Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 729/2020-T
Data da decisão: 2021-06-18  IRS  
Valor do pedido: € 3.614,69
Tema: IRS – Rendimentos prediais – Dedutibilidade dos gastos de não residentes
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SUMARIO

O reporte do resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F aos seis anos seguintes àquele a que respeita, previsto no artigo 55.º, n.1º, alínea b), do artigo 55.º do CIRC (na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro), não depende de englobamento, aplicando-se também a não residentes.

I - RELATÓRIO

A - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Requerente: A..., residente em ..., Rue ..., ..., França, contribuinte fiscal português número..., doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

O Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 04-12-2020, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 04-12-2020.

O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 25-01-2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 03-05-2021, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 09-06-2021, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, e em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, foi dispensada a apresentação de alegações.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

B – PEDIDO       

1.            O ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, 2019..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de €3.614,69 (três mil, seiscentos e quatorze euros e sessenta e nove cêntimos).

C – CAUSA DE PEDIR

2.            A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte.

3.            A violação do artigo 55.º n.º 1 alínea b) do CIRS, por impedimento da dedução aos rendimentos prediais obtidos e declarados no ano de 2018, do resultado líquido negativo no ano de 2017 no valor de 13.767,06€.

4.            Na declaração de IRS/2017, e na declaração de IRS/2018, optou pela tributação separada (nos termos do artigo 69 n.º 1 do CIRS), e pela tributação autónoma [nos termos do artigo 72/1 alínea e) do CIRS], dos rendimentos prediais (categoria F) obtidos em contitularidade com a sua mulher, nos termos do artigo 19° do CIRS.

5.            Na declaração de IRS/2017 deu a conhecer despesas de conservação e manutenção no valor total de 26.322,06€, as quais se encontram documentadas (tendo sido necessárias a continuidade na obtenção dos rendimentos prediais declarados), e validadas no sistema informático tributário. As mesmas foram consideradas, nos termos do artigo 41 ° do CIRS, para calculo do IRS do ano 2017.

6.            Tendo em conta o facto de ter recebido e declarado no ano 2017 rendimentos prediais no valor de 12.555,00€ e ter incorrido em despesas de conservação e manutenção no valor total de 26.322,06€, verificou-se um resultado líquido negativo no montante de 13.767,06€, o qual, nos termos do artigo 55/1 alínea b) do CIRS, é dedutível ao resultado líquido positivo do ano seguinte e sucessivos (até ao limite de 6 anos).

7.            E a tal não obsta o facto de ser residente em França e de ter optado pela tributação autónoma daqueles rendimentos, uma vez que o artigo 55/1 alínea b) do CIRS não exige o englobamento dos rendimentos prediais para o reporte das perdas, nem no ano do apuramento da perda, nem no ano ou anos em que se deve verificar o reporte da perda.

8.            Na liquidação de IRS/2018 foi, pois, violado o artigo 55/1, alínea b) do CIRS, uma vez que, tendo-se verificado um resultado líquido negativo no ano 2017 no valor de 13.767,06€, o mesmo devia ser deduzido aos rendimentos prediais obtidos e declarados no ano 20 I 8 (e seguintes), e tal não se verificou, tem do sido omitido no cálculo do imposto do ano 2018.

9.            Termina sustentando ser declarada a ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRS relativo aos rendimentos auferidos no ano de 2018.

D - DA RESPOSTA DA REQUERIDA

10.          A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

11.          O reporte de perdas dos montantes sujeitos a incidência da categoria F, encontra-se condicionado à opção pelo respetivo englobamento.

12.          Defende, que por força da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 é o Orçamento de Estado para 2008, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente a Modelo 3, têm um campo para ser exercida a opção pela taxa do artigo 68º do Código do IRS.

13.          Consultada a declaração entregue pelo Requerente (relativa ao ano fiscal de 2018), verifica-se que no quadro 8 B do mod.3 do IRS foi assinalado, o campo 4, não residente, o campo 6, residência em país da UE e o campo 7, pretende a tributação pelo regime geral.

