DECISÃO ARBITRAL
As árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dra. Maria Alexandra Mesquita e Prof. Doutora Nina Aguiar (árbitros vogais), designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 14 de outubro de 2020, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., ..., ...-... ..., Serviço de Finanças de Oeiras ..., adiante designada por “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo dos artigos 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, referentes aos períodos de janeiro de 2015 a fevereiro de 2016, no valor total de € 125.815,82 (€ 106.906,00 de IVA e € 18.909,82 de juros compensatórios), com as consequências legais.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega que os atos de liquidação padecem de vício de erro nos pressupostos (errada interpretação e aplicação da lei), por todos os serviços de nutrição prestados serem enquadráveis no disposto no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA e, desta forma, isentos do imposto, e não apenas as consultas avulsas de nutrição faturadas. No entender da Requerente, a AT violou os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sobre a forma.
A título subsidiário, a Requerente invoca que se os serviços de nutrição fossem tributados em IVA o cálculo do imposto deveria ser feito “por dentro”, considerando-se o IVA incluído no preço final que foi praticado com os clientes, que são consumidores finais.
Juntou 15 documentos, requereu prova testemunhal e o aproveitamento da prova produzida no processo arbitral n.º 169/2019-T.
Em 22 de julho de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 30 de julho de 2020.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou as árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatárias, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes, notificadas dessa designação em 11 de setembro de 2020, não se opuseram, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14 de outubro de 2020.
Em 18 de novembro de 2020, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição de todos os pedidos.
Invoca que a Requerente não demonstrou um requisito essencial à aplicação da isenção do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, respeitante à finalidade terapêutica dos serviços de nutrição prestados pela Requerente. Segundo a AT, o objetivo terapêutico dos serviços de nutrição prestados não se presume e é até incompatível com o regime de mera disponibilização do serviço.
Alega ainda que a mera disponibilização dos serviços de nutrição não pode beneficiar da isenção em questão e que a maioria dos serviços faturados não tem correspondência com consultas efetivas.
Adicionalmente, a Requerida solicitou a suspensão da instância, por se encontrar pendente no Tribunal de Justiça, órgão com competência para interpretar a Diretiva IVA, um processo de reenvio prejudicial que versa sobre matéria de facto análoga (Frenetikexito, C-581/19), com origem no CAAD (processo n.º 504/2018-T).
Notificada para exercer o contraditório relativamente ao pedido de suspensão da instância deduzido pela Requerida, a Requerente veio opor-se alegando prejuízo irreparável por delonga nos autos.
Por despacho de 25 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral determinou a suspensão da instância, tendo em conta que as questões suscitadas no processo de reenvio prejudicial Frenetikexito, C-581/19 eram exatamente as mesmas, no que ao IVA respeita, do objeto destes autos, por forma a assegurar a conformidade com a interpretação do direito europeu a realizar pelo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 272.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Conhecida a decisão do Tribunal de Justiça no processo Frenetikexito, C-581/19, foi, por despacho de 23 de março de 2021, cessada a suspensão e agendada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas.
Em 24 de março de 2021, a Requerente procedeu à junção do parecer da Professora Clotilde Celorico Palma, na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Frenetikexito, C-581/19, no sentido de que os serviços de nutrição prestados são enquadráveis na isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA.
Em 29 de março, a Requerente procedeu à junção do documento “Posicionamento da Ordem dos Nutricionistas relativo à consulta de nutrição em estabelecimentos destinados à prática de exercício físico e desporto” que sustenta que a prática profissional do nutricionista no âmbito da consulta de nutrição, tem sempre um fim terapêutico.
Em 8 de abril de 2021, a Requerida procedeu à junção aos autos, do acórdão do Tribunal de Justiça relativo ao processo C-581/19 e respetiva retificação.
Em 6 de maio de 2021, teve lugar a referida a reunião, na qual prestaram depoimento três das cinco testemunhas arroladas pela Requerente, tendo sido prescindidas duas testemunhas. Foi ainda deferido o requerimento da Requerente para aproveitamento da prova testemunhal produzida nos processos n.ºs 169/2019-T e 373/2018-T, sendo o primeiro entre as Partes do presente litígio. O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, fixou o prazo para prolação da decisão e advertiu a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data.
A Requerente apresentou alegações em 10 de maio de 2021, mantendo a posição anteriormente assumida, de que as consultas de nutrição são independentes do serviço de ginásio e defende que têm fim terapêutico, em linha com os pareceres juntos aos autos, apesar de, em simultâneo, salientar não ser possível aquilatar se as consultas de nutrição têm, no caso concreto, fim terapêutico porque tal implicaria a revelação de dados pessoais e a violação de normas e princípios constitucionais.
Acrescenta que a questão da prova do fim terapêutico nunca foi suscitada pela Requerida até à Resposta apresentada nesta ação, pelo que nem sequer pode ser discutida, mas apenas a da acessoriedade. Termina pedindo a condenação da AT em litigância de má-fé por vir invocar factos novos, não sujeitos a contraditório, e contrários aos constantes do Relatório de Inspeção Tributária.
Em 27 de maio de 2021, a Requerida contra-alegou e, além de reiterar o que havia escrito na Resposta, invoca que:
(a) A nutrição clínica abrange serviços com objetivos diversificados, alguns não correspondentes a uma finalidade terapêutica (i.e., controlar/prevenir alguma patologia em concreto);
(b) É falsa a alegação da Requerente de que a falta de verificação de finalidade terapêutica dos serviços não foi (também) fundamento das correções em apreço;
(c) Em relação à litigância de má-fé refere, por um lado, não ter prestado qualquer informação vinculativa à Requerente, e, por outro lado, constar do RIT, como fundamento das liquidações, a falta de verificação da finalidade terapêutica nos serviços, pelo que nunca poderia ser condenada;
(d) O Parecer da Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma, junto pela Requerente, contraria o sentido de finalidade terapêutica que foi densificado pelo Tribunal de Justiça, cuja interpretação vincula o Estado português;
(e) A Ordem dos Nutricionistas não tem competência para interpretar o direito europeu.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IVA, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
A cumulação de pedidos é admissível, em conformidade com o preceituado no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que está em causa a apreciação de idênticas circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico, em concreto, a isenção de IVA prevista no artigo 9.º, alínea 1) do Código deste imposto e a relação de acessoriedade, na aceção do IVA, entre os serviços (consultas) de nutrição disponibilizados pela Requerente e a utilização do ginásio.
Não existem exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. A A..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, constituída em 22 de dezembro de 2003, cujo objeto social consiste na “Criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia […]”. A Requerente está inscrita com o CAE 93192, pelo exercício de “OUTRAS ATIVIDADES DESPORTIVAS, N.E.” e com os CAE secundários 47740, 85591 e 86906 (“COM.RET.PROD. MÉDICOS E ORTOPÉDICOS, ESTAB. ESPEC.”, “FORMAÇÃO PROFISSIONAL” e “OUTRAS ATIVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E.”, respetivamente) – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto pela Requerente como Documento 2 e constante do PA e certidão permanente (...).
B. A Requerente faz parte do Grupo empresarial denominado B... e explora um Health Club sob a insígnia C... na ..., Rua ..., ... –..., no Porto – cf. RIT.
C. A Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA – cf. RIT.
D. No exercício da sua atividade, a Requerente proporciona aos seus sócios a prática de ginásio e diversos outros serviços, como SPA, Restauração, Fisioterapia e Nutrição – cf. RIT e depoimento das testemunhas D..., E... e F... .
E. Estes serviços inserem-se na ampla política do Grupo B... em concretização da máxima “Life well”, assente em três pilares “move well, eat well e feel well” – exercício, nutrição, repouso, tendo os Serviços de Nutrição começado a ser disponibilizados pela Requerente em 2013 – cf. RIT e depoimento de D..., E... e F... .
F. O Clube da Requerente tem, para o efeito, dois gabinetes de nutrição apetrechados, dedicados em exclusivo a esta área de atividade, nos quais são realizadas as consultas de nutrição (quer as consultas avulsas de nutrição, quer as consultas de nutrição anuais incluídas nos contratos de adesão ao ginásio), com software próprio e específico para serviços de nutrição (SANUT) – cf. depoimento das testemunhas D..., E... e F... .
G. As expressões “dietista” e “nutricionista”, “dietéticos” e “nutricionais” são utilizadas pela Requerente de forma indistinta para designar respetivamente os profissionais e os serviços relativos à nova área de atividade de nutrição, sendo que os profissionais que realizam as consultas são todos inscritos na Ordem dos Nutricionistas, tendo a Requerente recebido uma estagiária ao abrigo de um Protocolo de colaboração com aquela Ordem – cf. Documento 7 junto pela Requerente, depoimento das testemunhas E... e F... e www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=OAOE.
H. Na vertente “eat well”, a Requerente proporciona aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” – cf. RIT.
I. O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos era, à data, composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais para seguimento das consultas . Se os sócios pretendessem mais do que estas consultas, poderiam adquirir, mediante pagamento adicional, consultas de nutrição avulsas, quer isoladamente, quer em pacotes, sendo as consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos – cf. RIT e depoimento das testemunhas D..., E... e F... .
J. É ainda realizado o acompanhamento dos clientes através de e-mail, contabilizando-se também consultas realizadas por essa via – cf. documento 6 (coluna “Base Send Mail”) e depoimento das testemunhas E... e F... .
