SUMÁRIO:
I. É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes impostos na medida em que o RJAT não exige uma identidade absoluta entre os mesmos, devendo considerar-se prevalecentes as razões de economia e celeridade processual na cumulação que, de resto, materializam o princípio pro actione enquanto corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
II. Ao abrigo dos princípios da justiça e da materialidade subjacente a existência de irregularidades nos lançamentos contabilísticos não obsta a que o sujeito passivo prove os valores efectivamente em dívida, i.e. não obsta que o sujeito passivo prove que não recebeu determinados montantes, sendo admissível o reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a receber, na medida em que estejam verificados, porque provados, os critérios exigidos nos termos da lei.
III. São dedutíveis para efeitos fiscais os gastos efectuados com pagamentos a sociedades residentes em países com tributação claramente mais favorável na medida em que o sujeito passivo ilidiu a presunção consagrada no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do Código do IRC.
IV. Aos serviços de promoção publicitária não é aplicável a exclusão do direito à dedução do IVA suportado prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 21.º, do Código do IVA.
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro-presidente), Carla Castelo Trindade e Henrique Fiúza, designados para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., ..., titular do número de identificação de pessoa colectiva ..., vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:
declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IRC n.º 2019..., dos actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2019 ... e n.º 2019..., bem como da respectiva demonstração de acerto de contas materializada no acto de liquidação n.º 2019 ..., todos eles referentes ao período de tributação de 2015;
declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IVA n.º 2019 ..., do correspondente acto de liquidação adicional n.º..., bem como da respectiva demonstração de acerto de contas materializada no acto de liquidação n.º 2019..., todos eles referentes ao período de tributação de 2015/12;
declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IVA n.º 2019 ..., do correspondente acto de liquidação adicional n.º..., bem como da respectiva demonstração de acerto de contas materializada no acto de liquidação n.º 2019..., todos eles referentes ao período de tributação de 2015/06;
condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida ou AT”) ao pagamento dos juros indemnizatórios legalmente devidos.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 8 de Julho de 2020 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Requerida.
3. A Requerente exerceu a faculdade prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, tendo designado a Professora Doutora Carla Castelo Trindade para o exercício das funções de árbitro, enquanto a Requerida designou para o efeito o Dr. Henrique Fiúza. Ambos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, não tendo nenhuma das partes manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros. Quanto à escolha do árbitro presidente, requereram os árbitros que a sua escolha fosse efectuada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que nomeou para o efeito a Sr.ª Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, que também aceitou o encargo no prazo aplicável, tendo as referidas designações sido devidamente notificadas às partes em 20 de Setembro de 2020.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 21 de Outubro de 2020.
5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
Relativamente às correcções realizadas pela AT às perdas por imparidade em dívidas a receber, no valor de € 809.635,41, relativamente ao cliente B..., Ltda. (“B...”), sedeado no Brasil, não teria razão a AT ao considerar que aquela operação traduzia, em substância, uma regularização do saldo de conta corrente do cliente e ao desconsiderar o valor de € 1.969.800,14 como o valor efectivamente em dívida. Em primeiro lugar, pelo facto de os dados constantes do extracto de conta corrente junto pela Requerente ao procedimento de inspecção não estarem correctos, já que aquele não incluía os movimentos totais do ano, uma vez que terminava em Agosto de 2015, apresentando ainda lapsos de cálculo. Em segundo lugar, o facto de a B... ter reconhecido em 17 de Novembro de 2014, por acordo escrito, uma dívida no valor de € 1.168.000,00, comprometendo-se a realizar o seu pagamento em várias prestações, não significava que o valor total em dívida não fosse superior, mas tão só que a Requerente aceitou a proposta de pagamento voluntário por parte da B...– que teria alegado não ter capacidade financeira para pagar mais no imediato –, conseguindo desta forma uma confissão imediata por parte daquela, ainda que parcial, do valor em dívida. Assim sendo, a Requerente não teria acordado qualquer perdão do restante valor em dívida, de tal forma que após o incumprimento do pagamento da primeira prestação e, consequentemente, da totalidade do acordo de pagamento, a B... assinou uma nova declaração em que confessou dever, em 31 de Dezembro de 2014, o valor de € 1.866.161,55, sendo esse o valor constante da contabilidade da Requerente. Em terceiro lugar, a Requerente teria cedido à C..., Ltda. (“C...”), sedeada no Brasil, parte do crédito detido sobre a B... no valor de € 868.329,65, pelo facto de ser este o valor que esta última teria direito a receber da C... na sequência de uma obra executada em parceria com a Requerente no Rio de Janeiro. Por fim, a AT não teria considerado que o valor das imparidades registadas tinha sido influenciado pela “declaração de prestação de garantia” a favor da Requerente, em 1 de Fevereiro de 2016, com a entrega de cheques por parte da B... que teriam garantido o pagamento do valor de € 293.000,00. Nestes termos, o valor de € 809.635,41 considerado para a imparidade correspondia ao saldo final do ano de 2015 no valor de € 1.969.800,14, subtraído do montante cedido à C... no valor de € 868.329,65 e do montante garantido pela B... no valor de € 293.000,00, verificando se uma diferença negativa de € 1.160,92 decorrente de diferença cambiais. Desta forma, estariam verificados os requisitos para o registo da imparidade naquele montante, tendo a Requerente realizado várias tentativas de cobrança da totalidade dos valores em dívida e que se mostraram infrutíferas.
Quanto aos pagamentos efectuados pela Requerente à empresa D... (“D...”), sedeada no Dubai – Emirados Árabes Unidos, em contrapartida do fornecimento de vidros pela E..., Ltd (“E...”) – que era por sua vez fornecedora da D...–, e que foram utilizados numa obra em Inglaterra, subcontratada à empresa C... UK, entendeu erroneamente a AT que aquele gasto não poderia concorrer para a determinação do lucro tributável nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do Código do IRC. Isto na medida em que aquela foi uma operação comercial real, tendo os produtos sido efectivamente adquiridos pela Requerente e entregues no Reino Unido, sendo que a contratação da D... se deveu ao facto de a Requerente não ter conhecimento de qualquer outra empresa com capacidade para produzir e fornecer os vidros em causa tendo em conta as suas concretas especificações. Por outro lado, a empresa chinesa que fornecia a D... apresentava melhor preço que a concorrência, garantindo ainda uma qualidade do produto superior, disponibilidade para cumprir os prazos de entrega e para a prestação de um conjunto de serviços relacionados com aqueles vidros. Os vidros em questão foram assim produzidos pela E... e enviados à C... que contratou a empresa F... Plc (“F...”), para tratar do respectivo transporte e desalfandegamento em Inglaterra, conforme comprovado por dois Bill of landing e duas Packing List juntas pela Requerente ao procedimento de inspecção tributária e conforme as respectivas facturas juntas pela Requerente aos presentes autos. Do confronto dos vários documentos, verifica-se que os vidros foram efectivamente expedidos da China e desalfandegados em Southampton Port, em Inglaterra. Quanto ao preço praticado na operação, a AT não teria razão ao considerar que este tinha um carácter anormal ou exagerado, nomeadamente quando comparado com os preços constantes de outras facturas, desde logo porque os vidros em questão não eram comparáveis com quaisquer outros já adquiridos e fornecidos pela Requerente aos seus clientes, sendo que as suas especificações tornaram a sua produção mais cara. Por seu turno, a Requerente havia apresentado no âmbito do procedimento de inspecção um pedido de orçamento a uma outra empresa sedeada na Alemanha e que à data era desconhecia, que corroborou a validade daquele preço. Isto, sem contar que a margem de lucro obtida com a operação se encontrava dentro dos valores que a Requerente geralmente atinge nas obras em geral.
Por fim, no que respeita à dedução do IVA suportado com o pagamento efectuado à G..., não teria razão a AT ao considerar que a Requerente apenas teria direito a deduzir 50% do IVA suportado nos termos do artigo 21.º, n.º 2, alínea d), do Código do IVA, por não estarem em causa gastos associados a despesas efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferência e similares. Pelo contrário, os vários pagamentos efectuados pela Requerente deveram-se a serviços de promoção publicitária, tal como constava do protocolo de parceria celebrado com aquela entidade, razão pela qual não teria fundamento a aplicação da referida norma do Código do IVA.
6. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por excepção, tendo concluído pela absolvição da instância, defendendo-se ainda por impugnação, concluindo pela improcedência da presente acção e consequente absolvição de todos os pedidos na eventualidade de o Tribunal não considerar procedente a excepção dilatória invocada.
A Requerida solicitou a produção de prova testemunhal, tendo ainda procedido à junção aos autos do respectivo processo administrativo (“PA”). Nestes termos, a Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
No âmbito do seu pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticiona a anulação total dos actos de liquidação impugnados, contudo, apenas alega a ilegalidade de parte das correcções subjacentes à emissão dos actos de liquidação adicional, não apresentando quaisquer argumentos quanto às restantes correcções que influenciaram aqueles actos. Assim sendo, e tendo em conta que os poderes de cognição estão limitados pelo pedido e causa de pedir, verifica-se que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e declarar a ilegalidade total dos actos de liquidação de IRC tal como pretendido pela Requerente.
Por outro lado, a Requerente cumula no âmbito do seu pedido de pronúncia arbitral a anulação de actos de liquidação de IRC e de IVA sem que se encontrem verificados os requisitos constantes do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, isto é, sem que a sua procedência dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de Direito. Isto na medida em que aquele requisito apenas se considera verificado quanto exista identidade de tributo, já que cada imposto se rege por normativos próprios, designadamente quanto aos pressupostos de facto e de Direito, de que depende a sujeição a tributação. Nestes termos, a cumulação de pedidos era ilegal, o que consubstanciava uma excepção dilatória determinante da absolvição da instância quanto à totalidade do pedido ou, subsidiariamente, quanto à parte do pedido que não prosseguisse para apreciação do Tribunal, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (“CPC”) e do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea j), do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) e e) do RJAT.