14.          Assim, ao sentirem-se discriminados, podia o requerente ter optado pela tributação como residente em território português, e assim beneficiar do pretendido, acionando essa opção na declaração de IRS, mas não o fez, porque ao fazê-lo, teria também que declarar todos os rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.

15.          Quer isto dizer que o quadro legal, bem como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tendo em conta que foi efetuada a alteração à lei por força do aditamento dos n.ºs 7 e 8, agora 9 e 10, ao artigo 72 ° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12.

16.          Efetivamente, o n.º 14 do artigo 72º do Código do IRS, é taxativo quanto ao facto de deverem ser englobados todos os rendimentos obtidos nesse ano, seja em Portugal, seja no estrangeiro.

17.          Nesta conformidade, entende a Requerida que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, deve improceder o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2019..., relativa ao ano de 2018 e no valor de € 282,30, assim como o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa.

E-            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

18.          Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.

19.          O Requerente é de nacionalidade portuguesa, não residente em Portugal e residente em França.

20.          O Requerente na sua declaração de IRS de 2017, declarou despesas documentadas de conservação e manutenção, no valor total de 26.322,06€, consideradas para calculo de IRS do ano 2017. Mais declarou nesse ano, rendimentos prediais no valor de 12.555,00€, e ter incorrido em despesas de conservação e manutenção, no valor total de 26.322,06€, verificou-se um resultado líquido negativo no montante de 13.767,06€.

21.          Na sua liquidação de IRS de 2018, declarou nesse ano rendimentos prediais no valor de 15.335,93€, retenção na fonte de 3.833,99€ e um total de gastos suportados de 634.89€, apurando um valor a pagar de 282,30€.

22.          O Requerente apresentou Reclamação Graciosa com o nº ...2019... em 01/10/2019.

23.          A Reclamação Graciosa foi objeto de indeferimento final, através do despacho de 28/08/2020 do Chefe do SF de Lisboa – ..., enviado ao reclamante através do ofício nº ... de 07/09/2020, registado com A/R, rececionado a 18/09/2020. 

F-            FACTOS NÃO PROVADOS

24.          Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

G -          QUESTÕES DECIDENDAS

25.          Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentados, constituem questões centrais a dirimir:

i.             A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2019..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de €3.614,69 (três mil, seiscentos e quatorze euros e sessenta e nove euros).

ii.            Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

H -          MATÉRIA DE DIREITO

26.          A questão decidenda, perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, consiste em determinar para efeitos do artigo 55 n.º 1 alínea b) do CIRS, se o reporte da dedução, aos seis anos subsequentes do resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F, está dependente de opção pelo englobamento a que alude o 72º, nº 8 do CIRS.

27.          Sobre a mesma questão, foi recentemente alvo de pronúncia pelo Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão 0968/14.0BELLE de 20-03-2019, prolatado por unanimidade, que confirmou o seguinte entendimento: “A dedução de perdas aos rendimentos líquidos positivos da categoria F, prevista no art. 55º, nº 2, CIRS (na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), não depende de opção pelo englobamento a que alude o 72º, nº 8, do mesmo diploma legal”.

28.          Vejamos, a moldura jurídico fiscal aplicável ao caso sub-judice.

29.          Nos termos do artigo 1.º n.º 1, do CIRS, a categoria F de IRS integra os rendimentos prediais, entendidos, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma, como “as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B”, conceito cuja denotação é determinada pelo n.º 2 do mesmo artigo.

30.          Dispõe o artigo 13.º, n.º 1, do CIRS, que tanto as pessoas singulares que residam em território português, como as que nele não residindo, aqui obtenham rendimentos, ficam sujeitas a IRS. A este propósito, o artigo 15.º, n.º 1, do CIRS, esclarece que, “sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”. Aplica-se, nesses casos, o critério da residência, qualificado pelos princípios do englobamento e do rendimento mundial.  O critério da residência, incluindo a residência não habitual, é esclarecido no artigo 16.º, tendo como ponto de partida a regra, amplamente utilizada, dos 183 dias, embora acompanhada de qualificações.

