Sumário:
I – A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária;
II – A recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, de modo a que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa;
III – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico não pode ser efetuada através de meras presunções.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A…, S.A., contribuinte n.º …, com sede na Rua …, ...., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação sobre a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), referente ao período de Janeiro e Dezembro de 2016, no montante total de € 4.873.427,68, e, bem assim, do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra ele deduzido, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade cujo objeto social consiste na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos e, no contexto da sua atividade, com base nas declarações de introdução no consumo, procedeu à liquidação conjunta do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) e da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), relativos aos meses de janeiro e dezembro de 2016, sendo o montante correspondente à CSR de € 4.873.427,68.
A Requerente apresentou pedido de revisão dos atos tributários de liquidação, que foi indeferido por despacho do Diretor de Alfândega de ….
A tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos IEC harmonizados, sendo que a CSR configura um imposto não harmonizado cuja criação está sujeita dupla condição de respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”.
De acordo com a jurisprudência do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, exigindo-se uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, que não se verifica sempre que a receita gerada pelo imposto esteja afeta a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.
As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto) estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto substituída pela Infraestruturas de Portugal, IP, S.A, não estando em causa qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social.
E, por conseguinte, a CSR deve considerar se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, sendo ilegal por violação de Direito Europeu.
O TJUE tem reconhecido aos Estados-membros a possibilidade de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do Direito Europeu quando se comprove que o reembolso leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte. No entanto, esta exceção apenas é admitida em termos muito estritos, sendo necessário que se verifique a efetiva repercussão do imposto, que não poderá ser presumida, e mesmo quando se comprove a repercussão, não se pode concluir que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo, uma vez que a repercussão pode levar a uma quebra, maior ou menor, do volume de vendas.
Cabe, assim, à Autoridade Tributária o ónus da prova da repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do contribuinte, incorrendo o indeferimento do pedido de revisão em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a exceção dilatória da caducidade do direito de ação, por considerar que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, porquanto o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º da LGT apenas é aplicável quando o ato de liquidação seja imputável um erro dos serviços.
Quanto à matéria de fundo, considera que existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-lei n.º 380/2007, de 13/11, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objetivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma, que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.
Verificando-se assim o “motivo específico” que constitui a razão de ser da CSR.
Por outro lado, o reembolso de impostos indevidamente liquidados ao contribuinte apenas é admissível quando não produza o enriquecimento sem causa. No caso, a carga fiscal resultante da incidência da CSR é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, o que resulta da própria estrutura tributária da CSR, pelo que o reembolso dos montantes pagos a título de CSR configuraria uma situação de enriquecimento sem causa.
2. A Requerente respondeu à matéria de exceção, dizendo que o pedido de revisão oficiosa pode ser requerido pelo sujeito passivo, no mesmo prazo de que a Autoridade Tributária dispõe para o efeito, na medida em que se verifique um erro imputável aos serviços, e acrescenta que o conceito de “erro imputável aos serviços”, compreende não só o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, como se verifica quando a Administração efetua uma interpretação contrária ao direito europeu.
Por acórdão de 9 de julho de 2020, o tribunal arbitral julgou improcedente a matéria de exceção, por considerar não verificada a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
3. A Requerente, a título subsidiário, suscita a possibilidade de reenvio prejudicial para o TJUE, caso se entenda subsistir dúvida quanto ao enquadramento que é dado pelo Direito da União Europeia à questão em análise.
O tribunal arbitral, considerando que está em causa a interpretação de normas do Direito da União Europeia sobre a qual existem dúvidas interpretativas, e que o TJUE não se pronunciou expressamente sobre a questão essencial que é colocada no processo, admitiu o reenvio prejudicial e, por acórdão de 9 de julho de 2020, decidiu submeter à apreciação do TJUE as seguintes questões prejudiciais:
1. O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objetivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afetada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo?
2. O Direito da União e os princípios da legalidade e segurança jurídica permitem que o reembolso de impostos indiretos contrários à Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, seja recusado pelas autoridades nacionais com fundamento no enriquecimento sem causa do sujeito passivo quando não haja disposições legais específicas de Direito interno que o prevejam?
3. O Direito da União permite que, ao fundamentar a recusa do reembolso de impostos indiretos contrários à Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, as autoridades nacionais presumam a repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do sujeito passivo, obrigando-o a demonstrar que estes não se verificam?”
Por despacho de 7 de fevereiro de 2022, proferido ao abrigo do artigo 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, no âmbito do pedido de reenvio prejudicial, o TJUE fixou a seguinte doutrina.
1. O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.
2. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
Por despacho arbitral de 15 de fevereiro de 2022, o tribunal, tendo em consideração o despacho do TJUE quanto ao reenvio prejudicial, determinou a notificação das partes para juntarem prova documental sobre a repercussão ou não repercussão sobre terceiros dos montantes liquidados pela Requerente, a título de Contribuição de Serviço Rodoviário, no período de janeiro a dezembro de 2016.