Relativamente às perdas por imparidade em dívidas a receber, a argumentação da Requerente não logrou contrariar as conclusões da Inspecção Tributária, nomeadamente o facto de as imparidades registadas traduzirem uma regularização do saldo da conta corrente do cliente que se encontrava incorrecto, sendo que o gasto contabilizado não respeitava o regime do acréscimo previsto no artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC. Ainda que a Requerente tivesse sustentado que o valor em dívida em 31 de Dezembro de 2015 ascendia a € 1.969.800,14, a verdade é que a Requerente incluía no extracto de conta corrente como valores em dívida um conjunto de oito facturas, emitidas entre Maio de 2012 e Dezembro de 2013, que totalizavam o valor de € 893.441,75, e que já se encontravam pagas ou anuladas com notas de crédito. Ora, não só a Requerente não se pronunciou sobre tais facturas, como também não sustentou cabalmente o valor das imparidades registadas, uma vez que não era crível qua este se tivesse reunido com a B... para discutir um plano de pagamentos que incidia apenas sobre parte do crédito, sendo que a alegada falta de capacidade financeira para pagamento da integralidade da dívida também seria posta em causa em virtude de aquele plano implicar a regularização de € 1.168.000,00 até ao final do ano de 2015. Isto sendo certo que nessa altura não só a dívida não estava paga como ainda tinha aumentado, não sendo verosímil que a Requerente desconhecesse a capacidade financeira do seu cliente e o risco de incobrabilidade do crédito, verificando-se que alguns dos valores em dívida se reportavam a Maio de 2012 sem nunca sequer terem sido reclamados judicialmente. Por estas razões, procederam correctamente os serviços de inspecção tributária (“SIT”) ao negarem a relevância fiscal do gasto em questão, não tendo a Requerente cumprido com o ónus de prova que sobre si recaía nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, já que não teria demonstrado as verdadeiras razões da diferença de € 809.635,41, regularizada na conta corrente da B... a título de imparidade, de tal forma que não estaria justificada a sua dedução, desde logo, para efeitos do artigo 23.º, do Código do IRC. Mas a dedução daquele montante não cumpria igualmente com os requisitos exigidos nos termos do artigo 28.º-A, n.º 1, do Código do IRC, já que os elementos constantes do relatório de inspecção tributária (“RIT”) não permitem concluir pela existência de provas objectivas de terem sido efectuadas diligências para o recebimento dos montantes em dívida, nem mesmo para considerar aquele montante em dívida como imparidade, já que a Requerente se teria limitado a juntar “uma declaração de circularização de saldos de clientes, procedimento habitual no âmbito da auditoria às demonstrações financeiras, a remeter ao revisor oficial de contas, alegadamente preenchida pela “B...”, da qual consta um saldo de € 1.866.161,55, à data de 31/12/2014”, ainda que tal declaração não viesse “acompanhada de nenhum extracto de conta-corrente emitido pelo cliente, nem nenhum elemento demonstrativo da composição daquele saldo”, o que não permitiria justificar o risco de incobrabilidade dos créditos.
Quanto aos montantes pagos à D..., sedeada no Dubai – Emirados Árabes Unidos, a Requerente não logrou demonstrar que as transferências bancárias respeitavam a operações efectivamente concretizadas, não tendo igualmente demonstrado que às mesmas não estava associado um carácter anormal ou um montante exagerado, tal como exigido nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do Código do IRC. Quanto à demonstração da realidade daquela operação, a Requerente não apresentou no decurso da acção inspectiva o documento de desalfandegamento com a indicação do valor aduaneiro atribuído aos bens à chegada ao Reino Unido, sendo que os elementos por si apresentados não seriam suficientes para comprovar os gastos nos termos da referida norma, não tendo os documentos adicionais juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral logrado atingir tal efeito, não só porque tais documentos já haviam sido analisados pelos SIT no decurso da acção de inspecção, mas também porque as facturas agora juntas aos autos não foram acompanhadas do respectivo documento alfandegário, que seria de fácil acesso à Requerente. E tanto a doutrina quanto a jurisprudência salientam que a demonstração da efectiva realização das operações não se basta com a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes nem a demonstração do pagamento do preço, sendo pelo contrário necessária a comprovação da execução das operações reais que estiveram na origem dos pagamentos efectuados. Relativamente ao preço, a Requerente não apresentou em sede de acção inspectiva a factura emitida pelo fornecedor chinês ou o documento de desalfandegamento com a indicação do valor aduaneiro atribuído aos bens à chegada ao Reino Unido, tendo tais elementos sido solicitados pelos SIT por forma a avaliarem se o valor facturado pela empresa do Dubai – Emirados Árabes Unidos, não tinha um carácter anormal ou um montante exagerado. Isto sem contar com o facto de que a Requerente alega que à data desconhecia a existência de outras empresas com propostas mais baixas para produtos com as mesmas características, ainda que na troca de correspondência entre esta e a D... se mencione a existência de fornecedores e a apresentação/revisão de preços/orçamentos, provenientes da Alemanha/Europa.
Relativamente à desconsideração de 50% do IVA suportado com o pagamento efectuado à G..., constataram os SIT que o protocolo celebrado entre a Requerente e a G... incluía a organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares bem como a oferta de bilhetes para as conferências e convites para o jantar. Neste sentido, não respeitando as referidas despesas a publicidade, tal como referiu a Requerente, mas sim aos participantes no grupo de eventos acima referidos, as correcções efectuadas pelos SIT não padecem de qualquer ilegalidade, uma vez que a situação descrita se subsume ao disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea d), do Código do IVA, de tal forma que os actos de liquidação que são consequentes daquelas correcções são legais, devendo manter-se na ordem jurídica como tal.
7. Por despacho proferido em 28 de Novembro de 2020, foi a Requerente notificada para, querendo, exercer o direito ao contraditório em relação à matéria de excepção invocada pela Requerida, bem como para indicar os factos que pretendia submeter a julgamento que não fossem susceptíveis de prova documental. A Requerente exerceu aquele direito, mediante requerimento apresentado em 14 de Dezembro de 2020 com base, sumariamente, nos seguintes argumentos:
Não se verifica qualquer excepção dilatória por inadmissibilidade de cumulação de pedidos já que, ao contrário do defendido pela AT, o artigo 3.º, do RJAT, não deve ser interpretado no sentido de que nunca são cumuláveis pedidos que digam respeito a impostos diferentes. Pelo contrário, é entendimento da doutrina e jurisprudência maioritárias que aquela norma não exige uma absoluta identidade de questões de facto e de Direito mas apenas uma identidade quanto ao que é essencial, sendo que no presente caso estavam em causa correcções efectuadas no mesmo acto inspectivo, relativamente ao mesmo período tributário e quanto a operações contabilísticas não aceites pela AT. Isto sem contar que a correcção em sede de IVA tinha um valor residual, sendo demasiado onerosa e inútil a sua impugnação autónoma, que não teria em conta razões de racionalidade de meios, celeridade da decisão e economia processual, em conformidade com o princípio pro actione, corolário do direito à tutela judicial, do princípio constitucional de acesso efectivo à justiça. Por outro lado, a redacção do artigo 104.º, do CPPT, foi recentemente alterada, permitindo a cumulação de pedidos nos casos em que aos pedidos corresponda a mesma forma processual e a sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspecção tributária, condições que se verificam no presente caso, de tal forma que aquela norma seria subsidiariamente aplicável atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. Caso assim não se entendesse, deveriam manter-se apenas os pedidos relativos às liquidações em sede de IRC.
Quanto ao facto de estar em causa um pedido de anulação parcial das liquidações e não total, não estaria em causa qualquer excepção dilatória para efeitos do disposto no artigo 571.º, n.º 2, do CPC, sendo que deverá ser o Tribunal a decidir se os vícios invocados pela Requerente afectam ou não o acto tributário como um todo.
8. Por despacho proferido em 14 de Dezembro de 2020, foi designado o dia 5 de Fevereiro de 2021 para realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT. Tendo em conta o requerimento datado de 4 de Janeiro de 2021, no qual a Requerente peticionou que a inquirição das testemunhas fosse efectuada por videoconferência; tendo em conta o requerimento da Requerida datado de 2 de Fevereiro de 2021, no qual esta manifestou a sua concordância com a inquirição das testemunhas conquanto os respectivos depoimentos fossem efectuados nas instalações do CAAD; e tendo em conta a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, foi proferido despacho arbitral, em 2 de Fevereiro de 2021, no qual se adiou a realização daquela reunião, determinando-se que a mesma seria objecto de remarcação em data a fixar oportunamente.
9. Posteriormente, por despacho proferido em 22 de Março de 2021, foi designado o dia 6 de Maio de 2021 para efeitos de realização da reunião do artigo 18.º.
Tendo em conta que o prazo de seis meses para emitir a decisão arbitral estabelecido no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT incluía o período de férias judiciais e atenta a tramitação e a complexidade do processo, foi prorrogado por dois meses o prazo de arbitragem através de despacho proferido em 17 de Abril de 2021.
10. A reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT foi realizada na data estabelecida, tendo sido produzida a prova testemunhal requerida pelas partes. Em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do RJAT o Tribunal designou o dia 21 de Setembro de 2021 enquanto data previsível para prolação da decisão arbitral, tendo em conta a suspensão do processo de 22 de Janeiro de 2021 a 6 de Abril de 2021.