31.          O artigo 22.º, n.º 1, do CIRS, dispõe que “o rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.” O rendimento coletável é o rendimento total líquido, tendo por base a teoria do rendimento acréscimo, apurado depois de efetuadas as deduções e os abatimentos previstos nos artigos 25.º e seguintes do CIRS. Vale neste contexto a obrigação acessória da apresentação de declaração de rendimentos, nos termos do artigo 57.º do CIRC.

32.          Regra geral, aplicar-se-ão ao rendimento assim apurado as taxas gerais, previstas no artigo 68.º do CIRS, constantes de uma tabela de progressividade por escalões, seguindo-se a liquidação e outras deduções (arts 75.º ss. CIRC). Concretiza-se, desse modo, o princípio da tributação do rendimento pessoal de acordo com a capacidade contributiva objetiva e subjetiva. No entanto, admite-se a aplicação, mesmo a residentes, de taxas liberatórias e especiais a alguns tipos de rendimentos obtidos em Portugal, nos termos dos artigos 71.º e 72.º, prevendo-se assim um afastamento do modelo de tributação unitária, de englobamento puro, em favor de um modelo misto, de englobamento mitigado.

33.          O n.º 2 do mencionado artigo 15.º do CIRS prescreve que “tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.” 

34.          Retomando o caso em apreço, demonstrou-se que o sujeito passivo é residente em França nos anos de 2017 e 2018 – não se verificando os pressupostos de aplicação dos artigos 16.º e 17.º-A do CIRS –, obtendo rendimentos de um imóvel situado em Portugal, sendo por isso para efeitos de IRS, um não residente que obtém rendimentos em Portugal, nos termos dos artigos 15.º, n.º 2, e 18.º, n.º1, alínea h), do CIRS.

35.          Nestes casos, aplica-se ao sujeito passivo o critério da fonte, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do CIRS. Aí se dispunha, na redação à data dos factos, que “não são englobados para efeitos da sua tributação os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.os 8 e 9 do artigo 72.º.”

36.          Os rendimentos dos não residentes é tributada com base em taxas especiais autónomas, que não implicam retenção na fonte a título definitivo, nem afastam a obrigação de apresentação da declaração.

37.          O artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, sujeita os rendimentos prediais à taxa autónoma de 28%, sem distinguir entre titulares residentes e não residentes, sem prejuízo de aplicação das taxas gerais aos sujeitos e nas condições então previstos no n.º 9.

38.          Saliente-se que, nos termos do artigo 58.º do CIRS, os contribuintes que aufiram rendimentos tributados com taxas especiais não estão dispensados da apresentação da declaração de rendimentos, diferentemente do que sucede com os contribuintes que aufiram rendimentos tributados pelas taxas previstas no artigo 71.º – aplicáveis mediante retenção na fonte – e não optem, quando legalmente permitido, pelo seu englobamento. As taxas especiais, não sendo taxas liberatórias, são suscetíveis de aplicação a rendimentos determinados nos termos gerais, isto é, a rendimentos líquidos, não obstando a que o sujeito passivo faça as deduções específicas previstas na lei, incluindo o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.

39.          Aos rendimentos prediais brutos, o artigo 41.º, do CIRS, prevê a possibilidade de deduzir relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, excetuando-se os de natureza financeira, os relativos a depreciações, mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, estabelecendo ainda, além do mais, regras sobre a titularidade de uma ou mais frações autónomas de propriedade horizontal e a dedução do imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo.

40.          Esta solução é inteiramente razoável do ponto de vista económico, na medida em que os imóveis, pelas suas próprias características, exigem frequente e inevitavelmente, dos seus proprietários, a realização de gastos com a manutenção e reabilitação, sob pena de perderem boa parte da sua utilidade económica.

