Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 269/2013-T
Data da decisão: 2014-10-29  Selo  
Valor do pedido: € 5.479,94
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Propriedade Vertical
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Decisão Arbitral

 

 

I.     RELATÓRIO

 

1. A... – Sucursal em Portugal, portadora do número de identificação de pessoa colectiva …, localizada na Rua …, em …, na sequência do indeferimento expresso proferido pela Exma. Chefe de Finanças, no uso de competências delegadas, no dia 02.08.2013, da reclamação graciosa apresentada em 19.04.2013, contra a liquidação do Imposto do Selo n.º ..., relativa ao exercício de 2012, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigo 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT”) requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL com vista à declaração de ilegalidade daquele acto tributário.

 

2. Pede a Requerente a anulação do acto tributário de liquidação de Imposto de Selo (doravante, IS) infra identificado, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (doravante, TGIS), anexa à Lei 150/99, de 11 de Setembro, que aprova o Código do Imposto de Selo (doravante, Código do IS) com a consequente restituição dos valores pagos com juros indemnizatórios.

 

Posição das partes

3. Fundamenta a Requerente sinteticamente o pedido, alegando no essencial:

          - O presente pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IS n.º ..., sobre o imóvel infra, relativa ao exercício de 2012, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS anexa ao Código do Imposto do Selo.

          - O imóvel correspondente à fracção autónoma designada pelas letras “DI” do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., destinado a habituação, sito no Aldeamento Turístico ..., concelho de … (doravante “Imóvel”) tinha um VPT atribuído de € 1.072.609,00.

          - Em 09.07.2012, os então proprietários do Imóvel, B... e C..., casados, apresentaram uma declaração Modelo 1 de IMI destinada a pedir uma actualização do referido VPT, que consideravam manifestamente excessivo.

- Em 31.07.2012, o Impugnante adquiriu o Imóvel aos referidos proprietários pelo valor de € 775.000,00.

- Nessa mesma data foi liquidado o respectivo IMT e o Imposto do Selo, tendo estes impostos incidido sobre o VPT do imóvel, já que este era superior ao valor do contrato, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT.

- Em 29.10.2012, a Requerente foi notificada que o VPT do Imóvel havia sido actualizado para o montante de € 453.810,00, na sequência do pedido de actualização efectuado em 09.07.2012 pelos anteriores proprietários conforme documento nº 3.

- Conforme consta da caderneta predial do Imóvel, a avaliação que corrigiu o valor foi efectuada logo em 31.07.2012, conforme documento n.º 4.

- Tendo em conta a actualização verificada, a Requerente apresentou reclamação graciosa para obter o reembolso da diferença entre o IMT e o Imposto do Selo por si pagos, e aquele que resultaria da aplicação das taxas destes impostos ao preço pago na aquisição do Imóvel, tendo em conta que o VPT actualizado era inferior a este, conforme documento n.º 5.

- A Requerente aguardava pelo reembolso dos referidos montantes, pelo que foi com surpresa que foi notificada, a 05.12.2012, da demonstração de liquidação de Imposto do Selo n.º ..., objecto da presente impugnação, conforme documento n.º 7.

- Conforme resulta dessa demonstração de liquidação, exige-se à Requerente o pagamento da importância de € 5.363,05, resultante da aplicação da taxa de 0,5% sobre o montante de € 1.072.609,00, ou seja, o VPT que o Imóvel apresentava antes de efectuada a actualização do mesmo.

- A Requerente foi notificada, a 04.02.2013, do aviso de reembolso n.º 2012 ..., no montante de € 12.405,35 - conforme documento n.º 9.

- Tal reembolso surgiu na sequência do despacho de deferimento ao pedido de reembolso do IMT e do Imposto do Selo apresentado pelo Requerente, na sequência da actualização do VPT (cfr. documentos n.ºs 5 e 6).

- Na demonstração de apuramento do reembolso, verifica-se que a Administração Tributária:

(i)    Não teve em consideração o montante do Imposto do Selo a reembolsar atrás mencionado;

(ii)   Operou uma compensação no montante de € 5.454,19 (cfr. documento n.º 9).

- Entendendo a Recorrente que a liquidação do Imposto do Selo n.º ... era (e é) ilegal, apresentou, a 19.04.2013, a correspondente reclamação graciosa, conforme documento n.º 14.

- A reclamação graciosa foi indeferida através de despacho de Chefe de Serviço de Finanças de 02.08.2013, conforme documentos 15 e 16.