Na sequência do despacho de 15 de fevereiro de 2022, a Autoridade Tributária, por requerimento de 8 de março seguinte, juntou prova documental.
A Requerente, por requerimento de 14 de março de 2022, exerceu o direito de contraditório quanto à prova documental junta.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14 de janeiro de 2021.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
A exceção de caducidade do direito de ação, suscitada na resposta da Autoridade Tributária, foi decidida pela decisão interlocutória de 9 de julho de 2021.
II - Fundamentação
Matéria de facto
5. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A A…, é uma sociedade que tem como objeto social, entre outras atividades, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
B) No contexto da sua atividade, e com base nas declarações de introdução no consumo por esta realizadas, a Administração Tributária procedeu a atos de liquidação conjunta de Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) relativos aos meses entre janeiro e dezembro de 2016.
C) A Requerente suportou um montante parcelar de € 4.873.427,68, correspondente aos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário.
D) Em 10 de fevereiro de 2020, a Requerente apresentou, nos termos da 2.ª parte, do n.º 1 do artigo 78.º, da Lei Geral Tributária, pedido de revisão dos atos tributários de liquidação.
E) Em 23 de julho de 2020, foi proferido, pelo Diretor de Alfândega de …, despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
F) O despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por remissão para uma informação dos serviços rejeitou que a Contribuição de Serviço Rodoviário fosse contrária ao disposto na Diretiva n.º 2008/118/CE e consignou que a contribuição é suportada pelos contribuintes aquando da aquisição dos combustíveis, pelo que a solicitação do reembolso do imposto configura uma situação de enriquecimento sem justa causa.
G) A informação dos serviços em que se fundamenta o despacho de indeferimento, na parte relevante, é do seguinte teor:
1. No decorrer do ano de 2016, a empresa “A…, SA”, NIF …, na qualidade de destinatário registado (desde 31/05/2011), procedeu à introdução no consumo de produtos sujeitos a impostos sobre os produtos petrolíferos e energéticos, tendo sido liquidado e pago um total de € 21.016.425,44, dos quais € 4.873.427,68 a título de CSR.
(…).
No que concerne ao teor da argumentação apresentada:
A CSR-Contribuição de Serviço Rodoviário, foi criada pela Lei n.º 55/2007 de 31/08, tendo entrado em vigor em 01/01/2008, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art. 9º, conjugado com o n.º 1 do art. 8º do DL 380/2007;
Esta lei atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (art. 9º), remetendo a sua definição para decreto-lei e estabelece que a rede rodoviária nacional a cargo da EP é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado (art. 2º);
Por seu turno, o n.º 1 do art. 3º determina que a CSR constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, medida através do consumo de combustíveis (concretizando o princípio acima referido) e o n.º 2 do mesmo preceito legal, prescreve que a CSR constitui fonte de financiamento (e receita própria) da rede rodoviária nacional a cargo da EP (n.º 2 do art. 3º e art. 6º);
De acordo com o disposto no art. 4º do diploma acima identificado, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário, nos valores constantes do n.º 2 do mesmo artigo e que têm sido alvo de atualização anual;
Por sua vez, o art. 7º, estatui que as “taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário” (sublinhado nosso). Tais taxas vieram a ser estabelecidas pela Portaria n.º 16-C/2008, de 09/01 e em obediência ao disposto no referido art. 7º, tornou-se necessário “baixar” as taxas unitária do ISP incidentes sobre a gasolina e o gasóleo, no exato montante do valor da CSR, conforme referido expressamente no preâmbulo da referida portaria. Não se procedeu (nem foi essa a intenção do legislador) a um desagravamento da tributação do produto em causa, uma vez que este continuou a ser tributado exatamente no mesmo montante, embora em moldes diferentes; Consequentemente e tendo em conta o pedido de revisão em apreço, salienta-se, que por força da entrada em vigor da CSR (em 01/01/2008), foi fixada uma nova taxa para o gasóleo rodoviário no montante de € 278,41/1000 litros (n.º 2 da Portaria n.º 16-A/2008 de 09/01, conjugado com o art. 7º da Lei n.º 55/2007), de modo a “acomodar” o montante de CSR fixado no n.º 2 do art. 4º da mesma lei. O gasóleo passou, assim, a ser tributado nos seguintes moldes: aplicação de uma taxa de ISP (€ 278,41/1000 lts.) a que acresce o montante estabelecido legalmente, a título de CSR, sendo as referidas taxas, objeto de atualização;
A partir da entrada em vigor do diploma em apreço, o gasóleo/gasolina passaram a estar sujeitos a um “nível de tributação” constituído pela taxa de ISP e pela CSR;
O n.º 1 do art. 5º Lei n.º 55/2007 prescreve, no que concerne à incidência subjetiva, que a CSR “é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos” e precisa que é “aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Doc. 1 _ Pag 5 / 8 Informação Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”;
Da análise conjugada das referidas disposições legais, concluiu-se que a CSR constitui um tributo ou “imposição” que incide sobre o gasóleo rodoviário/gasolina sujeito ao ISP e dele não isento e é devida pelos sujeitos passivos de ISP.