41.          Do artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, resulta que relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria. Do mesmo modo, dispõe-se que “o resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita”.  Esta solução reconhece que, sob pena de se comprometer a subsistência da fonte produtora de rendimento, “a determinação dos rendimentos líquidos não se satisfaz apenas com a contemplação de deduções específicas a cada categoria de rendimentos, uma vez que os encargos suportados com a obtenção do rendimento de um dado ano podem ser superiores ao próprio rendimento desse mesmo ano” .

42.          Importa salientar a ausência, no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, de qualquer referência ao englobamento, diferentemente do que sucede com a alínea d), sobre rendimentos da categoria G, que dispõe que “o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.” A comparação entre o teor literal das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS permite sustentar, em termos hermenêutico-sistemáticos, que o reporte e dedução de perdas previsto a alínea b) não está dependente da opção pelo englobamento, diferentemente do que sucede relativamente às operações mencionadas na alínea d). Nos termos do n.º 8 do mesmo artigo, o direito de reporte o resultado líquido negativo previsto na alínea b) do n.º 1 fica sem efeito apenas no caso de “os prédios a que os gastos digam respeito não gerarem rendimentos da categoria F em pelo menos 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em que os gastos foram incorridos” .

43.          De resto, resulta claramente da letra do artigo 55.º, n.º 1, que o legislador não prevê que a dedução de perdas na categoria F seja feita ao rendimento englobado, mas sim ao rendimento líquido apurado na referida categoria. Em face do exposto, o reporte de perdas pode, em abstrato, ser aplicável aos rendimentos prediais obtidos por residentes e não residentes na hipótese de inexistência de englobamento, sem que haja qualquer fundamento material que justifique uma diferenciação.

44.          Neste sentido militam várias ordens de razões, de natureza formal e substancial. Desde logo, o afastamento da retenção na fonte a título definitivo no caso de aplicação da taxa especial autónoma de 28%, do artigo 72.º do CIRS, é acompanhado pela obrigação de apresentação da declaração de rendimentos, o que significa que não há razões de praticabilidade administrativa que impeçam a apresentação e verificação da documentação comprovativa dos gastos efetivamente incorridos e a aplicação da referida taxa ao rendimento líquido da categoria F.

45.          O artigo 72.º, n.º 8, do CIRS, na redação à data dos factos, previa a possibilidade de o titular de rendimentos da categoria F optar pelo englobamento, mas não previa que o exercício desta opção pela titular do rendimento fosse condição sine qua non para a dedutibilidade de eventuais perdas apuradas na mesma categoria. Por outro lado, a localização do imóvel no território do Estado da fonte sempre garante o cumprimento da obrigação principal. A isto acresce a realidade, anteriormente apontada, de todos os imóveis, com especial relevo para aqueles que são colocados no mercado do arrendamento, exigirem frequentemente despesas de conservação e reabilitação, sob pena de perderem parte substancial da sua utilidade económica, sendo que os encargos suportados com a obtenção do rendimento de um dado ano podem ser superiores ao próprio rendimento desse mesmo ano.

46.          Entendimento idêntico, resulta da extensa jurisprudência dos Tribunais Arbitrais, a saber:

(i) Processo n.º 96/2015-T:

«(…) não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas, por parte de sujeitos passivos não residentes.

Se é certo que o englobamento opera numa fase posterior à da subtração das “deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 22.º, do Código do IRS (o vocábulo “deduções” referir-se-á tanto às deduções específicas de cada categoria de rendimentos, como à dedução de perdas, enquanto deixou de haver “abatimentos”, desde a revogação do artigo 56.º, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro), daí não se seguirá, necessariamente, que, caso não seja possível o englobamento, deixe de ser possível beneficiar das “deduções” previstas nas secções seguintes.»

(ii) Processo n.º 338/2016-T:

«61. Não se vislumbra, no texto da lei, a existência de qualquer condicionamento do reporte de perdas na Categoria F de rendimentos do IRS à opção pelo englobamento desses rendimentos e consequente renuncia à sua tributação autónoma. Tampouco se compreende que esta tributação autónoma pudesse incidir sobre rendimentos brutos, em prejuízo do princípio da tributação do rendimento acréscimo líquido que constitui princípio estruturante do referido tributo.»

