artificial, nas quais os serviços prestados em ginásio são a prestação principal e a nutrição é acessória daquelas.

6.            O que releva é a (in)existência de finalidade autónoma da prestação.

7.            E se é certo que as prestações de serviços de nutrição contratadas mas não realizadas (e tão-só disponibilizadas aos respectivos destinatários que entendem não as fruir) não revelam a existência de qualquer finalidade autónoma, na medida em que os destinatários simplesmente delas prescindem, donde, não satisfazem qualquer necessidade daqueles, não constituindo para essa parte da clientela um fim em si mesmo, mas antes uma forma de beneficiarem da prestação de serviços de actividade física em condições mais favoráveis; já as contratadas e efectivamente realizadas, incontornavelmente, revelam a existência de tal finalidade autónoma.

8.            Quanto à questão do valor dos serviços de nutrição, diga-se que a forma como a Requerente concebeu e outorgou com os seus clientes a contraprestação pelas prestações que realiza não nos pode levar à conclusão de que a prestação de serviços de nutrição se cifra em valor zero, na medida em que as partes contratualizaram um relevante valor para a realização (ou mera disponibilização) dos serviços de nutrição que só não redunda num relevante acréscimo de proveitos para a Requerente por via do desconto concedido na prestação de serviços de actividade física.

9.            Isto dito, considero, bem ao invés do que está defendido na decisão que fez vencimento, que estamos perante prestações de serviços autónomas, distintas e claramente independentes entre si.

10.          E assim o defendo ancorado, por todos, no Acórdão do TJUE (Terceira Secção) de 4 de Março de 2021, Processo n.º C-581/19, disponível in

 https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=238466&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6682245 onde a tal propósito se aduz como segue: “37. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando uma operação económica é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para determinar se dela resulta uma ou mais prestações (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C 349/96, EU:C:1999:93, n.º 28 e jurisprudência referida), especificando-se que, regra geral, cada prestação deve ser considerada uma prestação distinta e independente, como decorre do artigo 1.°, n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida]. 38 Todavia, a título de exceção a esta regra geral, em primeiro lugar, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. É por isso que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 23 e jurisprudência referida]. 39 Para este efeito, como salientou a advogada geral nos n.ºs 22 a 33 das suas conclusões, há́ que identificar os elementos característicos da operação em causa (Acórdãos de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN,C 111/05, EU:C:2007:195, n.º 22, e de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, C 463/16, EU:C:2018:22, n. ° 30), da perspetiva do consumidor médio (Acórdão de 19 de julho de 2012, Deutsche Bank, C 44/11, EU:C:2012:484, n.º 21 e jurisprudência referida). O conjunto de indícios a que se recorre para esse objetivo inclui diferentes elementos, os primeiros, de ordem intelectual e de importância decisiva, destinados a demonstrar a indissociabilidade ou não dos elementos da operação em causa (Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Sequeira Mesquita, C 278/18, EU:C:2019:160, n.º 30) e o seu objetivo económico, único ou não [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 34], os segundos, de ordem material e sem importância decisiva (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C 349/96, EU:C:1999:93, n.º 31), que eventualmente vêm em apoio da análise dos primeiros elementos, como a acessibilidade separada (Acórdão de 17 de janeiro de 2013, BGŻ Leasing, C 224/11, EU:C:2013:15, n.º 43) ou conjunta (Acórdão de 8 de dezembro de 2016, Stock ’94, C 208/15, EU:C:2016:936, n.º 33) das prestações em causa ou a existência de uma faturação única (Despacho de 19 de janeiro de 2012, Purple Parking e Airparks Services, C 117/11, não publicado, EU:C:2012:29, n.º 34 e jurisprudência referida) ou distinta (Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, C 463/16, EU:C:2018:22, n.º 27). 40 Em segundo lugar, uma operação económica constitui uma prestação única quando um ou mais elementos devem ser considerados como prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 29 e jurisprudência referida]. 41 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o primeiro critério a tomar em consideração a este respeito é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador [Acórdão de 2 de julho de 2020, Blackrock Investment Management (UK), C 231/19, EU:C:2020:513, n.º 29 e jurisprudência referida]. 42 O segundo critério, que constitui, na realidade, um indício do primeiro, tem que ver com a tomada em consideração do valor respetivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando-se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C 308/96 e C 94/97, EU:C:1998:496, n.° 24). (...) 44 Quanto à aplicabilidade a prestações como as que estão em causa no processo principal do primeiro tipo de exceção, referido no n.º 38 do presente acórdão, importa constatar, pela leitura da decisão de reenvio, que a recorrente no processo principal se dedica, entre outras, às atividades de gestão e exploração de instituições desportivas, bem como de manutenção e bem-estar físico, e que prestou, por intermédio de um profissional devidamente habilitado e certificado para esse efeito, serviços de acompanhamento nutricional nas suas instalações. 45. Além disso, resulta dos elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio que esses diferentes serviços prestados pela recorrente no processo principal eram objeto de faturação separada e que era possível usufruir de uns sem recorrer aos outros. 46. Assim, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura se que os serviços de manutenção e bem-estar físico, por um lado, e de acompanhamento nutricional, por outro, como prestados pela recorrente no processo principal, não estão indissociavelmente ligados na aceção da jurisprudência recordada nos n.ºs 38 e 39 do presente acórdão. 47. Por conseguinte, em princípio, há́ que considerar que prestações como as que estão em causa no processo principal não constituem uma prestação única de caráter complexo. 48. Quanto à aplicabilidade do segundo tipo de exceção, referido nos n.ºs 40 a 42 do presente acórdão, a prestações como as que estão em causa no processo principal, importa, no caso em apreço, salientar, por um lado, a finalidade autónoma da prestação de acompanhamento dietético do ponto de vista do consumidor medio. Mesmo que tais prestações de acompanhamento dietético fossem realizadas ou suscetíveis de o ser nas mesmas instituições desportivas que as prestações de manutenção e bem estar físico, não é menos verdade que a finalidade das primeiras não é de ordem desportiva, mas sanitária e estética, não obstante o facto de uma disciplina dietética poder ter por efeito contribuir para a performance atlética. Por outro lado, como salientou a advogada geral no n.º 56 das suas conclusões, no processo principal, de acordo com a faturação da recorrente, 40 % do valor global mensal a pagar pelo cliente era imputado ao aconselhamento nutricional, percentagem que, manifestamente, não pode ser qualificada de mínima ou, a fortiori, de marginal. Prestações de acompanhamento dietético como as que estão em causa no processo principal não podem, portanto, ser consideradas acessórias em relação às prestações principais que são constituídas pelas prestações de manutenção e bem estar físico. 49. Daqui decorre que, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que prestações como as que estão em causa no processo principal são distintas e independentes umas das outras para efeitos da aplicação do artigo 2.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112.”