K. Aos sócios que subscrevem o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos é concedido em simultâneo, um desconto na mensalidade do ginásio igual ao valor dos serviços de nutrição subscritos, pelo que os sócios não pagam qualquer valor adicional (ao da mensalidade do ginásio) para aceder aos serviços de nutrição, até ao número de consultas/telefonemas anuais previstos no contrato – cf. RIT, Documento 10 junto pela Requerente e depoimento da testemunha D... .
L. Os clientes podem continuar a usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição – cf. RIT e depoimento das testemunhas D... e E... .
M. Também é possível aceder aos serviços de nutrição sem se ser sócio da Requerente, embora, neste caso, em condições financeiras menos vantajosas – cf. depoimento das testemunhas D... e E... .
N. Quer as consultas avulsas de nutrição, quer as consultas de nutrição anuais incluídas nos contratos de adesão ao ginásio, são prestadas pelos mesmos técnicos especializados – nutricionistas – com os mesmos equipamentos e da mesma forma – cf. depoimento das testemunhas D..., E... e F... .
O. Em 2015, a Requerente contabilizou a realização de 3.841 consultas de nutrição, nestas se incluindo 1.501 por e-mail – cf. Documento 6 junto pela Requerente.
P. A Requerente, na faturação emitida, aplicou aos serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos celebrados com os seus clientes, a isenção de IVA prevista na alínea 1), do artigo 9.º do Código do IVA – cf. RIT.
Q. Os serviços de nutrição incluídos no “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” são faturados mensalmente a todos os subscritores sem exceção, independentemente de usufruírem ou não desses serviços – cf. depoimento da testemunha D... .
R. Os Serviços do IVA, com despacho concordante do Subdiretor-Geral, de 19 de agosto de 2015, emitiram uma informação vinculativa (processo n.º 9215) que conclui que os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável – cf. Documento 9 junto pela Requerente.
S. Em 16 de outubro de 2019, os Serviços de Inspeção Tributária iniciaram uma ação inspetiva à Requerente, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2017..., datada de 8 de agosto de 2017, de âmbito parcial, abrangendo IRC e IVA de 2015, com finalidade de controlo declarativo – cf. RIT.
T. Na sequência desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção, no qual a AT conclui que as prestações de serviços dietéticos realizadas pela Requerente, enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, não reúnem as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, por não visarem “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” dos sócios, devendo ser consideradas acessórias em relação à prestação de serviços principal, constituída pela utilização das instalações desportivas (ginásio) – cf. RIT e PA.
U. A Requerente optou por não exercer o direito de audição, tendo sido emitido o Relatório Definitivo que manteve as correções preconizadas no Projeto, com os fundamentos infra transcritos:
“
III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1- EM SEDE DE IVA
III. 1.1 – Do IVA não liquidado – (prestação de serviços dietéticos)
III.1.1.1 Dos Factos
O SP tem como objeto social o exercício de gestão e exploração de health clubs, atividade, essa, que desenvolve no ginásio que explora sob a insígnia C..., sito na ... na Rua ..., ...– ..., no Porto.
Atualmente, nesse estabelecimento são colocadas à disposição dos sócios, não apenas as instalações desportivas necessárias à prática de atividade física mas também uma série de outras valências, das quais os sócios podem usufruir caso estejam interessados, ou seja, para além da atividade principal (CAE), o SP desenvolve uma série de atividades secundárias, a saber:
Quadro n.º 8: Códigos CAE do sujeito passivo
Tipo Código Designação Data de Início
CAE Principal 93192 OUTRAS ATIVIDADES DESPORTIVAS, N.E 06-03-2008
CAE Secundário 1 47740 COM. RET.PROD.MÉDICOS E ORTOPÉDICOS,ESTAB. ESPEC. 31-10-2017
CAE Secundário 2 85591 FORMAÇÃO PROFISSIONAL 22-11-2012
CAE Secundário 3 86906 OUTRAS ATIVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E. 22-11-2012
CAE Secundário 4 96040 ATIVIDADES DE BEM-ESTAR FÍSICO 31-10-2017
Quem pretender ser cliente daquele ginásio e usufruir dos serviços neles disponibilizados, tem de se tornar sócio do ginásio explorado pelo SP mediante a assinatura de um contrato individual de adesão - Anexo 3, proceder ao pagamento de uma «taxa de inscrição» e ao pagamento antecipado de uma mensalidade cujo valor é variável de acordo com o número de frequências semanais e/ou serviços utilizados.
Por outro lado, nos atos de inscrição como sócios, verificamos a existência de clientes que passaram a subscrever um «Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos» (embora também possa ser subscrito à posteriori).
Logo após o início da ação de inspeção, notificou-se o sujeito passivo por mail enviado em 25-10-2019 – Anexo 4, solicitando o envio de diversos elementos e esclarecimentos […]
Após a receção destes elementos procedemos à respetiva análise.
À exceção da não inclusão dos rendimentos isentos no campo 09 das declarações periódicas de IVA no ano de 2015, verificou-se conformidade entre os ficheiros, as declarações periódicas e a contabilidade.
Por outro lado, constatamos que a natureza das vendas e das prestações de serviços (faturação) se distribui, resumidamente, por três grandes áreas de atuação, a saber:
MSI – Faturação (anual)
Sporstudio (SS) – Loja (anual)
Sporstudio (GE) – Gestão de Espaços (anual)
O ficheiro «MSI – Faturação (anual)» engloba a disponibilização das instalações e equipamentos desportivos para a prática de exercício físico – Ginásio (atividade principal) – atividade sujeita a IVA e dele não isenta – e algumas outras atividades associadas, tais como a Nutrição (NUT) – atividade isenta de IVA.
A título de exemplo, solicitámos algumas das faturas referentes às mensalidades (Anexo 6) e verificámos que um caso paradigmático é o das faturas emitidas aos clientes, que subscreveram o contrato de prestação de serviços dietéticos. Nelas, para além da rubrica «Utilização das instalações desportivas» (atividade sujeita e não isenta), podem surgir outras rubricas, tais como «Utilização de Toalhas – POS» (também atividade sujeita e não isenta). Contudo, a esta ou estas (atividades), surge sempre associada a rubrica «Prestação de Serviços Dietéticos», à qual correspondem códigos tais como «SDIET», consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA.
Acontece que nas referidas faturas (as das mensalidades de quem subscreveu o contrato de prestação de serviços dietéticos), para além das duas rubricas – a referente à utilização das instalações desportivas e a referente à prestação de serviços dietéticos – surge, ainda, uma terceira rubrica. Trata-se de um desconto por subscrição deste serviço, ou seja:
• «Utilização das instalações desportivas» (sujeita a IVA à taxa normal – 23%);
• «Prestação de serviços dietéticos» (isenta de IVA nos termos da alínea 1) do Art.º 9º do CIVA)
Uma terceira rúbrica:
• «Desconto por subscrição de acompanhamento dietético» (sujeito a IVA à taxa normal – 23%)
Note-se que o SP sujeita o desconto à taxa normal, quando o faz depender da subscrição de um serviço que considera isento e quando ambos os valores são exatamente iguais o que, na prática, transforma este serviço num serviço gratuito.
Ora, como se constata, o valor da prestação de serviços dietéticos, incluído na faturação, é considerado isento pelo sujeito passivo, nos termos da alínea 1) do art.º 9º do CIVA, enquanto o desconto, de montante igual ao do serviço dietético, é objeto de regularização de IVA a favor do sujeito passivo à taxa de 23%, donde decorre que o valor de imposto a ser entregue ao Estado, proveniente da faturação ao cliente da atividade principal desenvolvida (utilização de instalações desportivas), sofre uma diminuição por via da regularização na fatura a favor da C..., no valor de 23% aplicado ao montante faturado com isenção: «Prestação de serviços dietéticos».
Através da respetiva faturação, constata-se que o SP entende que todos os serviços que presta na área da nutrição se encontram isentos de IVA. Não é esse, contudo, o nosso entendimento. Efetivamente, na área da nutrição, o sujeito passivo desenvolve a sua atividade em duas vertentes:
- Prestação de Serviços Dietéticos (SDIET);
- Consultas de Nutrição, isoladas, ou em packs que podem ir até 6 consultas (vários códigos NUT).
Verificamos na contabilidade do SP a evidência dos dois serviços (SDIET e NUT), não existindo dúvidas que os mesmos dois códigos se referem efetivamente a conteúdos diferentes, e, de facto, de toda a análise efetuada, apurámos que o código NUT se refere a consultas de nutrição, enquanto o código SDIET se refere, unicamente, a «Prestação de Serviços Dietéticos». Esta «Prestação de Serviços Dietéticos» surge sempre associada à «Utilização das Instalações desportivas», constituindo, assim, uma atividade acessória a esta.
A prová-lo, estão os «Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos» (Anexo 2) de cujas cláusulas, respetivamente, primeira e terceira, se retira o caráter «acessório» desta vertente dos serviços dietéticos, relativamente ao ginásio, já que o acesso à mesma só é «permitido» enquanto durar o «Contrato de Adesão» (contrato para «Utilização das instalações desportivas» - Ginásio) (Anexo 2).