(iii) Processo n.º 314/2017-T:

«Assim, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.»

(iv) Processo n.º 360/2017-T:

«É, assim, claro que não pode ser excluída a aplicação do reporte pelo facto de o contribuinte não ter exercido a opção pelo englobamento, havendo que dar razão à impugnação quanto a esta questão.»

(v) Processo n.º 481/2017-T:

«23. Assim sendo, resulta da interpretação conjugada dos normativos supra descritos que a possibilidade de dedução de perdas prevista no artigo 41.º, bem assim como o reporte de perdas nos anos seguintes, previsto no artigo 55.º, ambos do CIRS, antecede a opção prevista no artigo 72.º do mesmo Código. (…)

24. Assim, seguindo a letra da lei, resulta claramente que os rendimentos prediais, depois de deduzidas as despesas que nos termos da lei o possam ser, são tributados autonomamente à taxa de 28%, sem prejuízo do direito de poderem os respetivos titulares residentes em território português optar pelo englobamento desses rendimentos.

(…)

26. Assim, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais. Assim, a desconsideração infundada das perdas apuradas no âmbito da categoria F, ao arrepio do expressamente previsto no artigo 55.º, n.º 2, do CIRS, traduz violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes à liquidação impugnada.»

(vi) Processo n.º 534/2018-T:

«32. Efetivamente, para além da limitação temporal à dedução das perdas apuradas no âmbito da Categoria F, o artigo 55.º n.º 2 do Código do IRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade, ao contrário do que fez quanto artigo 55.º n.º 6, onde refere expressamente “quando o sujeito passivo opte pelo englobamento”.

33. Concluindo, que o artigo 55.º, n.º 2, apenas impõem uma limitação temporal as deduções e não impõem que os rendimentos sejam englobadas para a sua dedução.

(…)

41. Nestes termos, (…), a natureza jurídica do reporte das perdas apuradas na categoria F não depende da prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais, até porque, estamos perante norma que permite a dedução de despesas aos rendimentos brutos e não aos rendimentos englobados.

42. Assim sendo, (…) a possibilidade de dedução de perdas prevista no artigo 41.º, bem assim como o reporte de perdas nos anos seguintes, previsto no artigo 55.º, ambos do CIRS, antecede a opção prevista no artigo 72.º do mesmo Código, (…).»

(vii) Processo n.º 538/2018-T:

«(…) nem a letra nem o espírito da lei permitem concluir pela exigência legal da prévia opção pelo englobamento que a Requerida axiomaticamente pretende fazer vingar.

Com efeito, para além da limitação temporal da dedução das perdas na categoria F, o art. 55.º do CIRS não estabelece qualquer outro requisito para essa dedutibilidade.

O mesmo não ocorre relativamente à dedutibilidade dos prejuízos relativos à categoria G, pois aqui o n.º 6 do art. 55.º faz depender expressamente o reporte do sujeito passivo ter optado pelo englobamento.

Assim sendo, se nos socorrermos da regra de interpretação do art. 9.º do Código Civil, aplicável por força do art. 11.º, n.º 1, da LGT, que impede que o intérprete ficcione um pensamento legislativo que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei, forçoso é concluir que se o legislador quisesse exigir o englobamento na situação vertente, tê-lo-ia preceituado expressamente, a exemplo do que fez no n.º 6 relativamente à dedução de perdas no âmbito da categoria G.

Nesta conformidade, (…), concluímos que, nos termos da lei, o reporte das perdas apuradas na categoria F não depende de prévia opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.»