11.          E, em face da transcrição operada, concluo no sentido de que a questão da acessoriedade das prestações aqui em causa está claramente resolvida na decisão tirada no Acórdão do TJUE (Terceira Secção) de 4 de Março de 2021, Processo n.º C-581/19, Caso Frenetkexito, sendo que, no sentido da respectiva autonomização, donde, com o devido respeito, estou em discordância com a posição que fez vencimento, advogando que se deve negar estarmos perante prestações de serviços únicas nas quais a prestação de serviços de actividade física é a prestação principal e a prestação de serviços de nutrição é acessória daquela, revestindo a sua decomposição carácter artificial.  

12.          Dizia acima que também eu considerava dever ser julgado improcedente o pedido principal apresentado pela Requerente no PPA, mas que seguiria linha argumentativa diversa da que está plasmada na decisão que fez vencimento.

13.          A questão submetida a julgamento é a de saber se as prestações realizadas pela Requerente são passiveis de se subsumirem à previsão da aludida norma de isenção prevista no art.º 9º do CIVA que tem por matriz a alínea c) do art.º 132º da Directiva IVA.

14.          O Acórdão do TJUE de 10.9.2002, Kügler, Pº n.º C-141/00, não deixa de enfaticamente aludir à finalidade terapêutica que deve conformar as prestações que podem subsumir-se na previsão da alínea c), do n.º 1, ponto A, do art.º 13º do Sexta Directiva (numa interpretação actualista, alínea c) do art.º 132º da Directiva IVA), mas e isso não é de somenos, no caso sub judice, inclui também na alçada daqueles normativos as prestações de serviços que tenham por finalidade a prevenção da doença e já não somente a finalidade de diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.

