Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 487/2020-T
Data da decisão: 2021-05-10  IMI  
Valor do pedido: € 72.437,06
Tema: IMI. Revisão do acto tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário.
Acto de fixação da matéria tributável. Tempestividade
Versão em PDF

 

 Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Arlindo José Francisco e Dr. Jesuíno Alcântara Martins, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-12-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A… -, S.A. - EM LIQUIDAÇÃO, contribuinte fiscal n.º …, com sede na …, … (doravante a “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que dele foram objecto com os n.ºs 2015 …, 2015 ... e 2015 ... de 26-02-2016 (ano de 2015) e n.ºs 2016 ..., 2016 ... e  2016 ... de 03-03-2017 (ano de 2016).

A Requerente pede ainda o reembolso do imposto que considera indevidamente pago (€ 72.437,06) acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-09-2020.

Em 13-11-20209, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 17-12-2020.

A AT apresentou resposta em que suscitou as exceções de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e da caducidade e defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 16-04-2021 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, prosseguindo o processo com possibilidade de a Requerente responder às excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pronunciou sobre as excepções e sobre a questão da impugnabilidade dos actos de liquidação com os fundamentos que invocou.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

Requerente foi declarada insolvente, por sentença proferida em 31.10.2012 no âmbito do processo n.º …/12… que correu os seus termos no 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de …;

Em 31-12-2015 e 31-12-2016, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana :

(i) da freguesia de Sesimbra (Castelo) sob o artigo matricial U-...; e

(ii) da freguesia de Albufeira sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (ora em diante abreviadamente designados por “Terrenos para Construção”) (cópia das cadernetas prediais urbanas que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs:

(i) 2015…, 2015 ... e 2015 ..., de 26-02-2016 relativas ao ano de imposto de 2015, no valor global de € 199.429,43; e,

(ii) 2016 ..., 2016 ... e 2016 ... de 03.03.2017 relativas ao ano de imposto de 2016, no valor global de € 177.627,50 (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Do referido valor global do IMI liquidado em 2016 por referência ao ano de imposto de 2015 (€ 199.429,43), € 64.771,51 respeitam exclusivamente aos Terrenos para Construção (Documento n.º 3) e resultam da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2015 (0,40% aplicável por referência ao terreno para construção localizado na freguesia de Sesimbra e 0,35% aplicável aos terrenos para construção localizados na freguesia de Albufeira) relativamente aos valores patrimoniais tributários (“VPTs”) a 31-12-2015, de acordo com o quadro que segue:

 

 

 No que diz respeito ao IMI liquidado no ano de 2017, por referência ao ano de imposto de 2016, do valor global constante da liquidação (€ 177.627,50), € 57.270,42 dizem respeito ao IMI liquidado por referência aos Terrenos para Construção (Documento n.º 3) e resultam da aplicação das taxas de IMI em vigor no ano de 2016 (0,40% aplicável por referência ao terreno para construção localizado na freguesia de Sesimbra e 0,30% aplicável aos terrenos para construção localizados na freguesia de Albufeira) relativamente aos valores patrimoniais tributários (“VPTs”) a 31-12-2016, de acordo com o quadro que segue:

 

 

Do valor global do IMI liquidado em 2016 por referência ao ano de imposto de 2015 (€ 199.429,43), € 64.771,51 respeitam aos terrenos para construção que se indicam no quadro que segue:

 

 

Quanto ao IMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2016, do valor global constante da liquidação (€ 177.627,50) € 57.270,42 dizem respeito ao IMI liquidado por referência aos Terrenos para Construção que se indicam no quadro que segue:

 

 

  Na avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sesimbra (Castelo) sob o artigo matricial U-..., a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou um coeficiente de afectação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,39 na parcela do terreno para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio; e um coeficiente de localização de 1,52 na parcela do terreno para construção destinada a habitação (documento n.º 2 junto com o pedido de revisão oficiosa, que consta do processo administrativo);

Na avaliação dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Albufeira e Olhos de Água sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., e U-..., a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou o coeficiente de localização de 1,9 (documento n.º 2 junto com o pedido de revisão oficiosa, que consta do processo administrativo);

Na avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Albufeira e Olhos de Água sob o artigo matricial U-..., a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou o coeficiente de localização de 2,1 e um coeficiente de afectação de 1,1 (documento n.º 2 junto com o pedido de revisão oficiosa, que consta do processo administrativo);

A Requerente procedeu ao pagamento integral das liquidações referidas (documento n.º 3);

A Requerente apresentou, no dia 26-02-2020, um pedido de revisão oficiosa no qual suscitou diversas questões de ilegalidade dos referidos atos tributários e solicitou a revisão dos mesmos e, em consequência, a anulação parcial das Liquidações referidas (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 24-09-2020, data e, que a  Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

 

 

3. Excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

 