11. No seguimento das diligências probatórias realizadas na reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, e por se perspectivar útil ao apuramento da verdade material tendo em conta a matéria de facto produzida, foi proferido despacho em 11 de Maio de 2021 no qual se convidou a Requerente a juntar aos autos elementos de prova que certificassem a correcta inscrição contabilística do registo da imparidade em dívidas a receber do Cliente B... bem como da correcção do respectivo montante. Em concreto, convidou-se a Requerente a juntar aos autos os seguintes elementos de prova:
1. Documento(s) contabilístico(s) de suporte ao(s) lançamento(s) da(s) imparidade(s) no valor/montante de € 809.635,41, contabilizadas como gastos do período de 2015;
2. Balancetes analíticos do mês de Dezembro de 2015, referentes aos períodos de “Regularizações” ou Mês 13, “Apuramento” ou Mês 14 e “Encerramento” ou mês 15;
3. Extractos da conta de “211 - Clientes c/c” referentes ao cliente B..., LTDA, respeitantes aos exercícios de 2014, 2015 e 2016;
4. Extractos da(s) conta(s) “219 - Perdas por imparidade acumuladas” respeitante aos exercícios de 2014, 2015 e 2016;
5. Extractos de outras contas referente ao cliente B..., LTDA, respeitantes aos exercícios de 2014, 2015 e 2016;
6. Extractos da(s) conta(s) de “6511 - Perdas por imparidade - Em dívidas a receber de clientes” respeitante aos exercícios de 2014, 2015 e 2016;
7. Extractos da(s) conta(s) de “76211 - Reversões de perdas por imparidade - Em dívidas a receber de clientes” respeitante aos exercícios de 2014, 2015 e 2016;
8. Mapa de modelo oficial, Modelo 30 IRC – “Mapa das provisões, perdas por Imparidade em créditos e ajustamentos em inventários”, documento integrante do Processo de Documentação Fiscal ou “Dossier Fiscal” de 2015.
12. Em 17 de Maio de 2021, mediante requerimento, veio a Requerente juntar aos autos os referidos elementos.
Por fim, em 8 de Junho de 2021, mediante requerimento, veio a Requerente apresentar alegações escritas. A Requerida apresentou igualmente alegações, mediante requerimento, em 2 de Julho de 2021. Nas alegações escritas as partes salientaram, no essencial, os argumentos anteriormente desenvolvidos.
II. SANEAMENTO/CUMULAÇÃO ILEGAL DE PEDIDOS
13. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, n.º 3, alínea b), todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
14. No âmbito do saneamento cumpre ainda tomar conhecimento da excepção dilatória invocada pela Requerida na sua resposta relativamente à inadmissibilidade da cumulação dos pedidos de anulação dos actos de liquidação de IRC e de IVA.
Dispõe a este respeito o artigo 3.º, n.º 1, do RJAT que a cumulação de pedidos é admissível quando “(…) a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Da jurisprudência constante dos tribunais arbitrais resulta que esta norma não só não obsta à cumulação de pedidos relativamente a impostos de diferente natureza (neste sentido veja-se, por exemplo, o acórdão de 11 de Maio de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 333/2019-T), como também não exige que a identidade das questões de facto e de Direito entre os pedidos seja absoluta, até porque a matéria de Direito será naturalmente distinta quando estiverem em causa impostos diferentes (neste sentido veja-se, por exemplo, o acórdão de 27 de Abril de 2016, proferido no âmbito do processo n.º 209/2015-T). Por outro lado, resulta igualmente da jurisprudência arbitral que “as regras sobre cumulação de pedidos têm subjacentes razões de economia processual, pelo que devem ser interpretadas teleologicamente não com a perspectiva de colocação de obstáculos à apreciação das pretensões dos contribuintes, mas sim, com o alcance de viabilizarem a cumulação sempre que as razões de economia se verifiquem”, tal como se referiu no acórdão arbitral de 23 de Março de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 720/2014-T.
Atendendo agora ao presente caso, verifica-se que a cumulação de pedidos efectuada pela Requerente diz respeito a actos de liquidação de IRC e de IVA referentes ao mesmo período tributário, cuja factualidade e correcções foram apuradas pela AT no âmbito do mesmo relatório de inspecção tributária, sendo certo que o pedido referente à correcção em sede de IVA apresenta um valor residual. Assim sendo, e tendo em conta que não se exige no RJAT uma identidade absoluta entre os pedidos, devem considerar-se prevalecentes as razões de economia e celeridade processual invocadas que, de resto, materializam o princípio pro actione enquanto corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Neste sentido, julga-se improcedente a excepção invocada pela Requerida, admitindo se a cumulação de pedidos efectuada pela Requerente.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
15. Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial anónima, residente em território português, que tem por objecto o fornecimento e montagem de caixilharias em alumínio e o fornecimento e montagem de fachadas em alumínio e vidro, além de estruturas metálicas diversas;
b) A Requerente encontra-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável e em sede de IVA no regime normal com periodicidade mensal;
c) Em 2019 a Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária realizado pela Direcção de Finanças do Porto sob a ordem de serviço n.º OI2016..., que foi iniciado com âmbito parcial, com incidência em IRC e IVA, e que foi posteriormente alterado para âmbito geral, com referência a todo o período de tributação de 2015;
d) Entre os anos de 2012 e 2016 a Requerente estabeleceu uma relação comercial com a sociedade B..., Ltda., sedeada no Brasil, da qual resultou o apuramento de dívidas por falta de pagamento desta última;
e) No âmbito de uma troca de e-mails entre H... e I..., datados de 6 e 7 de Novembro de 2014, a Requerente evidenciou o incumprimento do pagamento de montantes em dívida por parte da B..., bem como a falta de liquidez desta última para o efeito (cfr. documento 9 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
f) Neste seguimento, foi realizada uma reunião entre a administração da Requerente e a administração da B..., em 17 de Novembro de 2014, tenda em vista o reconhecimento do valor em dívida e a definição de prazos para pagamento faseado desse mesmo valor, bem como o estabelecimento do dever de informação por parte da B... como contrapartida da manutenção da actividade comercial desta com a Requerente;
g) Da acta dessa reunião consta a seguinte definição do valor de conta corrente e do plano de pagamentos do respectivo valor:
h) Não obstante, na data daquela reunião, em 17 de Novembro de 2014, os registos contabilísticos da Requerente apresentavam um saldo devedor da conta corrente (SNC 21113001195 – B...) no valor global de € 1.998,373,86 (cfr. PA junto pela Requerida aos autos);
i) O valor acordado na reunião não implicou nenhum perdão de dívida da Requerente à B..., mas tão só um reconhecimento parcial de dívida desta última que demonstrou disponibilidade para pagar com brevidade o montante de € 1.168.000,00 (cfr. depoimento da testemunha J...);
j) Em 31 de Dezembro de 2014 verificou-se o incumprimento por parte da B... da primeira prestação do referido plano de pagamentos, não tendo esta cumprido com nenhuma das demais prestações a que se tinha vinculado;
k) O extracto da conta corrente, em 31 de Dezembro de 2014, evidenciava um saldo devedor de € 1.866.161,55 (cfr. documentos 5 “inicial” e 8 juntos pela Requerente aos autos);
l) Esse mesmo valor é declarado pela B... como correspondendo, em 31 de Dezembro de 2014, ao saldo da conta corrente com a Requerente (cfr. documento 7 junto pela Requerente aos autos);
m) O extracto da conta corrente, em 31 de Dezembro de 2015, evidenciava um saldo devedor de € 1.969.800,14 (cfr. documento 5 “substituído” junto pela Requerente aos autos);
n) Por referência ao período de 2015 a Requerente registou na sua contabilidade imparidades por dívidas a receber quanto à B... no montante de € 809.635,41;
o) Em resposta a uma notificação da AT efectuada no decurso do procedimento de inspecção tributária a Requerente apresentou o seguinte extracto de conta corrente da B..., reportado a 31 de Dezembro de 2015, no qual identificou igualmente as facturas em mora (cfr. PA junto pela Requerida aos autos):
p) Das facturas mencionadas como estando em dívida, quatro encontravam-se simultaneamente identificadas como já tendo sido liquidadas ou anuladas com emissão de nota de crédito, designadamente (cfr. documentos 2 A e 2 B e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos):
q) Das facturas mencionadas como estando em dívida, cinco venceram-se no 1.º semestre de 2014, designadamente (cfr. documento 2 A junto pela Requerente aos autos):
r) O extracto de conta corrente da B..., reportado a 31 de Dezembro de 2015, que a Requerente enviou aos SIT enquanto resposta a uma notificação no decurso do procedimento de inspecção tributária não englobava os movimentos totais do ano (já que os movimentos terminavam em 31 de Agosto de 2015) e apresentava erros de cálculo;
s) Em 1 de Fevereiro de 2016 a B... emitiu uma “declaração de prestação de garantia” a favor da Requerente, tendo garantido o pagamento do valor de € 293.000,00, através da entrega de cheques naquele montante (cfr. documento 6 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
t) Em 4 de Maio de 2016 a Requerente cedeu à C..., a título oneroso e com carácter irretractável, parte dos créditos que detinha sobre a B... no valor total de € 868.329,65 (cfr. documento 6 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos, bem como o depoimento das testemunhas J... e K...);
u) A Requerente efectuou várias tentativas de cobrança dos valores em dívida, designadamente através de e-mails, contactos telefónicos e deslocações ao Brasil, tendo ainda recorrido a um advogado no Brasil de forma a tentar cobrar os montantes em dívida (cfr. documento 9 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos, bem como o depoimento das testemunhas J... e K...);
v) As tentativas de cobrança dos valores em dívida efectuadas pela Requerente revelaram-se infrutíferas (cfr. documento 9 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos, bem como o depoimento das testemunhas J... e K...);
w) A Requerente foi aconselhada pelo advogado no Brasil a não reclamar judicialmente os créditos sobre a B... pelo facto de os custos associados a tal operação excederem largamente a possibilidade de vir a recuperar os montantes em dívida (cfr. depoimento da testemunha K...);
x) Em 2015 a Requerente celebrou um contrato com a sociedade D..., sedeada no Dubai – Emirados Árabes Unidos, ao abrigo do qual efectuou transferências no valor total de € 340.787,04 (cfr. documento 10 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
y) Em 2015 os Emirados Árabes Unidos integravam a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação claramente mais favoráveis;
z) As transferências foram efectuadas enquanto contrapartida pelo fornecimento de vidros para uma obra realizada em Inglaterra (cfr. documento 10 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