- A Requerente entende que o acto de liquidação de IS supra identificado não pode proceder por falta de fundamentação bem como virtude de errada interpretação da lei.

- Não obstante a falta de fundamentação a Requerente entende o pressuposto que está na base do referido acto de liquidação.

- Considerando que a Administração Tributária fez incidir o novo Imposto do Selo constante da Verba 28.1 da TGIS por considerar que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 6 da Lei 55-A/2012, o VPT que deve ser considerado é o que se encontrava inscrito em 2011.

- Ora, em 2011, este Imóvel apresentava um VPT inscrito superior a € 1 milhão, sendo certo que, em Julho de 2012, este VPT foi considerado excessivo e reduzido para € 453.810,00.

- Pelo que a presente liquidação se encontra ferida por errada interpretação da lei.

- A Verba 28.1 da TGIS foi introduzida por uma Lei publicada em 29 de Outubro de 2012 – Lei nº 55-A/2012.

- Para evitar uma aplicação retroactiva deste novo imposto, o regime transitório previsto na mencionada Lei estabeleceu que o facto tributário, para 2012, verifica-se no dia 31.10.2012 (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º).

- A actualização do VPT do Imóvel foi pedida a 09.07.2012, tendo a respectiva caderneta predial sido actualizada com o novo VPT de € 453.810,00 logo a 31.07.2012, tendo esta actualização sido notificada ao Impugnante em 29.10.2012.

- Ou seja, o facto tributário para efeitos deste imposto verificou-se a 31.10.2012, data em que o VPT do Imóvel já havia sido actualizado para € 453.810,00 há 3 meses e já havia sido, inclusivamente, notificada ao Impugnante.

- Se, no momento em que o imposto entra em vigor, é pacífico que o seu VPT não atinge nem sequer metade do valor a partir do qual esse imposto é liquidado, será também pacífico que o imposto não é devido.

-Decorre do exposto que o facto do Imóvel apresentar um VPT superior a um milhão de euros em 2011 não legitima a incidência deste imposto sobre o mesmo.

- Caso assim não se entenda, temos que a alínea c) do artigo 6.º da L 55-A/2012 é manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da irretroactividade da lei fiscal e da capacidade contributiva, quando da mesma resulte a incidência deste imposto sobre um Imóvel que, à data da sua entrada em vigor, apresentava um VPT que nem sequer chegava aos € 500.000,00.

 

Pedido da Requerente

4. Face ao previsto na LGT e no CPPT e aos factos acima enunciados, entende a Requerente que, concluindo-se, na presente impugnação, que assiste razão ao Impugnante no que concerne à ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo:

     (i)      Reembolsar o montante de € 5.479,94, indevidamente compensado;

     (ii)     Pagar juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4% sobre aquele valor desde a data em que o montante foi indevidamente compensado pela Administração Fiscal até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

         

          Resposta da AT

5. A Autoridade Tributária, não tendo apresentado resposta, veio defender nas suas alegações, a manutenção dos ato tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido com reafirmação, no essencial, dos argumentos que fundamentaram a decisão de manutenção desse acto. Em síntese mantém a Requerida os seguintes argumentos:

- No presente caso, o imposto foi liquidado com base no valor patrimonial tributário do prédio inscrito na matriz a 31 de Dezembro de 2011, que igualmente serviu de base à liquidação do IMI efectuada em 2012.

- O referido art. 6º, nº 1, alínea c), dispõe que o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), com referência ao ano de 2011.

-A regra geral da liquidação do IMI é este ser liquidado, relativamente a cada município, pelo valor patrimonial dos prédios que conste da matriz a 31 de Dezembro do ano a que respeita.

- O facto apenas consubstanciaria violação da lei caso inexistisse a disposição transitória do art. 6º, nº 1, alínea c), da Lei nº 55-A/2012.

- De acordo com essa disposição transitória, o imposto de selo vencido a 20 de Outubro de 2012 é liquidado com base nas regras referentes do IMI de 2011.

- O pedido de avaliação predial deduzido pelo Autor do pedido de pronúncia arbitral apenas produziu efeitos para o IMI de 2012, a liquidar em 2013.

          - Conclui a Requerida que as liquidações em crise consubstanciam uma correcta

interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.

 

       SANEAMENTO

      

6. Este Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído em 29-01-2014, tendo sido o árbitros designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (cfr artigos 11º-1/a) e b), do RJAT e 6º e 7º, do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

7. Notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-02-2014 para efeitos do artigo 17º do RJAT a mesma não remeteu cópia do processo administrativo ou apresentou contestação junto do tribunal.