Por sua vez, o n.º 5 do art. 88º do CIEC esclarece que: “Para efeitos do imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos considera-se nível de tributação o montante total do ISP e de outras imposições cobradas, com exclusão do IVA, calculadas, direta ou indiretamente, com base na quantidade de produtos petrolíferos e energéticos à data da sua introdução no consumo”;
Como escrevem A. Brigas Afonso/Manuel T. Fernandes, Código dos Impostos Especiais de Consumo anotado e atualizado, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 176: “O n.º 5 define o (novo) conceito de “nível de tributação”. Esta definição tornou-se necessária em face da criação pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) que, em termos práticos, não é mais do a “consignação” à EP-Estradas de Portugal, SA (...) de uma parte da antiga receita do ISP”;
Nestes termos, ao referir-se ao “nível de tributação” conforme definido pelo n.º 5 do art. 88º do CIEC, abrange no seu âmbito de aplicação a “imposição” em que se traduz a CSR.
Por fim, não será displicente atentar mais em pormenor ao referido pela requerente no pt. 64º e da sua exposição, “Com efeito, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, a CSR incide de modo geral sobre todo o consumo de gasolina e gasóleo rodoviário, sendo por isso suportada por um universo de contribuintes muito mais largo do que aqueles que fazem uso da parte da rede rodoviária nacional que está a cargo da Estradas de Portugal/Infraestruturas de Portugal”
No que concerne às isenções, em específico, as mesmas encontram-se estatuídas no art. 89º do CIEC e abrangem inúmeros setores de atividade. Por seu turno, o n.º 1 do art. 4º da Lei n.º 55/2007 de 31/08, estatui que a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos, pelo que facilmente se depreende que o teor da afirmação da requerente, ao referir que a CSR “incide de modo geral sobre todo o consumo de gasolina e gasóleo rodoviário” (sublinhado nosso) carece de sustentação legal e factual.
Acresce ainda referir, tal como é aludido pela própria requerente, neste mesmo ponto da sua exposição, que a CSR (assim como as restantes componentes que compõe o preço médio de venda ao público de combustíveis-informação constante do site da DGEG-Direção Geral de Energia e Geologia) é suportada pelos contribuintes aquando da aquisição dos combustíveis, pelo que em última análise, está a ser solicitado o reembolso, de algo que já se recebeu e que foi suportado pelo consumidor final.
A requerente é sujeito passivo de ISP, na qualidade de destinatário registado que introduz produtos petrolíferos no consumo, e é nessa qualidade que vem solicitar o reembolso dos montantes pagos a título de CSR, através do procedimento de revisão oficiosa das liquidações. Contudo, é um operador económico que, em princípio, recebeu, introduziu no consumo e vendeu os produtos em causa aos seus clientes, como é normal no seu ramo de atividade. Nessas transações, repercutiu certamente no preço de venda dos produtos o valor do imposto que pagou à AT, o que significa que estamos perante um “contribuinte de direito”, que paga o imposto ao Estado, mas não o suporta, porque ao vender os produtos recupera o valor do imposto pago. Quem suporta a carga do imposto, efetivamente, são os seus clientes, que a doutrina designa por “contribuintes de facto”.
Ora, em parte alguma da sua petição a requerente menciona este facto, em termos de explicar o que motivou o seu pedido e o que pretende fazer com o montante do hipotético reembolso. Se não é para benefício de quem suportou o imposto, porque aparece a solicitá-lo? Na ausência dessa explicação, é legítimo concluir que solicita o reembolso do imposto para si próprio, apesar de não o ter suportado. Se, por absurdo, tal reembolso viesse a ser autorizado, então esse acréscimo patrimonial injustificado seria suscetível de configurar, em última análise, uma situação de enriquecimento sem causa, fonte de obrigações, no âmbito do direito civil (artigo 474º do Código Civil).
4. A requerente foi devidamente notificada em 2020/06/29 para efeitos do exercício do direito de audição prévia no prazo de 15 dias e de acordo com o estipulado na alínea b) do n.º 1 do art. 60º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/98, de 17 de dezembro, tendo optado por não se pronunciar no prazo concedido para tal, que culminou em 2020/07/14.
Proponho que o presente pedido de revisão, seja indeferido, notificando-se a requerente em conformidade.