Para além da apreciação direta da legalidade de actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «actos susceptíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. (   )

Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, em de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários». (   ) (   )

No caso em apreço, a Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação que se baseia em razões substantivas e não por razões formais. (   )

Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico, subsequente a indeferimento expresso de reclamação graciosa, pois este não tem por objecto directo um acto de liquidação, mas sim um anterior acto de indeferimento da impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa). Se o acto expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade de acto de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o acto anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta. (   )

Com efeito, nos casos de recurso hierárquico, em que é impugnado um anterior acto expresso, existe já um anterior acto impugnável, pelo que, no caso de indeferimento tácito do recurso hierárquico, é esse anterior acto expresso e não o indeferimento tácito o objecto da impugnação, como resulta do preceituado no artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT: o decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico «sem que haja sido tomada uma decisão, conferem ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão». Assim, o acto do subalterno, que se presume confirmado tacitamente no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, é o relevante para aferir a idoneidade do meio processual. É neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o indeferimento tácito de recurso hierárquico (à face do artigo 175.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, que, para este efeito, tem alcance substancialmente idêntico ao artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo de 2015), como pode ver-se pelo acórdão de 21-11-2007, processo n.º 0444/07, em que se entendeu: «Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de acto de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objecto a legalidade do acto de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação.»

Assim, nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de acto expresso, é à face do conteúdo deste acto recorrido que se afere se foi ou não apreciada a legalidade de acto de liquidação.

De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo actos de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade de actos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o por arbitral.

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação»;

– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».

 

Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.

Nestes termos, improcede a excepção de incompetência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4. Excepção da caducidade

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a caducidade do pedido de pronúncia arbitral por, em suma, os actos de liquidação de IMI impugnados serem de 2016 e 2017 e o pedido ter sido apresentado em 2020, para além do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.

Nesta norma estabelece-se o seguinte:

 

1 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

 

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;

 

Como se vê, nesta norma prevêem-se, por remissão para o artigo 102.º do CPPT, vários termos iniciais do prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.

Na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, prevê-se como termo inicial desse prazo a «formação da presunção de indeferimento tácito».

No caso em apreço, em que são impugnados actos de liquidação na sequência de indeferimento tácito, é da sua formação que se conta o prazo para apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral.

O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26-02-2020, sendo de 4 meses o prazo necessário para a formação de indeferimento tácito, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

Por isso, o indeferimento tácito formou-se em 26-06-2020.

A Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral em 24-09-2020, no 90.º subsequente à formação de indeferimento tácito.

Por isso, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado tempestivamente.

Assim, improcede a excepção da caducidade.

 

5. Matéria de direito

 

A Requerente vem impugnar actos de liquidação de IMI com fundamento em erros dos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios sobre que incidiu o imposto.

Como diz a Requerente, «constatou que na determinação dos valores patrimoniais tributários ('VPTs") dos Terrenos para Construção, os quais serviram de base às Liquidações de IMI acima identificadas e objeto do presente pedido de revisão oficiosa. a AT aplicou indevidamente uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente. os coeficientes multiplicadores de VPT (i.e.. os coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização, conforme aplicável)».

 

 

5.1. Questão da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento e vícios de actos de fixação de valores patrimoniais

 

Antes de mais, é necessário esclarecer se os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais podem se invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

– nos presentes autos, a Requerente não imputa ao ato sindicado qualquer vicio específico da  liquidação  de IMI, questionando, apenas, o VPT, enquanto ato destacável, para efeitos de impugnação  contenciosa, do procedimento de liquidação  de IMI;

– estabelece o n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, avaliação é directa;

  o n.º 1 do artigo 86º da LGT refere que a avaliação directa é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa, consignado também o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação  ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade. 

– os actos de fixação dos valores patrimoniais, quando inseridos num procedimento de  liquidação de um tributo, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, nos termos do artigo 86,º, n.º 1, da LGT e do artigo 134,º do CPPT;

– na medida em que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa, os vícios do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo;

– não haverá assim possibilidade de apreciação da correcção  do acto de fixação do VPT na impugnação do acto de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação. 

 

Afigura-se correcto este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos e directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento meios de revisão previsto no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação  autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT,  como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:

 

– de 30-06-1999, processo n.º 023160 (   ):

– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;

– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 (   )

– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;:

– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que  não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI.

Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da igualdade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais.

Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é  reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

Para além disso,  neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, actos de avaliação praticados entre 2012 e 2015 (como se vê pelas cadernetas prediais junta pela Requerente ao pedido de revisão oficiosa), muito depois do prazo legal de impugnação de três meses.