Clausulas 1ª e 3ª:
Caráter acessório:
«Pelo presente a primeira obriga-se a prestar serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais (…) – (in Cláusula 1ª);
«O termino do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação do presente contrato (…) – (in Cláusula 3ª – ponto 3.3)
Note-se que é, exatamente, no caráter acessório destas prestações de serviços, que focamos a nossa posição e não na falta de cumprimento dos requisitos para a prática das mesmas, uma vez que, nessa no Decreto matéria, solicitamos elementos e pudemos assim comprovar a conformidade com os requisitos exigidos -Lei n.º 261/93, de 24 de julho.
Assim, é sobre a demonstração deste carácter acessório da «Prestação de serviços dietéticos» (por contraponto com as consultas de nutrição) e sobre os respetivos enquadramentos em sede de IVA, que nos iremos debruçar no ponto que se segue.
III.1.1.2. Dos fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1.1.2.1 Enquadramento fiscal
III.1.1.2.1.1 Direito comunitário
A Diretiva do IVA estabelece, no nº 1 do seu artigo 132º, a isenção de determinadas prestações de serviços na área da saúde.
Beneficiam de isenção, nos termos da alínea b), «a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos».
Por seu turno, a alínea c) isenta «as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa».
A este respeito, o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) declarou que o conceito de prestações de serviços de assistência médica que figura na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Sexta Diretiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, visa as prestações que tenham por finalidade «diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde» (acórdão de 06-11-2006, Dornier, Processo C-45/01).
A aceção de que a isenção prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 132º da diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 opera independentemente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE.
No acórdão de 10 de Setembro de 2002, proferido no processo C-141/00 (caso Kugler, Colet. P. I-6833, n.º 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.
Segundo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o referido Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no processo c-141/00, referente ao caso Kugler, as alíneas b) e c), do n.º 1, do artigo 132.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, embora visem regular a totalidade das isenções aplicáveis às prestações médicas em sentido estrito, têm âmbitos muito distintos.
Assim, a alínea b), do nº 1, do artigo 132 da Diretiva isenta todas as prestações efetuadas em meio hospitalar.
Já a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva, destina-se a isentar as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do doente, ou em qualquer outro lugar, ou seja, aplica-se a prestações efetuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, relação que normalmente tem lugar no consultório deste último.
III.1.1.2.1.2 Direito interno
Aquelas isenções previstas nas alíneas c) e b), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, foram transpostas para o Direito interno:
o Para a alínea 1), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea c), do nº 1, do artigo 132º da Diretiva 2006/112/CE) – FORA DE MEIO HOSPITALAR
o Para a alínea 2), do artigo 9.º do CIVA (tendo por base a alínea b), do nº 1, do artigo 132º da mesma Diretiva 2006/112/CE). – EM MEIO HOSPITALAR
Na sequência dessa transposição, a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, isenta do imposto, «As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.» – FORA DE MEIO HOSPITALAR
A alínea 2, do mesmo artigo prevê ainda estarem isentas de imposto, «As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares».
Daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2), do artigo 9.º do CIVA, respeitam a «atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, de possível, curar as doenças ou anomalias de saúde».
Ambas se aplicam independentemente de os serviços serem prestados por uma pessoa singular ou coletiva, assim como da finalidade lucrativa ou não do exercício dessas atividades.
A alínea 2), do artigo 9.º do CIVA, destina-se a isentar os serviços de assistência efetuados no meio hospitalar.
A C... isenta as suas atividades de prestação de serviços dietéticos com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA (fora do meio hospitalar), conforme se pode verificar pela inscrição em rodapé nas respetivas faturas (Anexo 4), pelo que nos vamos abster de dissecar aqui o conceito de estabelecimento hospitalar, dado não se aplicar a esta situação.
Assim sendo, passamos a analisar a isenção aplicada pela C... à prestação de serviços de nutrição, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA.
Ora estabelece a alínea 1) do artigo 9º do CIVA que «estão isentas as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas».
Uma vez que não existe no CIVA um conceito que defina o que são atividades paramédicas, teremos que nos socorrer de legislação avulsa para proceder ao seu enquadramento:
- Decreto-lei 261/93, de 24 de julho, que, basicamente, define os requisitos académicos exigidos para o exercício da função e
- Decreto-lei 320/99, de 11 de agosto, mais especificamente o nº 1 do seu artigo 3º, que refere o conteúdo funcional que terá de, necessariamente, compreender a «realização das atividades constantes do anexo ao já referido decreto-lei 261/93, de 24 de julho, tendo como matriz a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.» (dessa lista consta, designadamente, a atividade de «dietista»).
Ainda a propósito do conceito de prestação de serviços médicos, previsto na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, importa relembrar que o Acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, Processo 384/98, considera como tais as que consistam em «prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde» (Processo nº 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor-Geral, em 2012-06-28).
E continua: «Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.» (sublinhado nosso)
Ora a isenção aqui aplicada à Prestação de Serviços Dietéticos, com base na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão-só a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado, nos termos em que já analisámos.
Tal significa que as prestações de serviços que não tenham tal objetivo terapêutico, mesmo que efetuadas por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas «duas sessões presenciais» (e não consultas) e «dois acompanhamentos telefónicos anuais», os quais surgem designados por «aconselhamento dietético»).
De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (ou health club) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.
A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes, durante o mês a que essa fatura respeita, não tem qualquer contacto com o nutricionista (embora lhe tenha sido informado que existe um ao seu dispor).
Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, estando sujeita a tributação nos termos gerais do CIVA, uma vez que os serviços de aconselhamento nutricional, disponibilizados em complemento da atividade física, não se enquadram no conceito de prestações de serviços médicos nem visam a assistência médica, diagnóstico, tratamento de doenças ou quaisquer anomalias de saúde.
Ora não sendo aplicável a isenção prevista na alínea 1) do art. 9º do CIVA, daqui resulta que não pode ser separado na fatura a prestação de serviços de ginásio, da prestação de serviços de nutrição, uma vez que estes últimos fazem parte da prestação de serviços do ginásio, devendo-lhe ser aplicada a liquidação do imposto à taxa normal.
Efetivamente, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, nos termos a seguir desenvolvidos.
Prestação principal vs acessória
Decorre do espírito da redação do artigo 2º, n.º 1, c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço, no plano económico, não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do IVA.
Na esteira deste entendimento vem a jurisprudência comunitária confirmar que uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar de melhores condições do serviço principal prestado. Assim, quando existem prestações de serviços que visam melhorar as finalidades prosseguidas pelos ginásios, tornam-se suscetíveis de constituir operações «puramente acessórias» ou «estreitamente conexas».
Este conceito resulta da jurisprudência comunitária nos seguintes acórdãos:
• Acórdão de 22 de outubro de 1998 «T.P.Madgett, R.M. Baldwin e The Howden Court Hotel», Processos apensos C-308/96 e C-94/97, onde o Tribunal considerou que poderia haver prestações que, embora relacionadas com a prestação principal, «não constituem (…) um fim em si, mais um meio de beneficiar das melhores condições do serviço principal.», concluindo nesse contexto que se trata de «prestações (…) puramente acessórias relativamente às prestações [efetuadas a título principal.».
• Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, «Card Protection Plan Ltd», Processo C-349/96, através do qual o TJCE firmou o entendimento de que «uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador».
• Acórdão de 27 de setembro de 2012, «Field Fisher Waterhouse LLP», processo C-392/11, o Tribunal de Justiça declarou que se está em presença de uma prestação única quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador. Neste sentido, vide os seguintes acórdãos: a) CPP – Processo n.º C 349/96, Colet., p. I 973, n.° 30, de 25 de fevereiro de 1999; b) Part Service, C-425/06, Colet., p. I 897, n.° 52 de 21 de fevereiro de 2008; c) Bog e outros, Processos n.ºs C 497/09, C 499/09, C 501/09 e C 502/09, Colet., p. I 1457, n.° 54, de 10 de março de 2011).
• Acórdão de 17 de Janeiro de 2013, «BGZ Leasing Sp.z o.o», Processo C-224/11, onde se refere que está «em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial» e que «a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA». Continua, ainda, referindo que «para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa», designadamente «uma determinada conexão entre si».
Ainda segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no nº 30 deste acórdão que se vem referindo (processo C-224/11), «uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal, nomeadamente, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador».
Este acórdão é particularmente relevante, na medida em que reforça a ideia de que, para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa.
III.1.1.3 Da análise dos factos
No âmbito da presente Ordem de Serviço, e como já foi referido, verificou-se que, a partir de 2013, nas faturas emitidas pelo sujeito passivo aos seus clientes (os quais efetuam contratos de adesão e, acessoriamente, contratos de prestação de serviços dietéticos), para além da rubrica «Utilização das instalações desportivas» (atividade sujeita), podem surgir outras rubricas, tais como «Personal Training» (atividade também sujeita), mas surgindo sempre associada a rubrica «Prestação de Serviços Dietéticos», à qual correspondem códigos tais como «SDIET», «SDIET1», consideradas pelo sujeito passivo como isentas de IVA nos termos da alínea 1), do artigo 9.º do CIVA. Surge, ainda, uma terceira rúbrica: «Desconto por subscrição de acompanhamento dietético» (sujeito a IVA à taxa normal -- 23%) – veja-se título exemplificativo cópia de faturas no Anexo 6.