8. Por decisão do Tribunal de 08-05-2014 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT tendo sido dado prazo para ambas as partes apresentarem alegações sucessivas.

9. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações escritas em 21-05-2014.

10. A Requerente não apresentou alegações escritas.

11. Por decisão do tribunal face à decorrência de actos processuais a prolação da sentença foi adiada duas vezes para 29 de Outubro.

12. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

12. Não foram identificadas nulidades no processo.

 

II FUNDAMENTAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

13.  A liquidação objecto de apreciação da legalidade refere-se a um imóvel correspondente à fracção autónoma designada pelas letras “DI” do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., destinado a habituação, sito no Aldeamento Turístico ..., concelho de … (doravante “Imóvel”) tinha um VPT atribuído de € 1.072.609,00.

14.  Em 31.07.2012, o Impugnante adquiriu o Imóvel aos referidos proprietários pelo valor de € 775.000,00 conforme documento 1.

15.  Nessa mesma data foi liquidado o respectivo IMT e o Imposto do Selo, tendo estes impostos incidido sobre o VPT do imóvel, já que este era superior ao valor do contrato, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT, nos termos do documento 2.

16.  Em 29.10.2012, a Requerente foi notificada que o VPT do Imóvel havia sido actualizado para o montante de € 453.810,00, na sequência do pedido de actualização efectuado em 09.07.2012 pelos anteriores proprietários conforme documento nº 3.

17.  Conforme consta da caderneta predial do Imóvel, a avaliação que corrigiu o valor foi efectuada em 31.07.2012, segundo documento n.º 4.

18.  Tendo em conta a actualização verificada, a Requerente apresentou reclamação para obter o reembolso da diferença entre o IMT e o Imposto do Selo por si pagos, e aquele que resultaria da aplicação das taxas destes impostos ao preço pago na aquisição do Imóvel, tendo em conta que o VPT actualizado era inferior a este, conforme documento n.º 5.

19.  A Requerente aguardava pelo reembolso dos referidos montantes, pelo que foi com surpresa que foi notificada, a 05.12.2012, da demonstração de liquidação de Imposto do Selo n.º ..., objecto da presente impugnação, conforme documento n.º 7.

20.  Conforme resulta dessa demonstração de liquidação, exige-se à Requerente o pagamento da importância de € 5.363,05, resultante da aplicação da taxa de 0,5% sobre o montante de € 1.072.609,00, ou seja, o VPT que o Imóvel apresentava antes de efectuada a actualização do mesmo.

21.  A Requerente foi notificada, a 04.02.2013, do aviso de reembolso n.º 2012 ..., no montante de € 12.405,35 - conforme documento n.º 9.

22.  Tal reembolso surgiu na sequência do despacho de deferimento ao pedido de reembolso do IMT e do Imposto do Selo apresentado pelo Impugnante, na sequência da actualização do VPT (cfr. documentos n.ºs 5 e 6).

23.  Segundo a fundamentação do deferimento dessa reclamação graciosa, a nova avaliação predial, na verdade, produziu efeitos a partir do pedido, ou seja, a partir da data de 9 de Julho de 2012 e não a partir da data em que se concretizou.

24.  Na demonstração de apuramento do reembolso, verifica-se que a Administração Tributária operou uma compensação no montante de € 5.454,19 (cfr. documento n.º 9).

25.  Entendendo a Recorrente que a liquidação do Imposto do Selo n.º ... era (e é) ilegal, apresentou, a 19.04.2013, a correspondente reclamação graciosa, conforme documento n.º 14.

26.  - A reclamação graciosa foi indeferida através de despacho de Chefe de Serviço de Finanças de 02.08.2013, conforme documentos 15 e 16.

 

A.2. Factos dados como não provados

27.  Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

28.  Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

29.  Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

B. DO DIREITO

 

30.  Está em causa uma única questão jurídica, a de saber se a Verba 28 da TGIS se pode aplicar a imóveis cujo valor patrimonial tributário a considerar, na data da entrada em vigor da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, data em que ocorre o facto tributário, é inferior a € 1.000.000,00, sendo o valor inscrito na matriz predial, na data a que se refere a determinação do valor tributável, 31 de Dezembro de 2011, superior a esse mesmo valor.

