DECISÃO ARBITRAL[1]
1. Relatório
A - Geral
1.1. A..., contribuinte fiscal n.º …, residente em …, na Travessa … (de ora em diante Requerente), apresentou, no dia 25.11.2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando a anulação da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante IRS) n.º 2010... (de ora em diante Liquidação Impugnada).
1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante RJAT), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou Nuno Pombo como árbitro, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 27.01.2014.
1.4. No dia 30.01.2014 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante Requerida) para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
1.5. No dia 08.01.2014, a Requerida deu conta ao tribunal arbitral de que havia procedido à reforma do acto tributário, nos termos que adiante abreviadamente se explanarão.
1.6. A 28.02.2013 a Requerida apresentou a sua resposta, tendo posteriormente sido junto aos autos o despacho de designação das Senhoras Dra. … e Dra. … para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
1.7. O Requerente, dadas as excepções invocadas pela Requerida na sua resposta, pediu fosse admitida a possibilidade de apresentar por escrito a sua posição face elas, pedido que o tribunal arbitral, a 24.04.2014, deferiu.
B – Posição do Requerente
1.8. O Requerente não apresentou a sua declaração de rendimentos de IRS para o ano de 2006, tendo a Requerida procedido à avaliação indirecta da matéria tributável, calculando um rendimento da categoria B de € 56.268,17, ao qual aplicou, para a determinação do rendimento tributável, o coeficiente de 0,65, o mais alto dos previstos no artigo 31.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante designado CIRS), tendo sido emitida a liquidação n.º 2010 ..., no montante de € 8.248,93.
1.9. O Requerente reagiu contra a liquidação referida no número anterior, tendo sido aceite pela Requerida a alteração do agregado familiar, por ter ficado demonstrado que o Requerente era, afinal, casado.
1.10. A liquidação referida em 1.8. foi anulada pela declaração de eliminação n.º 1 do lote n.º ..., de 02.09.2010, tendo sido emitida a 20.12.2010 uma nova liquidação de IRS, a Liquidação Impugnada, no montante de € 22.413,48 (e não € 22.413,38, como por lapso se refere no art.º 20 do requerimento de pronúncia arbitral), acrescendo rendimento colectável que mais tarde viria a ser identificado como rendimento de mais-valias obtido com a alienação de um imóvel.
1.11. O Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a Liquidação Impugnada, sustentando ter havido preterição de formalidades essenciais, por não ter sido notificado para apresentar a declaração de rendimentos em falta e violação do dever de fundamentação, por não terem sido comunicados os concretos pressupostos da nova avaliação indirecta.
1.12. Entende o Requerente que a Requerida “aquando da produção de efeitos de uma reclamação graciosa”, “onde foi concedida a alteração do agregado familiar do requerente”, não poderia ter procedido à “sucessiva fixação de mais rendimento”, sendo de aplicar não o estatuído no art.º 76.º do CIRS mas o disposto no n.º 4 do art.º 65.º do mesmo Código.
1.13. O Requerente, na reclamação graciosa apresentada, alega ainda ter a Requerida procedido a uma errónea quantificação da mais-valia imobiliária, porquanto foi ignorada a realização de uma edificação inexistente à data da aquisição, e, bem assim, ter sido usado no cálculo da matéria tributável da categoria B o coeficiente de 0,65 quando o aplicável era o de 0,20, uma vez que as operações efectuadas pelo Requerente foram vendas e não prestações de serviços.
1.14. Por despacho do Chefe de Finanças de 17.05.2011 foi mantido o acto reclamado e dele o Requerente recorreu hierarquicamente, tendo a Senhora Directora de Serviços de IRS negado provimento ao recurso, por despacho de 24.04.2012.
1.15. No dia 09.05.2013 o Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 7 um pedido de revisão de acto tributário tendo por objecto a Liquidação Impugnada, no qual repete os argumentos avançados na reclamação graciosa e no recurso hierárquico que se lhe seguiu.
1.16. A 31.05.2013 o Requerente pagou o imposto em causa, os juros e as custas.
1.17. O pedido de revisão a que se alude em 1.15. não mereceu da Requerida qualquer reacção, pelo que o seu indeferimento tácito terá tido lugar a 09.09.2013.