aa) A sociedade E..., sedeada na China, enquanto fornecedora da D..., ficou encarregue da produção e envio dos vidros directamente para a sociedade participada da Requerente C..., que foi subcontratada para a realização da referida obra e à qual foram posteriormente facturados aqueles vidros (cfr. PA junto pela Requerida aos autos);
bb) Os dois Bill of landing¸ datados de 3 de Setembro de 2015, e as duas Packing List, datadas de 18 de Setembro de 2015, mencionam a sociedade E... enquanto exportadora e o porto de Tiajin, na China, enquanto local de origem, bem como a sociedade C... UK enquanto destinatário/importador das mercadorias, cujo local de destino seria o porto de Southampton, no Reino Unido (cfr. documento 12 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
cc) A sociedade F..., ficou responsável por efectuar o desalfandegamento dos vidros no porto de Southampton, no Reino Unido, e por executar o respectivo transporte até à obra em que seriam incorporados (cfr. PA junto pela Requerida aos autos, no qual constam diversos e-mails entre a Requerente e a referida sociedade, relativamente à operação em questão e cfr. o depoimento da testemunha L...);
dd) As facturas n.º F210439D, n.º F210596I e n.º F210968, emitidas pela sociedade F... à C... UK, fazem alusão a custos de desalfandegamento e pagamento de impostos, custos de processamento e documentação e custos associados à detenção e ocupação do porto (cfr. documentos 13, 14 e 15 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
ee) Essas facturas são coincidentes com os Bill of landing e as Packing List no que respeita às referências ao tipo de produtos transportados (vidros), à sua quantidade e ao seu peso (cfr. documentos 12, 13, 14 e 15 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
ff) Os vidros foram efectivamente recebidos no Reino Unido, tendo sido incorporados na obra aí executada;
gg) O transporte e a incorporação dos vidros no Reino Unido foram acompanhados por L... enquanto arquitecto da Requerente (cfr. depoimento da testemunha L...);
hh) Os vidros em questão tinham um conjunto de especificações que não correspondiam aos vidros normalmente comercializados pela Requerente (cfr. documentos 10, 11 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos, bem como os depoimentos das testemunhas L... e J...);
ii) Nos contactos realizados com a D... a Requerente teve conhecimento de uma outra proposta/preço proveniente da Europa/Alemanha (cfr. documento 11 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
jj) A referida empresa – a M...–, apresentou uma proposta de valor mais elevado em relação ao valor proposto pela D... (cfr. documentos 10 e 11 juntos pela Requerente aos autos e cfr. depoimentos das testemunhas L... e J...);
kk) A qualidade dos vidros fornecidos pela M... era inferior à qualidade dos vidros fornecidos pela D... (cfr. depoimentos das testemunhas L... e J...);
ll) A proposta alemã não assegurava o cumprimento dos prazos de entrega exigidos pela Requerente (cfr. depoimentos das testemunhas L... e J...);
mm) A proposta alemã limitava-se à venda dos vidros, não incluindo prestações adicionais/complementares (cfr. depoimentos das testemunhas L... e J...);
nn) A proposta da D... assegurava o cumprimento dos prazos de entrega pretendidos pela Requerente, bem como um conjunto de serviços adicionais que visavam assegurar o controlo da qualidade dos vidros (cfr. depoimentos das testemunhas L... e J...);
oo) No requerimento de audição prévia relativo ao projecto de relatório do procedimento de inspecção tributária a Requerente apresentou um orçamento de uma outra empresa alemã, isto é, diferente da M..., cuja avaliação reportada a 22 de Março de 2019 propôs um preço de € 288.753,00 para produtos de idênticas características;
pp) A Requerente celebrou um protocolo de parceria com a G..., ao abrigo do qual se vinculou a dar a esta última um contributo financeiro no valor global de € 25.000,00 (cfr. documento 17 junto pela Requerente aos autos);
qq) Em contrapartida a G... vinculou-se a:
rr) No exercício fiscal de 2015 a Requerente pagou à G... a quantia de € 15.000,00, tendo esta liquidado IVA sobre o respectivo valor no montante de € 3.450 (cfr. documento 17 e PA juntos pela Requerente e Requerida, respectivamente, aos autos);
ss) A Requerente deduziu integralmente o IVA suportado;
tt) Na sequência da emissão dos actos de liquidação adicional de IRC e de IVA já prontamente identificados, a Requerente apresentou em 5 de Novembro de 2019 duas reclamações graciosas, uma relativa ao acto de liquidação de IRC e outra relativa aos actos de liquidação de IVA;
uu) A AT não efectuou qualquer pronúncia quanto às reclamações graciosas apresentadas, com a consequente formação de indeferimento tácito.
III.1.2. Factos não provados
16. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
17. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que importam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e não provada, não tendo o dever de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como resulta dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal (tendo as testemunhas respondido de forma isenta e com conhecimento dos factos) na reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes nas respectivas peças processuais, apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Considerações prévias sobre a ordem de conhecimento dos vícios alegados
18. Sobre a ordem do conhecimento dos vícios, determina o artigo 124.º, do CPPT, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, que o Tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
Quanto a estes últimos, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.
Deste modo, e ao já ter sido apreciada em sede de saneamento do processo a excepção dilatória de cumulação ilegal de pedidos alegada pela Requerida, começar-se-á pela apreciação das ilegalidades imputadas pela Requerente às correcções efectuadas pelos SIT quanto a imparidades em dívidas a receber, seguindo-se a apreciação da legalidade dos montantes pagos a sociedade residente no Dubai – Emirados Árabes Unidos, cabendo por fim analisar a legalidade da dedução de IVA relativamente ao pagamento efectuado pela Requerente à G... .
III.2.1. Imparidade em dívidas a receber
19. Relativamente às correcções efectuadas pelos SIT quanto aos gastos reconhecidos pela Requerente a título de perdas por imparidade em dívidas a receber da cliente B... cabe, a título prévio, efectuar um breve enquadramento do regime jurídico vigente à data por forma a aferir se se encontravam ou não verificados os pressupostos de que dependia aquele reconhecimento.
De acordo com o artigo 23.º, do Código do IRC, relativo aos gastos e perdas:
“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
(…) h) Perdas por imparidade;”
Em todo o caso, o reconhecimento das perdas por imparidade não estava na livre disponibilidade do sujeito passivo, sendo antes necessário o cumprimento de determinados requisitos em função do tipo de activo em questão. De acordo com o artigo 28.º-A, do Código do IRC na redacção conferida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou aquele código, dispunha-se, ao que importa, que:
“1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:
a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.
Já no que concerne ao que se consideravam créditos de cobrança duvidosa dispunha se, ao que importa, no artigo 28.º-B, do Código do IRC na redacção conferida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou aquele código que:
“1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
(…) b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.”.
Feito este enquadramento prévio, cumpre então apreciar a verificação de cada um daqueles requisitos, em concreto: (i) os créditos resultem da actividade normal da Requerente, (ii) os créditos poderem ser considerados de cobrança duvidosa por existir um risco de incobrabilidade devidamente justificado e (iii) os créditos estarem evidenciados como tal na contabilidade.
(i) os créditos resultem da actividade normal da Requerente
20. Quanto ao requisito de as perdas por imparidade necessitarem de estar relacionadas com créditos resultantes da actividade normal do sujeito passivo, decorre da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, designadamente da prova documental e do depoimento da testemunha J..., que aqueles créditos resultaram da relação comercial que a Requerente tinha com a B... e que durava já há alguns anos. Em concreto, aqueles créditos resultaram da utilização de materiais da Requerente na execução de obras realizadas no Brasil em conjunto com a B... inseridas, portanto, no objecto social da Requerente. Nestes termos, considera-se que as perdas por imparidade em dívidas a receber estavam relacionadas com créditos resultantes da actividade normal da Requerente, estando assim preenchido o primeiro requisito de que depende a sua dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável.
(ii) os créditos poderem ser considerados de cobrança duvidosa por existir um risco de incobrabilidade devidamente justificado
21. Relativamente a este requisito, haverá que aferir se o risco de incobrabilidade estava, ou não, devidamente justificado. Não tendo a Requerente reclamado judicialmente ou em Tribunal arbitral os créditos em questão (cfr. depoimento das testemunhas J... e K..., a Requerente foi aconselhada por este último nesse sentido na medida em que os custos associados a tal operação seriam largamente superiores à viabilidade da recuperação dos montantes em dívida), caberá apreciar o cumprimento deste requisito de acordo com os critérios estabelecidos na alínea c), do n.º 1, do artigo 28.º-B, do Código do IRC. Neste sentido, é necessário aferir se os créditos em questão estavam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento, se existiam provas objectivas de imparidade e se tinham sido efectuadas diligências para o recebimento dos créditos em questão.
Resulta da matéria de facto dada como provada que todos os créditos registados pela Requerente já estavam em mora há mais de seis meses, não sendo este um facto controvertido nos presentes autos, pelo que se considera aquele pressuposto verificado.
Já quanto à existência de provas objectivas de imparidade, salienta-se a jurisprudência do Tribunal arbitral, no acórdão de 30 de Outubro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 609/2017-T, que a respeito da concretização daquele conceito referiu que:
“(…) não sendo incluído no CIRC qualquer conceito próprio de «provas objectivas de imparidade», a introdução deste conceito, utilizado nas normas contabilísticas sobre imparidade e incobrabilidade de activos financeiros, visou aplicar no âmbito das perdas por imparidade de créditos para efeitos de determinação do lucro tributável o conceito contabilístico, que é utilizado, nomeadamente, na IAS 39 e na NCRF 27.
De resto, por força do disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 3, do CIRC, as regras de normalização contabilística são aplicáveis na determinação do lucro tributável, quando não há regras especiais deste Código que as afastem, pelo que também por esta via se conclui é de fazer apelo aquelas normas.