31.  Sendo que constitui objecto da presente acção a aplicabilidade da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto de Selo (CIS), aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, especificamente o regime transitório previsto pelo artigo 6º nº1 da mesma lei.

32.  Tendo a citada verba 28 da TGIS, a seguinte redacção:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1 % (…);

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%

33.  Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

a)   O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b)   O sujeito passivo do imposto é o mencionado no nº 4 do artigo 2º do Código do Imposto de Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

            ii)  Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

34.  Desde já o tribunal faz notar que, desde a sua entrada em vigor, a aplicabilidade da verba 28 da TGIS tem suscitado uma enorme complexidade e controvérsia jurídica, tendo sido objecto de inúmeras decisões dos tribunais arbitrais e judiciais.

35.  Estas questões estão geralmente relacionadas com a pretensão da Autoridade Tributária de tributar, ao abrigo da verba 28 da TGIS, “prédios em propriedade vertical” ou “terrenos para construção”.

36.  Contudo, a questão controvertida neste caso não se reporta a nenhuma das duas supra mencionadas mas sim à questão de saber se, sendo o valor patrimonial tributário a considerar, para efeitos da liquidação da verba 28 da TGIS, o valor inscrito na matriz predial em 31 de Dezembro de 2011, no caso superior a € 1.000.000,00 e o valor patrimonial tributário do imóvel, na data em que o facto tributário ocorreu, 31 de Outubro de 2012, inferior àquele limite, se a liquidação daquela Verba 28 sobre o imóvel carece ou não de base legal.

37.  Questão que não se afigura ter um enquadramento directo e linear na norma sub judice dada, por um lado, a falta de unidade e identidade conceptual do Imposto de Selo e, por outro, o “estado de emergência financeira” que esteve na base da aprovação da norma em questão.

38.  A “Reforma da Tributação do Património” veio a concretizar-se na sequência dos trabalhos de uma nova “Comissão para o estudo e implementação da Reforma da Tributação do Património” que funcionou entre 2002 e 2004, iniciando-se com as alterações aprovadas pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12/11. A Contribuição Autárquica e a Sisa foram substituídas, respectivamente, pelo IMI e IMT. As transmissões gratuitas passaram a ser sujeitas a Imposto do Selo, com abolição das transmissões gratuitas a favor das pessoas colectivas (integradas no IRC) e com isenção das transmissões a favor de cônjuge, descendentes e ascendentes. [1]

39.   Já em 2003, Silvério Mateus e Corvelo de Freitas consideravam (aquando da Reforma de 2003) sobre o Imposto do Selo : “configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.[2]

40.  A aprovação, em Portugal, de um imposto sobre o património, ou as grandes fortunas, que incidiria sobre bens imóveis e móveis e tributaria o valor líquido do património, foi objecto de diversas aflorações mas, tendo em conta as dificuldades práticas de determinação do valor tributável, a necessidade de assegurar o respeito pelo princípio da igualdade e da capacidade contributiva e a exigência e de uma máquina fiscal com uma eficiência extrema levou sempre o legislador a tomar outras opções.[3]

41.  Em 2012, o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei nº 96/XII (2ª), admitida em 26 de Setembro de 2012, em cuja exposição de motivos, as medidas fiscais contidas no diploma eram inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental, dizendo-se: “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

42.  Revertendo ao caso dos autos, deve, em primeiro lugar, fazer-se a exegese das normas constantes do artº.6, da Lei 55-A/2012, de 29/10, aplicável ao caso "sub judice" (cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil):

Artº.6

(Disposições transitórias)

1- Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.° do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

            f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%:

                       (…)

2-Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.° 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

                       (...)

43.  Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da LGT).

44.  Por outro lado, releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09).

45.  Vejamos a ratio legis da criação da referida norma, nas palavras do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na Assembleia da República, aquando da apresentação e discussão da supra citada proposta de lei, que esteve na origem da Lei n.º 55-A/2012, nos termos da qual considerou que:

46.  “O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos – os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suporta os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.” (cfr. Diário da Assembleia da República DAR Série I, n.º 9/XII/2 2012.10.11, de 11.10.2012,).

47.  Continuando o Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no sentido de que:

48.  Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido, o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam c uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez em Portugal que é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013.”

49.  Parece assim resultar claramente da intervenção do Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a intenção do Governo de criar, com a norma da verba n.º 28 da TGIS, uma tributação sobre os imóveis de elevado valor, que se apresentassem representativos de uma capacidade contributiva acrescida.