1.18. O rendimento apurado na categoria B de IRS corresponde aos valores declarados pelo Requerente nas declarações periódicas do Imposto sobre o Valor Acrescentado (de ora em diante IVA), ao qual foi aplicado o mais elevado coeficiente dos constantes no art.º 31.º do CIRS, quando dessas declarações resulta clara a natureza dos rendimentos obtidos, venda de bens e não prestação de serviços, prosseguindo o Requerente a actividade de “comércio a retalho de carne – vulgo talho”.
1.19. Já quanto aos rendimentos da categoria G gerados pela alienação de um imóvel propriedade de sua mulher, entende o Requerente que ela o adquiriu gratuitamente por escritura de partilha do acervo patrimonial integrante da herança aberta por óbito dos pais dela a 02.12.1992, sendo certo que “o prédio assim adquirido não foi o mesmo que veio a ser alienado em 22.05.2006”, uma vez que se procedeu, em 2003, à demolição do edificado existente e à construção de um outro edifício, tendo sido apresentada no Serviço de Finanças de Aguiar da Beira a 12.02.2004 declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz, tendo-lhe sido atribuído um valor patrimonial tributário de € 98.780, pelo que entende o Requerente ser este o valor de aquisição e aquela a data em que o bem foi adquirido.
1.20. Entende ainda o Requerente ter direito ao ressarcimento através de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante do imposto e correspondentes juros compensatórios indevidamente pagos, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.
C – Posição da Requerida
1.21. A 08.01.2014, a Requerida, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 13.º do RJAT, informou o tribunal arbitral que reconhecia que a data e o valor de aquisição do imóvel em causa não estavam correctos, dando, apenas nesse aspecto, razão ao Requerente, aceitando pois que o imóvel havia sido adquirido em Fevereiro de 2004 e que o valor de aquisição teria de corresponder ao “valor patrimonial tributário tendo em conta a nova realidade comunicada através da declaração Mod. 1 do Imposto Municipal sobre Imóveis, ou seja 98.780€”, tendo consequentemente ordenado a remessa do processo à Direcção de Finanças de Lisboa “para os devidos efeitos”.
1.22. Na sua resposta de 28.02.2014 a Requerida começa por referir, como questão prévia, que o acto de liquidação cuja anulação o Requerente peticiona foi parcialmente revogado, tendo essa decisão sido notificada ao sujeito passivo nos termos legais.
1.23. Entende a Requerida que o tribunal arbitral não tem competência para apreciar o pedido, porquanto o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa não se encontra abrangido pelo art.º 2.º do RJAT, não sendo possível, em sede arbitral, equiparar-se o procedimento de revisão ao disposto no art.º 131.º, n.º 1 do CCPT, já que essa equiparação ofenderia as regras e os princípios gerais da interpretação das leis, constituindo ainda uma violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes, bem como da legalidade, como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.
1.24. Advoga ainda a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral é extemporâneo, porquanto o acto sindicável não é o indeferimento do pedido de revisão, como sustenta o Requerente, mas o acto de liquidação adicional cuja anulação se peticiona, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado depois do prazo de 90 dias a que alude o n.º 1 do art.º 10.º do RJAT.
1.25. A Requerida rechaça o entendimento do Requerente segundo o qual a Liquidação Impugnada padece do vício de preterição de formalidade essencial, por falta de fundamentação e de audição prévia, porquanto esta foi assegurada, tendo sido o Requerente notificado por carta registada e aquela garantida nos termos legalmente exigíveis, permitindo ao Requerente apreender o itinerário cognoscitivo que levou à decisão em causa, até porque a Liquidação Impugnada mais não faz do que aditar à liquidação anteriormente notificada os juros compensatórios devidos nos termos do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (de ora em diante LGT).
D – Reacção do Requerente às excepções invocadas pela Requerida na sua Resposta
1.26. O Requerente, por escrito, ao abrigo do princípio do contraditório, apresentou a sua oposição às excepções invocadas pela Requerida na sua resposta, uma vez que elas obstam ao conhecimento do mérito do pedido.
1.27. Quanto à excepção da incompetência material, entende o Requerente que o que está em causa é “a contestação de uma decisão referente a uma revisão de acto tributário”, sustentando que o recurso para o tribunal arbitral da apreciação da ilegalidade de uma decisão sobre a revisão de acto tributário que versou sobre a liquidação de um tributo está abrangido pela alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT.
1.28. Já quanto à excepção por intempestividade conclui o Requerente pela sua improcedência, uma vez que o prazo de 90 dias referido na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT se conta da data de formação da presunção de indeferimento tácito (art.º n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de ora em diante CPPT).