Nas referidas normas contabilísticas diz-se, além do mais, o seguinte, sobre esta matéria:
IAS 39
§ 59. Um activo financeiro ou um grupo de activos financeiros está com imparidade e são incorridas perdas por imparidade se, e apenas se, existir prova objectiva de imparidade como resultado de um ou mais acontecimentos que ocorreram após o reconhecimento inicial do activo (um «acontecimento de perda») e se esse acontecimento (ou acontecimentos) de perda tiver um impacte nos fluxos de caixa futuros estimados do activo financeiro ou do grupo de activos financeiros que possa ser fiavelmente estimado. Pode não ser possível identificar um único e discreto acontecimento que tenha causado a imparidade. Pelo contrário, o efeito combinado de vários acontecimentos pode ter causado a imparidade. As perdas esperadas como resultado de acontecimentos futuros, independentemente do grau de probabilidade, não são reconhecidas. A prova objectiva de que um activo financeiro ou um grupo de activos está com imparidade inclui dados observáveis que chamam a atenção do detentor do activo acerca dos seguintes acontecimentos de perda:
(a) significativa dificuldade financeira do emitente ou do obrigado;
(b) uma quebra de contrato, tal como um incumprimento ou relaxe nos pagamentos de juro ou de capital;
(c) o mutuante, por razões económicas ou legais relacionadas com as dificuldades financeiras do mutuário, oferece ao mutuário uma concessão que o mutuante de outra forma não consideraria;
(d) torna-se provável que o mutuário vá entrar em processo de falência ou outra reorganização financeira;
(e) o desaparecimento de um mercado activo para esse activo financeiro devido a dificuldades financeiras;
ou
(f) dados observáveis indicando que existe um decréscimo mensurável nos fluxos de caixa futuros estimados de um grupo de activos financeiros desde o reconhecimento inicial desses activos, embora o decréscimo ainda não possa ser identificado com os activos financeiros individuais do grupo, incluindo:
(i) alterações adversas no estado de pagamento dos mutuários do grupo (por exemplo, um número crescente de pagamentos atrasados ou um número crescente de mutuários de cartão de crédito que atingiram o seu limite de crédito e estão a pagar a quantia mínima mensal);
ou
(ii) as condições económicas nacionais ou locais que se correlacionam com os incumprimentos relativos aos activos do grupo (por exemplo, um aumento na taxa de desemprego na área geográfica dos mutuários, um decréscimo nos preços das propriedades para hipotecas na área relevante, um decréscimo nos preços do petróleo para activos de empréstimo a produtores de petróleo, ou alterações adversas nas condições do sector que afectem os mutuários do grupo).
NCRF 27
§ 25 – Evidência objetiva de que um ativo financeiro ou um grupo de ativos está em imparidade inclui dados observáveis que chamem a atenção ao detentor do ativo sobre os seguintes eventos de perda:
a) Significativa dificuldade financeira do emitente ou devedor;
b) Quebra contratual, tal como não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida;
c) O credor, por razões económicas ou legais relacionados com a dificuldade financeira do devedor, oferece ao devedor concessões que o credor de outro modo não consideraria;
d) Torne-se provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira;
e) O desaparecimento de um mercado ativo para o ativo financeiro devido a dificuldades financeiras do devedor; ou
f) Informação observável indicando que existe uma diminuição na mensuração da estimativa dos fluxos de caixa futuros de um grupo de ativos financeiros desde o seu reconhecimento inicial, embora a diminuição não possa ser ainda identificada para um dado ativo financeiro individual do grupo, tal como sejam condições económicas nacionais, locais ou sectoriais adversas.
26 – Outros fatores poderão igualmente evidenciar imparidade, incluindo alterações significativas com efeitos adversos que tenham ocorrido no ambiente tecnológico, de mercado, económico ou legal em que o emitente opere.”. (destacado nosso)
Ora, conforme se compreende, este pressuposto também estava verificado, existindo provas objectivas de imparidade contabilística, justificadas precisamente, não só pela significativa dificuldade financeira da B... para cumprir com as suas obrigações, como também pelos sucessivos incumprimentos contratuais por esta operados relativamente aos contratos inicialmente celebrados entre as partes e aos planos de pagamento posteriormente estabelecidos em relação aos montantes devidos pela B... à Requerente tal qual foi reiteradamente afirmado pelas testemunhas em sede de reunião do artigo 18.º.
Assim, para determinar se risco de incobrabilidade estava, ou não, devidamente justificado, cumpre ainda aferir se foram, ou não, efectuadas diligências para o recebimento dos créditos em questão. A este respeito cumpre ter presente que não se verifica na lei qualquer limitação quanto aos meios de prova de que a Requerente dispõe para demonstrar que encetou diligências para obter o pagamento dos créditos antes do seu registo contabilístico a título de perdas por imparidade. Foi neste mesmo sentido que se pronunciou o Tribunal arbitral, no acórdão de 3 de Fevereiro de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 553/2019-T, no qual se referiu que:
“Esta alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC exige provas «de terem sido efectuadas diligências» para recebimento dos créditos em mora, mas afigura-se que não limita os meios de prova da realização de diligências, designadamente não exigindo prova documental.
Na verdade, se é certo que quanto à imparidade se justifica a referência a «provas objectivas», por ser um conceito definido nas normas contabilísticas ( ), também não haverá qualquer justificação aceitável para uma limitação dos meios de prova da realização de diligências de cobrança.
Desde logo, a regra geral em sede de procedimento tributário e processo de impugnação judicial é a da admissibilidade de qualquer meio de prova admitido em direito (artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT) e não se vislumbra qualquer razão atinente ao específico facto a provar que possa justificar limitação dos meios de prova, quando é manifesto que é normal que se façam diligências de cobrança através de contacto pessoal (será mesmo, provavelmente, o meio mais eficiente) (…) De qualquer forma, se se interpretasse a referência a «provas objectivas», que consta daquela alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, como proibindo aos Tribunais a utilização de prova testemunhal e através de presunções para prova da realização de diligências de cobrança, esta norma seria materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do direito à tutela judicial efectiva e da proporcionalidade, já que não se pode afastar a possibilidade de existirem situações em que não seja possível prova documental e, por outro lado, nesta específica situação, nem sequer se trata de matéria que assuma relevância essencial a nível da definição dos direitos tributários que reclame especiais cautelas probatórias.”
Atentando novamente ao caso ora em juízo, verifica-se que foi junta aos autos troca de correspondência entre as partes, na qual a Requerente expressa de forma peremptória a existência dos valores em dívida e a intenção de obter a totalidade da sua cobrança. Intenções essas que levaram a que a Requerente se deslocasse ao Brasil na tentativa de induzir a B... ao cumprimento das suas obrigações e que levaram a que os representantes desta última se deslocassem a Portugal para efeitos de celebração de um acordo de pagamento dos valores em dívida. Ao não ter este acordo sido cumprido, a Requerente recorreu a um advogado no Brasil para que este procedesse às diligências necessárias à recuperação dos créditos detidos sobre a B..., tendo aquele conseguido reduzir o valor em dívida através da realização de uma cessão de créditos à empresa C... no valor de cerca de € 860.000,00 e através da emissão pela B... de cheques para garantia do valor de cerca de € 290.000,00. Após tais diligências, continuou a estar em dívida o valor de cerca de € 800.000,00, relativamente ao qual o advogado em questão aconselhou a que a Requerente não intentasse qualquer acção judicial de cobrança, atentos os encargos económicos subjacentes e, principalmente, atento o facto de existirem entidades públicas com prioridade nos recebimentos, o que tornaria praticamente inútil e dispendiosa a referida acção, conforme já anteriormente referido.
Tudo isto provado, não só com a correspondência já referida, mas também com a acta da reunião na qual se estabeleceu o plano de pagamentos e, principalmente, com os depoimentos das testemunhas J... e K... . Assim, não existindo motivos que levantem suspeitas ou dúvidas quanto à veracidade e à correspondência com a realidade das declarações por estes prestadas, entende-se que ficou assente que a Requerente realizou diligências para cobrança da totalidade dos créditos detidos sobre a B..., inclusive dos créditos que viriam a ser contabilizados a título de perdas por imparidade. Além do mais, é de presumir, em face das regras da experiência comum (máximas de experiência presumidas nos termos do artigo 351.º, do Código Civil), que perante dificuldades sucessivas na recuperação de créditos junto de devedores em mora, os credores estabeleçam acordos de pagamento que incidem apenas sobre parte dessas montantes, garantindo desde logo um reconhecimento de dívida sobre os mesmos e um pagamento faseado das dívidas em função da disponibilidade ou liquidez mais imediata dos deveres.
Nestes termos, considera-se que os créditos em análise podiam ser considerados de cobrança duvidosa, na medida em que existia um risco de incobrabilidade devidamente justificado.
(iii) os créditos estarem evidenciados como tal na contabilidade
22. Por fim, cabe analisar o último dos requisitos de que depende a dedução para efeitos fiscais das perdas por imparidade em créditos, consubstanciado no correcto registo contabilístico dos créditos como constituindo perdas por imparidade.
Dos elementos de prova juntos pela Requerente aos autos a pedido deste Tribunal, em concreto dos documentos “Extractos de outras contas do cliente B... relativa a 2015 (doc. 6 A) e (...)”, verificou-se que a Requerente transferiu em 31/13/2015 da conta “2111 - Clientes c/c - Clientes gerais”, isto é, da conta “21113001195 –B... Lda” para a conta “217 – Clientes de cobrança duvidosa” mais especificamente para a conta “2173001195 –B... Lda”, o montante dos créditos considerados de cobrança duvidosa pelo valor de € 809.635,41. Em todo o caso, a verdade é que os registos contabilísticos que suportam o reconhecimento daquele montante a título de perdas por imparidade apresentam algumas irregularidades que obstam à sua dedutibilidade in totum para efeitos fiscais.
Da análise do “Extrato de conta global do cliente B... (doc. 2 A) e cópia das faturas consideradas para a constituição da imparidade no valor global de 809.635,61 Euros, contabilizada como gasto do período de 2015 (doc. 2 B)”, verificou-se que 4 dessas facturas cujos valores foram incluídos no montante das imparidades contabilizadas como gastos de 2015, foram anuladas, através de notas de crédito e outros suportes contabilísticos não indicados, emitidos/contabilizados durante o ano da emissão das respectivas facturas, ou seja, durante o exercício de 2013. Por tal motivo, tendo sido anulados esses créditos no exercício de 2013 (tal como evidenciado no ponto p) da matéria de facto dada como provada), tais valores não podiam ter integrado o montante das imparidades a registar como gasto do exercício de 2015. Tal situação foi devidamente evidenciada pelos SIT no âmbito da inspecção tributária, não se tendo a Requerente pronunciado sobre esta questão, seja no âmbito daquele procedimento seja no âmbito do seu pedido de pronúncia arbitral. Assim sendo, a Requerente não cumpriu os requisitos legais de que dependia o reconhecimento do montante de € 352.599,02 enquanto perda por imparidade, já que os créditos referentes a este valor não estavam evidenciados como tal na contabilidade, pelo que improcede o pedido formulado pela Requerente quanto a este concreto ponto.