Ainda tendo em conta o enquadramento fiscal dos serviços de dietética e nutrição (Ponto III.1.1.2.1 – Comunitário e Interno), é de salientar que a atividade de «Dietética», não obstante estar prevista no ponto 5 da lista anexa ao D.L. n.º 261/93 de 24.07, esse facto determina, tão só, que se trata de uma atividade paramédica cuja isenção está prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, desde que o seu exercício tenha como objetivo terapêutico diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar (génese da alínea c) do artigo 132º da diretiva do IVA que, por transposição, deu origem à alínea 1) do artigo 9º do CIVA, esta sim, determinante das condições de aplicabilidade de isenção de IVA em matéria de prestação de serviços de saúde).
Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18º do CIVA.
Ora, de facto, a referência, na fatura, à prestação de serviços médicos ou paramédicos como fazendo parte do valor de uma mensalidade previamente contratualizada, independentemente de os mesmos serem prestados, ou não, demonstra que não estamos perante serviços prestados no âmbito da assistência médica.
Da análise a diversos «Contratos de Adesão» e «Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos» (Anexo 2) se retira, designadamente a partir das suas cláusulas primeira, terceira e quinta, que o acesso aos serviços dietéticos só é possível enquanto existir o contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas. De facto, e não obstante a cláusula quinta estabelecer que a extinção do contrato de prestação de serviços dietéticos não implica a anulação do contrato de adesão para a utilização das instalações desportivas, nem qualquer alteração às condições subscritas pelo utente, já o inverso, ou seja, o fim do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação de contrato de prestação de serviços dietéticos, o que confere um caráter acessório à prestação de serviços em causa, uma vez que a mesma nunca está dissociada do contrato de adesão que tem em vista a utilização das instalações desportivas (ginásio).
Ora, uma prestação é considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua, para a clientela, um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.
Assim, considerando a análise efetuada à atividade efetivamente exercida pela entidade, nomeadamente por via da análise dos contratos, da faturação e face aos critérios enunciados no presente relatório sobre o enquadramento fiscal das operações praticadas, considera-se que as consultas de nutrição «avulso», faturadas diretamente ao utente, deverão ser consideradas isentas de IVA, nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, enquanto os serviços dietéticos disponibilizadas aos utentes, faturados enquanto uma rubrica da fatura referente à mensalidade do ginásio não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA, por se tratar de uma prestação de serviços acessória da prestação de serviços de ginásio, sendo de lhes aplicar o tratamento fiscal da prestação principal.
Fica assim demonstrado o caráter acessório da «Prestação de serviços dietéticos» (identificada pelo sujeito passivo por diversos códigos como; «SDIET») enquanto atividade de aconselhamento nutricional disponibilizada aos utentes que subscrevem um contrato de adesão ao ginásio, em oposição às consultas de nutrição, efetivamente prestadas por profissionais especializados. Estas consultas são adquiridas pelos utentes, isoladamente ou em pacotes que podem ir até 6 consultas, sendo que, nestes casos, estamos perante situações que visam, claramente, «diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde» daqueles sócios da C... que sentem fragilidades ou mesmo problemas ao nível físico que podem estar relacionados com questões nutricionais e de alimentação e que recorrem à compra deste serviço que lhes é faturado através do código «NUT» ou variantes do mesmo, conforme o número de consultas adquiridas.
Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação de IVA sobre a «Prestação de Serviços Dietéticos» (códigos «SDIET»), uma vez que, relativamente às mesmas – e tão só a essas – não se mostram reunidas as condições para beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA.
III.1.1.4 Das propostas de correção (ao IVA não liquidado) – Ano 2015
Como já foi referido ao longo deste relatório, a nossa análise baseou-se nos elementos e esclarecimentos que nos foram facultados.
Para determinação do valor a corrigir, em sede de IVA, resultante da não consideração da «Prestação de serviços dietéticos» como atividade isenta nos termos da alínea 1) do artigo 9º do CIVA, foi trabalhado, o ficheiro «CON_IV f)_ Prest Serv_2015», evidenciando-se os códigos dos artigos relativos àquela prestação de serviços (códigos «SDIET»). Estes ficheiros incluem as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados.
[…]
Relembramos que, por vezes, ao invés do Artigo: «SDIET» surgem designações tais como: «SDIET1», ou outras, todas elas significando «Prestação de Serviços Dietéticos».
De tudo o exposto, elaboramos o quadro que se segue, o qual serve de base às correções propostas para o ano de 2015, respetivamente:
Quadro n.º 10: Correção proposta ao IVA não Liquidado - ano 2015
Ano - 2015 Base tributável Correção Proposta
Período IVA Faturação – Artigos SDIET/SDIET1
(1) IVA
(2)
jan–15 39.810,00 € 9.156,30 €
fev–15 40.925,00 € 9.412,75 €
mar–15 41.550,00 € 9.556,50 €
abr–15 42.390,00 € 9.749,70 €
mai–15 42.990,00 € 9.887,70 €
jun–15 42.350,00 € 9.740,50 €
jul–15 40.195,00 € 9.244,85 €
ago–15 37.155,00 € 8.545,65 €
set–15 38.728,67 € 8.907,59 €
out–15 41.220,00 € 9.480,60 €
nov–15 43.885,00 € 10.093,55 €
dez–15 41.846,67 € 9.624,73 €
Total Geral 493.045,34 € 113.400,42 €
(1) – valores fornecidos pelo sujeito passivo, sendo que o valor indicado na linha referente a maio de 2015, encontrava-se refletido na rubrica serviço de «prestação de serviços de nutrição», no respetivo ficheiro CON_IV f)_Prest Serv_2015.
(2) – À taxa de IVA de 23%, nos termos do art.º 18.º do CIVA.
[…]
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
Foi notificado o sujeito passivo pelo ofício nº...datado de 19/02/2020 para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição sobre o Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, nos termos do artigo 60° da LGT e artigo 60° do RCPITA, o qual não o exerceu.
Nestes termos, mantêm-se as correções propostas no capítulo III, tendo na presente data sido elaborados os respetivos documentos de correção.
[…]” – cf. RIT.
V. No referido Relatório de Inspeção Tributária foi identificado, para o período em causa (2015), o valor de IVA dedutível adicional a favor da Requerente de € 4.225,59, importância que foi deduzida ao montante da proposta de correção ao IVA não liquidado, de € 113.400,42, cifrando-se a correção global ao valor do IVA devido pela Requerente no montante líquido de € 109.174,83 – cf. RIT.
W. Subsequentemente, a Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários, no montante total de € 125.815,82 (€ 106.906,00 de IVA e € 18.909,82 de juros compensatórios e moratórios) – cf. Documento 1 junto pela Requerente com o ppa:
a) Liquidação de IVA n.º 2020... e respetiva demonstração de juros compensatórios, referentes ao período de janeiro de 2015;
b) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de fevereiro de 2015;
c) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de março de 2015;
d) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de abril de 2015;
e) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de maio de 2015;
f) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de junho de 2015;
g) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de julho de 2015;
h) Liquidação n.º 2020..., e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de agosto de 2015;
i) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de setembro de 2015;
j) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de outubro de 2015;
k) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de novembro de 2015;
l) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de dezembro de 2015;
m) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de janeiro de 2016;
n) Liquidação n.º 2020... e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referentes ao período de fevereiro de 2016.
X. Em discordância com as liquidações de IVA e de juros compensatórios identificadas supra, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 21 de julho de 2020, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, conforme referenciado em relação aos respetivos factos assentes, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, colaboradores da Requerente: D..., Diretor de Fitness, Academia e Serviço; E..., Nutricionista e Diretora da região norte; e F..., Nutricionista, cujos depoimentos foram objetivos e revelaram conhecimento direto dos factos relatados.
Foram, de igual modo, tidos em conta, os depoimentos prestados pelas aqui primeira e segunda testemunhas e pela testemunha adicional F..., também nutricionista da Requerente, no âmbito do processo arbitral n.º 169/2019-T, com as mesmas Partes.
3. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se demonstrou que os serviços de nutrição prestados tivessem fins de diagnóstico e de tratamento de uma patologia ou condição clínica (fins “terapêuticos”), além dos objetivos genéricos de promoção da saúde. Com efeito, apesar de as testemunhas nutricionistas afirmarem objetivos “terapêuticos”, resulta dos depoimentos que as consultas prosseguiam, em geral, as finalidades de perda de peso e de alimentação saudável, sem ser inerente às mesmas o tratamento ou a cura de uma concreta doença ou a prevenção de uma doença específica.
Não existem outros factos alegados com relevo para a decisão que devam considerar-se não provados.
4. DO DIREITO
4.1. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR
São questões a analisar no presente processo arbitral:
(1) Se no tratamento a dar aos serviços dietéticos / de nutrição no âmbito do IVA, no caso concreto da Requerente e dos serviços por ela faturados no período em causa, a Autoridade Tributária estava vinculada a seguir a doutrina interpretativa por si veiculada através da Informação Vinculativa emitida no processo n.º 9215, por despacho de 19.08.2015 do Subdiretor-Geral do IVA;
(2) Se as prestações de serviços que a Requerente realiza no âmbito da sua atividade comercial e que ela própria designa como “prestação de serviços dietéticos” gozam da isenção de IVA prevista na al. 1) do artigo 9.º do CIVA;
(3) Em caso de improcedência parcial ou total do pedido de declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas, qual o valor a tomar por base para o cálculo do IVA a liquidar;
(4) A existência de litigância de má-fé por parte da Autoridade Tributária.