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Por isso, em princípio, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com  fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

            No entanto, apesar da não impugnabilidade normal de actos de liquidação com fundamento em vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais, os n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais, a título excepcional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». (   )

            Por isso, invocando a Requerente que «os referidos erros na aplicação do direito (exclusivamente imputáveis à AT, repita-se) resultou uma coleta em IMI superior (mais de duas vezes superior) àquela que seria devida nos termos legais, o que é igualmente suscetível de configurar uma injustiça grave ou notória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 4, da LGT» (artigo 99.º do pedido de pronúncia arbitral, na esteira dos artigos 11.º, 35.º 43.º e 122.º do pedido de revisão oficiosa), há que apreciar a questão de saber se estão reunidos os requisitos desta revisão excepcional. 

 

           

            5.2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa das liquidações ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT

 

Antes de mais, há que esclarecer que não estão reunidos os requisitos da revisão oficiosa ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

A Requerente invoca com fundamento de revisão oficiosa a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 115.º

 

Revisão oficiosa da liquidação e anulação

 

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas: 

 (...)

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido; 

 

Como resulta do teor expresso deste artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI e não a actos de avaliação de valores patrimoniais.

Para além disso, como estas normas especiais são aplicáveis «sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária», a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efectuada se existir erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, os actos de liquidação de IMI, em si mesmos,  não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI  «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita».

Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 31-12-2015 e em 31-12-2016, não há erros da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade.

 

 

5.3. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos de avaliação de valores patrimoniais ao abrigo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 78.º da LGT

 

A possibilidade de  revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI.

Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão.

O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte:

 

Artigo 78.º

 

Revisão dos actos tributários

 

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

 

 

 Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as dos n.ºs 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a actos de fixação da matéria tributável, categoria em que se integram os actos de fixação de valores patrimoniais. Na verdade, no âmbito do IMI, os actos de fixação dos valores patrimoniais são os actos que fixam a matéria tributável.

Assim, é apenas dentro do condicionalismo previsto nestes n.ºs 4 e 5 se pode aventar a possibilidade revisão oficiosa.

Apesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:

– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; (   )

– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».  (   )

 

Por outro lado, a limitação de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade de actos para que é  adequado o processo de impugnação judicial, não é obstáculo à apreciação do cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de efectuar a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como também esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78º nº 3 da LGT e 97º nº 1 al. b) do CPPT)». (   )

Nestas situações em que erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado  acórdão de 17-12-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».

 

5.3.1. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa

O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.

Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário.

No que concerne à liquidação relativa ao ano de 2015, emitida em 26-02-2016, a «revisão da matéria tributável» já não podia ser autorizada em 2020, pois os três anos posteriores ao do acto terminaram mais 31 de Dezembro de 2019.

Por isso, tendo a revisão oficiosa sido pedida apenas em 26-02-2020, tem de se concluir que o indeferimento tácito do pedido se justifica, quanto à liquidação de 2015, por intempestividade.

No que concerne à liquidação relativa ao ano de 2016, emitida em 17-03-2017, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, em 26-02-2020, ainda poderia ser dada pelo dirigente máximo do serviço autorização para «revisão da matéria tributável».

Assim, o pedido de pronúncia arbitral tem de improceder, por intempestividade quanto à liquidação relativa ao ano de 2015.

No que concerne à liquidação referente ao ano de 2016, o pedido de revisão oficiosa não é intempestivo, pelo que tem de se apreciar se se verificam os requisitos da revisão.

 

5.3.2. Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte

 

A fixação da matéria tributável foi efectuada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tem fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.

 

5.3.3. O erro imputado pela Requerente à fixação de valores patrimoniais relativo à aplicação de coeficientes aplicáveis a prédios edificados

 

O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados.

O artigo 45.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) é a seguinte:

 

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º .

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.  (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12)

 

O artigo 42.º, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 42.º

Coeficiente de localização

(...)

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características: 

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

 

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

 

Como bem diz a Requerente, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17,  que

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto

 

Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:

 

O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:

 

(…)

 Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.

 

            Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.

 

            Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

 

            O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

 

            Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.

 

                        A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.

 

            Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.

 

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.

 

            A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

 

            É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)

Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.

Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.

 

Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência

(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.

Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).

 

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.

 

Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre vários outros, pelos acórdãos seguintes acórdãos:

– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);

– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.   III –  Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).

– de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;

– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;

– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).» 

– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».

 

 Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efectuada sem aplicação dos coeficientes  não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação.

No caso em apreço, como se refere na alínea G) da matéria de facto fixada, relativamente ao IMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2016, do valor global constante da liquidação (€ 177.627,50) € 57.270,42 dizem respeito ao IMI liquidado por referência a terrenos para construção

– na avaliação do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sesimbra (Castelo) sob o artigo matricial ..., a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou um coeficiente de afectação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,39 na parcela do terreno para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio; e um coeficiente de localização de 1,52 na parcela do terreno para construção destinada a habitação;

– na avaliação dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Albufeira e Olhos de Água sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ... e ..., a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou o coeficiente de localização de 1,9.