H) Na sequência do despacho arbitral de 15 de fevereiro de 2022, pelo qual foi dada oportunidade às partes para juntarem prova documental sobre a repercussão ou não repercussão sobre terceiros dos montantes liquidados pela Requerente, a título de Contribuição de Serviço Rodoviário, a Autoridade Tributária juntou uma informação da Unidade dos Grandes Contribuintes, que é do seguinte teor:
Informação …- CMCN/2022
No seguimento da abertura do Despacho n.º DI2021… respeitante ao período de 2016 elabora-se a presente informação que tem por objetivo analisar o tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal efetuado pela empresa A…, SA (adiante designada por A… ou sujeito passivo), NIPC …, relativamente à Contribuição de Serviço Rodoviário.
1 - Breve enquadramento da CSR
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, teve como fim onerar os utilizadores da rede rodoviária, tendo o consumo de combustíveis como medida indireta dessa mesma utilização.
Esta finalidade e a identificação de quem tem o encargo do imposto ficaram expressas logo na proposta de Lei n.º 153-X, apresentada à Assembleia da República em 3 de julho de 2007 onde constava claramente que “pretende-se, portanto, repercutir nos respetivos utilizadores os custos inerentes à gestão da rede rodoviária nacional, tendo em atenção o percurso que estes realizam consumindo uma unidade de medida de combustível”.
A mesma intencionalidade se encontra na Lei n.º 55/2007, no n.º 1 do art.º 3.º nos seguintes termos: “A contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.”
Isto é, embora o sujeito passivo seja aquele que se encontra definido para efeitos do imposto petrolífero e energético, o encargo da contribuição recai sobre o consumidor do combustível.
Não restam grandes dúvidas da intenção do legislador em fazer recair o encargo do imposto sobre o consumidor final se atentarmos que a criação da CSR foi acompanhada de uma redefinição das taxas do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) de forma a não provocar um agravamento do preço dos combustíveis junto do consumidor final. Também o benefício fiscal previsto no art.º 93.º-A do CIEC aplicável ao consumo de gasóleo por parte de profissionais reforça o entendimento de que este é devido pelo consumidor final porquanto este é reembolsável ao consumidor e não ao comercializador como faria sentido que o fosse se o encargo do imposto recaísse sobre este.
2 - Dos procedimentos adotados pela A…
A A… enquanto revendedor de combustíveis é sujeito passivo de ISP e de CSR, sendo que regista os impostos/contribuições a que os produtos petrolíferos estão sujeitos na conta SNC 311235 – Imposto sobre Produtos Petrolíferos, ou seja, uma subconta da conta 31 – Inventários.
Assim sendo, o ISP/CSR é parte integrante do custo das mercadorias vendidas como, aliás, não podia deixar de ser tendo em conta quer a sua definição teórica, quer o seu enquadramento normativo (NCRF 18).
É sobre o custo das mercadorias vendidas (CMV), o qual integra o ISP e a CSR que a A… aplica uma percentagem de forma a chegar a uma margem bruta1 que lhe permita aferir da viabilidade e continuidade do negócio. Ou seja, mesmo que, por absurdo, todos os restantes gastos não existissem, a totalidade do CMV terá sempre que ser refletida no preço praticado ao cliente sob pena de, não só o negócio não ser viável como até incorrer em ilegalidade (venda abaixo do seu preço de custo).
Refira-se ainda que a A… não segrega, dentro da conta 311235, o valor da CSR do valor do ISP.
Essa segregação é feita nas guias de entrega de imposto onde, aí sim, é feita a separação entre os montantes devidos a título de ISP e de CSR (ver anexo, a título exemplificativo).
3 - Do conceito de Custo das Mercadorias Vendidas e respetivo tratamento contabilístico
Conceptualmente, o sistema de inventário permanente pressupõe o conhecimento a qualquer momento do valor das mercadorias em stock, pelo abatimento ao mesmo em cada operação de venda, ou acréscimo em cada operação de compra. Ou seja, sempre que se efetua uma operação, de compra ou venda é possível saber o valor das compras, o stock e o custo das mercadorias vendidas.
No sistema de inventário permanente, é necessário que a empresa contabilize, de forma imediata, todas as compras, e abata ao stock de mercadorias todas as vendas, pelo seu custo, ou seja, há o registo das aquisições e das saídas de forma imediata ou concomitante, com a ocorrência física desses factos.
Assim, tem-se a qualquer momento o valor de todas as compras do período, o valor de todas as saídas do período (o custo das mercadorias vendidas), bem como o valor do stock inicial e do stock final.
Por outro lado, no sistema de inventário intermitente o valor dos inventários em armazém e os resultados apurados, só é determinável através de inventariações diretas dos valores em armazém, efetuadas periodicamente. Como se irá referir adiante, a A… no exercício de 2016 utilizou o sistema de inventário intermitente tendo apurado o custo das mercadorias vendidas num só lançamento no mês de regularizações.