E – Conclusão do Relatório
1.29. No dia 24.04.2014, pelas 14h, teve lugar a primeira (e única) reunião do tribunal arbitral com as partes, tendo o tribunal arbitral deferido nessa ocasião a pretensão do Requerente de ser admitida nos autos a sua reacção escrita às excepções invocadas pela Requerida na sua resposta.
1.30. Na reunião, o tribunal arbitral concedeu um prazo de 10 dias para que a Requerida, querendo, pudesse pronunciar-se sobre aquela peça, o que não aconteceu, não tendo nenhuma das Partes, por estar em causa matéria exclusivamente de direito, visto necessidade na realização de qualquer diligência adicional.
1.31. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (de ora em diante Portaria).
1.32. O processo não padece de qualquer nulidade, mostrando-se reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral. Tendo sido suscitadas pela Requerida excepções que obstam à apreciação do mérito da causa, irão ser, primeiro, apreciadas as invocadas excepções e, caso elas se mostrem improcedentes, o respectivo mérito.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
2.1.1. O Requerente não apresentou atempadamente a sua declaração de rendimentos de IRS para o ano de 2006 (art.º 16.º do requerimento de pronúncia arbitral).
2.1.2. O Requerente foi notificado, por carta registada datada de 18.06.2007 desse incumprimento, tendo sido convidado a regularizar a sua situação (doc. da pág. 66 do processo administrativo que acompanhou a resposta da Requerida).
2.1.3. O Requerente não procedeu a essa regularização, nunca tendo entregado a sua declaração de rendimentos de IRS para o ano de 2006.
2.1.4. A Requerida procedeu, pois, à avaliação indirecta da matéria tributável, calculando um rendimento da categoria B (prestações de serviços) de € 56.268,17, ao qual aplicou, para a determinação do rendimento tributável, o coeficiente de 0,65, o mais alto dos previstos no artigo 31.º do CIRS (art.º 16.º do requerimento de pronúncia arbitral e doc. das págs. 35 e segs. do processo administrativo que acompanhou a resposta da Requerida).
2.1.5. A Requerida emitiu a 27.01.2010 a liquidação n.º 2010 ..., no montante de 8.248,93 € (art.º 17.º do requerimento de pronúncia arbitral e pág. 36 e 1. das págs. 70 e 71 do processo administrativo que acompanhou a resposta da Requerida).
2.1.6. O Requerente apresentou a 19.04.2010 reclamação graciosa dessa mesma liquidação, à qual coube o n.º ..., por não se conformar com a consideração de que os rendimentos que auferira da categoria B eram qualificáveis como prestações de serviços e ainda pelo facto de ter a Requerida pressuposto um agregado familiar constituído somente pelo Requerente quando ele era casado (art.ºs 4.º e 5.º da reclamação graciosa que constitui o doc. 3 anexo ao requerimento de pronúncia arbitral).
2.1.7. Na sequência dessa reclamação graciosa, foi concedida procedência do peticionado quanto à alteração do agregado familiar (art.º 18.º do requerimento de pronúncia arbitral e n.º 4 da pág. 27 do processo administrativo que acompanhou a resposta da Requerida).
2.1.8. A liquidação referida em 2.1.5. foi anulada pela declaração de eliminação n.º 1 do lote n.º ..., de 02.09.2010 (art.º 23.º do requerimento de pronúncia arbitral e 4.1. da pág. 72 do processo administrativo que acompanhou a resposta da Requerida);
2.1.9. Foi em Dezembro de 2010 igualmente anulada a execução fiscal que havia sido instaurada com fundamento no não pagamento do imposto a que se refere a liquidação mencionada em 2.1.5. (art.º 12.º do pedido de revisão que constitui o doc. 2 anexo ao requerimento de pronúncia arbitral).
2.1.10. Foi emitida a 20.12.2010 uma nova liquidação de IRS, com o n.º 2010 ..., no montante de € 22.413,48 (e não € 22.413,38, como por lapso se refere no art.º 20 do requerimento de pronúncia arbitral), acrescendo rendimento colectável (art.º 20.º do requerimento de pronúncia arbitral e doc. 1 a ele anexo);
2.1.11. O acréscimo de rendimento colectável referido no número anterior resultou da consideração pela Requerida de rendimentos da categoria G, mais-valias, provenientes da alienação onerosa de um imóvel propriedade do cônjuge do Requerente.