4.2. DISCUSSÃO DE DIREITO
a. Relevância/força vinculativa no caso concreto da Informação Vinculativa proferida no processo n.º 9215 (despacho de 19.08.2015 do Diretor-Geral do IVA)
A Requerente refere na sua petição a existência de uma informação vinculativa – Ficha Doutrinária emitida por despacho de 19.08.2015 do Diretor-Geral do IVA, no processo de informação vinculativa n.º 9215 – emitida a pedido não da Requerente mas de uma empresa do mesmo grupo – Grupo B...– ao qual pertence a Requerente e em que a Autoridade Tributária declara o seu entendimento de que “os serviços prestados no âmbito do aconselhamento de nutrição, faturados pela requerente aos seus clientes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável (Decretos-Lei n.ºs 261/93 de 24 de julho e 320/99, de 11 de agosto)”.
Nos termos do artigo 124.º do CPPT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT, “Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação” (n.º 1), sendo que: “Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior” (n.º 2).
Visto que, em sede de pedido principal, são imputados aos atos sindicados nestes autos, conforme acima enunciado nos n.ºs 10 e 16, vícios suscetíveis de determinar a respetiva anulação e como a Requerente, seja no ppa seja nas alegações, não estabeleceu, em termos de relação de subsidiariedade, qualquer ordem de prioridade quanto ao respetivo conhecimento, em conformidade com a parte final da al. b) do n.º 2 conjugada com a al. a) do mesmo n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, cabe iniciar a apreciação jurídica pelo vício ou vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos (Decisão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019).
Em conformidade com este critério de ordenação, entende-se dever começar a análise dos vícios apontados na petição pela questão da eventual ilegalidade dos atos de liquidação por contradição com o conteúdo da informação vinculativa referida, por ser aquele que, no entender do tribunal arbitral, não apenas, verificando-se, assegura mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos como se torna prejudicial ao conhecimento dos restantes vícios apontados.
O regime das informações vinculativas está previsto no artigo 68.º da LGT.
Em particular, releva o n.º 14 deste preceito, que estabelece que “[A] administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial.”
Conforme a jurisprudência tem destacado, a consequência resultante de a AT proceder em sentido diferente do definido pela informação vinculativa é a configuração de um específico vício de violação da lei, gerador de anulabilidade do ato praticado (acórdão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019 e a jurisprudência aí citada: TCA Sul de 22.11.2011, proc. n.º 03013/09 e de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14, onde se diz: “se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o ato que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade”; v. ainda o acórdão proferido no proc. n.º 474/2019-T do CAAD).
Para que uma atuação desconforme com uma informação vinculativa da AT se traduza no específico vício de violação de lei previsto no n.º 14 do artigo 68.º, é necessária uma identidade objetiva da situação fáctica, ou seja, é necessário que os atos ou factos sobre os quais a informação vinculativa se pronunciou sejam iguais aos atos ou factos sobre os quais incidiu a atuação da administração tributária, isto de acordo com os n.ºs 1, 3, 8, 9, 12 e 14 do artigo 68.º (Decisão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019).
Conforme se diz no acórdão do TCA Sul de 22.11.2011, proc. n.º 03013/09, citado no acórdão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019, a informação vinculativa tem “dois termos de referência. Por um lado, ela reporta-se aos factos enunciados pelo contribuinte; por outro, reporta-se ao enquadramento jurídico que deles fazem os serviços. Assim, a informação prestada perde qualquer validade se os factos ocorrerem em termos diversos daqueles que foram apresentados aos serviços, nomeadamente se ocorrerem com contornos que lhe tenham sido ocultados. Do mesmo modo, a informação prestada perde validade se as normas jurídicas que serviram à qualificação tributária dos factos vierem, entretanto, a ser alteradas” (no mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do TCA Sul de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14 e do TCA Norte de 10.5.2018, proc. n.º 00101/2002.TFPRT.21, ambos citados no acórdão arbitral de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019).
Deixando para ponto ulterior da análise a questão subjetiva, ie, a questão da invocabilidade, por parte da Requerente, da informação vinculativa aqui em causa, analisemos para já o aspeto da identidade objetiva entre a situação fáctica que deu origem à liquidação impugnada e a situação considerada na “Informação Vinculativa”.
A “Informação Vinculativa” descreve do seguinte modo os factos a enquadrar:
“1.A requerente é uma sociedade comercial, sob a forma de sociedade anónima, que tem como objeto social, entre outros, a exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios.
2.Pretendendo prestar serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora já procedeu, conforme se verifica pela análise à certidão permanente (cujo código facultou), à alteração do seu objeto social, tendo incluído a "prestação de serviços e consultas de nutrição".
3.Com a implementação destes serviços a requerente tem como objetivo garantir uma diminuição do número de cancelamentos das inscrições nos clubes e ginásios que, de acordo com os dados constantes em duas tabelas referentes aos anos de 2013 e 2014, que anexa ao presente pedido, ocorrem em número mais elevado nos meses de verão, resultando numa diferença negativa entre o número de adesões e o de cancelamentos.
4.Assim, perspetivando garantir, através da realização dos serviços de aconselhamento nutricional, o incremento da retenção de clientes, a requerente refere que estes serviços serão prestados através de profissionais contratados para o efeito, devidamente credenciados, ou seja, que detenham uma licenciatura em nutricionismo e se encontrem inscritos na Ordem dos Nutricionistas, ou licenciatura em dietética.
5.Vem, assim, solicitar esclarecimento acerca do enquadramento a conferir, em sede de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), aos serviços de aconselhamento de nutrição e dietética, que pretende prestar, nomeadamente se os mesmos beneficiam da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA).”
A situação fáctica descrita é totalmente coincidente com a situação fáctica sobre a qual incidiram as liquidações impugnadas:
A Requerente dedica-se à exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios (ponto n.º 1 da “Informação Vinculativa” e facto provado A);
Presta serviços de aconselhamento nutricional nos estabelecimentos que explora e inclui essa prestação no seu objeto social (ponto n.º 2 da “Informação Vinculativa” e facto provado D);
Os serviços de aconselhamento nutricional são materialmente realizados por de profissionais contratados para o efeito, devidamente credenciados, ou seja, detentores de uma licenciatura em nutricionismo e inscritos na Ordem dos Nutricionistas, ou possuidores de licenciatura em dietética (ponto n.º 4 da “Informação Vinculativa” e facto provado G).
De acordo com o RIT que serve de fundamentação aos atos impugnados, e para o enquadramento das prestações de serviços de aconselhamento dietético como “não isentos”, foi considerado relevante pelos serviços de inspeção, como já se viu, que:
Os serviços em causa não são “consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão só a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente, o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço”;
As prestações de serviços não têm objetivo terapêutico, mesmo sendo efetuados por paramédicos devidamente habilitados para o efeito;
Que as prestações de serviços não têm objetivo terapêutico, mesmo sendo efetuados por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, é ainda indiciado pelas seguintes circunstâncias, sempre de acordo com o RIT:
Algumas prestações de serviços dietéticos traduzem-se na mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares;
O contrato prevê apenas «duas sessões presenciais» e «dois acompanhamentos telefónicos anuais», os quais surgem designados por aconselhamento dietético;
Se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio; e o propósito da frequência de um ginásio não é o de ser consultado por um nutricionista;
O serviço é faturado mensalmente, a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes a que essa fatura respeita não tem qualquer contacto com o nutricionista.
Ora, dos aspetos elencados, nenhum é referido na “Informação Vinculativa” como sendo impeditivo da isenção que a mesma reconhece aos serviços em causa. Não é dito, especificamente, que os serviços devam ter uma “finalidade terapêutica”, e nem que, para que se verifique tal finalidade terapêutica, os mesmos devam ser procurados por parte dos utentes de forma autónoma e independente dos serviços de ginásio, health club e fitness club.
Além disso, como referido na citada Informação (processo n.º 9215), no pedido que lhe serve de base é expressamente dito que:
A atividade a desenvolver se traduz na “prestação de serviços e consultas de nutrição”, o que pressupõe a prestação de serviços de nutricionismo ou dietética que não são “consultas de nutrição”;
A “implementação dos serviços tem como objetivo garantir uma diminuição do número de cancelamentos das inscrições nos clubes e ginásios”, e a “realização dos serviços de aconselhamento nutricional perspetiva garantir o incremento da retenção de clientes”, o que deixa patente que a atividade é organizada em relação de dependência das restantes prestações de serviços específicas dos clubes e ginásios.
Em face da descrição que a “Informação Vinculativa” faz dos factos que lhe servem de base, conclui-se que a factualidade que a Informação assumiu como relevante é em tudo coincidente com a factualidade verificada na atividade da aqui Requerente.
Conclui-se, assim, que, em termos objetivos, ie, entre a situação que serviu de base à “Informação Vinculativa” e a situação que deu origem às liquidações impugnadas nos presentes autos existe a identidade fáctica necessária para que o enquadramento tributário efetuado pela “informação” seja válido e aplicável à situação da Requerente.