Simultaneamente, constataram-se irregularidades quanto a outro conjunto de facturas. Cumpre recordar para o efeito que nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 28.º-A e da alínea c), do n.º 1, do artigo 28.º-B, ambos do Código do IRC, podem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade relacionadas com créditos resultantes da actividade normal, cujo montante anual acumulado da perda não ultrapasse as percentagens indicadas no n.º 2 do referido artigo 28.º-B. Ora, da análise de 5 facturas juntas ao processo pela Requente a pedido do Tribunal (indicadas no ponto q) da matéria de facto dado como provada), verificou se que o respectivo vencimento ocorreu no 1.º semestre de 2014, o que significa que a sua antiguidade se encontra compreendida entre os 18 e os 24 meses, não podendo, por isso, nos termos da lei, ser aceite como gasto de 2015 a imparidade registada sobre a totalidade dos créditos em mora, mas apenas de 75% dos respectivos valores. Ora, tendo sido registadas imparidades sobre a totalidade dos créditos, a Requerente incumpriu os limites impostos pelo n.º 2, do artigo 28.º-B, do Código do IRC, de tal forma que o montante de € 218.003,12 relativo à totalidade das facturas em questão apenas poderia ser aceite em 75% do seu valor.
Dito isto, e ainda que se tenham constatado algumas irregularidades nas inscrições contabilísticas que sustentam a inscrição da imparidade no valor de € 809.635,41, a verdade é que as mesmas não seriam fundamento para que os SIT realizassem as correcções a este respeito com base na alegação de que aquele montante correspondia a uma regularização do saldo da conta corrente da B... que não respeitava o princípio da especialização dos exercícios.
É certo que vigora no Direito Fiscal, mais precisamente no âmbito do IRC, o princípio da dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável e o princípio da especialização dos exercícios, conforme previsto nos artigos 17.º, n.º 1, e 18.º, ambos do Código do IRC. Em todo o caso, estes princípios não são absolutos, carecendo de ser articulados com os demais princípios vigentes no ordenamento jurídico, designadamente os princípios da justiça e da materialidade subjacente. Conforme referiu o STA a este respeito no acórdão de 9 de Outubro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 01278/12.2BELRS 0574/18:
“É entendimento reiterado deste Supremo Tribunal Administrativo que “no caso do referido artigo 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes; mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição” – v., neste sentido, por todos, o acórdão de 19 de Maio de 2010, no proc. 214/07, reproduzido no acórdão de 14 de Março de 2018, no proc. 716/13”.
A importância deste princípio é igualmente salientada por aquele Tribunal no acórdão de 18 de Junho de 2002, proferido no âmbito do recurso n.º 4587/00, no qual o STA sublinha que o princípio da justiça material constitui a “teleologia própria da tributação”, de tal forma que a AT se encontra vinculada à sua observância na prossecução do interesse público, conforme resulta do artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e do artigo 55.º, da LGT. Neste sentido, e conforme registou o STA no acórdão de 9 de Outubro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 01278/12.2BELRS 0574/18, já anteriormente citado. poderão os tribunais:
“(…) anula[r] decisões da AT, sempre que as mesmas (…) pratiquem actos feridos de ilegalidade em sentido amplo – que a jurisprudência do STA tem qualificado como violadores dos princípios que limitam a actividade da Administração em geral e da AT em particular, mormente, do princípio da justiça, consagrado, respectivamente, no n.º 2 do artigo 266.º da CRP e no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT)”.
Ora, o princípio da justiça não será prosseguido pela AT se esta se apoiar em certas irregularidades contabilísticas para promover correcções à matéria colectável que não têm em conta a substância económica das operações em questão, isto é, que oneram o contribuinte relativamente a uma manifestação de capacidade contributiva que não existiu, fazendo prevalecer o incumprimento de certos requisitos formais ao arrepio do princípio consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, que impõe a tributação das empresas segundo o rendimento real.
Desta forma, e partindo do pressuposto que não se constatou no processo ora em juízo que os registos contabilísticos realizados de forma deficiente tivessem por objectivo a obtenção de uma vantagem fiscal por parte da Requerente que de outra forma não seria devida, caberá aferir se a prova produzida permite ou não suprir as irregularidades verificadas ao abrigo dos princípios da justiça e da materialidade subjacente. Isto na medida em que o intuito último do Direito Tributário é o apuramento das realidades económicas, das situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva, de tal forma que a substância económica dos factos tributários poderá prevalecer sobre os requisitos formais da sua revelação.
Quanto a esta questão pronunciou-se já o TCA Sul no acórdão de 1 de Junho de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 03982/10, assinalando ao que aqui importa que:
“(…) não pode admitir-se como custo fiscal um custo relativamente ao qual inexista na contabilidade do contribuinte documento externo de suporte ou que este documento se revele insuficiente, a menos que seja feita a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante, por qualquer meio de prova, competindo, em sede contenciosa, ao juiz a apreciação crítica dessa prova. Ou seja, em sede de IRC, o facto de uma dada transacção se não encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, nem sequer preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que admite a prova da existência e principais características da transacção através de qualquer meio.
(…) A prova necessária para essa demonstração deve assim explicitar "de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)”.
Aqui chegados, não restam dúvidas de que a mera verificação de irregularidades não obsta a que a Requerente provasse a substância económica subjacente aos registos efectuados. Prova essa que a Requerente realizou através da documentação junta a pedido deste Tribunal na qual indicou as facturas consideradas para a constituição da imparidade, os saldos contabilísticos a cada ano e qual era a concreta informação constante dos demais registos contabilísticos (balancetes, extractos de conta, modelo 30 de IRC, etc.), vem como através da prova testemunhal produzida em sede da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT.
Em face do exposto, entende-se que a Requerente conseguiu apresentar os elementos necessários para demonstrar que o valor em causa constitui uma verdadeira perda por imparidade e não uma regularização do saldo da conta corrente, julgando-se parcialmente procedente o pedido formulado pela Requerente a este respeito, conquanto se verificou que do valor total de € 809.635,41 não seria dedutível o montante de € 352.599,02, por incumprimento deste último requisito de evidência contabilística de imparidade, bem como apenas seria dedutível 75% do montante de € 218.003,12 , por não estar à data verificada a antiguidade exigida por lei para a sua dedutibilidade total.
III.2.2. Importâncias pagas a sociedade residente no Dubai – Emirados Árabes Unidos
23. No que respeita às importâncias pagas pela Requerente à sociedade B..., cumpre apreciar a legalidade da aplicação pelos SIT do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do Código do IRC, que nega a dedutibilidade fiscal daqueles gastos.
À data dos factos, dispunha a referida norma que:
“Artigo 23.º-A
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(…)
r) “As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”.
Decorre assim da primeira parte desta norma que os pagamentos efectuados a uma sociedade residente num Estado que integre a lista dos países, territórios e regiões com um regime de tributação claramente mais favorável não serão, à partida, aceites enquanto gasto fiscalmente dedutível, sendo a matéria colectável aumentada para efeitos de tributação. Em todo o caso, a segunda parte da norma consagra uma cláusula de salvaguarda que permite ao sujeito passivo demonstrar que as operações subjacentes àqueles pagamentos foram efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, assim garantindo a dedutibilidade dos gastos.
Quer isto dizer que o preenchimento dos pressupostos estabelecidos na primeira parte da alínea r), do n.º 1, do artigo 23.º-A, do Código do IRC implica a inversão do ónus da prova, afastando-se a presunção estabelecida no artigo 75.º, da LGT segundo a qual se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes e os dados e apuramentos que estes tenham inscritos na sua contabilidade ou escrita, conquanto o tenham efectuado nos termos previstos na lei. É neste mesmo sentido que SALDANHA SANCHES, em Os Limites do planeamento fiscal: substância e forma no Direito Fiscal Português, Comunitário e Internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 202, referia que:
“(…) a lei, quando inverte o ónus da prova em relação a pagamentos feitos a zonas de baixa fiscalidade que destroem a conexão natural entre custo dedutível de A e proveito sujeito a imposto de B, está a retirar àquele custo a presunção de veracidade, até prova em contrário, que acompanha qualquer custo devidamente documentado, devendo por isso mostrar-se que o serviço existiu e que o montante do pagamento não é exagerado”.
Ora, tendo em conta que no presente caso foram efectuadas transferências transfronteiriças para uma sociedade residente no Dubai – Emirados Árabes Unidos, e tendo em conta que este Estado integrava o ponto 22) da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação claramente mais favoráveis, elencados na Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, cumpre aferir se a Requerente cumpriu, ou não, com o ónus probatório que lhe competia, para efeitos de assegurar a dedutibilidade fiscal dos referidos gastos. Nesta análise e conforme bem observou o Tribunal arbitral no acórdão de 21 de Novembro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 198/2017 T, haverá que ter em consideração que, na verdade:
“(…) trata-se duma dupla prova que incumbirá ao sujeito passivo produzir o qual, em primeiro lugar, tem de demonstrar que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência”.