15.          É claro que no que tange às prestações de serviços de nutrição como as que estão em causa no processo sub judice se pode colocar a dúvida sobre se elas prosseguem finalidades já não terapêuticas mas ao menos finalidades de prevenção da doença, não devendo olvidar-se, no entanto, que outros objectivos podem estar presentes quando se contratam tais prestações de serviços em contexto de ginásio, a saber, v.g.: i) relacionados com níveis de massa muscular; ii) relacionados com objectivos de perda de peso; iii) ou até relacionados com objectivos puramente estéticos e de imagem corporal.

16.          Adequado se mostrando trazer novamente à colação o Acórdão do TJUE (Terceira Secção) de 4 de março de 2021, Processo n.º C-581/19, disponível in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=238466&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6682245 , fazendo notar-se que o mesmo versa sobre matéria de facto análoga à que está em apreciação no caso sub judice.

17.          O referido Acórdão do TJUE, de 4 de Março de 2021, foi prolatado na sequência de pedido de decisão prejudicial, por decisão de 22.7.2019, firmado no Processo Arbitral que no CAAD tomou o n.º 504/2018-T e que deu entrada no TJUE em 30.7.2019.

18.          O  pedido de decisão prejudicial tinha por objeto a interpretação do art.º 2.º, n.º 1, alínea c), e do artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA).

19.          O Tribunal Arbitral decidiu suspender a instância e submeter ao TJUE as seguintes questões prejudiciais: “1) Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade: a) se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens; b) disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição, deverá, para efeito do disposto no artigo 2.°, n.º 1, [alínea] c), da Diretiva [2006/112], considerar se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades? 2) A aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, [alínea] c), da Diretiva [2006/112] pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção?”

20.          Como visto, o Tribunal Arbitral colocou a título prejudicial a questão da acessoriedade das actividades de saúde humana e de entre elas a nutrição, relativamente à actividade principal de manutenção e bem-estar físico e ainda a questão de saber se a aplicação da isenção prevista na alínea c) do artigo 132.°, da Directiva IVA, pressupunha que os serviços aí consignados fossem efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização estivesse unicamente dependente da vontade do cliente, era suficiente para efeitos de aplicabilidade da aludida isenção.

21.          Ainda assim e não obstante, quer o TJUE quer mesmo a Advogada-Geral, (as conclusões estão disponíveis in

 https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=232743&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=6682245) foram além do pedido e pronunciaram-se sobre a aplicabilidade da isenção prevista na alínea c) do art.º 132º da Directiva IVA e no n.º 1 do art.º 9º do CIVA às prestações de serviços de nutrição, discorrendo sobre se devem ou não ser qualificadas como prestações de serviços de assistência para efeitos daqueles normativos.

22.          Diz dado passo a Advogada-Geral Juliane Kokott como segue: “59. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se a isenção prevista no artigo 132.o, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA também se aplica quando o acompanhamento nutricional, embora tendo sido pago, não tenha sido utilizado. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio parte manifestamente do princípio de que as prestações de serviços de acompanhamento nutricional da requerente estão abrangidas pela isenção prevista no artigo 132.o, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA. 60. Isto é, contudo, duvidoso em consonância com o entendimento da Comissão. Para beneficiar dessa isenção, seria necessário que se verificasse uma prestação de serviços de assistência (58). Só são abrangidas pelo conceito de prestações de serviços de assistência as prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou problemas de saúde (59). É, portanto, condição que estas tenham uma finalidade terapêutica (60). 61. Isso não acontece num acompanhamento nutricional geral. É certo que o Tribunal de Justiça concebe a finalidade terapêutica de forma ampla, aceitando também medidas de prevenção destinadas a proteger ou a manter a saúde (61). Estas devem, todavia, destinar se a impedir, evitar ou prevenir uma doença, uma lesão ou anomalias de saúde, ou detetar doenças latentes ou incipientes (62). Uma relação incerta, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, é tão insuficiente neste caso (63) quanto uma finalidade puramente estética (64). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a prestação de serviços de acompanhamento visa a prevenção de determinadas doenças e o seu tratamento, ou se visa apenas o bem estar geral ou a aparência (65). 62. A questão de saber se a isenção prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA exige que se usufrua efetivamente da prestação só excecionalmente será relevante. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, noutro contexto, que a apreciação, para efeitos de IVA, de uma prestação de serviços não depende da questão de saber se o prestador se limita a colocá la à disposição ou se a fornece efetivamente (66). 63. No entanto, não é de modo algum evidente que esta jurisprudência possa ser transposta para a isenção específica prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA. Com efeito, esta isenção pressupõe uma finalidade terapêutica da prestação, o que no contexto de um acompanhamento nutricional pago, mas não utilizado, se afigura bastante duvidoso. Esta questão pode ser deixada em aberto no presente processo. Só se colocaria se o órgão jurisdicional de reenvio tivesse chegado à conclusão, e explicasse porquê, de que o acompanhamento nutricional aqui em causa é uma prestação de serviços com finalidade terapêutica. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio não formula essa conclusão.”