(viii) Processo n.º 701/2018-T: 

«(…) nada parece justificar o entendimento formulado pela Autoridade Tributária pelo qual no caso da não opção dos sujeitos passivos pelo englobamento, relativamente a rendimentos prediais, esses rendimentos seriam tributados separadamente à taxa especial de 28% sem qualquer possibilidade de dedução de perdas. De facto, (…), a dedução do resultado líquido negativo apurado pode ser deduzido aos resultados líquidos positivos nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, sem qualquer dependência da opção pelo englobamento dos rendimentos.»

(ix) Processo n.º 663/2019-T:

«(…) a dedução de perdas da categoria F, tal como prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, não está dependente do exercício da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.»

Atento o acima exposto e o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC, não vislumbramos qualquer motivo para nos afastarmos do trilho decisório seguido nas citadas decisões arbitrais, pelo que, subscrevemo-las e reiteramos o entendimento de que a dedução de perdas da categoria F, tal como prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, não está dependente do englobamento dos rendimentos prediais.

(x) Processo nº 25/2020-T

“O artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, que estabelece o regime da dedução de perdas da categoria F (rendimentos prediais), não exige o englobamento dos rendimentos prediais como condição para o reporte de perdas.”

(xi) Processo nº 122/2020-T

“Importa salientar a ausência, no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, de qualquer referência ao englobamento, diferentemente do que sucede com a alínea d), sobre rendimentos da categoria G, que dispõe que “o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.” A comparação entre o teor literal das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS permite sustentar, em termos hermenêutico-sistemáticos, que o reporte e dedução de perdas previsto a alínea b) não está dependente da opção pelo englobamento, diferentemente do que sucede relativamente às operações mencionadas na alínea d). Nos termos do n.º 8 do mesmo artigo, o direito de reporte o resultado líquido negativo previsto na alínea b) do n.º 1 fica sem efeito apenas no caso de “os prédios a que os gastos digam respeito não gerarem rendimentos da categoria F em pelo menos 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em que os gastos foram incorridos”. De resto, resulta claramente da letra do artigo 55.º, n.º 1, que o legislador não prevê que a dedução de perdas na categoria F seja feita ao rendimento englobado, mas sim ao rendimento líquido apurado na referida categoria. Em face do exposto, o reporte de perdas pode, em abstrato, ser aplicável aos rendimentos prediais obtidos por residentes e não residentes na hipótese de inexistência de englobamento, sem que haja qualquer fundamento material que justifique uma diferenciação.”

47.          Em face to exposto, o reporte do resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F aos seis anos seguintes àquele a que respeita, previsto no artigo 55.º, n.1º, alínea b), do artigo 55.º do CIRC (na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro), não depende de englobamento, aplicando-se também a não residentes, pelo que a ora liquidação de IRS de 2018 não refletir o resultado líquido negativo apurado na categoria F no ano de 2017 no valor de € 13.767,06 constitui uma clara violação do artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS.

48.          Entende o Tribunal ser de proceder a pretensão do Requerente, concluindo pela ilegalidade do ato de liquidação e juros compensatórios, por enfermar de vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de Direito.

I - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

49.          O Requerente pede, ainda, a condenação da Requerida a restituir-lhe o imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, fixados nos termos do artigo 43.º da LGT.

50.          Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

51.          Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).

52.          Deste modo, reconhece-se o direito do Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT; artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT; artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios (20-12-2016) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

J - DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral formulado pelo Requerente de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2019..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de €3.614,69 (três mil, seiscentos e quatorze euros e sessenta e nove euros).

b)           Condenar a Requerida, na restituição do valor à Requerente, correspondente ao valor do imposto indevidamente pago;

c)            Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados, à taxa legal em vigor, sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do pagamento até efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT, à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT

L. VALOR DO PROCESSO, CUSTAS

Fixa-se o valor do processo em €3.614,69 (três mil, seiscentos e quatorze euros e sessenta e nove euros), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 612,00€ (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 12.º do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, n.º 1, al. a) do art.º 5.º do RCPT, n.º 1, al. a) do 97.º-A, do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique-se.

Lisboa, 18 de Junho de 2021

A Árbitra

Rita Guerra Alves