Quanto ao enquadramento dessa mesma situação fáctica em termos de tributação em IVA, a “Informação Vinculativa” diz o seguinte:
“10. No que respeita às atividades paramédicas, dado que não existe no CIVA um conceito que as defina, há que recorrer ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto (ambos do Ministério da Saúde), uma vez que são estes dois diplomas que contêm em si os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades.
11. Em conformidade com o estabelecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.o 320/99, de 11 de agosto, ambos os diplomas visam prosseguir a proteção da saúde dos cidadãos, enquanto direito social constitucionalmente consagrado "(...) através de uma regulamentação das atividades técnicas de diagnóstico e terapêutica que condicione o seu exercício em geral, quer na defesa do direito à saúde, proporcionando a prestação de cuidados por quem detenha habilitação adequada, quer na defesa dos interesses dos profissionais que efetivamente possuam os conhecimentos e as atitudes próprias para o exercício da correspondente profissão".
12. Neste sentido determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante, e compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou da reabilitação.
13. É, ainda, condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso, obtido nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto.
14. A referida lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, prevê no seu item 5, a atividade de Dietética. De acordo com a descrição aí prevista, esta atividade compreende a "Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares".
15. A atividade de nutricionista enquadra-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética" prevista nos Decretos-Lei anteriormente citados, pelo que, tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93.
16. Nesse pressuposto, os serviços prestados por dietistas, bem como, por nutricionistas, quer sejam prestados diretamente ao utente quer sejam prestados a uma qualquer entidade com quem contratualizem os seus serviços, são abrangidos pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA.
17. Esta isenção refere-se ao exercício objetivo das atividades e não à forma jurídica que o caracteriza, encontrando-se, assim, as atividades descritas, isentas ainda que desenvolvidas no âmbito das sociedades. Tal entendimento decorre da interpretação desta disposição legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nomeadamente no Acórdão de 10 de setembro de 2002, proferido no âmbito do processo C-141/00 (caso Kugler, Colect. P. I- 6833, n.º 26), que resume o caráter objetivo da isenção no preenchimento de duas condições: se trate de serviços médicos ou paramédicos e que estes sejam fornecidos por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.
18. Deste modo, as prestações de serviços de nutrição que venham a ser realizadas pela requerente, sendo por esta faturados diretamente aos utentes, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, desde que sejam asseguradas por profissionais (dietistas e nutricionistas) habilitados para o exercício dessa atividade, nos termos da legislação aplicável. Neste caso, nas faturas a emitir aos utentes deve constar a referência à citada isenção.“
Colocado em termos normativos, retira-se da “Informação Vinculativa” que estão isentas de IVA, pela al. 1) do artigo 9.º do CIVA, as prestações de serviços de aconselhamento nutricional, em estabelecimento de exploração e gestão de health clubs, clubes de fitness e ginásios, por entidades titulares desses estabelecimentos, consistindo tais serviços em “serviços e consultas de nutrição”, sendo tais atividades desenvolvidas em dependência dos serviços específicos dos ginásios, health clubs e clubes de fitness e de modo a reter os clientes destes últimos serviços, na condição de que tais “serviços e consultas de nutrição” sejam prestados por nutricionistas ou dietistas credenciados.
E assim sendo, deve-se concluir que, em relação à Requerente, a Autoridade Tributária atuou, praticando os atos de liquidação impugnados, num sentido que é contrário à doutrina interpretativa veiculada pela mesma Autoridade Tributária através da Informação Vinculativa proferida no processo n.º 9215.
Analisemos agora a questão da possibilidade de invocação da doutrina interpretativa constante da “Informação Vinculativa” por parte da Requerente.
De acordo com o n.º 14 do artigo 68.º da LGT, já anteriormente citado, “[a] administração tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial.”
A jurisprudência tem, de forma consistente, interpretado este preceito no sentido de que a informação vinculativa apenas “vincula” a administração quanto ao mesmo sujeito passivo que a solicitou.
Assim o diz acórdão arbitral que vimos citando (acórdão de 05-09-2020, proc. n.º 740/2019), nos seguintes termos: “[O] regime da informação vinculativa, atento o disposto no citado n.º 14 do artigo 68.º da LGT, muito embora apenas em relação ao sujeito passivo beneficiário da informação prestada e aos atos e factos identificados no pedido (...) faz prevalecer a proteção da confiança e a segurança jurídica do sujeito passivo em causa sobre a exata interpretação da lei (...).
A decisão arbitral cita, por sua vez, em apoio da mesma doutrina, os acórdãos do TCA Sul de 10.07.2014, proc. n.º 07558/14 e do TCA Norte de 13.10.2016, proc. n.º 00089/11.7BEBRG e de 10.5.2018, proc. n.º 00101/2002.TFPRT.21 em que se diz: “A Administração Tributária, com a emissão de uma informação vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em relação a todas as situações que se lhe colocam dentro do objeto dessa mesma orientação. Pelo contrário, a vinculação da Administração Tributária ao teor das mesmas é uma vinculação inter-partes, pois somente em relação ao caso em concreto objeto do pedido a Fazenda Pública não pode proceder em sentido diverso da informação prestada, ressalvado o cumprimento de decisão judicial”.
Tomando em consideração esta orientação jurisprudencial, da qual este tribunal não vê razão para se afastar, a atuação da Autoridade Tributária no caso dos presentes autos, em contradição com a interpretação veiculada na “Informação Vinculativa”, não é de molde a originar o vício de violação de lei específico previsto no n.º 14 do artigo 68.º da LGT, uma vez que a informação vinculativa em causa não foi prestada à aqui Requerente.
b. Apreciação da questão da isenção das prestações de serviços em causa, à luz da al. 1) do artigo 9.º do CIVA. Validade da fundamentação material dos atos
Está em causa nos presentes autos o tratamento em sede de IVA de prestações de serviços que a Requerente realiza no âmbito da sua atividade comercial e que ela própria designa como “prestação de serviços dietéticos” (pág. 025 do RIT).
Estas prestações de serviços são consideradas pela Requerente isentas de IVA ao abrigo da al. 1) do artigo 9.º do CIVA.
A al. 1) do artigo 9.º do CIVA tem a seguinte redação:
“[Estão isentas do imposto:]
1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, psicólogo, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;”
É importante ressaltar que a Requerente, na sua contabilidade, distingue duas modalidades da prestação de serviços de aconselhamento dietético ou nutricional, identificando uma dessas modalidades com o código “NUT” e a segunda modalidade com o código “SDIET”.
De acordo com a interpretação da Autoridade Tributária vertida no RIT (pág. 019), a diferença entre as duas modalidades estaria em que a primeira (código “NUT”) consiste na contratação de consultas de nutrição, avulsas ou em “pacotes” de seis ou mais, mas sem conexão com um contrato de utilização das instalações desportivas; enquanto a segunda (código “SDIET”) surgiria sempre associada a um contrato de utilização das instalações desportivas.
Para alicerçar esta interpretação dos factos, a Autoridade Tributária socorre-se dos termos dos próprios contratos de “prestação de serviços dietéticos”.
A cláusula 1ª do “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” (junta ao RIT como anexo 2), diz:
“Pelo presente a primeira obriga-se a prestar serviços de aconselhamento dietético e nutricional, composto por duas sessões presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais, a realizar por técnicos especializados com vista à aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde geral e na educação dos indivíduos, designadamente do domínio da promoção e tratamento e gestão de recursos alimentares”.
A cláusula 3ª do mesmo contrato, no seu ponto 3.3., diz:
“O término do contrato de adesão referente à utilização de atividades desportivas implica automaticamente a cessação do presente contrato”.
Quanto ao enquadramento que a Autoridade Tributária faz destas “prestações de serviços dietéticos” (modalidade correspondente ao código “SDIET”), o RIT diz o seguinte (pág. 023):
“(...) A isenção aqui aplicada, com base na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão só a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente, o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado (...).
(..) As prestações de serviços que não tenham (...) objetivo terapêutico, mesmo que efetuados por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas «duas sessões presenciais» e «dois acompanhamentos telefónicos anuais», os quais surgem designados por aconselhamento dietético.
De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (...) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.
A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente, a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes a que essa fatura respeita não tem qualquer contacto com o nutricionista (...).
Assim, a faturação da prestação de serviços de nutrição não beneficia da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA (...).”
A Autoridade Tributária continua a argumentação de que a prestação de serviços em causa não está isenta, ainda que com algumas inconsistências, nos seguintes termos, na pág. 026 do RIT:
“Assim sendo, é determinante para a aplicação da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Caso os serviços não se insiram no conceito de prestações de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento de doenças ou de qualquer anomalia da saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos) os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do art.º 9.º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas (...)”.
Acerca de um caso em tudo semelhante ao dos autos, e nomeadamente sobre o enquadramento de serviços de aconselhamento dietético, pronunciou-se recentemente o Tribunal de Justiça da União Europeia, em acórdão de 4 de março de 2021, no processo C 581/19, Frenetikexito (ECLI:EU:C:2021:167).
Sendo relevante, para a decisão a tomar no presente processo, considerar a jurisprudência constante deste recente acórdão do TJUE, convém começar por referir brevemente o quadro legal da União na matéria em apreço.
Segundo o artigo 132.º, n.º 1, al. b) da Diretiva 2006/112, os Estados Membros isentam:
«[a] hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos».
Nos termos do artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da mesma diretiva, os Estados Membros isentam:
«[a]s prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa».