No que respeita ao custo das mercadorias vendidas, este deverá compreender todos os gastos incorridos com a compra (armazenamento, transporte, impostos, seguros e outros) das mercadorias até que estejam no ponto de venda, prontas a serem comercializadas.
Analisemos o tratamento contabilístico previsto na NCRF 18 – Inventários, evidenciando alguns aspetos importantes da norma para o caso em análise:
O parágrafo 9 estipula que os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo.
No parágrafo 10 é estabelecido que o custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais.
De acordo com o parágrafo 11, os custos de compra de inventários incluem o preço de compra, direitos de importação e outros impostos (que não sejam os subsequentemente recuperáveis das entidades fiscais pela entidade) e custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens, de materiais e de serviços. Os descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes devem ser deduzidos na determinação dos custos de compra.
O parágrafo 34 dispõe que “Quando os inventários forem vendidos, a quantia escriturada desses inventários deve ser reconhecida como um gasto do período em que o respetivo rédito seja reconhecido.”
E acrescenta o parágrafo 35 que “A quantia de inventários reconhecida como um gasto durante o período, que é muitas vezes referida como o custo de venda, consiste nos custos previamente incluídos na mensuração do inventário agora vendido, nos gastos gerais de produção não imputados e nas quantias anormais de custos de produção de inventários.”
Face ao tratamento contabilístico plasmado na NCRF 18, podemos concluir que:
• A CSR consubstancia uma verba que não é subsequentemente recuperável das entidades fiscais pela entidade que procede à sua liquidação (como é o caso por exemplo do IVA, quando o mesmo nos termos do respetivo código é dedutível), constituindo consequentemente uma componente do custo de compra dos inventários. Neste sentido, tal como corretamente procedeu o sujeito passivo, a CSR deve ser contabilizada na conta 31 – compras, pois o custo de compra dos inventários deve incluir esta componente.
• Os custos previamente incluídos na mensuração do inventário, ou seja, o valor reconhecido na conta 31 – compras é reconhecido como gasto do período (conta 61 – CMV) no momento (no período de relato) em que aqueles inventários são vendidos. Daqui resulta, que o procedimento adotado pelo sujeito passivo encontra-se em conformidade com o tratamento contabilístico consagrado na NCRF 18.
• Assim, como a CSR é um gasto do período em que os inventários (combustíveis) são alienados, esta contribuição é repercutida no custo dos inventários, pelo que será a entidade que adquire à A… os combustíveis que suportará (ou o repassará, se os revender) o encargo com aquela contribuição. Consequentemente, a CSR não diminui o resultado do período apurado pela A… (na medida em que faz parte do custo das mercadorias vendidas), antes pelo contrário, pois ao estar incluída na base à qual a A… irá aplicar a sua margem de lucro, poderá contribuir para um acréscimo dos resultados apurados por esta entidade.
Em suma, o tratamento contabilístico adotado pelo sujeito passivo, o qual tem acolhimento na NCRF 18, traduz a realidade dos factos: o resultado apurado pela A… não é diminuído pela existência da CSR (pois a CSR é incorporada no custo dos combustíveis) refletindo que esta contribuição consubstancia a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, e, consequentemente, constitui encargo do consumidor do combustível (que, relativamente aos combustíveis vendidos não é a A… mas os utilizadores dessas rodovias).
4 – Contabilização a título exemplificativo
De seguida descreve-se o processo de contabilização da CSR aquando da venda de combustível ao cliente final:
Dados:
1) Compra de € 60 de combustível;
2) Pelo pagamento de € 40 de ISP + CSR relativos a estes combustíveis;
3) Entrada do combustível adquirido em inventário (€ 60 + € 50);
4) Venda por € 120 de 80% do combustível adquirido;
5) Saída de inventário com o consequente reconhecimento do Custo das Mercadorias Vendidas. De salientar que o custo do combustível vendido é de € 88 (80% x 60 + 80% x 50);2
6) Apuramento do Resultado Líquido do período.
(1) 60 60 (3) (1) 13,8 47,60 (4) 73,8 (1)
(2) 50 50 (3) (3) 60 48 (5) (6) 120 120 (4)
(3) 50 40 (5)
(5) 48 88 (6) (4) 167,60 88 (6) 120 (6)
(5) 40
611 - CMV 211 - Clientes 81 - Resultados
311x - Compra Combustível 243x - IVA 221 - Fornecedores
3115 - ISP + CSR 32 - Mercadorias 71 - Vendas
Em suporte ao que acima foi dito junta-se, em anexo, documentação de algumas transações reais (a título de exemplo) acompanhada da respetiva contabilização e que se pode sistematizar da seguinte forma:
a) Aquisição de combustível (gasóleo e gasolina 98) a um fornecedor intracomunitário (Anexo I):
Contabilização da fatura 2016/…/… de 30-01-2016 do fornecedor B…, SA relativa à venda (à A…) de gasóleo (147.970,82€) e gasolina 98 (4.607,06€). Sendo um fornecedor intracomunitário compete à A…, além do exercício do direito à dedução, proceder à liquidação do IVA correspondente:
147.970,82 34.033,29 152.577,88
4.607,06 1.059,62
34.033,29
1.059,62
311x - Compra Mercadorias 2432 - IVA Dedutível 221xxxx – B….