50.  Parece-nos ser aqui de seguir a tese também defendida no Processo 50/2014 – T, de que “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00 sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00”. (...) “A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

51.  Face à ratio legis que conseguimos determinar na interpretação do artigo 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, vejamos se estão preenchidos no caso todos os pressupostos da norma de incidência que constituem o facto tributário e que desencadeiam, então, o acto tributário de liquidação de IS.

52.  Com efeito, o acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal.

53.  As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.(cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269) e  (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13).

54.  O disposto no CIS, na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, quer no artigo 4º, nº 6 (“Nas situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, o imposto é devido sempre que os prédios estejam situados em território português”), quer no artigo 23º, nº 7 (“Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”), conjugados com o art. 1º do CIMI, parecem erigir o prédio em si como o facto tributário (a situação que desencadeia a tributação).

55.  Mas o facto tributário reporta-se, não a qualquer prédio mas sim a prédios com um VPT superior a € 1.000.000,00, nos termos do CIMI, ou seja, apenas a prédios que atinjam o valor previsto na verba 28 da Tabela Geral do Selo determinado segundo as regras do Código do IMI.

56.  Com efeito, a norma sob exegese, a verba nº.28, aditada à Tabela Geral do Imposto de Selo (T.G.I.S.) pelo artº.4, da Lei 55-A/2012, de 29/10, sujeita a incidência de imposto de selo, além do mais, a propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, calculado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre tal valor fazendo recair a taxa de 1% ( ou inferior em 2012, nos termos da disposição transitória do artigo 6º supra mencionado).

57.  Por sua vez, do exame da norma de direito transitório constante do artº.6, nº 1 da Lei 55-A/2012, de 29/10, deve concluir-se, além do mais, que em relação ao ano de 2012, o facto tributário se considera verificado a 31 de Outubro de 2012.

58.  Mas esta norma de direito transitório não é susceptível de alargar o âmbito na norma geral de incidência, que elege como facto tributário a propriedade de um imóvel, a uma determinada data, desde que o imóvel tenha um valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, igual ou superior a 1.000.000,00.

59.  Os imperativos de arrecadação de receita fiscal, bem como de cumprimento de metas relativas ao plano de ajustamento orçamental conduziram à aprovação deste novo imposto, com regras específicas, no primeiro ano de vigência, que antecipam o facto tributário, face á regra geral vigente nos anos posteriores.

60.  Tentou-se, com este regime transitório, repelir eventuais alegações de violação dos princípios da proibição de retroactividade fiscal bem como da segurança e confiança legítima.

61.  Ora estes princípios, se não são infringidos pela norma de incidência prevista na verba 28., não permitem no entanto a aplicação da mesma a situações que não preenchem a totalidade dos seus pressupostos tributários.

62.  A determinação do valor tributável do imóvel por recurso ao VPT do prédio a 31 de Dezembro de 2011 é um expediente de que se serviu o legislador para tornar esta nova norma tributária exequível no momento da sua entrada em vigor e não uma forma de alargamento do respectivo âmbito material de aplicação.

63.  Pelo que a propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre o imóvel que tenha um valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, igual ou superior a 1.000.000,00, constituem pressupostos da incidência tributária, através da aplicação da Verba 28 da TGIS.

64.  Ora, segundo a melhor doutrina tributária, devem considerar-se normas de incidência tributária todas as normas que estabelecem o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, abrangendo as normas que determinam o sujeito activo e passivo, a matéria colectável, e a taxa do imposto (cfr. SOARES MARTINEZ, in “Direito Fiscal”, 7.ª edição, pág. 126).

65.  Devendo estes pressupostos encontrarem-se verificados à data da entrada em vigor da norma de incidência – 31 de Outubro de 2012 – in casu e da verificação do facto tributário incluído no campo de aplicação da norma de incidência.

66.  São os imóveis com essas características supra mencionadas que permitem preencher os pressupostos e a ratio da norma de incidência correspondente à Verba 28 do CIS, por serem precisamente esses que revelam a capacidade contributiva que a norma de incidência pretende atingir.

67.  São os titulares de prédios que preenchem os referidos pressupostos, nesta mesma data de entrada em vigor da norma, que revelam a capacidade contributiva necessária para corresponder ao esforço contributivo que o legislador entendeu impor a outras classes de contribuintes.

68.  Assim, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que têm um VPT, na data da entrada em vigor dessa norma, superior a € 1.000.000,00 por serem esses que revelam “elevado valor” ou a devida “capacidade contributiva”.