No direito interno português, a al. 1) do artigo 9.º do CIVA corresponde à transposição da al. c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva, sendo aqui que a Requerente pretende basear a isenção das prestações de serviços em causa.
No citado acórdão, diz o TJUE:
“[23] (...) Assim, os termos do artigo 132.°, n.º 1, alínea c), desta diretiva, a saber, «[a]s prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa», não visam as prestações efetuadas no meio hospitalar, em centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza, isentas em aplicação do artigo 132.°, n.° 1, alínea b), da referida diretiva, mas as prestações médicas e paramédicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de setembro de 2002, Kügler, C 141/00, EU:C:2002:473, n.° 36, e de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C 86/09, EU:C:2010:334, n.° 36).
[24] Além disso, há que salientar que o conceito de «assistência médica», que consta do artigo 132.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/112, e de «prestações de serviços de assistência», que consta do artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, visam prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C 86/09, EU:C:2010:334, n.os 37 e 38, e de 18 de setembro de 2019, Peters C 700/17, EU:C:2019:753, n.° 20 e jurisprudência referida).
[25] Por conseguinte, as «prestações de serviços de assistência», na aceção desta disposição, devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA [v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, X (Isenção de IVA para as consultas telefónicas), C 48/19, EU:C:2020:169, n.° 27 e jurisprudência referida], ainda que daí não decorra necessariamente que esta finalidade deva ser compreendida numa aceção particularmente restrita (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C 86/09, EU:C:2010:334, n.° 40 e jurisprudência referida, e de 21 de março de 2013, PFC Clinic, C 91/12, EU:C:2013:198, n.° 26).
[26] Assim, as prestações de natureza médica ou paramédica efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas podem beneficiar da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 [Acórdão de 5 de março de 2020, X (Isenção de IVA para as consultas telefónicas), C 48/19, EU:C:2020:169, n.° 29 e jurisprudência referida].
[27] A isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 pressupõe, portanto, que estejam preenchidos dois requisitos, o primeiro, relativo à finalidade da prestação em causa, conforme recordada nos n.os 24 a 26 do presente acórdão, e, o segundo, relativo ao facto de essa prestação ocorrer no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa.
[28] Quanto a este segundo requisito, importa determinar, como salientam o Governo português e a Comissão, se um serviço de acompanhamento nutricional, como o que está em causa no processo principal, prestado por um profissional certificado e habilitado para esse efeito em instituições desportivas e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, é definido, pelo direito do Estado Membro em causa (Acórdão de 27 de junho de 2019, Belgisch Syndicaat van Chiropraxie e o., C 597/17, EU:C:2019:544, n.° 23 e jurisprudência referida), como sendo prestado no exercício de uma profissão médica ou paramédica. Resulta dos elementos constantes da decisão de reenvio, esclarecidos pelas observações do Governo português, que o serviço em questão era prestado por uma pessoa dotada de uma qualificação profissional que a habilita a efetuar atividades paramédicas como definidas pelo Estado Membro em causa, o que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
[29] Admitindo que seja esse o caso, há que atender à finalidade de uma prestação como a que está em causa no processo principal, o que corresponde ao primeiro requisito estabelecido no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. A este respeito, importa ter em consideração, para examinar essa finalidade, que as isenções previstas no artigo 132.° desta diretiva se inserem no capítulo 2, sob a epígrafe «Isenções em benefício de certas atividades de interesse geral», do título IX da referida diretiva. Assim, uma atividade não pode ser isenta, por derrogação ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (Acórdãos de 21 de março de 2013, PFC Clinic, C 91/12, EU:C:2013:198, n.° 23, e de 21 de setembro de 2017, Comissão/Alemanha, C 616/15, EU:C:2017:721, n.° 49), se não cumprir a finalidade de interesse geral, comum ao conjunto das isenções previstas nesse artigo 132.°.
[30] A este respeito, é pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade. Todavia, cumpre notar que o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica.
[31] Por conseguinte, na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 24 e 26 do presente acórdão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, um serviço de acompanhamento nutricional, como o prestado no processo principal, não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA.”
A doutrina que emana do trecho do acórdão citado pode sintetizar-se, na parte que mais nos interessa, na seguinte ideia: os serviços de aconselhamento dietético, desde que prestados por profissionais qualificáveis como paramédicos, prestados fora de estabelecimentos hospitalares, beneficiarão da isenção prevista no artigo 9.º, al. 1) do CIVA quando tenham uma finalidade terapêutica. Uma finalidade terapêutica implica necessariamente que os serviços sejam prestados para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde. Não basta, para se poder dizer de uma prestação de serviços que esta tem finalidade terapêutica, que a mesma possa, a médio e a longo prazo ser um instrumento de prevenção de certas doenças.
Recentrando-nos no caso dos autos, é importante neste ponto sublinhar que ao tribunal cabe apreciar a legalidade do ato de liquidação, o que implica analisar a compatibilidade do ato com o direito.
Como é dito no acórdão sobre o processo arbitral n.º 404/2020-T, “o processo arbitral é um meio contencioso de mera legalidade, em que aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foram atribuídos meros poderes de declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT.”
Continuando a citar essa decisão:
“Estando os tribunais arbitrais sujeitos à lei e obrigados a decidir de acordo com o direito constituído (artigos 203.º da CRP e 2.º, n.º 2, do RJAT) não podem perante a constatação da ilegalidade de um acto liquidação deixar de a declarar pela hipotética existência de um outro acto legal que poderia ter sido praticado mas não o foi.
No nosso sistema de administração executiva é à Autoridade Tributária e Aduaneira e não aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que é conferida competência para a prossecução do interesse público da cobrança de impostos, tendo estes apenas competências de controle da legalidade dos actos que a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar no exercício dessa competência, nos termos limitados em que está prevista no RJAT.
Por isso, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não podem, constatada a ilegalidade de um acto de liquidação, deixar de a declarar e substituírem-se à Administração Tributária substituindo o acto ilegal que ela praticou por um acto diferente com a fundamentação e conteúdo que ele próprio adoptaria se fosse a ele, Tribunal Arbitral, e não à Autoridade Tributária e Aduaneira que a lei atribuísse o poder de prosseguir o interesse público da cobrança de impostos.”
De acordo com este enquadramento, que inteiramente subscrevemos, há que analisar se o ato de liquidação impugnado se fundamenta, em linha com a doutrina extraída do acórdão do TJUE citado, na falta de fins terapêuticos dos serviços prestados.
Cabe, neste âmbito, ao tribunal apreciar se o ato de liquidação se fundamenta na falta de finalidade terapêutica e o faz de modo suficientemente congruente e claro, de modo a possibilitar à Requerente, no momento apropriado, defender-se com base nessa fundamentação. Verificando-se esta primeira condição, cabe ao tribunal, em segundo lugar, apreciar se a Requerente logrou invalidar essa fundamentação, demonstrando que as prestações de serviços em causa tiveram finalidade terapêutica.
Ora, apesar de alguma inconsistência, que, como já notámos anteriormente, se nos afigura encontrar-se na fundamentação do ato tributário, parece-nos poder-se afirmar que a Administração Tributária inequivocamente funda a liquidação na inexistência de fim terapêutico, quando diz:
“(...) «Tal significa que as prestações de serviços que não tenham este objetivo terapêutico (diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde) ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.»
Ora a isenção aqui aplicada, com base na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, não é lícita por não se tratar, efetivamente, de consultas de nutrição, procuradas pelo utente em razão de alguma necessidade que sinta nessa matéria, mas tão só a «disponibilização» de um serviço com características de aconselhamento ao utente, o qual apenas ocorre no caso de o utente «procurar» esse serviço. Caso não o procure, por dele não sentir necessidade, é-lhe igualmente faturado (...).
(...) As prestações de serviços que não tenham (...) objetivo terapêutico, mesmo que efetuados por paramédicos devidamente habilitados para o efeito, encontram-se excluídas do âmbito de aplicação da isenção. Enquadram-se aqui as atividades de mera elaboração de dietas integradas em planos alimentares. (Lembramos que o contrato prevê apenas «duas sessões presenciais» e «dois acompanhamentos telefónicos anuais», os quais surgem designados por aconselhamento dietético.
De facto, se alguém necessitar de uma intervenção terapêutica ao nível nutricional, procurará um profissional nessa área, não se inscreverá num ginásio, isto é, o propósito da frequência de um ginásio (...) não será, certamente, o de ser consultado por um nutricionista.
A prová-lo está o facto de esse serviço ser faturado mensalmente, a todos os utentes, sem exceção, independentemente de usufruírem ou não da referida consulta, significando isso que todos os utentes veem uma parte da mensalidade que pagam pela frequência do ginásio estar sujeita a IVA à taxa normal e outra parte dessa mensalidade estar isenta de IVA, quando a generalidade desses utentes a que essa fatura respeita não tem qualquer contacto com o nutricionista (...).
Nomeadamente, a administração tributária justifica a falta de finalidade terapêutica com o facto de o contrato de prestação de serviços dietéticos apenas disponibilizar a possibilidade de consulta, e o preço faturado o ser por causa dessa disponibilização, e não por causa de uma consulta efetiva; e também com o facto de essa disponibilização se verificar sempre em associação com um contrato de utilização de equipamentos desportivos, reforçando a ideia de que não terá uma finalidade autónoma.