23.          Já o TJUE, nos pontos 20 e 21 da fundamentação do Acórdão, diz: “20. Antes de mais, há que observar que o órgão jurisdicional de reenvio, ao colocar as suas questões, parece ter partido da premissa de que um dos tipos de serviços prestados no processo principal, a saber, o serviço de acompanhamento nutricional, era suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. 21. Importa, portanto, a título preliminar, verificar a exatidão desta premissa, defendida pela recorrente no processo principal, mas contestada pelo Governo português e atenuada pela Comissão Europeia.”

24.          Inferindo-se daqui, com meridiana clareza, que quer a Advogada-Geral quer o TJUE foram para além das questões prejudiciais colocadas.

25.          Tal como acima referido, a Advogada-Geral afirmava nas suas conclusões que o órgão jurisdicional de reenvio partiu do pressuposto da aplicabilidade da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva IVA.

26.          No entanto, a Advogada-Geral considerava duvidosa a verificação de tal pressuposto.

27.          E partindo daí e tentando demonstrá-lo, chamou à discussão jurisprudência sobre a questão da interpretação que vem sendo dada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia sobre os contornos do conceito de assistência, dizendo que é condição que as respetivas prestações tenham finalidade terapêutica.

28.          Admite, não obstante, que o tribunal vem interpretando o conceito de finalidade terapêutica de forma ampla, aceitando que ainda se podem subsumir naquele conceito operações de prevenção destinadas a proteger ou a manter a saúde.

29.          Por outro lado, a Advogada-Geral diz ainda que o TJUE já declarou que a apreciação, para efeitos de IVA, de uma prestação de serviços não depende da questão de saber se o prestador se limita a coloca-la à disposição ou se a fornecê-la efetivamente.

30.          E partindo daqui diz que não é de modo algum evidente que esta jurisprudência possa ser transposta para a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132º da Directiva IVA.

31.          Inferindo eu daqui que uma coisa é a questão da exigibilidade e do facto gerador do IVA; outra, bem distinta, é a transposição da regra da mera disponibilização para a aplicabilidade da isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 132º da Directiva IVA e, portanto, a sua transposição para o direito interno, ou seja, para a isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA.

32.          A questão da mera disponibilização das prestações de serviços de nutrição, i.e., a circunstância de alguns ou boa parte dos clientes da Requerente não aceder sequer às prestações de serviços que lhes eram disponibilizadas, não pode deixar de ter reflexos na questão da avaliação sobre se em concreto a finalidade terapêutica associada às prestações de serviços de nutrição está ou não verificada.

33.          Dito de outro modo, se as prestações de serviços de nutrição não são sequer realizadas, então, em princípio, não se lhes pode conferir finalidade terapêutica para efeitos da aplicabilidade da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA.

34.          Ademais, dos considerandos nºs 30 e 31 da fundamentação do Acórdão no Tribunal de Justiça da União Europeia de 4 de Março de 2021, parece resultar que a finalidade terapêutica dos serviços de acompanhamento nutricional tem de ser convenientemente demonstrada e provada.

35.          E em face da prova produzida resultou clarividente para mim que a finalidade terapêutica das prestações em causa nos autos não ficou minimamente demonstrada.    

36.          Além de que do considerando n.º 32 da fundamentação do Acórdão resulta ainda que aquele tribunal (o TJUE) admite que há duas tipologias de serviços nutrição: i) Os prestados com uma finalidade terapêutica; ii) Os desprovidos de tal finalidade.

37.          Sendo que os prestados como os que estão em causa no processo, ou seja, os prestados em ginásio (em instituições desportivas) e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, pertencem, no entendimento do TJUE, aos da segunda tipologia de serviços de nutrição identificados em ii).

38.          Para o TJUE os serviços de acompanhamento nutricional como os prestados no processo C-581/19 não podem subsumir-se na isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA.