69.  Por este facto, entendemos que a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

70.  No que aos juros indemnizatórios respeita, conforme já decidido no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 14/2012-T, de 29 de Junho de 2012, compreendem-se nas competências dos tribunais arbitrais tributários as pronúncias condenatórias que em processo de impugnação judicial são admitidas aos tribunais tributários estaduais, sendo de igual forma admissível o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

71.  Em consequência da ilegalidade substantiva da liquidação de IS objecto da presente acção, a Requerente pagou imposto que não era devido, impondo-se não só o respectivo reembolso, nos termos dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, como o pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem reunidas as respectivas condições constitutivas, de acordo com o preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia paga em excesso e contados desde as datas dos pagamentos efectuados até integral restituição.

 

III DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)    Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o acto tributário impugnado;

b)   Condenar a AT à devolução do imposto pago pelo Requerente, no montante de € 5.479,94

c)    Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, até á data do reembolso do imposto

d)   Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €.612,00

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €5.479,94, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

A redacção do presente Acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.

 

 

Lisboa

29 de Outubro de 2014

 

O Árbitro

 

 

(Ana Teixeira de Sousa)

 

 

 

 

 



[1]   Esta opção terá aumentado a falta de identidade e unidade conceptual do Imposto do Selo. Cf. José M. Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, Almedina, 2013, 2ª edição, p. 429. Este autor refere como, mesmo antes da Reforma do Património, “a multiplicidade de factos a que se aplica o Imposto do Selo não permite que se integre numa classificação em função da sua natureza” (sobre evolução da natureza do imposto de selo, nota 314, pp. 427 e 428) e como, embora sistematizados num mesmo Código, se trata de um conjunto de impostos. Na sua versão originária, o artigo 1º, nº 1 do Código do Selo dispunha que “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral”; a partir da reforma do Património (2003), “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens” e, actualmente, “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

 

[2] In “Os Impostos Sobre o Património Imobiliário. O imposto do Selo. Anotados e Comentado, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 251, citação in José Maria Pires, ob.cit. nota 314.

[3] No Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal  , recorda-se que a redacção do artigo 104.º, n.º 3, da CRP parece acolher a necessidade de a tributação sobre o património não se cingir ao património imobiliário ou, noutra formulação, de não discriminar entre este e o restante património.

Da apresentação e comentário sintético acerca do trabalho do subgrupo sobre a “Tributação do património”, os coordenadores do Grupo de Trabalho de 2009 escreveram ainda, designadamente: “É neste contexto que surge a questão da tributação do património mobiliário e do tratamento fiscal das grandes fortunas, temas recorrentes, sobretudo em tempos de maiores dificuldades das finanças públicas. Os detentores de maior património são, pois, habitualmente apontados como devendo contribuir com a sua justa parte para as receitas públicas. O aforismo “tax the rich” tem, como se sabe, uma longa história no debate fiscal. Mais difícil é conceber um sistema de tributação que garanta uma igualdade horizontal e que seja administrativamente viável, pois é sabido que a tributação do dinheiro de residentes depositado fora do país ou de bens não sujeitos a registo, como jóias ou obras de arte, é de muito difícil consecução. A questão que se põe é a de saber se e quando será oportuno introduzir tal tributação. A este propósito, convém não esquecer que, se o objectivo da equidade é um dos conhecidos pilares da teoria fiscal (por isso, como se disse, as mais-valias mobiliárias devem ser objecto de tributação), também outros objectivos, como sejam a eficiência e a competitividade internacional dos sistemas tributários, têm ganho ultimamente um muito maior relevo. A mobilidade internacional das formas de riqueza mobiliária em busca de tratamento fiscal mais favorável tem sido, como se sabe, um factor que tem moderado a respectiva tributação e sobrecarregado os factores imóveis. Acresce que as experiências internacionais conhecidas de introdução do imposto sobre grandes fortunas, como a francesa, não tiveram consequências dignas de registo na receita fiscal, constituíram fonte de forte controvérsia e são hoje postas em causa por largos sectores da doutrina. Por estas razões, o Subgrupo aponta, nesta matéria, para que a tributação das grandes fortunas se efectue sobretudo em sede da obtenção do rendimento, utilizando os mecanismos das taxas ou a redução de benefícios fiscais, para aumentar a tributação efectiva de quem aufere maior rendimento, desaconselhando, de momento, a introdução da tributação generalizada do património.