 

Assim, à face da jurisprudência referida, tem de se concluir que a fixação de valores patrimoniais destes prédios enferma dos erros que a Requerente lhes imputa, que são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os actos de avaliação.

 

5.3.4. Erro na aplicação da majoração de 25% prevista o artigo 39.º, n.º 1, do CIMI

 

O artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, na redacção anterior à Lei n. 75-B/2020, de 31 de Dezembro, estabelece que «o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor». 

A Requerente imputa aos actos de avaliação ainda erro por a fórmula de cálculo utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na avaliação dos terrenos para construção considerar indevidamente o valor base dos prédios edificados (€ 603,00) ao invés do valor médio de construção, por metro quadrado, em vigor até 2018 (€ 482,40) sem aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

O valor médio da construção por metro, para efeitos do artigo 39.º do CIMI, manteve-se em € 482,40 entre os anos de 2012 a 2016, em que foram efectuadas e aplicadas as avaliações em causa (Portarias n.ºs 307/2011, de 31 de Dezembro, 424/2012, de 28 de Dezembro, 370/2013, de 27 de Dezembro, 280/2014, de 30 de Dezembro, e 419/2015, de 31 de Dezembro).

Como resulta do teor daquele artigo 39.º, n.º 1, a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas a «prédios edificados». (   )

Por outro lado, o artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que estabelece as regras da determinação do Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não remete para o artigo 39.º em contém qualquer alusão ao «valor base dos prédios edificados», que veio apenas a ser introduzida por aquela Lei.

Assim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes, é de entender que não havia suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI a avaliação de terrenos para construção.

Por isso, não tendo nas avaliações em causa sido aplicado aquele valor médio da construção por metro de € 482,40, mas o valor com a majoração de 25%, os actos de avaliação são também ilegais por violação dos artigos 39.º, n.º 1 , e 45.º do CIMI, nas redacções referidas.

 

 

5.3.5. Injustiça grave ou notória

 

O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».

O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».

Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou».

No caso em apreço, afigura-se ser manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois (mesmo sem considerar os efeitos da errada majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do CIMI), a tributação em IMI dos prédios referidos foi agravada  em 90% quanto aos prédios sitos no município de Albufeira com os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., e U-..., agravada em 131% quanto ao prédio com o artigo matricial U-... e agravada em 82%  e 52% quanto às partes destinadas a comércio e habitação, respectivamente, do terreno para construção sito no município de Sesimbra.

 

 

5.3.6. Conclusão

 

Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável  prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente a liquidação relativa ao ano de 2016, mas apenas em relação a esta, pois quanto à respeitante ao ano de 2015 não foi apresentado tempestivamente pedido de revisão.

Pelo exposto, justifica-se a anulação  do indeferimento tácito, na parte respeitante à liquidação relativa ao exercício  de 2016, bem como a anulação desta liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

            5.3.7 Questões de conhecimento prejudicado

 

 

Do exposto resulta a inviabilidade de anulação da liquidação relativa ao ano de 2015 e a procedência do pedido  anulação relativo ao ano de 2016.

Sendo esta anulação baseada em vícios que obstam à renovação da liquidação com o mesmo conteúdo, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC).

 

 

6. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente pagou as quantias liquidadas e pede o seu reembolso da que considera indevidamente paga (€ 72.437,06), com juros indemnizatórios.

Como se referiu, o pedido de pronúncia arbitral apenas procede quanto ao IMI do ano de 2016.

A Requerente quantifica em € 33.933,10 o valor de IMI que pagou em excesso, considerando conjuntamente o efeito da desconsideração dos coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário e o efeito da majoração do valor médio de construção previsto no artigo 39.º, n.º 1, do CIMI.

Esta quantificação não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Assim, como consequência da anulação parcial da liquidação relativa ao ano de 2016, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 33.933,10.

No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 0402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26-02-2020, pelo que apenas a partir de 27-02-2021 haverá direito a direito a juros indemnizatórios, pois o pedido não foi apreciado.

Os juros indemnizatórios devem ser contados com base em valor de € 33.933,10, desde 27-02-2021, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 7. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em

Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

Anular a parcialmente a liquidação de IMI relativa ao ano de 2016, datada de 03-03-2017, com  n.º 2016 ... (bem como as respectivas notas de cobrança n.ºs …, … e … que constam do processo administrativo), quanto ao valor de € 33.933,10;

Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso quanto ao valor de € 33.933,10 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o seu pagamento a Requerente;

Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente contados com base em valor de € 33.933,10, desde 27-02-2021, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva;

Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos  respectivos pedidos.

 

 

8. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 72.437,06.

 

9. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 53,16% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 46,84%.

 

Lisboa, 10-05-2021

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Arlindo José Francisco)

(Jesuíno Alcântara Martins)