2.1.12. A Liquidação Impugnada é em tudo idêntica à liquidação n.º 2010...., com a excepção da inclusão de um montante correspondente a juros compensatórios (art.º 61.º da resposta da Requerida e 5.1. da pág. 72 do processo administrativo que acompanhou essa resposta).
2.1.13. No que ao caso interessa, a liquidação n.º 2010.... foi emitida na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente contra a liquidação n.º 2010 ..., entretanto anulada, como se demonstrou, mantendo embora a informação que constava do anexo B da declaração oficiosa de rendimentos (doc. das págs. 44 e segs. do processo administrativo que acompanhou a resposta da Requerida) .
2.1.14. O Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a Liquidação Impugnada, sustentando ter havido preterição de formalidades essenciais, por não ter sido notificado para apresentar a declaração de rendimentos em falta e violação do dever de fundamentação, por não lhe terem sido comunicados os concretos pressupostos da nova avaliação indirecta (art.º 21.º do requerimento de pronúncia arbitral e doc. 3 a ele anexo).
2.1.15. Por despacho do Chefe de Finanças de 17.05.2011 foi mantido o acto reclamado e dele o Requerente recorreu hierarquicamente, tendo a Senhora Directora de Serviços de IRS negado provimento ao recurso, por despacho de 24.04.2012 (doc. 4 anexo ao requerimento de pronúncia arbitral).
2.1.16. No dia 09.05.2013 o Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 7 um pedido de revisão de acto tributário tendo por objecto a Liquidação Impugnada (art.º 10.º do requerimento de pronúncia arbitral e doc. 2 a ele anexo).
2.1.17. A 31.05.2013 o Requerente pagou o imposto em causa, os juros e as custas (doc. 5 anexo ao requerimento de pronúncia arbitral).
2.1.18. O pedido de revisão referido em 2.1.16 não mereceu da Requerida qualquer reacção, pelo que o seu indeferimento tácito tem-se por verificado a 09.09.2013.
2.1.19. A 08.01.2014, a Requerida, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 13.º do RJAT, informou o tribunal arbitral que reconhecia que a data e o valor de aquisição do imóvel em causa não estavam correctos, dando, apenas nesse aspecto, razão ao Requerente, fazendo cessar o litígio no que se refere à errónea quantificação dos alegados rendimentos da categoria G (doc. das págs. 69 e segs. do processo administrativo que acompanhou a resposta da Requerida).
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a prolação da decisão arbitral que devam considerar-se não provados.
3. Questões Prévias – Em especial, as excepções invocadas pela Requerida
A – Incompetência material
3.1. Entende a Requerida que o acto de indeferimento de revisão oficiosa não se encontra abrangido pelas alíneas do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT (v. art.º 12.º da resposta da Requerida, ainda que imperfeitamente expresso). Na referida resposta parece fundar-se esta proposição na convicção de que “actos de liquidação há que só serão apreciados em sede arbitral quando precedidos de uma fase administrativa – a dos art.ºs 131.º a 133.º do CPPT”, não podendo ser incluída na exaustiva e taxativa indicação do legislador o pedido de revisão oficiosa (art.os 14.º e 15.º da resposta da Requerida)
3.2. Como se percebe, a excepção de incompetência material alegada pela Requerida deve ser apreciada em vista dos dois problemas que suscita. Por um lado, o de saber se o indeferimento, tácito no caso presente, de um pedido de revisão oficiosa se encontra abrangido pelo art.º 2.º do RJAT. Por outro, o decidir se pode equiparar-se o procedimento de revisão ao disposto no art.º 131.º, n.º 1 do CCPT, para efeitos de arbitrabilidade do acto, ainda que no caso dos autos este problema pareça deslocado ou falho de sentido.
3.3. Na verdade, no caso sub judice não se vê grande utilidade em suscitar-se a questão, dogmaticamente relevante, da admissibilidade da equiparação do procedimento de revisão oficiosa ao disposto no art.º 131.º, n.º 1 do CPPT, porquanto esta disposição se refere a casos de erro na autoliquidação, o que se mostra inaplicável à situação controvertida.
3.4. Resulta claro que em momento algum o Requerente peticiona a declaração de ilegalidade de um acto de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta, pelo que se mostra desnecessário dar resposta à questão de saber se o procedimento de revisão oficiosa previsto no art.º 78.º da LGT se integra no “recurso à via administrativa” a que apela a alínea a) do art.º 2.º da Portaria. Este entendimento do tribunal arbitral prejudica igualmente a apreciação da inconstitucionalidade invocada pela Requerida. Significa isto que a ser este tribunal incompetente em razão da matéria não o será por este motivo, mas por outro.