2433 - IVA Liquidado
b) Venda de combustível (gasóleo) a um cliente nacional (Anexo II):
Venda de gasóleo, no valor total de 191.517,21€, ao cliente C…, Lda:
191.517,21 35.812,15 155.705,06
211xxxx – C…, Lda 2433xxx - IVA 711xxxx - Vendas
c) Apuramento do CMV relativo ao ano de 2016:
Tal como resulta, quer dos elementos do SAFT quer das informações recolhidas junto da A…, no ano 2016, apesar de haver controlo de quantidades de produtos através do software de gestão, o CMVMC foi registado na contabilidade num só lançamento no mês de regularizações (ou seja, utilizou o sistema de inventário intermitente).
d) Entrega do ISP nos cofres do Estado (Anexo III):
Contabilização do pagamento do ISP respeitante ao mês de outubro de 2016:
1.600.851,86 1.600.851,86 1.600.851,86
3114 - Estimativa ISP 311235 - ISP's
5 – Do peso dos impostos e contribuições no preço de venda dos combustíveis
Considerando o total de impostos (ISP + CSR + Taxa de carbono) pago pela A… através das guias mensais e atendendo ao CMV determinou-se o peso dos impostos (excluindo o IVA) no total do Custo das Mercadorias Vendidas:
Impostos CMV Impostos/CMV
2016 21.156.924,74 € 39.967.567,30 € 52,9%
O quadro anterior reflete o elevado peso dos impostos no total do CMV, facto que associado à diminuta margem bruta apurada pela A… inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão dos impostos e contribuições no preço de venda dos combustíveis.
Esta análise assume relevância na medida em que o procedimento contabilístico adotado pela A… aquando da contabilização das guias de pagamento mensais é feito pelo total da guia não discriminando cada uma das verbas em causa (CSR, ISP, taxa de carbono). Do ponto de vista contabilístico o tratamento dado à CSR é exatamente o mesmo que é dado ao ISP. Assim sendo, se os impostos são tratados como um todo e têm um peso superior a 52% do total do CMV, não faz qualquer sentido considerar que os impostos (nos quais se inclui a CSR) não são incluídos no preço de venda dos combustíveis, pois tal conduziria a um preço de venda muito inferior ao Custo das Mercadorias Vendidas.
6 – Margem bruta da A…
Considerando os valores constantes da IES, apurou-se a seguinte margem bruta:
Margem R&C Vendas CMV
Cálc.
Margem
2016 N/D 42.607.017,38 € 39.967.567,30 € 6,60%
Da análise às margens de comercialização da A… resulta claro que o ISP e a CSR estão incluídos no CMV porquanto a margem apurada (6,60%) não permitiria absorver o impacto do peso da CSR (em análise no caso concreto). Caso assim fosse, a sociedade estaria recorrentemente a incorrer em prejuízos por cada venda efetuada, e a vender abaixo do preço de custo total do produto que nos termos da normalização contabilística (e no caso em análise) inclui o valor dos impostos inerentes suportados.
Esta margem de comercialização é confirmada pelo exemplo de uma transação real de gasóleo cuja documentação se junta em anexo (Anexo IV) e que pode ser assim sintetizada:
Venda Litros Valor P unit s/ Iva
FT…/2016 31.998 28 148,34 0,87969061
Compra
FT2016/…/… 127.600 48 287,7 0,37843025
IEC por Litro5 0,45592
CMVMC p/ Ltr 0,83435025
Margem 0,05 €
% Margem 5,15%
5 Somatório de ISP (0.3284) + CSR (0.111) + Taxa de carbono (0.0165).
A margem apurada difere ligeiramente da declarada o que pode ser explicado pela variação do preço de aquisição e venda do combustível mantendo-se constante o valor do ISP + CSR uma vez que este é calculado por quantidade (litro) de produto vendido e não pelo preço do mesmo.
Mais uma vez se verifica que a CSR é incluída no custo da mercadoria vendida, e assim repercutida no consumidor, porquanto as margens de comercialização apuradas não permitem a acomodação da CSR.
7 - Conclusões
Ao longo da presente informação foram apresentados os factos, devidamente fundamentados que permitem concluir que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis comercializados pela A….
É de salientar que a CSR não é faturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos específica.