39.          Não devendo olvidar-se que a interpretação sancionada pelo TJUE claramente afronta a que é defendida pela Requerente.

40.          A questão da finalidade terapêutica associada à realização (ou não) das prestações de serviços de nutrição é a questão determinante que entendo se pode retirar da jurisprudência Fernetikexito.

41.          A conclusão que se pode extrair da jurisprudência Frenetikexito de que as prestações de serviços de nutrição como as que são realizadas nos presentes autos não caem na alínea c) do nº 1 do artigo 132º da Directiva IVA é suficientemente clara e não deixa grandes dúvidas de interpretação.

42.          Isto dito se conclui no sentido de que se os serviços de acompanhamento nutricional, como os que estavam em causa no processo C-581/19, não podem, para o TJUE, subsumir-se na isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 132º da Directiva IVA, então, os que estão em causa nos presentes autos, porquanto rigorosamente iguais, não podiam também subsumir-se na isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA.

43.          E assim sendo, considero que o Tribunal Arbitral não podia deixar de acompanhar tal asserção do TJUE, louvando-se, aliás, naquele arresto para decidir no sentido referido, ou seja, considerando também que os serviços de nutrição como os que estão em causa nos presentes autos não podem beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA, por manifesta ausência de verificação do requisito objectivo da finalidade terapêutica.

44.          Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da união europeia.

45.          E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunal nacionais do Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL  .

46.          E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.

47.          Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no acórdão Von Colson , o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.

48.          Era esta a linha argumentativa que me impelia a decidir pela improcedência do pedido principal apresentado no PPA.

49.          Já quanto ao pedido subsidiário, também eu considero que tem aqui perfeita aplicabilidade a jurisprudência tirada no nos Processos C-249/12 e C-250/12, Acórdão do TJUE de 7.11.2013, Caso  Tulică  e Plavoşin, sabiamente explicitada no texto do acórdão que fez vencimento.

50.          No entanto, divirjo no que tange às consequências que advêm dessa aplicabilidade ali enunciadas.

51.          No Acórdão que fez vencimento, propugna-se a anulação total das liquidações sindicadas.

52.          Por mim, essa anulação seria meramente parcial.

53.          O Acórdão do Pleno do STA de 10.4.2013, tirado no Processo n.º 0298/12, fixa jurisprudência no sentido de que o acto de liquidação enquanto acto divisível é susceptível de anulação parcial.

54.          Inferindo-se daquela decisão que a anulação parcial dos actos tributários é juridicamente admissível quando aqueles enfermem de ilegalidade meramente parcial, ou seja, quando o fundamento da anulação se aplique apenas a uma parte do acto e não à sua totalidade.

55.          In casu, a AT liquidou IVA relativamente às operações ligadas à nutrição que no seu entender não poderiam beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do art.º 9º do CIVA (o que quadra com o sentido da decisão que fez vencimento relativamente ao pedido principal) mas face à jurisprudência Tulică  e Plavoşin (acima melhor identificada) só parte do valor tributável levado em consideração poderia ter sido relevado, ou seja, a AT, tendo apurado o valor tributável ligado às operações de nutrição aqui em causa, deveria ter “retirado por dentro” o respectivo imposto, aplicando o art.º 49º do CIVA, i.e., dividindo o valor da contraprestação recebida pelo sujeito passivo por 1,23 e, apurado o respectivo valor tributável, só aplicando IVA a tal base tributável e não, como fez, considerando todo o valor recebido como contraprestação pelos serviços de nutrição, fazendo acrescer àquele valor recebido o correspondente IVA que está a ser sindicado nos autos.

56.          Assim sendo, sustento, a ilegalidade que está a afectar os actos de liquidação sindicados não os afecta no seu todo.

57.          A redução do valor tributável das operações em causa facilmente se poderia apurar pela divisão por 1,23 das bases tributáveis consideradas pela AT, não exigindo a prática de novos actos de liquidação.

58.          Nessa conformidade, advogo, impunha-se anular apenas parcialmente os actos de liquidação sub judice e já não, tal como está no Acórdão que fez vencimento, a anulação total dos mesmos.

59.          Tudo ponderado, teria decidido pela procedência meramente parcial do pedido subsidiário apresentado pela Requerente e só pela anulação parcial dos actos de liquidação sindicados, divergindo assim da posição que fez vencimento.

 

O Árbitro,

Fernando Marques Simões