3.5. Cabível é porém a discussão em torno de saber se o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa se encontra abrangido pelo art.º 2.º do RJAT.
3.6. O n.º 1 do art.º 2.º do RJAT dispõe o seguinte:
“1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
3.7. Ainda que não se surpreenda no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT qualquer referência expressa a actos de indeferimento de pedidos de revisão de acto tributário é de sufragar o entendimento segundo o qual a ilegalidade de um acto de liquidação afecta, com o mesmo vício, os actos que lhe são subsequentes, nomeadamente o acto de indeferimento de um pedido de revisão fundamentado nessa mesmíssima alegada ilegalidade.
3.8. Ora, dos autos resulta que o pedido de revisão apresentado pelo Requerente visou um acto de liquidação que este considerava, e considera, ilegal. Ao indeferir esse pedido de revisão, a Requerida formulou um juízo sobre a ilegalidade do acto de liquidação em causa, afastando-a. Não se vê pois razão válida para retirar da esfera de competência dos tribunais arbitrais os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de liquidação, quando essa ilegalidade inquina a validade de actos tributários de segundo grau, como é manifestamente o caso do indeferimento de um pedido de revisão de acto tributário.
3.9. Aliás, igual conclusão impõe a referência que a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT faz aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, já que dela não pode fazer-se outra leitura que não seja a de que estão incluídos na esfera de competência destes tribunais arbitrais todos os actos susceptíveis de serem objecto de uma impugnação judicial, desde que referentes a um acto dos que constam do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, como é o caso vertente.
3.10. Entende pois o tribunal arbitral que, pelos motivos invocados pela Requerida e supra mencionados, não haverá, como se pensa ter deixado demonstrado, incompetência material deste tribunal arbitral.
3.11. Não pode em todo o caso ignorar-se um outro problema, ainda que a Requerida o não haja suscitado. Tal é a questão de saber se da alínea b) do art.º 2.º da Portaria resulta apenas a exclusão da competência dos tribunais arbitrais respeitantes aos “actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos” ou se abrange também os actos de liquidação que com base nessa determinação venham a ter lugar.
3.12. Importa dar resposta a esta pergunta porque dela depende a competência deste tribunal arbitral e, consequentemente, a possibilidade deste órgão de jurisdição conhecer do mérito do pedido. É que, nos termos do n.º 1 do art.º 16.º do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, sendo esta de conhecimento oficioso, nos termos do n.º 2 da mesma disposição do CPPT.
3.13. Dir-se-ia que o legislador não pretendeu incluir na excepção de vinculação os actos de liquidação subsequentes a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, porquanto se tivesse sido outra a intenção do legislador certamente não teria omitido a referência a esses actos de liquidação. Esta convicção parece reforçada pela adição à previsão genérica já transcrita da esclarecedora expressão “incluindo a decisão do procedimento de revisão”.
3.14. Não é esse, porém, o entendimento deste tribunal arbitral. É que o acto de determinação da matéria colectável e o acto de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, têm óbvias implicações no acto subsequente de liquidação. Sendo embora dois actos tributários distintos, a apreciação de um, as mais das vezes, sugere a apreciação do outro, em termos de se poder dizer que a invalidade de um (o da determinação da matéria colectável ou da matéria tributável, ambos por métodos indirectos) acarreta a invalidade do outro (o da liquidação).Não causa por isso estranheza o disposto no n.º 1 do art.º 62.º do CPPT, que impõe a regra de a liquidação se efectuar de acordo com a decisão do procedimento próprio a que faz apelo a alínea b) do art.º 2.º da Portaria, sempre que a fixação ou a revisão da matéria tributável deva ter lugar através do dito procedimento. Nestes casos, como se compreende, o acto de liquidação substantivamente nada acrescenta[2].
3.15. Portanto, julga o tribunal arbitral não ter competência para apreciar a validade do acto de liquidação subsequente à determinação da matéria colectável ou tributável por métodos indirectos se a causa de pedir for, ao cabo e ao resto, essa mesma determinação, o que sempre aconteceria se o Requerente invocasse o excesso de quantificação dessa mesma determinação.