24. Quanto à prova da realização efectiva das operações cumpre desde logo precisar que o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do Código do IRC não impõe ao sujeito passivo a prova dos factos mediante um meio de prova em específico ou mediante o cumprimento de quaisquer formalismos, pelo que este poderá recorrer a todos os meios de prova admissíveis em direito, conforme resulta dos artigos 352.º, e seguintes do Código Civil e do artigo 115.º, n.º 1, do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT (neste sentido veja-se a decisão arbitral de 22 de Fevereiro de 2019, proferida no âmbito do processo n.º 382/2018-T). Desta forma, evita se que o sujeito passivo fique submetido a restrições probatórias desproporcionadas ou irrazoáveis que tornassem inviável o exercício da cláusula de salvaguarda (a este respeito veja-se a decisão arbitral de 4 de Maio de 2020, proferida no âmbito do processo n.º 313/2019-T). Deste modo, entende-se que não assiste razão à AT quando sustenta que o Documento Administrativo Único emitido pela alfandega era indispensável para provar a entrega efectiva dos bens no Reino Unido e, por conseguinte, a efectiva realização da operação. De facto, conforme se referiu, a lei não impõe ao sujeito passivo a apresentação de um elemento de prova em específico, bastando que os elementos de prova produzidos permitam certificar a veracidade e materialidade das operações realizadas.
Não obstante, e conforme salientou o TCA Sul no acórdão de 19 de Fevereiro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 08126/14, a verdade é que:
“(…) não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C.”. (sublinhado nosso)
Da prova produzida nos presentes autos é possível atestar que se está perante uma operação efectivamente realizada, tendo sido os vidros adquiridos e posteriormente entregues no Reino Unido para serem incorporados na obra aí executada. Isto na medida em que a Requerente juntou aos autos documentação que comprova a celebração do contrato com a B... para aquisição dos vidros, existindo ainda um conjunto de troca de correspondência entre ambas as partes relativamente à forma de concretização daquele contrato. Documentação essa que é coincidente, designadamente no que respeita à especificação das características dos vidros transportados, à sua quantidade e ao seu peso, com os Bill of landing e as Packing List emitidas para efeitos da exportação das mercadorias pela E... que, saliente-se, era um terceiro àquela relação comercial. Por sua vez, estes documentos são conformes com as facturas emitidas pela sociedade F... (também ela um terceiro à relação comercial em questão), para efeitos de desalfandegamento e entrega dos vidros na obra em que seriam incorporados. Isto sem contar com a correspondência trocada entre a Requerente e a F... relativamente à concretização daquelas operações e à resolução das vicissitudes que foram surgindo no seu decurso. Todos estes aspectos comprovados pelo depoimento em sede de audiência das testemunhas L... e J... que esclareceram, por um lado, as particularidades dos vidros em questão e a consequente necessidade de a Requerente contratar a sua aquisição com a B... e, por outro lado, a peculiaridade do transporte e incorporação dos vidros na obra, cuja execução foi acompanhada de forma assídua e regular pela testemunha L... na qualidade de arquitecto da Requerente. Segundo os depoimentos prestados, a singularidade e excepcionalidade desta obra e dos vidros que nela foram incorporados levaram a que a mesma fosse uma “imagem de marca”, utilizada pela Requerente para a sua promoção no mercado nacional e internacional através da incorporação de imagens dos vidros e da obra nos respectivos catálogos de apresentação e em eventos publicitários.
Em face do exposto, e tendo em conta o circuito económico acima evidenciado com base na matéria de facto provada nos presentes autos, não restam dúvidas de que a Requerente não se limitou a fazer prova formal de que foi celebrado um contrato e pago o respectivo preço. Pelo contrário, a Requerente demonstrou a substância da operação de aquisição e incorporação dos vidros na obra executada no Reino Unido, recorrendo para o efeito a (i) elementos relacionados com a relação jurídica estabelecida com a B..., a (ii) elementos externos àquela relação (intermediários/prestadores de serviços/colaboradores), bem como a (iii) elementos da sua própria esfera jurídica (gestores/trabalhadores envolvidos na operação, bem como elementos promocionais elaborados pela Requerente em resultada da mesma).
Nestes termos, é forçoso concluir-se que a Requerente provou que a operação foi efectivamente realizada, cabendo então aferir do cumprimento dos demais pressupostos constantes da cláusula de salvaguarda do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do Código do IRC.
25. Relativamente ao carácter anormal da operação, verifica-se que da prova produzida resulta a consentaneidade substancial do gasto decorrente da aquisição dos vidros com a actividade societária desenvolvida pela Requerente. Quer isto dizer que é curial que a Requerente tenha contratado com um intermediário a aquisição de vidros cujas especiais características não são concretizáveis pela generalidade dos fabricantes, se esse intermediário não só tem um contacto privilegiado com uma terceira sociedade que tem capacidade para a sua produção e entrega dentro do prazo pretendido pela Requerente, como também se esse intermediário assegura ainda um conjunto de serviços adicionais que visam assegurar o controlo da qualidade dos vidros.
Nestes termos, julga-se que não está em causa uma operação com um carácter anormal, mas, pelo contrário, uma operação perfeitamente justificável do ponto de vista comercial.
26. Por fim, cabe aferir se o sujeito passivo provou, ou não, que a operação em causa não tem um montante exagerado. A jurisprudência tem concretizado este pressuposto no sentido de que a sua verificação:
“(…) deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente por comparação com os custos de serviços análogos no mercado”, conforme referiu o TCA Sul no acórdão de 19 de Fevereiro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 08126/14, já anteriormente citado.
A este respeito cumpre precisar que a análise do equilíbrio do contrato terá necessariamente de ter em conta as circunstâncias que estiveram subjacentes à sua celebração, já que as mesmas poderão ser fundamentais para justificar certos aspectos do mesmo. Neste sentido, haverá que tomar em consideração que a Requerente pretendia adquirir um conjunto de vidros cujas especificações não correspondiam aos vidros normalmente comercializados, de tal forma que a sua produção não era passível de ser concretizada pela generalidade dos produtores.
Dito isto, e em conformidade com o probatório fixado nos presentes autos, constata se que a celebração do contrato entre a Requerente e a B... se deveu ao facto de esta última assegurar, através do recurso a parceiros comerciais, a produção daqueles vidros, garantindo ainda o cumprimento dos prazos a que a Requerente estava vinculada quanto à execução da obra no Reino Unido, bem como um conjunto de serviços adicionais/complementares que visavam assegurar o controlo da qualidade dos vidros. Ora, o cumprimento desses prazos e a prestação dos referidos serviços adicionais não era assegurado pela M..., cuja proposta apresentava ainda um preço mais elevado face ao preço praticado pela D... com recurso à produção dos vidros pela E... . Assim sendo, considera-se que a Requerente demonstrou as reais vantagens associadas à operação em questão.
Quanto ao montante da operação em si considera-se desde logo desproporcionada a exigência efectuada pelos SIT relativamente à necessidade de apresentação da factura emitida pela E... à D... no âmbito da compra e venda dos vidros que vieram a ser posteriormente revendidos por esta última à Requerente. Ao contrário do alegado pelos SIT, a apresentação daquela factura não era um elemento necessário para que se pudesse avaliar se o valor facturado pela D... tinha, ou não, um carácter anormal ou um montante exagerado, não sendo razoável impingir à Requerente que tivesse na sua posse um documento que não está directamente nas suas relações comerciais, sendo certo que aquela poderia nem conseguir obter tal factura por parte da D...– que, recorde-se, é a sociedade com a qual contratou a compra de vidros –, já que essa factura implicaria para esta última sociedade a revelação da margem que obteve com a operação.
Em relação aos concretos encargos com a aquisição dos vidros, e tendo por base situações comparáveis de mercado, considera-se que os mesmos constituem a justa remuneração das vantagens auferidas pela Requerente. De facto, não só o preço praticado na compra dos vidros era inferior relativamente à outra proposta a que a Requerente teve acesso, como a margem de lucro da operação (que rondava os 43%) se enquadrava nas margens de lucro aplicáveis para as obras em geral por aquela realizadas. Assim sendo, considera-se que o termo de comparação efectuado pela Requerida para justificar que o preço praticado se apresentava acima do normal é manifestamente desproporcionado e desajustado, na medida em que confrontou o preço praticado numa operação em que os vidros apresentam especiais contornos com os preços praticados pelo principal fornecedor de vidros da Requerente em operações em que os vidros não têm nenhuma daquelas especificidades, o que naturalmente se reflecte no preço que é praticado. No fundo, a AT sustenta que os encargos da operação têm um montante exagerado com base num critério que não tem em contas as circunstâncias da operação em questão, isto é, com base num critério que compara situações que não são análogas e que não permitem firmar um desvio aos encargos normalmente praticados no mercado num contexto de plena concorrência. Deste modo, não pode considerar-se que o montante da operação fosse exagerado, atentas as especificidades demonstradas pela Requerente.
27. Em face de tudo o exposto, entende este Tribunal que a Requerente cumpriu com o ónus probatório que lhe competia nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do Código do IRC para efeitos de aceitação da dedutibilidade dos gastos com a aquisição dos vidros à sociedade residente no Dubai – Emirados Árabes Unidos, julgando-se procedente o pedido formulado a este respeito.
III.2.3. Dedução de IVA relativamente ao pagamento efectuado à G...
28. Em relação às liquidações de IVA impugnadas cumpre aferir a legalidade da correcção operada pelos SIT em virtude da qual foi desconsiderado 50% do IVA que a Requerente havia suportado em gastos com serviços prestados pela G..., com fundamento no disposto na alínea d), do n.º 2, do artigo 21.º, do Código do IVA. Para o efeito revela-se necessário apreciar se os serviços prestados pela G... correspondem a serviços de promoção publicitária, tal como alegado pela Requerente, ou a serviços relacionados com a organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, tal como alegado pela Requerida.