Em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela A… vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período) fazendo parte do CMV. Assim, a inclusão da CSR no CMV constitui o reconhecimento por parte da A… que esta (tal como os restantes impostos: ISP e taxa de carbono) incorpora o custo total dos combustíveis e consequentemente é incluída no preço de venda dos combustíveis.
Adicionalmente, atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta apurada pelo contribuinte, não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal significaria admitir-se que se estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo, prática proibida pela legislação nacional.
A A… trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR e taxa de carbono) como um todo, não lançando de forma individualizada cada uma dessas grandezas. Considerando que a carga fiscal representa mais do que 50% do preço de venda do combustível, fica totalmente inviabilizada a argumentação no sentido de que a CSR não é incluída no preço do produto.
Em suma, a CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis e consequentemente constitui encargo, não da A… mas, de quem adquire os combustíveis, tal como resulta do procedimento contabilístico adotado por este sujeito passivo, o qual se encontra em conformidade com o tratamento consagrado no normativo contabilístico aplicável. Acresce que, atendendo à margem bruta apurada pela A… e ao respetivo peso da CSR no preço de venda dos combustíveis não é admissível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal conduziria à prática de preços de venda inferiores ao respetivo custo.
I) O pedido arbitral deu entrada em 20 de outubro de 2020.
Factos não provados
Não se provou que tenha havido efetiva repercussão, parcial ou integral, da contribuição de serviço rodoviário liquidada pela Requerentes nos consumidores finais.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
6. A questão que vem colocada é a de saber se a Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários também sujeitos ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e que se encontra enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118, tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, dessa Diretiva.
Nos termos da referida Lei n.º 55/2007, a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da EP - Estradas de Portugal, E.P.E, atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
À luz do regime jurídico sucintamente exposto, a Requerente sustenta que a Contribuição de Serviço Rodoviário foi criada por razões de ordem puramente orçamental, em vista à angariação de receitas próprias para financiamento da empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, em violação do direito europeu, e, especialmente, do referido artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118.
Em contraposição, a Autoridade Tributária sustenta que a atividade da Infraestruturas de Portugal tem subjacente a prossecução de objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se pode entender como “motivo específico” ou a “razão de ser” da criação da contribuição e não pode circunscrever-se a mera finalidade de natureza orçamental.
Suscita-se ainda a divergência entre as partes quanto ao direito ao reembolso do imposto suportado pelo sujeito passivo em face possível repercussão do imposto no consumidor final.
Conformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com o direito europeu
7. Analisando a primeira questão, interessa começar por ter presente a Diretiva 2008/118/CE, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, e, em especial, o seu artigo 1.º, n.º 2, que tem a seguinte redação:
Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.
Interpretando esta disposição na perspetiva de saber se a CSR prossegue um “motivo específico” na aceção da Diretiva, o despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido em reenvio prejudicial requerido pelo presente tribunal arbitral, começou por assinalar que “para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (parágrafo 25). Acrescentando que “só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (parágrafo 27).
No desenvolvimento destes critérios gerais, o despacho do TJUE, na parte que mais releva, formula ainda as seguintes considerações.
29. No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
30. Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (-).
31. Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a
Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à
IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
32. No entanto, como foi salientado no n.° 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
33. Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a
estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
34. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.
35. Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (-).
8. Revertendo à situação do caso, o que se constata é que a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.), sendo o financiamento assegurado pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis. Ademais, o produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, S.A. e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado.
Tal como alega a Autoridade Tributária, a atividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro. Nas bases da concessão igualmente se prevê que, entre outros rendimentos, a Contribuição de Serviço Rodoviário constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
No quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais), e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.
Como resulta com clareza do despacho do Tribunal de Justiça proferido em reenvio prejudicial, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária mediante a consignação à Infraestruturas de Portugal, S.A., e têm uma finalidade puramente orçamental. Nem a estrutura do imposto revela a intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária – de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão.
Haverá de concluir-se, face a todo o exposto, que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.
Reembolso da contribuição indevidamente liquidada
9. A segunda questão em debate respeita a saber se o reembolso da CSR indevidamente liquidada ao contribuinte é admissível quando a carga fiscal resultante da incidência do imposto é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, gerando uma situação de enriquecimento sem causa.
Quanto a esta matéria, e para considerar apenas os aspetos mais relevantes em apreciação, o Tribunal de Justiça pronunciou-se nos seguintes termos.
38. (…) Assim, um Estado-Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (-).
39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (-).
40 Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.
42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (-).
43 Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (-).
45 Não se pode, no entanto, admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (-).
46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (-).
47 Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (-).
Como sublinha ainda o TJUE, “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).
10. No caso vertente, não há prova evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, de modo a poder a admitir-se que o reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, podia traduzir-se numa situação de enriquecimento sem causa por parte do operador.