3.16. No caso que é trazido à consideração deste tribunal arbitral não deixa de se peticionar a apreciação da quantificação da matéria tributável. Veja-se, desde logo, o art.º 7.º do requerimento de pronúncia arbitral, onde se refere expressamente que “no caso vertente, o pedido de revisão tem por objecto um acto de liquidação que o requerente reputa de ilegal por (…) ter sido emitido (…) com a errónea quantificação da matéria tributável”. Pelas razões supra aduzidas, julga o tribunal arbitral estar impedido de conhecer do pedido na parte em que ele se funda na sugerida errónea quantificação da matéria tributável, porquanto o objecto mediato do pedido é um acto de liquidação emitido na sequência da determinação da matéria tributável por métodos indirectos, tendo o legislador subtraído esses actos da sua vinculação à jurisdição arbitral [art.º 2.º, n.º 1 e art.º 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e art.º 2.º, alínea b) da Portaria].
3.17. Contudo, o Requerente não cinge a sua causa de pedir à errónea quantificação da matéria tributável, invocando ainda a preterição de formalidades essenciais, que, no seu entender, inquina a validade do acto de liquidação que constitui objecto mediato do pedido formulado junto deste tribunal arbitral. A contrario, entende este tribunal que a excepção dilatória inominada a que se fez referência nos números anteriores (e que não é, proprio sensu, um típico caso de incompetência material, porquanto estamos antes na presença de uma subtracção à vinculação da administração tributária à jurisdição arbitral em matéria da sua competência, operada normativamente) não abrange outras causas de pedir que não envolvam a apreciação da fixação da matéria tributável por métodos indirectos ou de vícios próprios do acto tributário (imediato ou mediato) posto em crise e totalmente alheios a actos tributários de que aquele eventualmente dependa.
B - Intempestividade
3.18. A Requerida invoca a excepção da intempestividade (art.ºs 46.º e segs. da sua resposta), sustentando que o “acto aqui sindicável (…) só poderia ser (…) o acto de liquidação adicional, cuja anulação se requer, e não o acto de indeferimento do pedido de revisão”, sendo certo que há muito se verificou o termo do prazo de 90 dias contados da sua emissão.
3.19. Entende o Requerente (art.ºs 32.º e segs da peça em que aprecia as excepções invocadas pela Requerida) que o pedido feito ao tribunal arbitral visa a “análise de legalidade de acto tributário de liquidação, ainda que não em primeiro grau”, tendo o pedido sido apresentado antes do termo do prazo de 90 dias, contando-se ele do acto de indeferimento tácito.
3.20. O tribunal arbitral não sufraga o entendimento da Requerida. Na verdade, não parece a este tribunal arbitral sustentável que o “acto aqui sindicável (…) só poderia ser (…) o acto de liquidação adicional, cuja anulação se requer”, por pressupor esta proposição a insindicabilidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão. Como se procurou deixar demonstrado acima, tem este tribunal arbitral competência para apreciar a legalidade do indeferimento do pedido de revisão, acto de segundo grau, apreciando do mesmo passo, a legalidade do acto de liquidação que lhe subjaz.
3.21. Julgando-se improcedentes, tal como foram arguidas pela Requerida, as excepções dilatórias invocadas, terá este tribunal arbitral de apreciar o mérito da causa, circunscrevendo-se esta apreciação à alegada preterição de formalidades essenciais.
4. A preterição de formalidades essenciais e os poderes de cognição do tribunal arbitral
4.1. Como se pode concluir por tudo quanto antecede, o tribunal arbitral não pode conhecer do pedido em todas as suas vertentes, seja por incompetência seja por inutilidade, ou impossibilidade, superveniente da lide.
4.2. Na verdade, a 08.01.2014, a Requerida, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 13.º do RJAT, informou o tribunal arbitral que entendia assistir razão ao Requerente na parte em que alegava a errónea quantificação dos rendimentos da categoria G. Alegação, de resto, sistemática e iterativa, já que o Requerente sempre usou dos mesmos argumentos, ainda que até agora em vão, nas diferentes fases em que suscitou a atenção da Requerida para a ilegalidade da consideração daqueles rendimentos para efeitos de liquidação tributária. Em todo o caso, cessa, por ausência de litígio, a cognoscibilidade do pedido na parte referente aos rendimentos da categoria G.