Do protocolo celebrado entre as partes resulta que os serviços prestados pela G... respeitam à promoção e divulgação das conferências abrangidas pelo protocolo através da inclusão do logótipo da Requerente em todos os materiais utilizados para o efeito e em todas as conferências realizadas, à projecção de um vídeo alusivo ao trigésimo aniversário da Requerente numa das conferências, e ainda à atribuição de cerca de 20 bilhetes para as respectivas conferências e de dois convites para o jantar VIP a cada dia das referidas conferências. Conforme se depreende, a prestação principal dos serviços prestados pela G... respeita a serviços de promoção publicitária, sendo que os bilhetes para as conferências e para os jantares VIP são um meio de melhor fruir aquela prestação, isto é, são também eles um meio publicitário em si. Neste sentido, a tese propugnada pelos SIT e defendida pela Requerida na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, na qual se defende que aqueles serviços estão relacionados com “alimentação e bebidas” para efeitos do artigo 21.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea d), do Código do IVA, sempre teria de enquadrar devidamente a operação composta em questão, o que implicaria a qualificação da operação como integrando uma única operação única ou como contendo uma multiplicidade de prestações desagregáveis, com as consequências que as respectivas opções acarretam. Ora, os SIT não efectuaram qualquer destrinça a este respeito, aplicando a uma operação composta, faturada de forma unitária quanto à totalidade dos serviços prestados, um regime que, no limite, apenas permitiria a exclusão do direito à dedução quanto a uma das prestações nele incluídas, conquanto justificassem a sua autonomização. Acresce que a própria argumentação da Requerida é incoerente, sustentando a aplicação da exclusão parcial do direito à dedução nos termos do artigo 21.º, n.º 2, alínea d), do Código do IVA porquanto estariam reunidos os respectivos pressupostos, ao mesmo tempo que defende no artigo 110.º da sua resposta que “(…) sempre se exigiria a comprovação de que estas despesas contribuíram para a realização de operações tributáveis”, ou seja, que a Requerente teria de comprovar aquele pressuposto para garantir a exclusão parcial do direito à dedução ao invés da exclusão total imposta pela alínea d), do n.º 1, do artigo 21.º, do Código do IVA.
Em face do exposto, julga-se que assiste razão à Requerente, não sendo aplicável à operação em questão a exclusão do direito à dedução do imposto suportado, sendo procedente o pedido por esta formulado a este respeito.
III.2.4. Juros compensatórios
29. Na identificação do objecto do pedido de pronúncia arbitral a Requerente menciona, para além dos actos de liquidação já enunciados, os actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no valor de € 44.256,60 e n.º 2019..., no valor de € 387,71. Posteriormente refere a respeito que “[r]elativamente à liquidação adicional de IRC, entende a Requerente não serem devidos juros compensatórios no montante peticionado de 55.256,60 Euros”, alegando em síntese que “(…) mesmo que se admitissem as correcções pretendidas pela AT em sede de IRC (…) o valor de IRC a pagar no ano em causa nunca atingiria o montante ora liquidado de 419.037,79 Euros, já que, ao auto liquidar o imposto, a Requerente teria deduzido, relativamente a esse ano, o valor do crédito do imposto supra mencionado [leia-se, o crédito fiscal relativo ao SIFIDE de 2015]”. Nestes termos, caso o Tribunal não julgasse procedentes os seus pedidos, os juros compensatórios sempre teriam de ser calculados sobre o valor de € 131.075,33, correspondente ao acto de liquidação de IRC impugnado no montante de € 419.37,79, deduzido do crédito de SIFIDE no valor de € 287.962,46.
A seu título, alegou a Requerida que “(…) a responsabilidade da Requerente no atraso nas liquidações e na entrega ao Estado do imposto devido advém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária e das consequentes inexatidões e omissões praticadas no preenchimento da declaração Modelo 22 de IRC e nas declarações periódicas de IVA, como consta da pag. 56 do RIT (…) Donde, in casu, resulta demonstrada a culpa, e, consequentemente a legalidade da liquidação dos juros compensatórios”. Quanto à utilização do crédito de SIFIDE na determinação do valor de juros compensatórios devidos referiu em síntese que a Requerente não invocou directamente o erro da liquidação ora impugnada em virtude de aquele valor não ter sido tido em conta, razão pela qual o pedido efectuado a este respeito deve ser atendido em sede de execução de julgados.
Ora, estando o pedido formulado pela Requerente quanto ao impacto do crédito de SIFIDE no cômputo dos juros compensatórios inteiramente dependente destes serem devidos, caberá em primeiro lugar apreciar esta última questão. Dispõe a este respeito o artigo 35.º, da LGT que:
“1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.
2 - São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.
(…)
8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.” (destaque nosso)
Tal como resulta da leitura da norma citada, a liquidação de juros compensatórios está intrinsecamente dependente da imputabilidade ao sujeito passivo do retardamento da liquidação ou da entrega de imposto legalmente devido. Assim sendo, ao se terem julgado parcialmente ilegais as correcções ao IRC operadas pelos SIT que foram impugnadas no presente pedido de pronúncia arbitral, não se poderá afirmar que exista uma absoluta imputabilidade ao sujeito passivo no retardamento da liquidação ou da entrega de imposto, na medida em que este não era devido na sua totalidade.
Quanto ao pedido formulado pela Requerente relativamente à dedução do crédito de SIFIDE no cálculo do acto de liquidação dos juros compensatórios, entende-se que o mesmo não se insere no âmbito da competência deste tribunal, uma vez que a apreciação dessa dedução se insere na esfera de competências da AT, designadamente na determinação da matéria colectável enquanto consequência da decisão proferida por este tribunal.
Em face do exposto, deverão os actos de liquidação de juros compensatórios ser anulados na parte em que incidiram sobre os actos de liquidação de IRC que se julgaram ilegais nos termos acima descritos.
III.2.5. Juros indemnizatórios
30. Para além de ter peticionado a devolução do montante de imposto indevidamente pago, a Requerente peticionou ainda no seu pedido de pronúncia arbitral a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT. Pelo contrário, entendeu a Requerida que os actos de liquidação impugnados não padeciam de quaisquer vícios que ditassem a sua anulação, não existindo assim qualquer erro imputável aos serviços que implicasse a condenação em juros indemnizatórios.
Ao não caber recurso ou impugnação da decisão arbitral quanto ao mérito da causa, a AT fica vinculada nos exactos termos da sua procedência a favor do sujeito passivo, competindo-lhe a adopção dos actos e operações necessárias ao restabelecimento da situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, tal como decorre do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e do artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Quanto ao juros indemnizatórios em concreto, estabelece o artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, dispondo-se, por seu turno, no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Ora, tendo-se julgado parcialmente procedente na presente decisão arbitral a ilegalidade dos actos de liquidação impugnados pela Requerente, e tendo-se demonstrado que essa ilegalidade é imputável aos SIT que promoveram correcções baseadas em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, considera-se que se encontram verificados os requisitos do direito a juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, sobre o montante de imposto indevidamente pago nos termos da procedência da decisão proferida.
III.2.6. Da extensão da decisão anulatória quanto ao acto de liquidação de IRC
31. Tendo-se já determinado a exacta procedência das ilegalidades imputadas pela Requerente aos actos de liquidação impugnados, cumpre precisar a extensão do efeito da decisão anulatória, designadamente no que respeita aos actos de liquidação de IRC.
Na sua resposta, referiu a Requerida que “(...) as liquidações impugnadas encontram se influenciadas por outras correções para além das especificamente contestadas pela Requerente, designadamente as respeitantes a depreciações não aceites, com fundamento no disposto nos artigos 23.º, 29.º e 34.º do CIRC e no artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, no montante de € 3.127,19 e a tributação autónoma, com fundamento no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC”. Ao não ter a Requerente efectuado considerações a respeito da legalidade daquelas correcções, nem tendo formulado quaisquer pedidos a seu respeito, considerou a Requerida que o Tribunal arbitral não tinha competência para apreciar e declarar a ilegalidade total do acto de liquidação de IRC.
No âmbito do exercício do direito ao contraditório em relação à matéria de excepção invocada pela Requerida, alegou a Requerente que a argumentação referente à extensão da decisão anulatória não correspondia a uma excepção nos termos do disposto no artigo 571.º, n.º 2, do CPC, competindo ao Tribunal decidir se os vícios invocados pela Requerente afectam ou não os actos tributários como um todo e, consequentemente, se aqueles devem ou não ser anulados na sua integralidade.
A este respeito cumpre referir de forma singela que os poderes de cognição do Tribunal arbitral são determinados em função dos actos de liquidação que serviram de objecto à acção e em virtude do(s) pedido(s) que quanto aos mesmos seja(m) formulado(s), ou seja, a competência é delimitada pelo pedido e pela causa de pedir tal como conformados pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, conforme decorre dos artigos 5.º e 552.º, n.º 1, alínea e), todos do CPC e do artigo 342.º, do Código Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Ao ter a Requerente conformado o objecto do presente processo no sentido da declaração de ilegalidade e consequente anulação de parte das correcções dos SIT materializadas no acto de liquidação de IRC ora impugnado, que abrange outras correcções cuja apreciação não foi efectuada, não poderá este Tribunal proceder à anulação total daquele acto de liquidação sob pena de extravasar as suas competências. Deste modo, e tendo em conta a jurisprudência do STA, proferida no acórdão de 30 de Janeiro de 2019, no âmbito do processo n.º 0436/18.0BALSB, deve entender-se que:
“I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal”.
Em face do exposto, deverá o acto de liquidação de IRC impugnado ser parcialmente anulado nos concretos termos da procedência da presente decisão devendo a Administração Tributária em cumprimento da presente decisão ou o tribunal de execução de sentença retirar as devidas consequências para o acto de liquidação sub judice.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente quanto ao acto de liquidação de IRC e aos actos de liquidação de juros compensatórios e de demonstração de acerto de contas a ele referentes e, em consequência, anular parcialmente os mesmos na parte em que sujeitaram a tributação os gastos que a Requerente havia deduzido a título de imparidades em dívidas a receber e os gastos que a Requerente havia deduzido a título de operações realizadas com uma sociedade residente no Dubai – Emirados Árabes Unidos, nos termos acima descritos;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente quanto aos actos de liquidação de IVA;
c) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos acima descritos.
V. VALOR DO PROCESSO
Relativamente à determinação do valor do processo deverá atender-se ao disposto no artigo 32.º, do CPTA, e no artigo 97.º A, do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixando-se ao processo o valor de € 436.401,65.
Notifique-se.
Lisboa, 08 de Julho de 2021.
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs (Presidente)
Carla Castelo Trindade (relatora)
Henrique Fiúza (árbitro vogal)