Ora, tendo sido notificada dos fundamentos que a Autoridade Tributária apresentava para os atos de liquidação, quer no projeto de relatório de inspeção, quer no relatório de inspeção definitivo, e assentando essa fundamentação na falta de finalidade terapêutica dos serviços de nutrição/dietética prestados, a Requerente não logrou provar a existência dessa finalidade terapêutica, pressuposto do regime de isenção que aplicou, tal como não o fez em sede de processo arbitral, no sentido em que tal termo foi interpretado pelo Tribunal de Justiça.
A tal prova não obsta o facto de a prestação de serviços de nutrição estar abrangida por deveres de confidencialidade e de proteção de dados. A prestação de serviços médicos e paramédicos é demonstrável, sem que tenha de necessariamente revelar-se a identificação dos clientes/pacientes, sendo também de atender, para este efeito, à prova indireta, nos termos gerais.
Pelo que há que concluir que, não apenas as prestações de serviços em causa não estão isentas de IVA, ao abrigo da al. 1) do artigo 9.º do CIVA, por não ter sido demonstrado que presidiu a tais prestações de serviços uma finalidade terapêutica, ónus que competia à Requerente nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, mas também que a legalidade dos atos tributários se encontra corretamente fundamentada, do ponto de vista material, com base nessa falta de demonstração do fim terapêutico das prestações de serviços.
c. Sobre a violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sobre a forma
A Requerente enuncia um conjunto de princípios que a AT teria violado, a saber, da justiça, da proporcionalidade e da prevalência da substância sobre a forma. Porém, não concretiza de que forma e em que medida é que tais princípios foram violados pela Requerida, consubstanciando uma mera alegação genérica e não fundada, não sendo identificada por este tribunal a alegada violação. Acresce que o princípio da substância sobre a forma é um cânone interpretativo e não um princípio supra ordenado passível de afastar a aplicação da disciplina legal aplicável.
d. A título subsidiário: valor a tomar por base para o cálculo do IVA a liquidar
Alega a Requerente que, em caso de improcedência do pedido de declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas, o valor base a tomar para cálculo do IVA a liquidar sobre as prestações de serviços seria o valor da fatura, ie o valor cobrado aos clientes, deduzido do IVA aplicável (cálculo do IVA “por dentro”).
A resposta a esta questão convoca os princípios estruturantes do sistema comum deste imposto, pois não resulta de forma direta e linear do regime de determinação do valor tributável previsto no artigo 16.º do Código do IVA, em transposição dos artigos 73.º e 78.º da Diretiva IVA (2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro).
Em situação similar colocada à apreciação do Tribunal de Justiça (processo Tulicã, C-249/12, com acórdão de 7 de novembro de 2013), concluiu-se que a Diretiva IVA “deve ser interpretada no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do imposto sobre o valor acrescentado e o fornecedor do referido bem seja o devedor do imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o imposto sobre o valor acrescentado.”
Este entendimento deriva da configuração do IVA como um imposto geral sobre o consumo que deve onerar apenas o consumidor final, exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, incluindo tudo o que constitui a contraprestação recebida ou a receber pelo fornecedor ou prestador, e não um valor estimado por critérios objetivos, não devendo esse valor, contudo, incluir o próprio IVA.
Quando o prestador não puder recuperar junto do adquirente o IVA que venha a ser posteriormente exigido pela AT, “considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor [leia-se prestador no nosso caso] e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final”, além de colidir com a regra segundo a qual a AT não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (n.ºs 32 a 36 do acórdão Tulicã, C-249/12, e jurisprudência aí referida, nomeadamente o acórdão Elida Gibbs, C-317/94, em conjugação com o disposto no artigo 90.º da Diretiva IVA).
O Tribunal de Justiça conclui, porém, que tal não sucede quando o fornecedor (ou prestador) tenha a possibilidade de adicionar ao preço o imposto devido pela operação e de o recuperar junto do adquirente .
Retomando o caso concreto, a Requerente apoia-se em dois argumentos para sustentar o procedimento de cômputo do IVA “por dentro”. Por um lado, sublinha que, se assim não fosse, os consumidores finais teriam de suportar o imposto liquidado adicionalmente, criando distorções ao seu bem-estar económico. Ora, o dever legal de suportar o imposto (previsto no artigo 37.º do Código do IVA) não é afastado ou comprimido por considerações desta natureza. Todos os consumidores, ao adquirirem bens ou serviços não isentos de IVA, sofrem o sacrifício económico de suportar o imposto, prejudicial ao seu bem-estar económico, sem que isso deva (ou possa sequer) ser visto como uma distorção.
Por outro lado, a Requerente afirma que, na prática, seria impossível repercutir o imposto, pelo que teria de suportar a final o IVA liquidado adicionalmente, o que violaria os mais elementares princípios de funcionamento do IVA, enquanto imposto neutro por definição. Todavia, não dá qualquer explicação para tal, pelo que não alega, nem demonstra factos ou circunstâncias que possibilitem a este tribunal validar essa conclusão, nem estes resultam do adquirido processual, pois estamos perante clientes identificados que assinaram contratos de adesão ao ginásio, pelo que, de acordo com as regras da experiência comum, são contactáveis.
Tendo em conta que o critério decisivo para determinar se o IVA é calculado nos termos gerais ou “por dentro” reside, de acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça, na possibilidade de o imposto ser recuperável junto dos adquirentes, e não tendo a Requerente alegado e demonstrado factos concretos impeditivos da aplicação do regime geral, geradores de quebra de neutralidade, como lhe competia de acordo com o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, improcede o pedido subsidiário por aquela formulado.
Por fim, importa referir que o artigo 49.º do Código do IVA citado pela Requerente é inaplicável à situação vertente, uma vez que respeita ao apuramento do IVA relativamente a faturas que mencionam ter imposto incluído, o que não é manifestamente o caso.
e. Questões de conhecimento prejudicado
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada ou cuja apreciação seria inútil, designadamente no que se refere ao caráter alegadamente não acessório dos serviços de nutrição prestados. Com efeito, concluindo-se pela aplicação de IVA, à taxa normal de 23%, quer aos serviços de ginásio, quer aos serviços de nutrição, o caráter acessório ou não acessório destes últimos [de nutrição] é irrelevante para a conclusão de que aos mesmos deve acrescer o imposto, à referida taxa (v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
4.3. SOBRE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA REQUERIDA COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ
A LGT prevê a condenação da AT em sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má-fé, em caso de atuação em juízo contra o teor de informações vinculativas prestadas aos interessados, ou quando o seu procedimento divirja do habitualmente adotado em situações idênticas (v. artigo 104.º, n.º 1 da LGT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT) . No mais, o regime da litigância de má-fé encontra-se regulado no Código de Processo Civil (“CPC”), subsidiariamente aplicável ao processo tributário e ao processo arbitral (v. artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, artigo 2.º, al. d) da LGT, artigo 2.º, al. e) do CPPT, e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de janeiro de 2020, processo n.º 0952/18.4BEPRT).
De acordo com o disposto no artigo 542.º, n.º 2 do CPC, considera-se litigante de má-fé quem:
i. deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
ii. alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa;
iii. tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
iv. tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
No caso, a Requerente pede a condenação da Requerida em litigância de má-fé, por considerar que esta invocou na sua Resposta factos novos, atinentes à prova da finalidade terapêutica dos serviços de nutrição, que, não tendo constituído fundamento das liquidações, nem poderia sequer ser discutida nesta fase.
Contudo, como atrás se salientou, a questão da ausência de fim terapêutico específico dos serviços de nutrição – acompanhamento nutricional e consultas – é por diversas vezes mencionada no relatório de inspeção, pelo que não se trata de um argumento inovador, independentemente de existirem outros vertidos no mesmo relatório, como o tema da acessoriedade dos serviços de nutrição em relação à atividade de exercício físico (ginásio).
Por outro lado, a informação vinculativa invocada pela Requerente foi prestada a outra entidade, a um outro sujeito passivo, pelo que não existe a obrigação (prevista no artigo 68.º, n.º 14 da LGT) de a Requerida agir em conformidade com essa informação.
Deste modo, não se verifica a violação de deveres de verdade e probidade por parte da Requerida, quer por esta não ter prestado à Requerente uma informação vinculativa que possa fundar a indemnização por litigância de má-fé prevista no artigo 104.º, n.º 1 da LGT, quer por não se identificar uma atuação processual [da Requerida] passível de enquadramento em qualquer das situações tipificadas no artigo 542.º, n.º 2 do CPC.
Aliás, constando do relatório de inspeção diversas passagens alusivas ao facto de, no entender da Requerida, os serviços de nutrição em questão não terem objetivos terapêuticos, encontrando-se, por isso, excluídos do âmbito de aplicação da isenção de IVA, como resulta da transcrição parcial do mesmo na matéria de facto supra, o desvio da pauta da boa fé, a existir, seria da Requerente e não da Requerida.
Nestes termos, não pode deixar de improceder o pedido de condenação da Requerida como litigante de má-fé.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios supra identificados, com as legais consequências.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 125.815,82, correspondente ao valor das liquidações de IVA e juros compensatórios que se pretendem anular, indicado pela Requerente e não contraditado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VI. CUSTAS
Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerente por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 18 de junho de 2021
As árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Maria Alexandra Mesquita
Nina Aguiar