4.3. Pela análise das regras de competência que se lhe impõem, concluiu o tribunal arbitral estar impedido de apreciar a legalidade da quantificação da matéria tributável da categoria B (e do acto de liquidação subsequente) porquanto a sua determinação se fez com recurso a métodos indirectos, tendo o legislador subtraído esses actos da sua vinculação à jurisdição arbitral [art.º 2.º, n.º 1 e art.º 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e art.º 2.º, alínea b) da Portaria].
4.4. Entendeu ainda o tribunal arbitral que a sua cognoscibilidade estava circunscrita à outra causa de pedir apresentada pelo Requerente, a saber, a preterição de formalidades essenciais, vício que em entender do Requerente inquina a validade do acto de liquidação que constitui objecto mediato do pedido formulado junto deste tribunal arbitral. Contudo, forçoso é estabelecer o nexo entre essa causa de pedir e a parte do pedido cuja utilidade de apreciação subsiste.
4.5. Há pois que verificar se a preterição de formalidades essenciais invocada pelo Requerente, a existir, se refere à parte do pedido que pode ser apreciada – a relativa aos rendimentos da categoria B. Se não for possível estabelecer-se esse nexo, não poderá o tribunal concluir pela cognoscibilidade do pedido.
4.6. Nos artigos 32.º e seguintes do requerimento de pronúncia arbitral, o Requerente refere-se à mencionada preterição de formalidades essenciais, concretizando-as na falta de fundamentação do acto tributário e de audição prévia.
4.7. Alega o Requerente não ter havido uma notificação emitida pela Requerida nos termos do art.º 76.º do CIRS, para que ele apresentasse a sua declaração de rendimentos.
4.8. Ora, resulta dos autos, na parte do pedido que importa considerar, exactamente o contrário. Na verdade, o Requerente foi devidamente notificado para apresentar a sua declaração de rendimentos de IRS relativa a 2006, não o tendo feito nunca.
4.9. Já quanto à falta de fundamentação do acto tributário em crise, resulta também dos autos que esse vício, a existir, se refere à fixação de um rendimento superior (v. art.º 35.º do requerimento de pronúncia arbitral), pela adição das mais-valias alegadamente auferidas em virtude da alienação onerosa de um imóvel. Este entendimento é igualmente partilhado pela Requerida (v. 9. da pág. 74 do processo administrativo que acompanhou a resposta da Requerida).
4.10. O mesmo é dizer, na verdade, que na parte do pedido cuja apreciação mantém a sua utilidade, a referente aos rendimentos da categoria B do Requerente, não é por ele alegado qualquer vício de falta de fundamentação, até porque resulta dos autos que o Requerente, ainda que não concorde com Liquidação Impugnada no que respeita aos rendimentos da categoria B, percebeu as razões pelas quais esse acto foi praticado e os fundamentos em que se baseou, sendo evidente que apreendeu o itinerário cognoscitivo e valorativo da Requerida.
5. Decisão
5.1. Em face do exposto, decide este tribunal arbitral julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Requerida, a saber a da incompetência material e da intempestividade e prejudicada a apreciação da inconstitucionalidade invocada pela Requerida.
5.2. Decide ainda o tribunal arbitral não ter competência para apreciar a validade do acto de liquidação subsequente à determinação da matéria colectável ou tributável por métodos indirectos, na parte em que a causa de pedir é essa mesma determinação, o que acontece quando se invoca, como faz o Requerente, o excesso de quantificação dessa mesma determinação, pelo que, nessa parte, absolve a Requerida da instância.
5.3. Uma vez que a Requerida veio a reconhecer que assistia razão ao Requerente no que se refere à determinação da matéria colectável da categoria G, julga o tribunal, por parcial inutilidade, ou impossibilidade, superveniente da lide, não conhecer do pedido nessa mesma parte, julgando ainda prejudicado o conhecimento do vício de falta de fundamentação e do direito aos juros indemnizatórios, porquanto se lhe referem, julgando, por fim, esta situação imputável à Requerida.
5.4. Julgar igualmente improcedente o pedido no que se refere à falta de audição prévia do Requerente, absolvendo-se a Requerida nessa parte do pedido.
6. Valor do Processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 25.294,78.
7. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar pelas partes na proporção do seu decaimento, arbitrando-se essa proporção na razão de 1/3 para o Requerente e 2/3 para a Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Junho de 2014
O Árbitro
Nuno Pombo
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
[1] A redacção da presente decisão arbitral obedece à ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[2] V., no mesmo sentido, e com argumentos que se acolhem, as decisões arbitrais emitidas no âmbito dos processos 17/2012-T e 70/2012-T.