Para efetuar essa demonstração, a Autoridade Tributária limita-se a juntar uma informação interna dos serviços que parte de meras ilações ou considerações genéricas, que, em substância, não permitem concluir que o imposto tenha sido parcial ou integralmente repercutido.
Com efeito, a informação em causa faz apelo ao próprio objetivo legislativo da criação da CSR, que terá sido o de onerar os utilizadores da rede rodoviária mediante o agravamento dos custos dos combustíveis. Reporta-se ao critério contabilístico do registo do custo das mercadorias vendidas quando os impostos imputáveis à aquisição devam incorporar esse custo. E argumenta ainda com a margem de comercialização para justificar que o operador não poderia deixar de repercutir o imposto sob pena de praticar preços de venda inferiores ao custo.
Ou seja, a Autoridade Tributária, para justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, assenta em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
E, do mesmo modo, a informação dos serviços, que propugna o indeferimento do pedido de revisão oficiosa com base na situação de enriquecimento sem causa, apoia-se em meras afirmações de princípio sem qualquer relevância probatória, limitando-se a consignar que “a CSR (…) é suportada pelos contribuintes aquando da aquisição dos combustíveis” e que o operador económico é “um contribuinte de direito, que paga o imposto ao Estado, mas não o suporta, porque ao vender os produtos recupera o valor do imposto pago”.
Ora, como resulta com evidência do despacho proferido pelo TJUE em reenvio prejudicial e outra jurisprudência nele citada, não é admissível a prova da repercussão de impostos indiretos através de presunção. E, como se refere no parágrafo 45, há pouco transcrito, mesmo que exista uma obrigação legal de incorporar o imposto no preço de custo do produto, essa obrigação, por si só, não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutido. Não podendo extrair-se, por conseguinte, do tratamento contabilístico do custo das mercadorias vendidas, quando este custo deva incluir todos os gastos incorridos, incluindo a incidência do imposto, que a totalidade do imposto tenha sido repercutida no consumidor final.
Resta acrescentar, tal como foi também assinalado pelo Tribunal de Justiça, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.
Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.
Por todo o exposto, não pode opor-se ao pedido de reembolso do imposto indevidamente liquidado uma suposta situação de enriquecimento sem causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
11. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Por sua vez, quanto ao momento a partir do qual devem ser calculados tais juros, constitui jurisprudência uniforme do STA, consolidada no Acórdão do Pleno de 4 de Março de 2020 Processo n.º 08/19, o seguinte:
“A questão da medida no tempo dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão da liquidação por iniciativa do contribuinte tem-se colocado diversas vezes e mereceu resposta uniforme, desde logo, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, orientação jurisprudencial essa que actualmente está consolidada (cfr. ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 23/05/2018, rec.1201/17; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 24/10/2018, rec. 99/18.3BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 27/02/2019, rec.22/18.5BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 8/05/2019, rec. 116/18.7BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 3/07/2019, rec. 4/19.0BALSB; ac. S.T.A., Pleno da 2ª.Secção, 11/12/2019, rec. 51/19.1BALSB) (Em três dos citados arestos do Pleno o acórdão fundamento identificado pelo recorrente é idêntico ao do presente processo, a saber, o exarado pela Secção do S.T.A., em 28/01/2015, no âmbito do rec.722/14).
Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, remetemos para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.º 22/18.5BALSB:
"(...)
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.». É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do n.º 3 do art.º 43º da LGT.
Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art. 57.º, n.o 1).
(...)".
Ante o exposto, no que concerne a juros indemnizatórios, nos casos de pedidos de revisão oficiosa, apenas são devidos juros depois de decorrido um ano a partir da iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, como decorre da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
No caso em apreço, decorre dos factos dados como provados, que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado 28 de Maio de 2019, logo menos de um ano antes da apresentação deste PPA em 30 de Dezembro de 2019, pelo que a Requerente não tem direito, no âmbito deste processo, a juros indemnizatórios. Qualquer atraso na reposição da situação original da Requerente, decorrente da anulação, apenas pode ser apreciado e decidido em sede de execução de sentença.”
Seguindo o mesmo entendimento (com base na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT), uma vez que na situação em causa nos autos, o pedido de Revisão Oficiosa foi apresentado pela Requerente em 10 de fevereiro de 2020 (menos de um ano antes da apresentação do PPA (20 de outubro de 2020)), a Requerente não tem direito, no âmbito deste processo, a juros indemnizatórios. Qualquer atraso na reposição da situação original da Requerente, decorrente da anulação, apenas pode ser apreciado e decidido em sede de execução de sentença.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral, e anular os atos de liquidação impugnados bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago; e
c) Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 4.873.427,68, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 61.200,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 30 de março de 2022
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro vogal
Elisabete Louro Martins
O Árbitro vogal
Arlindo José Francisco